A Hollywood dos sonhos é composta pelo glamour, fama, dinheiro e tapete vermelho, mas existe a parte que ninguém comenta: a grande pressão estética e mental, a pedofilia, abusos sexuais, os transtornos alimentares e outras tantas polêmicas e problemáticas que já vieram à tona. São tantos os traumas que vivem os artistas, que em muitos casos acabam até mesmo duvidando da própria capacidade profissional. E é ainda pior para aqueles que deram início à sua carreira quando crianças.
Há uma lista enorme de atores que começaram muito cedo a trabalhar nesse ramo – boa parte para as emissoras infantis como Disney e Nickelodeon, e outros para grandes produtoras como a Warner Bros e a 20th Century Studios. Entre os gigantes da indústria temos Drew Barrymore, Lindsay Lohan, Macaulay Culkin, Mary-Kate e Ashley Olsen, Amanda Bynes… É uma lista interminável.
Aos moldes da Disney & Nickelodeon
Quando se cresce assistindo Disney Channel e Nickelodeon, o sonho de atuar em um dos programas é imenso e compartilhado por grande parte da audiência – ainda mais ao pensar em conviver com nomes como Selena Gomez, Ariana Grande, Miley Cyrus, Miranda Cosgrove e outras celebridades que levavam crianças ao delírio. Entretanto, assim que seus contratos acabam, relatos dos ex-atores começam a ser contados e o mundo se depara com histórias absurdas e jamais imaginadas.
O arrependimento de começar tão cedo e perder sua infância e adolescência é sempre pautado. Certa vez, em entrevista a Now Magazine, Nick Jonas disse que “a Disney não cria modelos de comportamento, cria apenas personagens”. A infantilização por parte da emissora já foi reclamação de Selena Gomez, Miley Cyrus e até mesmo de Dove Cameron. Manter a imagem de “boa garota” fazia parte do personagem que as atrizes eram obrigadas a interpretar dentro e fora dos holofotes.
O pensamento de “por que este artista não sai da casinha e sempre interpreta os mesmos personagens?”, pode ser explicado pelo seguinte raciocínio: ao fazer grande sucesso em um filme ou série, os produtores de Hollywood decidem focar apenas nesse estilo. Vanessa Hudgens também revelou ao The Guardian que esse foi um dos fatores para ter participado apenas de projetos semelhantes, tendo em vista o sucesso de sua protagonista Gabriela no filme ‘High School Musical’.
Já Zendaya e Bella Thorne confessaram que quando se trabalha para a Disney, é preciso escolher bem seus futuros projetos, já que não se é levado a sério em outros estúdios. “Os diretores nem me ofereciam testes. Eles diziam coisas do tipo ‘ela é tão Disney’. Eu tive que implorar por uma audição”, afirmou Bella Thorne em uma entrevista à Harper ‘s Bazaar.
Outra atriz que se arrepende dos papéis que fez é Jennette McCurdy, conhecida por ser a Sam em iCarly. “Eu me arrependo da minha carreira de várias formas”, declarou durante o episódio Fish Out of Water (Peixe Fora D’água) do podcast Empty Inside que é apresentado pela ex-atriz. “Meus amigos aos 15 anos nunca foram ‘ah, que legal, você está numa série da Nickelodeon’. Era vergonhoso. E eu acredito que existe uma diferença muito grande na experiência de atuar em papéis que você tem orgulho e se sente realizada”.
Diferentemente da Disney, a Nickelodeon teve rumores mais sérios relacionados a sexualização infantil e fetiches. Dan Schneider, criador de séries como iCarly (2007 – 2012), Zoey 101 (2005 – 2008), Drake & Josh (2004 – 2007), Victorious (2010 – 2013), O show da Amanda (1999 – 2002) e muitos outros programas conhecidos pelo público infantojuvenil, foi afastado da emissora em 2018, anunciado pelo Deadline, após a intensificação dos rumores de abuso verbal e infantil com os atores das séries.
Durante o movimento #MeToo, a tag #DanSchneiderIsOver também marcou grande presença nas redes sociais e principalmente no Twitter. Dessa forma usuários passaram a frisar falas, poses e situações de cunho sexual nos programas criados por ele. Vale lembrar que o público alvo é infantil e que, na época, os atores também eram menores de idade.
Um ponto extremamente discutido é o fetiche por pés que Schneider teria – há inúmeras cenas em que o foco se dá a essa parte do corpo, muitas vezes de forma mal intencionada. É possível, inclusive, encontrar diversos compilados no Youtube, de tão recorrentes que eram tais momentos em seus programas.
Outros boatos relacionados ao produtor seriam sobre os abusos sexuais sofridos por Amanda Bynes e Erin Sanders, e o costume de chamar as atrizes menores de idade para as festas na piscina que costumava dar.
Relatos
Várias estrelas mirins que protagonizaram filmes que marcaram a infância de muitos, de alguma maneira sofreram na mão de Hollywood. A atriz Lindsay Lohan foi o rosto do fim dos anos 90, quando estrelou Operação Cupido (1998), e teve destaque até mais ou menos 2010, protagonizando diversos filmes. Por conta do envolvimento com drogas e álcool, além de várias passagens pela polícia, Lohan contou em entrevista para o programa Oprah’s Next Chapter, apresentado pela Oprah Winfrey. De acordo com um anúncio da Netflix, Lindsay irá protagonizar um novo filme natalino para a plataforma, finalmente voltando às telas após longos hiatos.
Amanda Bynes, estrela de grandes comédias românticas dos anos 2000, como S.O.S do Amor (2005) e Ela e os caras (2007), também teve muitos traumas causados pela indústria cinematográfica. Drogas, dirigir alcoolizada, ser presa e atear fogo na garagem de um estranho foram algumas das polêmicas que causaram seu afastamento das câmeras, além do diagnóstico de bipolaridade. Desde 2014, está sob um regime de curatela administrado pelos seus pais que cuidam das decisões médicas, legais e financeiras da ex-atriz.
Macaulay Culkin começou sua carreira aos 4 anos de idade, tanto nos palcos como na televisão nos anos 1980. Com o lançamento de Esqueceram de Mim (1990), seu nome ficou nas alturas, sendo considerado na época o ator mais bem pago e requisitado de toda Hollywood.
Devido ao ambiente de agressões e o instável relacionamento de seus pais, Culkin conseguiu que o juiz proibisse o acesso deles a sua fortuna. “Meu pai era um homem abusivo”, declarou à Time anos depois, “Eu lhe pedia um descanso, queria sair de férias pela primeira vez na vida, e ele não parava de assinar contratos para mais filmes. Ninguém me ouvia. Meu pai tinha uma cama tamanho gigante e uma televisão enorme e me fazia dormir com meu irmão no sofá. Fazia isso para quebrar meu espírito”.
O vício em drogas, bebidas e a compulsão para gastar seu dinheiro como se não houvesse o amanhã, veio logo em seguida, como uma forma de distração e fuga do ambiente tóxico em que vivia.
Assim como Culkin, Drew Barrymore também começou a carreira muito nova, estrelando em filmes como ET (1982), e até hoje pode ser considerada uma das maiores atrizes mirins de Hollywood. A fama precoce e a família conturbada, fez com que Drew, aos 12 anos, já fosse viciada em cocaína e álcool, e posteriormente fosse internada em uma clínica de reabilitação aos 13 anos, como conta em sua autobiografia Wildflower e para o The Guardian.
O trágico mundo de Oz
A atriz Judy Garland, conhecida mundialmente pelo seu papel em O Mágico de Oz como Dorothy em 1939, foi uma das personalidades que mais sofreu. O sucesso de Judy foi durante a Era de Ouro de Hollywood, uma época em que as coisas não eram fáceis e temas como saúde mental nem sequer eram discutidos. A pressão dos produtores e grandes estúdios era ainda mais desumana e desrespeitosa do que nos dias atuais.
Garland sofreu muito, não só com a indústria hollywoodiana mas, principalmente, com sua mãe. Assim como outros artistas já citados, também começou sua carreira ainda criança, e ter perdido sua infância é de longe o menos pior que lhe passou durante a sua vida e carreira.
Sua mãe, ou melhor, a verdadeira bruxa má do oeste, como a chamava, garantiu sua estrela em Hollywood a base de ensaios contínuos, mesmo quando Judy estava extremamente cansada. Tudo piorou quando começou as gravações de O Mágico de Oz, Judy seguia dietas nada saudáveis, a ponto de ficar sem comer (lembrando que a mesma tinha meros 16 anos na época), além de fumar cigarro, consumir café exageradamente e utilizar drogas estimulantes para as gravações não serem interrompidas.
Devido a sua longa e dolorosa trajetória que envolveu diversas polêmicas, por ser exposta a drogas muito cedo e não ter um apoio saudável de sua família, Judy Garland faleceu em 22 de junho de 1969, justamente de overdose.
A infância roubada
O estresse pós-traumático por começar a trabalhar desde cedo na Disney ou Nickelodeon ou estrelando grandes filmes de Hollywood, não é frescura ou de fato uma maldição. O que leva os artistas a terem uma grande desestabilidade mental quando começam a carreira jovem é devido a alguns fatores, como explica a psicóloga especializada em psicologia da infância pela UNIFESP, Carolina Santilli, ao site Viva Bem da Uol.
A psicóloga explica que a infância é uma fase em que as crianças estão começando a desenvolver sua personalidade, partindo disso, ao viverem uma vida em cena podem ter problemas para diferenciar uma realidade da outra “A infância é o período da vida em que a estrutura psicológica é constituída, sua identidade, personalidade, é o momento de formação do aparelho psíquico. Por isso, todas as vivências têm um impacto fundamental”.
Ter muito dinheiro e poder ainda jovem tem como consequência a má administração, viver em um ambiente cheio de festas, bebidas, cocaína, uma terra sem lei, é um cenário vulnerável, para quem é propício a desenvolver algum vício e não compreende o que é certo ou errado, pelo simples fato de ser de muito jovem.
Quando a criança começa a atuar é preciso ter acompanhamento psicológico e moderar suas funções para não sobrecarregar com as responsabilidades das gravações, já que é um trabalho infantil. A família deve dar um apoio positivo e respeitar as escolhas, mantendo um equilíbrio, para preservar a infância o quanto for preciso.
A indústria cinematográfica americana está começando a mudar, tópicos como esses, que antes eram abafados, passaram a ganhar grande força e visibilidade. Atualmente, ex-artistas mirins se sentem confortáveis e seguros para contar a própria história e revelar as situações que passaram no início da carreira, como foi o caso, já citado, de Drew Barrymore e Bella Thorne.
Embora os traumas não possam ser desfeitos, a lenta evolução de Hollywood pode permitir que o ambiente do trabalho mirim, aos poucos, se torne mais saudável, prevenindo que a história se repita e protegendo a vida e a consciência da criança.