No domingo (22) teve início a maior mobilização nacional indígena desde a redemocratização do país, a “Luta pela Vida”. Cerca de 176 povos indígenas se reuniram na entrada do Palácio do Planalto em um acampamento organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
A mobilização conta com uma programação intensa de plenárias, agendas políticas em órgãos do governo, embaixadas, marchas e manifestações. As atividades buscam reivindicar direitos e promover atos contra a agenda anti-indígena que está em curso no Congresso Nacional e no Governo Federal.
O principal foco do movimento é o julgamento que está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Projeto de Lei 490, que criou uma nova tese: “Marco Temporal”. Essa nova tese determina que uma terra indígena só pode ser demarcada se os povos indígenas originários comprovarem que estavam ocupando a área desde 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
“O pior é que este Marco Temporal acaba com o direito dos indígenas em relação às terras onde já vivemos. É o fim de todos os direitos que temos registrados em Constituição… Então, é como se estivessem reivindicando a nossa existência e a posse de mais de 300 territórios indígenas.” Conta Zaya, modelo de 20 anos, natural de Porto Velho (RO) e herdeira de raízes indígenas do povo Kamurape. Ela estreou na SPFW N51, que aconteceu em julho de 2021, pela coleção do estilista Isaac Silva.
Entenda mais sobre a PL 490 e a sua problemática
Outro ponto significativo na PL 490 que será alterado na Constituição caso seja aprovada é quanto ao uso exclusivo das áreas pelos povos tradicionais. As novas regras abrem espaço para a exploração hídrica, energética, mineral e garimpeira, e para a expansão da malha viária. Além disso, caso haja interesse do governo, a entrada e permanência das Forças Armadas e da Polícia Federal será liberada, sem a necessidade de consultar as etnias que estiverem habitando o local.
É importante salientar que a PL 490 é apoiada massivamente por ruralistas, madeireiros, latifundiários e garimpeiros, por conta da possibilidade de exploração de recursos e pelo fim da demarcação dessas terras. Já os territórios indígenas, que abrigam 80% da biodiversidade, são conhecidos culturalmente por preservarem as terras, a natureza e as diferentes formas de vida. O desmatamento e a extração de recursos destas terras podem colaborar significativamente para a devastação do país.
“O pior de tudo é que é a Bancada Ruralista que está por trás disso, são os garimpeiros, os latifundiários e eles querem tomar as terras… Isso vai aumentar o desmatamento no Brasil… Nós indígenas, além da nossa cultura, além da gente já lutar pela vida… Nós também temos uma preocupação com a mãe natureza.” Afirma Zaya.
Povos indígenas em risco
Atualmente, há 421 terras indígenas homologadas que somam mais de 106,6 milhões de hectares, nos quais vivem 466 mil indígenas, o que representa 13% do território brasileiro. Já as grandes propriedades rurais existentes ocupam mais de 20% do território do país, o que significa que existem mais terras nas mãos de empresários do que nas mãos de indígenas.
Muitos desses povos sofrem violências e remoções forçadas de seus próprios territórios. Durante a pandemia, estes atos aumentaram 135%. Até setembro de 2020 foram notificadas 33 ameaças de morte, 34 ameaças variadas, 20 homicídios culposos, 24 tentativas de assassinato, 10 casos de violência sexual, 13 casos de lesão corporal dolosa e 16 situações de racismo e discriminação étnico cultural.
Na última quinta-feira (26), o Ministro Fux adiou o julgamento pela 4ª vez em menos de dois meses, para a quarta feira (01).
“É um retrocesso do Governo Bolsonaro e o que a gente tá tentando fazer em Brasília é lutar, sabe? Para que não tomem as nossas terras, para que não terminem de matar o resto da população indígena que ainda existe no Brasil… A gente tá vivendo um momento muito sério, temos mais de 600 etnias em Brasília lutando pelas terras, lutando pela vida, então assim, é muita coisa em jogo.”
Povos indígenas ao redor do país, também manifestaram pela queda da PL 490. Todos estão em busca de preservar sua história de resistência, em meio ao genocídio indígena que acontece desde a colonização.
A aprovação deste projeto será entregar os recursos ambientais e territórios indígenas do país nas mãos de empresários do agronegócio, que não estão nem um pouco preocupados com a preservação da mãe natureza e, muito menos com a história brasileira.
“No dia do índio, as pessoas querem se vestir homenageando a nossa cultura, mas no dia de ir lá protestar, no dia de ir lá fazer a luta acontecer, as pessoas não se importam, então assim, a gente tá vivendo um momento que a gente não pode contar com ninguém, sabe? Ninguém desse governo quer nos ajudar… Nós somos minorias, nós não somos escutados. Eu sou uma das primeiras modelos na indústria da moda indígena aqui no Brasil. Além de eu ter nascido uma mulher indígena, eu tenho uma luta muito maior, sabe? Por sobrevivência, por inclusão, por diversidade, representatividade.”
Finaliza Zaya, que também é co-fundadora do coletivo @indigenasmodabr.
Confira um resumo, feito pela Zaya, de cada pauta que está em processo de aprovação
Marco Temporal: A tese do marco temporal, defendida por ruralistas e atores interessados em áreas de comunidades tradicionais, se baseia na ideia de que as populações indígenas só teriam direito à terra que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988. A data em questão marca a promulgação da atual Constituição Federal. Isso é um absurdo, pois todo território brasileiro é indígena e os invasores tentam decidir qual terra podemos ocupar, mas isso não cabe a eles.
PL 490: Indo contra a Constituição Federal Brasileira, o Projeto de Lei 490/2007, elaborado pela bancada ruralista, usa a ideia do Marco Temporal em sua estrutura e propõe que a demarcação das terras indígenas seja flexibilizada através de leis. O artigo 231 da Constituição reconhece que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Joenia Wapichana, lembra que os direitos indígenas sobre suas terras são cláusula pétrea da Constituição e que, portanto, não podem ser alterados por interesses individuais. Além disso, o projeto também prevê a abertura das terras indígenas para o garimpo que está destruindo cada vez mais a Amazônia Brasileira.
PL 191: Esse projeto de lei legaliza a mineração ilegal e autoriza os crimes que já acontecem dentro de terras indígenas como a construção ilegal de hidrelétricas, que já atinge a Amazônia em Belo Monte, no Rio Xingu. Usinas instaladas em áreas de floresta tropical emitem quantidades consideráveis de gases de efeito estufa – dióxido de carbono e metano – como resultado, temos a degradação da vegetação alagada e do solo, além de rios poluídos. As comunidades sofrem com esses crimes que passam por cima da Constituição.
PEC 215: Uma das principais bandeiras da bancada ruralista, a PEC 215 transfere do Governo Federal (poder executivo) para o Congresso (poder legislativo) a atribuição de regularizar as Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação. Essa nova sistemática, se aprovada, deverá paralisar de vez o processo de oficialização dessas áreas protegidas, deixando-as vulneráveis para exploração.
PL 2633: O PL 2633/2020 não é apenas oriundo da MP 910, é um projeto de lei contaminado e permanece como “Pacote de Crimes Ambientais”, agora, “PL da Grilagem”. A bancada ruralista deixa claro seu interesse no patrimônio nacional quando permite, por meio do PL, que criminosos que desmataram tenham direito a compra da terra a preço de “banana”. O projeto mantém a mesma linha de interesse da MP 910 que favorece o desmatamento, a grilagem e principalmente a violação de direitos dos povos originários com a invasão em áreas de preservação.
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