O mainstream não esperava que um homem negro assumidamente gay no hip-hop roubaria a cena e seria um grande sucesso entre o público!
MONTERO, primeiro álbum de estúdio do Lil Nas X, acredite se quiser, chegou em todas as plataformas de streaming ontem, sexta-feira (17), e já pode ser considerado um fenômeno. Com 15 músicas muito bem produzidas e executadas, o disco vai do rap ao pop abordando questões importantes de sua vida, como a solidão de crescer gay, sua aceitação e também sobre o amor.

A obra contém grandes participações como Doja Cat, Miley Cyrus, Megan Thee Stallion, Elton John e Jack Harlow. E além disso, todas as faixas ganharam um visualizer no Youtube. A aclamação pelo público foi tanta que, debutou com uma média de 90 no Metacritic e em veículos especializados, como o The Gardian e The Independent, ganhou nota máxima.
Mas o que faz de Lil Nas tão especial?
O rapper vem chamando atenção desde que lançou o remix de Old Town Road, com Billy Ray Cyrus, pai da Miley. A canção disparou em todas as paradas, e ficou como número 1 na Billboard por muito tempo e também conquistando o marco de música com mais certificados de platina na história dos Estados Unidos, sendo 14 milhões de certificações de acordo com a Associação Americana da Indústria de Gravação. Além disso, em 2019, a dupla levou o Grammy de Melhor Duo Pop/Performance de Grupo e Melhor Vídeo Musical.
Logo depois, lançou o EP 7, que além de OTR, emplacou os hits Rodeo, feat com Cardi B, e Panini, que garantiu o segundo top 10 na principal parada americana. Os videoclipes também chamaram a atenção, o primeiro faz referência a Michael Jackson, com Thriller, e aos filmes Matrix e Um Vampiro no Brooklyn. Já o outro, possui uma pegada futurista, e isso se torna uma grande característica de Nas, com muito reconhecimento e expectativas em cima dele.
O primeiro single do álbum, MONTERO (Call Me By Your Name), foi um grande destaque, que além de retratar abertamente sobre sua orientação sexual, trouxe um marco de conquistas para o rapper. LNX ganhou as estatuetas de Vídeo do Ano, Melhor Direção, Melhor Direção de Arte e Melhores Efeitos Visuais na última edição do Video Music Awards, em 2021. Esses feitos com certeza só foram possíveis devido a constância nas primeiras posições nos charts.
Sun Goes Down, segundo single do disco, que já vem com uma pegada mais R&B, pode ser considerada uma das faixas mais vulneráveis, com um Lil Nas meditativo que reflete sobre sua vida e ascensão. O artista adulto revisita o passado, uma versão de si adolescente, que enfrentava problemas de aceitação devido ao racismo e à homofobia, e ele adulto mostra uma luz de esperança no fim do túnel.
O mais polêmico e terceiro single, Industry Baby, feat com Jack Harlow, aborda a temática do encarceramento racista. No clipe ele é preso por ser gay e responde aos críticos que esperavam sua carreira acabar com Old Town Road. Com direção de Kanye West, retrata o empoderamento dentro da cadeia, e até dança nu no vestiário. Também faz referências ao beijo famoso em que protagoniza com um bailarino durante sua apresentação no BET Awards de 2021; os Grammys que recebeu; e uma provocação ao 50 Cent, já que Lil Nas aparece de cabeça para baixo igual ao clipe In Da Club, e o próprio 50 Cent já fez comentários homofóbicos, até mesmo sobre o LNX.
No Video Music Awards em 2021, fez uma performance impecável de Industry Baby e Call Me By Your Name. Abriu sua apresentação guiando uma banda marcial, e em seguida, recriou a prisão do clipe, mas dessa vez utilizando uma sunga rosa cintilante!
O artista elaborou o The Montero Show, onde é um entrevistado grávido, plateia entusiasmada e entrevistador sem filtro. De modo cômico, Nas passou por todas as suas obras, como uma meio de retrospectiva para introduzir a nova era. Ainda dentro do quadro, ele foi para o “hospital dar luz ao seu filho”, vulgo álbum.
Após o talk show, lançou mais um videoclipe, Thats What I Want, com uma mistura de futebol americano e Brokeback Mountain. Lil Nas X representa um jogador que se envolve com um outro atleta, mas tudo termina quando ele descobre que o pretendente possui mulher e filho. Essa situação caracteriza cenas comuns vividas pela comunidade gay, que infelizmente não são representadas no mainstream. Com 24 horas de estreia, o clipe acumula mais de 11 milhões de visualizações no YouTube e permanece em #6 nos vídeos em alta da plataforma.
Sexualidade e moda como forma de expressão
Junho é conhecido pelo Mês do Orgulho LGBTQIA+, e LNX em 2019, aproveitou o último dia do mês, 30, para assumir sua sexualidade no Twitter. Talvez, fosse óbvio para muitas pessoas, até pela indireta do arco-íris na capa do seu EP, mas o público do rap e do country ainda é preconceituoso, e poderia ser decretado o fim de sua carreira.
Em entrevista ao programa CBS This Morning, o rapper revelou que já tinha conhecimento sobre sua orientação sexual desde a infância, mas que ter revelado ao mundo foi para inspirar outras pessoas a se assumirem: “Para mim, agora é fácil mas, para alguns meninos que moram bem longe daqui, isso vai ser bom pra eles”.
Desde então, Nas utilizou sua visibilidade para se expressar através das músicas, e isso fica explícito quando ouvimos algumas canções de MONTERO, como Call Me By Your Name e Thats What I Want. A moda também é uma forma de comunicação por parte do artista, por mostrar de fato quem é, e isso se torna significativo para a comunidade LGBTQIA+. Ele sempre comparece aos tapetes vermelhos das premiações usando trajes que chamam atenção de todos, como no Video Music Awards e Met Gala, que usou criações da Versace e foi destaque por ser “extravagante”.
Marketing em cima de polêmicas
Além de toda a construção do álbum, Lil Nas gerou um bom buzz marketing em cima das polêmicas envolvendo o seu nome. Começa pelo lançamento do clipe MONTERO (Call Me By Your Name), em que explora sua orientação sexual, ao criar um storytelling através de passagens bíblicas, como o Jardim do Éden, e as antiguidades gregas e romanas, como Zeus e Ganimedes.
Fazer pole dance até o inferno e um lap dance no colo do diabo foi mais que o suficiente para os conservadores reclamarem e até atacarem o rapper. A grande verdade por trás do videoclipe, é a história do preconceito que homens gays enfrentam: ter ódio de si mesmo e se esconder de todos. Mas pasmem, estamos em 2021 e isso não vai mais acontecer
Ainda sobre Call Me By Your Name, o coletivo de arte MSCHF, especializado em produtos de coleção limitada, em parceria com o Lil Nas X, fizeram o “Sapato do Satanás”. Foram lançados 666 (número da besta) pares customizados do Nike Air Max 97 com símbolos que fazem referência ao Diabo, como uma estrela de cinco pontas invertida, e também gotas de sangue humano na sola.
No clipe da música, Montero Hill escorrega por um poste de stripper do céu ao inferno usando o par de tênis. Essa cena faz referência ao versículo bíblico Lucas 10:18 – que também vem gravado no sapato – em que diz “Então ele lhes disse: ‘Vi Satanás cair do céu como um raio’ ”.
A Nike processou a MSCHF alegando violação da marca registrada, já que não autorizou e nem aprovou o tênis, podendo gerar uma imagem negativa sobre a empresa de calçados. Algumas pessoas, incluindo a Governadora da Dakota do Sul, reclamaram do design nas redes sociais.
O meio do hip-hop é majoritariamente um ambiente machista e homofóbico, e o próprio Nas já sentiu isso vindo de outros rappers, como o T.I. e o 6ix9ine. Em entrevista à Revista Variety, ele revelou que só anda com seguranças devido ao preconceito, e assim que foi liberado a tracklist do seu novo álbum, no dia 01 de setembro, o público levantou a falta de colaborações com homens negros, mas o rapper respondeu um usuário afirmando que alguns músicos não gostariam de trabalhar com ele.
Lil Nas também foi acusado pela Antra Brasil de transfobia por fazer uma alusão à gravidez ao promover o lançamento de MONTERO. O rapper fez toda a propaganda do álbum como se estivesse “grávido” do seu primeiro disco, usando até uma barriga de gravidez falsa, compartilhando fotos e vídeos, com direito a chá de bebê e o momento do nascimento.
Através do Twitter, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais afirmou que ele não teve responsabilidade em torno dos problemas da gestação que atingem mulheres, homens trans e pessoas não binárias. Mas outras pessoas, acreditam que essa “gravidez” é uma forma de quebrar padrões de gênero, principalmente por ser um homem cis, e até por ter desenvolvido um link com doações para organizações LGBTQIA+, em que cada faixa representa uma instituição.
Lil Nas X é a verdadeira revolução de uma indústria fonográfica misógina, machista, patriarcal e racista! Apenas com três anos de carreira, se mostra um verdadeiro artista que veio para transformar o modo de fazer música, sendo o pacote completo de ‘diva pop’: entregando looks icônicos, passagens marcantes nos tapetes vermelhos, apresentações de altíssimo nível e novos modos de promoção musical através da internet. É impressionante e até emocionante pensar em como a geração atual pode se inspirar e se conectar com o trabalho dele.