Reboot, remake, revival. Palavras cada vez mais comuns no universo cinematográfico, e que apesar das definições distintas, têm o mesmo propósito: nomear séries, filmes ou novelas que recriam e derivam de alguma outra já existente.
Mesmo que tais produções sempre tenham existido na trajetória do cinema – os incríveis quatro remakes de Nasce Uma Estrela são a prova – é inegável que, atualmente, há um grande número de conteúdos desse tipo sendo lançados. Hollywood está vivendo a era da nostalgia, mas qual seria a razão por trás disso? Por que mesmo com histórias já conhecidas pelo público esses lançamentos tornam-se sucesso de audiência? Essas talvez sejam aqueles tipos de perguntas que não tem uma única resposta,
Seguro e Lucrativo
Quando se trata do ponto de vista de Hollywood, a razão por trás dos investimentos em reboots, revivals ou remakes pode ser simples: é um investimento certeiro e seguro, que demanda pouco esforço de marketing por ter um público já formado e personagens já conhecidos, e que gera retorno financeiro significativo. Apesar do audiovisual ser uma forma de arte e proporcionar grandes momentos de genialidade (tanto de atores como daqueles que estão no backstage) há algo sobre a indústria do cinema que não pode ser deixado de lado: o dinheiro.
Mesmo que seja bom, um roteiro precisa se mostrar vendável – ou será engavetado. E, certamente, produções que relembram ou abordam outras de sucesso são vendáveis. Enquanto continuarem assim, serão repetidas diversas vezes pelos estúdios que visam o lucro por trás delas. Em Hollywood, fazer investimentos seguros e não errar é mais desejado do que investir em algo novo e acertar.
Essa postura regida pelo medo se intensifica ainda mais conforme as cifras vão crescendo: os filmes e séries encarecem cada vez mais a cada ano. Por essa razão, não é difícil imaginar que nenhum estúdio tem a intenção de investir milhões de dólares em um filme que não vá gerar o mínimo retorno. As sequências, franquias, remakes, prequels e outros diversos modos de se resgatar obras já conhecidas são a aposta perfeita nesse cenário.
A Disney, por exemplo, tem colocado seus esforços e dinheiro em produções live-actions de suas animações clássicas, e pouco tem se arriscado em novos projetos (apesar das excelentes novas animações Soul e Luca). O estúdio tornou-se, hoje, um símbolo da era nostálgica que vivemos, já tendo lançado vários live-actions nos últimos anos.

grande símbolo do “boom” dos remakes, reboots e prequels atualmente.
(Divulgação: Disney,)
No entanto, essa lógica empresarial e industrial de escolher investimentos em projetos que sejam comerciais e com retorno certeiro não faria sentido se não houvesse reação positiva do público, uma vez que todas as decisões são tomadas pensando nela: a audiência.
O ponto de vista do telespectador é mais subjetivo e demanda explicações que ultrapassam a lógica de mercado que os estúdios seguem; essa subjetividade vem de sentimentos como a nostalgia e de características como a memória afetiva, emoções tão poderosas e reconfortantes que fazem as pessoas pagarem o ingresso do cinema ou assinarem um novo serviço de streaming para ver a mesma história.
O cinema e a televisão como meios de comunicação massificados têm o poder de retratar a sociedade naquele momento. Em todas as gerações sempre haverá filmes e séries que as definirão e irão pautar seus comportamentos. É natural, portanto, que se crie uma memória afetiva por eles e os relacione aos tempos de infância, adolescência ou juventude… O que posteriormente, fará surgir um sentimento de nostalgia ao assistir tais obras novamente, anos depois.
É esse o ponto que os reboots e remakes buscam atingir: a volta ao passado. E a sétima arte é a escolha perfeita, já que pode transportar alguém de volta a um certo período como nenhuma outra poderia.
Afinal, não é sobre isso a nostalgia? O sentimento e a vontade de voltar a um momento do passado onde tudo parecia mais simples, controlável e previsível? As frases “eu era feliz e não sabia” e “tempo bom que não volta mais” utilizadas pelos nostálgicos assumidos elucidam exatamente esse significado. Quando o presente é doloroso a volta a um passado aparentemente mais fácil parece uma ótima saída. Ainda mais em meio a uma pandemia recheada de incertezas políticas e de um iminente caos climático se aproximando.
Humanos são controladores e pouco adaptáveis a mudanças em um primeiro momento. Um personagem já conhecido, uma história já contada, todos esses são terrenos muito seguros para momentos tão incertos.
Ao mesmo tempo, não se pode esquecer da série de memórias afetivas que rever tais histórias trazem à tona. Não se revê o mesmo filme buscando apreciar a história, se revê buscando resgatar aquelas mesmas memórias de momentos de pipoca, chuva e Sessão da Tarde ou de risadas no cinema com os amigos da escola. Mesmo que de forma inconsciente.
Não só, a memória afetiva também está ligada diretamente aos personagens da trama, principalmente quando se tratam de séries televisivas. Elas costumam gerar mais memória afetiva em seus espectadores, pois os prendem por anos a fio contando as histórias dos mesmos personagens. Cria-se um laço com eles, uma boa memória, uma relação de proximidade com suas trajetórias e personalidades. É esse um dos componentes da receita de sucesso de Greys Anatomy (2005 – atualmente), por exemplo. Todos se sentem próximos de Meredith Grey.
(Divulgação: ABC)
Tal recurso é algo que pode a vir ser bem explorado para futuros revivals de outras produções que desejam voltar às telas: trazer de volta os sentimentos e as boas memórias que aqueles personagens proporcionaram.
O uso de símbolos presentes nas produções que buscam o sentimento de nostalgia e memória afetiva também é muito presente. Aquela característica singular daquela produção específica que viria a definir uma geração. Símbolos são ferramentas poderosas de nostalgia, e não é só o cinema que os usam para tal. Quem não se lembra da famosa corneta azul de How I Met Your Mother (2005-2014), do sofá laranja de Friends (1994-2004), da livraria em Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) ou da dança final de Dirty Dancing (1987)?

(Divulgaçao: Warner Bros)
Quando se pensa em tais sentimentos pode-se perceber que diversos filmes e séries têm feito sucesso utilizando-se dessa receita. O novo reboot de ‘Gossip Girl’(2021) traz todo o clima do antigo seriado e resgata vários símbolos bem marcantes da série original: a personagem Audrey que lembra Blair (e pasmem tem o mesmo nome da ídola de Blair Waldorf; Audrey Hepburn), os uniformes com saias repaginados e os personagens sentados na escadaria do MET. Símbolos que despertam memórias e sentimentos nostálgicos nos jovens adultos de hoje, então adolescentes quando assistiram ao original.

(Divulgação: HBO)
O revival de Sex and The City (1998 – 2004), que estreia esse ano, é precedido por dois filmes: Sex and The City (2008) e Sex and The City 2 (2010). Longas que souberam sabiamente adaptar suas tramas as vivências de seu público, já que nos dois casos as fases da vida das quatro amigas e suas problemáticas mudaram sem alterar a essência das mesmas, a modo de fortificar a memória afetiva do espectador e sua relação com as personagens que sempre fora de identificação com seus dilemas. Um outro bom exemplo de como usar a memória afetiva e a nostalgia em um comeback.
Apesar de todas as produções citadas tratarem-se de filmes e séries que surgiram de outros já existentes, é possível vender nostalgia e mesmo assim apresentar um conteúdo original. É o que faz Stranger Things(2016 – atualmente), o produto mais nostálgico possível. Tudo no seriado da Netflix apela para a nostalgia daqueles que viveram sua infância e adolescência nos anos de 1980: os elementos de cena, a homenagem a produções famosas do período, os figurinos, as músicas…A série é um verdadeiro caldeirão de referências, que, mesmo assim, mantêm sua trama original, sempre com a presença dos elementos oitentistas para contextos condizentes com o século XXI.

(Divulgação: Netflix)
Vale ressaltar e concluir que não é ruim sentir nostalgia, e que a reciclagem de filmes visando conquistar o público por essas vias também não. Basta que a produção não traga apenas a nostalgia pela nostalgia, o que vem sendo o caso de muitos desses lançamentos, como alguns live actions da Disney. Espera-se que essas obras tragam, também, o entendimento de que é bom valorizar o passado, sem deixar de reconhecer as melhoras e as mudanças do presente.
Nesse ponto, a ideia por trás dos reboots e dos revivals bem elaborados parecem acertadas: trazer a mesma história, porém com novos personagens e/ou novas tramas que conversem melhor com os dias atuais. Reviver histórias sob outros pontos de vista, consertando passagens anacrônicas parece um bom jeito de trazer o passado de forma mais saudável e consciente.