A terceira temporada de Sex Education chegou à Netflix em setembro e pode ser considerada como uma das melhores séries da atualidade, já que praticamente um mês após o lançamento, permanece no Top 10 da plataforma.
Uma inovadora representação da adolescência, tratando de tabus em torno do sexo, como orgasmos e métodos contraceptivos, culminou para tanto reconhecimento. Sem filtros, a obra inglesa desenvolveu três excelentes temporadas, que fazem os espectadores se envolverem com cada história apresentada no seriado.
O início da primeira fase não é só sobre educação sexual, mas as barreiras da descoberta da homossexualidade e as diferentes formas de bullying. Em sequência, trazem para o debate a assexualidade, fetiches, vaginismo e assédio sexual, mas de modo que o tema central da série seja leve, mesclando aprendizado com toques de humor britânico.
O terceiro ano de Sex Education explicita a problemática do conservadorismo, como o preconceito com a gravidez tardia, relação sexual com pessoas com deficiência, relacionamento com indivíduos mais novos, resistência contra a linguagem neutra, homofobia como crime e a sexualidade como sinônimo de perversão. Os novos episódios são os mais sexuais e maduros, desmistificando possíveis achismos de que falar sobre sexo é algo banal.
O diferencial
Diferente da série britânica, os debates acerca da sexualidade sempre foram mais negligenciados nas séries, como em Skins. Uma exemplificação disso ocorre quando a personagem Cassie, interpretada por Hannah Murray, desenvolve uma anorexia, distúrbio alimentar, e essa temática não é bem aprofundada, ocasionando uma romantização. Já as obras mais recentes, como Elite e Gossip Girl, também podem ser consideradas como exemplos da banalização existente e que perduram dentro de produções audiovisuais envolvendo a juventude.
Imagem: Reprodução/Amazon Imagem: Divulgação/Netflix Imagem: Divulgação/Courtesy The CW
A Netflix encomendou uma pesquisa em 2020 com a empresa NetQuest, e como resposta obteve que sete em cada dez brasileiros – participantes do estudo – optam por assistir filmes e séries que apareçam personagens semelhantes a eles. Esse resultado indica a busca por representação no cinema, como um meio de enxergar a vida através das telas. Além disso, conclui-se também que os jovens buscam por conselhos para solucionar algumas situações, principalmente as que envolvem relacionamento, futuro e amizade.
Portanto, Sex Education se torna uma produção que ultrapassa as expectativas, transformando ficção em uma realidade pré-existente, e acaba sendo coerente com o mercado, mesmo que haja uma certa “adultização”, já que a adolescência é de fato uma transição para a fase adulta.
Essa abordagem só foi possível devido a Laurie Nunn, criadora da série. Em entrevista ao jornal The Washington Post, afirmou que já ouviu espectadores adultos declararem que o programa ajudou a entender questões que lhe foram ensinadas de modo errado. A roteirista também falou em entrevista ao The New York Times, sobre fazer parte do esforço da produção a importância das interações, de modo que seja prático e detalhado: “Não é apenas representação, é ter o máximo possível dentro do escopo do show”.
Além disso, os produtores da série procuraram por coordenadores de intimidade, para que as cenas mais íntimas fossem de uma forma autêntica. David Thackeray, por exemplo, trabalhou em todos os oito episódios da nova temporada, coreografando cada cena como se fossem passos da dança ou movimentos de uma luta. A consultora Jodie Mitchell, conhecida por aconselhar produções em como representar personagens e temas não-binários, também foi solicitada pela equipe de Sex Education.
Dua Saleh, que interpreta Cal na série inglesa e que também é uma pessoa não-binária, declarou que foi surpreendente como os assessores eram atenciosos e cuidadosos com os corpos dos atores, e também sobre a importância do programa: “Quando eu era adolescente, se tivesse visto esse programa, não teria conservado todos os sentimentos nojentos sobre mim, apenas por ser eu mesmo. Eu não teria vergonha de apenas existir”.

Como a temática exibida na série chega a realidade brasileira
Há quem considera que falar sobre sexo com jovens é problemático e até mesmo errado, mas não tem nada a ver com promiscuidade e pornografia, e sim sobre conhecer o próprio corpo e limitações. O atual Presidente, Jair Bolsonaro, demonstrou esse pensamento desde quando era Deputado, onde criticou o livro Aparelho Sexual e Cia, afirmando fazer parte de um suposto “kit gay” criado por Fernando Haddad, quando foi Ministro da Educação, de 2005 a 2012, nos governos Lula e Dilma. Esse projeto nunca existiu, mas a obra possui o intuito de explicar o sexo de forma didática e divertida.
Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, lançou uma campanha em fevereiro de 2020, para prevenção da gravidez na adolescência através da abstinência sexual. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, estima-se que pelo menos 13 milhões de garotas tenham engravidado entre 10 e 20 anos nas últimas duas décadas. Um dos maiores problemas é a evasão escolar e, consequentemente, a falta de oportunidades no mercado de trabalho, mas a abstinência não é um método eficaz de prevenção.
O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de casamentos infantis, sendo o primeiro da América Latina, segundo a Unicef. Além disso, as infecções sexualmente transmissíveis também são um problema, já que uma menina entre 15 a 19 anos é infectada com o vírus HIV, causador da AIDS, a cada três minutos. Já entre os meninos na faixa de 20 a 24 anos com AIDS, a estimativa cresceu em 133% entre 2007 e 2017.

Educar crianças e adolescentes para que conheçam sua sexualidade é de extrema importância, visto que o país também possui um alto índice de estupro, entre 2017 e 2018 foram registrados um total de 127.585 casos. Portanto, se as escolas e famílias adquirissem a educação sexual, as situações de assédio poderiam diminuir junto a outros problemas, como gravidez precoce e IST. Além disso, os jovens iriam aprender a respeitar o próprio corpo e das outras pessoas a sua volta, o que possibilita uma maior aceitação da diversidade.
Sex Education se passa em outra cultura, mas com os mesmos problemas, e mostra como o assunto pode ser trabalhado entre pais e filhos e alunos e colégios. Indo além de histórias ficcionais, o público pode aproveitar todos os ensinamentos de forma objetiva e descontraída, resultando em uma série aclamada por todo o seu desenvolvimento.
Vale a pena aguardar a próxima temporada que já foi confirmada pela plataforma de streaming Netflix. Mas enquanto isso, já assistiu à terceira fase?