Em 2007, Megan Fox protagonizou Transformers ao lado de Shia LaBeouf e, graças à popularidade da franquia, foi considerada símbolo sexual na época. Em 2009, Garota Infernal, dirigido por Karyn Kusama e roteirizado por Diablo Cody, chegou aos cinemas e, apesar de não ser um sucesso de bilheteria, foi um marco na carreira de Megan. Garota Infernal não foi bem recebido no início, porém, após anos, conquistou seu reconhecimento e foi do fracasso à um clássico cult feminista.
O longa-metragem conta a história de Jennifer (Megan Fox), uma líder de torcida que é sacrificada por membros de uma banda e, ao ser possuída por um demônio, começa a matar garotos. Enquanto a maldosa Jennifer está satisfazendo seu apetite com carne humana para sobreviver, sua amiga nerd Needy (Amanda Seyfried) descobre o que está acontecendo e promete acabar com o massacre.
Recentemente, discussões que buscam analisar o motivo desse reconhecimento tardio surgiram nas redes sociais e, em 2018, Kusama e Cody revelaram ao BuzzFeed que a campanha de marketing sexista do estúdio de cinema 20th Century Fox fez com que o lançamento do filme tenha sido desastroso. O problema que se sobressai nunca foi a crueldade de Megan Fox devorando homens brutalmente, mas a hipersexualização e objetificação feminina produzida a partir do male gaze.

Kusama e Cody produziram Garota Infernal para atrair mulheres da mesma idade que as personagens principais Jennifer e Needy, mas perceberam na pós-produção que o estúdio só tinha interesse em vender o filme com base no status de símbolo sexual emergente de Megan Fox. “Eu acho que houve uma percepção generalizada de mim como um súcubo raso, se isso faz algum sentido, por pelo menos durante a primeira década da minha carreira”, desabafou Megan em entrevista ao jornal norte-americano The Washington Post.
Ademais, em entrevista ao podcast History of Horror: Uncut, a atriz também revelou como acredita que a “fama de egoísta”, da qual ficou conhecida na época, fez Garota Infernal ser um fracasso. “Por causa da minha imagem e quem eu era para a mídia na época, o filme nunca teve chance. Eu tive uma desavença com uma pessoa que trabalhava na indústria. Isso aconteceu quando eu estava na turnê de imprensa para divulgar o filme. Acho que tudo explodiu de vez”, comentou Fox sobre quando, durante as filmagens de Transformers, foi desrespeitada por parte da produção.
Em 2009, em uma entrevista com a revista Wonderland, Megan chamou o diretor de Transformers, Michael Bay, de tirano e o comparou com Hitler. Em compensação ao comentário da atriz, uma carta anônima foi publicada no site do diretor, chamando Fox de “vadia hostil”, “sem graça”, “sem classe” e, além disso, afirmando que a atriz deveria ser “estrela pornô”.

Porém, de acordo com Megan, essa percepção começou a mudar nos últimos anos, principalmente com o surgimento de movimentos em prol das mulheres como o Me Too, que ganhou força em 2017. O movimento Me Too encorajou as mulheres a compartilharem histórias de abuso verbal e físico, assim como assédio e violação sexual, após a forte acusação contra o produtor de Hollywood, Harvey Weinstein, que foi desmascarado como um predador em série.
Tragicamente, a história de Fox não é um caso singular, uma vez que, ao longo da história, a indústria do entretenimento rotineiramente persegue muitas mulheres famosas a fim de derrubá-las sem nenhuma delicadeza. Em fevereiro, por exemplo, o documentário Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela foi lançado e o caso de Spears ganhou mais espaço na mídia – o pai de Britney Spears, Jamie Spears, tinha a princesa do pop sob tutela há 13 anos, desde que a imprensa revelou indesejadamente problemas conjugais e familiares de Britney entre 2007 e 2008, que fez com que a saúde mental da cantora fosse seriamente afetada.
Britney Spears e Megan Fox comandam uma extensa lista de mulheres que foram injustamente destruídas pela imprensa e, consequentemente, pelo público. “Eu estava tão perdida e tentando entender, tipo, como eu deveria sentir valor ou encontrar um propósito neste inferno horrendo, patriarcal e misógino que era Hollywood na época? Porque eu já havia me manifestado contra isso e todos, inclusive outras mulheres, me receberam de uma forma muito negativa”, relembrou Fox na entrevista ao The Washington Post. Hoje, a atriz diz estar orgulhosa de desabafar contra os maus-tratos às mulheres “uma década antes de se tornar popular”.
Em maio, mais de uma década após o lançamento de Garota Infernal, Olivia Rodrigo homenageou a comédia de terror com o clipe de seu single de sucesso good 4 u. Em julho, em entrevista ao Who What Wear, Megan afirmou que acredita que Garota Infernal estava à frente de seu tempo e comentou sobre a mudança de percepção do público sobre o filme ao dizer que o longa-metragem continua a ter um novo ressurgimento e renascimento. “As adolescentes agora estão recém descobrindo e estão apaixonadas pelo filme. É mais relevante agora, eu acho, do que era quando foi lançado”, disse Fox.
O consenso entre os fãs de Garota Infernal – incluindo quem já difamou a produção – é que o filme foi vítima do tempo. O mundo, assim como a cultura, está constantemente mudando, portanto, Hollywood e o público também se tornaram mais receptivos às flexões de gênero, às “mulheres difíceis” e aos temas feministas que Kusama e Cody quiseram mostrar em 2009. Nesse período, a mentalidade do público, infelizmente, prejudicou a percepção sobre o longa-metragem.
Há 12 anos, Diablo Cody quis escrever papéis que conseguissem oferecer algo às mulheres e contar histórias a partir de uma perspectiva feminina. Karyn Kusama ficou interessada na ideia de Cody, porque percebeu que a história, em sua essência, era um filme de terror feminista. Desse modo, elas quiseram subverter o modelo clássico da mulher sendo aterrorizada e fugir corajosamente de costumes misóginos.
“Se um homem escrevesse um filme com a frase ‘o inferno é uma adolescente’, eu rejeitaria isso, mas eu tenho permissão para dizer isso porque eu era uma. Acho que o fato de sermos uma equipe criativa feminina nos deu permissão para fazer observações sobre alguns dos aspectos mais tóxicos da amizade feminina”, disse a roteirista Cody ao BuzzFeed.

Hoje, a obra cinematográfica de Kusama e Cody está sendo redescoberta como um clássico cult feminista e recebendo o carinho que merecia ter ganhado desde o início. Jennifer é mais que uma personagem fictícia sexualizada, mas o pensamento heteronormativo da crítica na época e o apagamento do público-alvo (o cis-feminino e LGBT) contribuíram com a má interpretação que fizeram em 2009.
“O filme estava à frente de seu tempo e, embora eu ache que há um argumento de que não o comercializaram de forma adequada, eu genuinamente não acredito que as pessoas estavam prontas para um filme como aquele naquela época em nossa sociedade e cultura”, confessou Megan também ao BuzzFeed. “Eu também acho que o filme pode ter sido ofuscado pela relação implacável de natureza vampírica que a mídia tinha comigo naquela época. Estou feliz por termos visto uma mudança na consciência coletiva e que agora as pessoas são capazes de apreciar o filme retroativamente.”
Garota Infernal é, com certeza, um filme sobre uma líder de torcida “devoradora de homens”, contudo também é assumidamente uma representação sobre a figura feminina, centrado nos perigos de ser uma mulher em um mundo machista, sobre a toxicidade da codependência e o significado de amar e se libertar de alguém que é ruim para você.