Recentemente, a modelo brasileira Érika Cardozo viralizou no TikTok ao expor um grave problema: seu cabelo foi estragado pelos profissionais de beleza contratados para um trabalho, que possivelmente usaram escovas e chapinha com resíduos de produtos químicos, culminando na mudança na textura do cabelo da modelo. Enquanto aguarda-se a resolução do caso, o vídeo foi temporariamente ocultado do perfil de Érika.
O episódio vem à tona poucas semanas depois da top model britânica Leomie Anderson compartilhar nas redes sociais o desafio que ela, enquanto modelo negra, enfrenta ao lidar com maquiadores e cabeleireiros sem qualquer preparo para com a textura de seu cabelo e a cor de sua pele. Em 2017, a norte-americana Londone Myers mostrou uma situação parecida durante a Paris Fashion Week. A repetição de relatos prova que essa é uma situação típica nos bastidores da moda em todo o mundo.
Modelos negros são prejudicadas pela falta de profissionais que conhecem sua pele e sabem trabalhá-la em fotos existindo por trás das cameras. O histórico de erros e acertos no meio mostram que a presença de equipes de beleza formada por pessoas não brancas é essencial para o sucesso de um trabalho.
Já é possível notar um aumento, ainda que pequeno, na contratação de pretos. O beauty artist, ator e idealizador do projeto AFROcêntricos – beleza e pretx Regis Sodré concorda, e pontua que ainda não é suficiente ”Quanto à contratação de profissionais negros vemos algum avanço, mas ele ainda é tímido perto do que precisamos, tanto do lado dos Beauty Artists quanto de modelos, em se tratando mais especificamente do mercado da moda[…]”
Falando principalmente do cenário nacional, Sodré diz que “o profissional que irá trabalhar com pele negra deve saber que temos um país cuja a maioria da população é negra, ele deve questionar a ausência de pessoas negras em seu ambiente de trabalho – quando for possível – deve ter em seu arsenal de trabalho, com uma gama de produtos que atendam bem as variações da pele negra, assim como ele teria se fosse trabalhar”
Disposição de produtos de beleza no mercado
Um fator que deveria contar a favor da melhor preparação do mercado para atender pessoas negras é o notável aumento de produtos em diferentes tons de pele. Cada vez mais, marcas apostam em uma gama maior de bases, corretivos, batons entre outros itens. O ato de fazer misturas de produtos para chegar no tom correto ou exigir que modelos levem os próprios itens de maquiagem, já não é necessário, apesar de não ter sido apagado do meio.
Regis discorre sobre o assunto “[…] marcas de beleza, por exemplo, em sua maioria, negaram-se o quanto puderam em produzir produtos voltados à pele negra com a falsa justificativa de ser uma estratégia mercadológica, que havia baixa demanda para estes produtos, esta mudança só começou a acontecer porque a sociedade civil, em especial grupos de direitos humanos, de defesa de minorias e consumidores conscientes, começaram a pressionar, cobrando das marcas este posicionamento, provocando boicotes e comentando nas redes sociais.”
[Imagem: Sephora]
A partir disso, entramos em outra questão: saber explorar as possibilidades.
Muitos beauty artists se limitam a fazer maquiagens parecidas, muitas vezes em tons de preto e dourado, pois não estão aptos para trabalhar com diversidade. Apesar da maior gama de produtos do mercado, o artista, enquanto profissional do mercado, percebe que ainda existe um despreparo de profissionais brancos para atender pessoas de outras raças.
“[…]Há um despreparo do próprio mercado que está inserido dentro de uma sociedade “eurocêntrica”, ou seja, com referenciais brancos, onde estes profissionais também reproduzem estes comportamentos de uma cultura sem referências afro-indígenas e asiáticas, por exemplo. Se não há uma mudança estrutural, dentro da própria indústria/mercado, a mudança precisa começar na maneira como os profissionais olham, buscam, selecionam modelos e outros profissionais, desenvolvendo seu olhar para além de pessoas brancas, e se eles não têm condições de fazer as escolhas, buscar informações sobre racialidade e os temas sobre este universo.”
O papel de outros profissionais no resultado final e a importância de ocupar todos os espaços
Apesar do grande papel da beleza no sucesso – ou fracasso – de um trabalho de moda, é importante destacar que toda equipe é responsável por transformar um conceito criativo em realidade, portanto do planejamento a publicação, todos devem estar alinhados com os propósitos da ação e bem preparados. Ter pretos em todas as etapas do processo é essencial.
Um caso de grande repercussão foi o da médica e influenciadora Thelma Assis em seu primeiro ensaio fotográfico pós BBB, em 2020. O resultado foi bastante aquém do esperado (e merecido) pela combinação de maquiagem ruim, que nada valorizava os traços de Thelma, e fotografia não adequada.
No cenário global, muito se lembra de Simone Biles na capa da Vogue. A revista foi duramente criticada pelas fotos da ginasta, que estavam pálidas, nada lisonjeiras a atleta e, consequentemente, falharam em passar a ideia de força e grandiosidade que Simone e a matéria carregam. Apesar da maquiagem, feita por Fara Homidi, ter seu papel, não podemos deixar de destacar os erros no trabalho de imagem – liderado pela famosa Annie Leibovitz – no resultado ruim. Desde então, Biles estampou outras capas feitas por profissionais que entendem suas necessidades e sabem interpretá-las da melhor forma possível. A diferença é sempre notada pelo público.

Foto: Annie Leibovitz. Maquiagem: Fara Homidi
[Imagem: Vogue.com]

Foto: Ashley Pena. Maquiagem por Raisa Flowers
[Imagem: NYMag]
Um acerto recente é a capa e editorial de Bless Ewbank Gagliasso para a Harper’s Bazaar Kids. O diretor criativo Kevin David explicou no Instagram que sua ideia era colocar Bless na posição de realeza, a mesma que gostaria de ver meninos como ele. Para transformar o conceito em realidade, foi convocada uma equipe majoritariamente preta. A beleza é de Lailane Dorea.
É importante salientar que quando falamos de ter negros em todos os papeis, estamos incluindo cargos de liderança – e o exemplo Kevin para a Baazar Kids ressalta isso. Essas pessoas devem estar livres para criar e sentir que estão seguras. Regis concorda: “É importante começar por criar um ambiente de trabalho mais justo e plural, uma vez que pessoas negras ainda não são majoritárias nestes espaços, seja nos bastidores ou no protagonismo da cena. Há pessoas negras sim, isto tem melhorado um pouco, porém representatividade vazia não gera transformação, precisamos de pessoas negras nas decisões e lideranças nestes ambientes com condição de igualdade com pessoas não negras”