[Crítica] Noite Passada em Soho: a grande ambição de Edgar Wright

ALERTA DE SPOILER

O novo terror psicológico de Edgar Wright estreou em outubro nos Estados Unidos, e desde então colecionou críticas mistas. Na última quinta-feira (18), o filme chegou aos cinemas brasileiros e marcou sua estreia como um dos mais antecipados do ano entre os amantes do gênero. Com um elenco estrelado pela favorita do ano Anya Taylor-Joy (O Gambito da Rainha), Thomasin McKenzie (Jojo Rabbit) e Matt Smith (The Crown), Noite Passada em Soho apresenta um show de cores e psicodelia para quem assiste.

Ambientado entre duas épocas, o longa segue Eloise Turner (Thomasin McKenzie), uma jovem tímida do interior da Inglaterra que se muda para Londres a fim de estudar moda na London College of Arts. Lá, ela encontra dificuldades em se encaixar e logo adentra um mundo de alucinações quando se muda para um quitinete alugado pela Sra. Collins (Diana Rigg). Em seus sonhos, Eloise conhece Sandie (Anya Taylor-Joy), uma aspirante a cantora nos anos 1960, que procura Jack (Matt Smith) para ser seu agente, até que as coisas vão para um mau caminho.

Imagem: Reprodução/PARISA TAGHIZADEH

O filme tem um roteiro que procura alcançar várias tonalidades, e temas como saúde mental, traumas e assédio sexual são abordados em meio a um cenário colorido e ilustrado pelas ruas de Londres. Desde o começo conhecemos Eloise como uma garota sonhadora e inocente, que mora com a avó e lida com o falecimento de sua mãe. É comentado já no início que Eloise é sensitiva e capaz de ver imagens de sua mãe, a qual também tinha problemas mentais que levaram à sua morte, e é essa habilidade que carrega o filme todo.

Após sentir-se hostilizada na república de estudantes, Eloise procura um quarto para alugar na rua Goodge 8, onde é apresentada Sandie, personagem que Eloise acompanha nas ruas londrinas dos anos 1960. Toda vez que Eloise dorme, ela viaja ao passado e se encanta pela cantora, que costumava dormir no mesmo quarto na casa da Sra. Collins. A personagem de Anya Taylor-Joy é, assim como a atriz, cativante e impossível de tirar os olhos. 

Com um figurino impecável e fiel à época, não há como não se deixar levar pela visão romantizada de um cenário tão vivo no imaginário atual. A efervescência cultural de Londres, o Swinging Sixties e a promessa de sucesso de uma nova era é o mood ditado por Wright nas sequências do passado. É irônico como é essa mesma romantização da época, sob a perspectiva da protagonista Eloise, é aos poucos quebrada à medida que ela conhece mais Sandie e Jack. 

Imagem: Reprodução/PARISA TAGHIZADEH

A cada vez que Eloise dorme, a vontade de passar mais tempo no passado aumenta. Porém, logo ela descobre as dificuldades que Sandie enfrenta no show business londrino, regado à prostituição e homens predadores. Jack torna-se, então, o vilão da história. Aqui, Edgar Wright mostra uma das suas maiores intenções: o verdadeiro perigo são os homens da vida de Sandie. Quão longe ela iria para conquistar seus sonhos? Quanto ela sacrificaria? O antagonista Jack – brilhantemente atuado por Matt Smith que, sem dificuldade, passa o ar assustador necessário – pressiona Sandie a prostituir-se, até ela perder sua essência. 

Enquanto isso, Eloise começa a ficar cada vez mais instável e tenta salvar Sandie a todo custo. Essa talvez seja a parte mais emocionante do filme, quando a realidade se mistura com alucinações da vida passada. A expectativa de saber o que aconteceu com Sandie cresce a cada minuto e é ilustrada pelos incríveis efeitos especiais do filme. 

Imagem: Reprodução/PARISA TAGHIZADEH

Os vilões, homens que abusaram sexualmente de Sandie, vão aterrorizando diariamente Eloise, que começa uma investigação para encontrar Jack na vida real. E é aqui que o filme decai em qualidade de roteiro. O que antes era uma busca psicológica e instigante, vira uma confusão mal trabalhada. As visões dos abusadores são impactantes no começo, mas depois viram apenas um jumpscare. Além disso, à medida que Eloise perde sua sanidade mental, o ritmo acelera e atropela a história. 

Apesar de um crescimento fantástico, o roteiro peca na busca de Eloise por Jack, que poderia ter sido trabalhada de uma forma melhor. Ela confunde Jack por Lindsay, um personagem que foi brevemente introduzido no passado e precisava de mais tempo de tela para criar um impacto maior no espectador quando a confusão é explicada. Assim como Lindsay, John (amigo de Eloise), cativa e promete ser um dos melhores personagens do longa, mas não é aprofundado e seu relacionamento com a protagonista acaba sendo raso.

Wright, entretanto, consegue camuflar essas pequenas falhas com um show de efeitos especiais e cores incríveis, fazendo com que mal se preste atenção nisso.  A fotografia é, com certeza, o quesito mais digno de premiação em Noite Passada em Soho, junto das atuações (em especial da novata Thomasin McKenzie).

Imagem: Reprodução/PARISA TAGHIZADEH

O maior erro do filme, algo que nem a estética salvou, foi o final. O foco de repente vira a Sra. Collins, que revela ser Sandie, ou seu nome real: Alexandra Collins. O roteiro tenta convencer que Sandie é a verdadeira vilã, que assassinou os homens que tentaram estuprá-la e os escondeu debaixo do piso da casa. Apesar de uma sequência visual interessante, é mais do que decepcionante o jeito com que Eloise descobre a verdade sobre a Sra. Collins e entende o que realmente aconteceu.

Collins simplesmente entrega em uma conversa a resolução do filme todo e muda a narrativa inicial, aliada a uma cena desconcertante onde os homens mortos pedem ajuda à Eloise, como se indicassem ser as reais vítimas do filme. É estranha a forma que Wright termina o longa, pois passou mais da metade do filme mostrando a misoginia e a realidade das mulheres no show business, só para colocar uma das protagonistas como uma assassina fria. 

Não existe a sensação de descobrir aos poucos o que realmente aconteceu, porque isso foi explicado palavra por palavra. Sandie, que recebeu tanta profundidade, agora é Alexandra Collins, uma mulher traumatizada em sua juventude que não recebe a mesma profundidade na velhice. 

O que era um filme sobre um medo extremamente real de mulheres do mundo todo, termina de forma agridoce. Edgar Wright, mais uma vez, conquista uma narrativa estética brilhante, como é visto em Baby Driver (2017) e Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010). É admirável a ambição de Noite Passada em Soho, que apesar dos pesares, consegue lidar com saúde mental e traumas ligados à abuso sexual de forma interessante e – até certo ponto – respeitosa às suas importâncias. 

É definitivamente um filme para a lista de filmes que é necessário assistir para criar a própria opinião, mas ainda é uma experiência divertida e de agarrar o assento. Noite Passada em Soho é um dos melhores filmes do ano até agora e, com certeza, uma razão para ir aos cinemas.

Veja o trailer abaixo:

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