Outro dia fui a um restaurante sozinha. E, quero dizer, totalmente sozinha. Não estava nem com o meu celular. Tudo que tinha era um livrinho de bolso do Oscar Wilde e meu diário. O livro é chamado Only Dull People Are Brilliant at Breakfast e é magnífico. Não tem história ou uma linha de raciocínio muito clara: são só um monte de pensamentos e frases geniais de Wilde. São tipo uns tweets – o que me faz pensar que ele teria sido um ótimo influencer. Pedi um Manhattan e fiquei lendo. Nunca me senti tão chique na minha vida.
O meu diário é outra coisa especial para aquele momento, talvez até a minha versão autoral de um livro com pensamentos e frases (não posso dizer que elas são geniais). É um diário roxo de aproximadamente um palmo de altura. Ele está gasto, bem usado. Ele mal fecha mais e parece quase uma sanfona de tanta coisa dentro. Basicamente, o diário está caindo aos pedaços. Dentro há escritos, desenhos e colagens.
Algumas páginas têm recortes de páginas de livros e revistas velhas. Em outras, fotos de polaroid. Os desenhos dentro não são profissionais – são mais rabiscos feitos no calor da emoção. As escritas são todas corridas, nada organizadas. Coloco tudo que não consigo expressar para outro ser humano dentro de meu diário. Lá dentro não há nenhuma regra do que posso ou não colocar. É o único espaço em que falo qualquer coisa. Pedi um pedaço de torta de maçã com sorvete de creme, e escrevi sobre isso em meu diário. Fazia tempo que não sentia felicidade como senti naquele momento.
Outro dia decidi ir para a faculdade usando uma bota de cano alto. Ela é preta e muito bonita. Sei que essa não é uma descrição exatamente boa, me desculpa. Só confie em mim quando te digo que você também iria querer usar essa bota. Tenho usado muito ela. Me sinto melhor do que acredito ser com ela, sabe? É como se a bota tivesse um superpoder. Acho que talvez seja porque ela me lembra da bota da Mulher Maravilha daquela série antiga com a Lynda Carter, mas em outra cor. Assistia essa série quando pequena e não consigo descrever o quanto queria ser a Diana Prince.
A caminho da faculdade, escutei Joni Mitchell. Clouds, Blue, Ladies of the Canyon… Todos aqueles álbuns e canções acústicas que te fazem sentir como se você estivesse muito chapada em alguma floricultura em Nova York dos anos 70. Era uma manhã ensolarada e calma – aquele horário das oito da manhã que as únicas pessoas na rua são quem está tentando chegar em algum lugar e aqueles que estão passeando com os seus cachorros.
Estava com a minha câmera de filme 35mm. Fui tirando fotos de coisas aleatórias e detalhes que via no meio do caminho. Tirei fotos do moço vendendo frutas, de placas que haviam sido desenhadas em cima, de árvores antigas e gigantes, de flores coloridas… Há alguma coisa sobre fotos de filme que é bem especial, né? Acho que deve ser todo o mistério de tirar uma foto e não saber imediatamente como ela ficou. Não revelei as fotos ainda, então não consigo te contar se elas ficaram boas ou não. De qualquer jeito, foi um acontecimento lindo e feliz. Estranho o fato de nunca ter prestado atenção nesse caminho que faço a anos até aquele momento.
Vou te contar uma última história. Estava descendo de carro naquelas ladeiras enormes que dão uma vista linda da cidade. Você sabe quais, né? Era pôr-do-sol e parecia que São Paulo toda havia preparado aquele momento apenas para mim. Na caixa de som do carro, estava tocando “For The Widows In Paradise, For The Fatherless In Ypsilanti”, do Sufjan Stevens. O banjo e a voz delicada dele nessa canção eram o que aquele momento e aquela vista mereciam. O céu estava aquela mistura de roxos, rosas e azuis que fazem qualquer um repensar a ideia de paraíso. Os prédios pareciam ter sido desenhados de tão bem encaixados eles estavam naquela paisagem. As nuvens estavam lindas, aquelas que dão vontade de levantar os braços e tentar alcançá-las.
O carro estava deslizando sem esforço algum pelo asfalto e, pode parecer clichê, mas naquele momento, me senti invencível. Senti que fazia parte daquela cidade – que ela queria que eu estivesse lá e que, dentro dela, poderia criar coisas incríveis. Tudo estava funcionando da melhor maneira possível: a música, o carro, a cidade. Me fez acreditar que, talvez, eu conseguiria funcionar também.
Agora, estou sentada na minha cama com uma vela de figo acesa ao meu lado e um expresso. Não vou mentir, estou me sentindo muito Carrie Bradshaw. Por isso, quero te contar o que essas três histórias têm a ver com esse momento atual: todos esses acontecimentos estão sendo extremamente romantizados por mim. Quer saber por quê? Porque a vida é dolorosa demais para não se deixar ver beleza em algo tão simples como escrever em um diário, tirar uma foto, escutar uma música ou acender uma vela. Te convido a fazer isso e romantizar a simplicidade de viver.
O que seria “romantizar” a vida? Bom, uma trend no TikTok. Não. Quero dizer, sim, mas não só isso. É se fazer acreditar que a existência é mais bonita do que ela realmente é. Ou pelo menos fingir até você começar a acreditar na sua mentira. Não é viver uma ilusão, é ser a ilusão. É andar por aí como se você tivesse sido descrita por palavras bonitas de um autor aclamado. É ser a protagonista da sua vida.
A melhor notícia é que tudo pode ser romantizado e virar uma cena digna de um filme. Dançar pelo seu quarto enquanto se arruma. Ir no cinema sozinha. Usar uma roupa nova. Receber uma mensagem de alguém especial. Romantizar a vida não é uma ação exterior, é interior. É conseguir agir de uma maneira que faça você virar a sua personagem favorita. A sociedade hoje em dia está tão acostumada em se achar um lixo comparado aos outros que chego a pensar que o ato de romantização seja um ato de defesa necessário. Não é uma futilidade, é só aprender a amar as pequenas coisas de sua vida. É parar de querer viver a vida dos outros e começar a viver a sua.
Acabo esse texto implorando para qualquer um que estiver lendo parar de ter vergonha de ficar animado com os detalhes. De achar que um dia que você se divertiu foi só “mais um” de tantos, de fazer tudo no automático. Preste atenção no ato de viver. Ache beleza em algo como acordar de manhã e preparar um café. É lindo existir como você está existindo agora.
Sempre gostei dos texto de Cecilia. e ler esse só reafirmou a escritora formidável, (nem sei se alguém ainda diz essa palavra. rsrs) que ela é.
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