A sétima arte, como qualquer outra área do conhecimento, possui seus profissionais que compartilham dessa mesma paixão não somente com amigos de profissão, mas também com seus familiares. Não é difícil encontrar celebridades com algum grau de parentesco na indústria do audiovisual, desde pai e filho, até irmãos e primos —a “veia artística” é um fenômeno muito comum nessa indústria.
Contudo, será que cada um desses “descendentes” de cineastas e atores possui o gene de artista ou são meramente produtos do famoso “nepotismo”? Segundo o dicionário Aurélio, o termo “nepotismo” nasceu do latim nepote, “sobrinhos”, que com o sufixo -ismo tem-se “governo dos sobrinhos”; que refere-se à proteção escandalosa, favoritismo de parentes em detrimento de pessoas mais aptas à tarefa.
Examinar a trajetória da pessoa em questão é o primeiro passo antes de se pular para conclusões precipitadas, ao considerar que todo indivíduo que possui parentes que também trabalham no seu mesmo ofício não possui talento e tem toda sua carreira “posta em xeque” é sim uma forma de generalização.
O universo do cinema e da televisão já se mostrou ser um fértil ambiente para desabrochar o talento de várias pessoas que já possuem um familiar na frente ou atrás das câmeras. A possibilidade de ter suas habilidades exploradas em um ambiente criativo como nas artes não podia deixar de criar talentos em famílias desse campo, ou até melhor: dinastias do cinema.
Núcleos familiares como o dos Coppola, por exemplo, não só viram seu patriarca, Francis Ford Coppola, tornar-se uma das maiores lendas do audiovisual; Como também presenciaram o talento de sua esposa, Eleanor Coppola e de sua filha Sofia Coppola. Vale lembrar que Sofia viveu toda sua infância em sets de gravação e assim desde pequena foi incentivada a criar seu afeto pelas câmeras.
Em ‘O Poderoso Chefão III‘, dir. Francis F. Coppola (1990), o cineasta foi acusado duramente de nepotismo pelos críticos de cinema durante a escolha do elenco: Sofia, com apenas 19 anos de idade, entregou uma performance extremamente fraca durante o longa-metragem, trazendo à tona tal questionamento. Por outro lado, seus projetos como diretora, mais especificamente em ‘Maria Antonieta’, (2006); e ‘Virgens Suicidas’ (1999), tiveram ótimas repercussões e todas as experiências em estúdios de gravação mostraram-se valiosas para a carreira da então emergente cineasta.
Outro diretor que parece ter sido de grande referência na escolha profissional de seus filhos foi Martin Scorsese. Sua filha, Domenica Scorsese, atuou em alguns filmes de seu pai, como: ‘O Cabo do Medo’ (1991) e ‘A Época da Inocência‘ (1993). Em 2016, Domenica fez sua estreia como cineasta em seu primeiro longa-metragem ‘Almost Paris‘, e apesar de não ter sofrido duras críticas, o filme também não obteve o sucesso esperado de um herdeiro de Scorsese.
e Cathy Scorsese (à esquerda). [FOTO: Reprodução/ Getty Images]
Um famoso e intrigante caso envolvendo “familiares” no audiovisual, é o de Steven Spielberg e sua afilhada Drew Barrymore. A primeira aparição de sucesso da atriz nas telonas foi no clássico ‘E.T. o Extraterrestre‘, dir. Steven Spielberg (1982); aos 7 anos, Barrymore conquistou a atenção dos holofotes graças ao padrinho, que a escalou para fazer parte do elenco.
Após seu estouro, a atriz se tornou uma das queridinhas de Hollywood. Durante os anos de 1990 e início dos anos 2000, seu nome era sempre listado em algum novo projeto cinematográfico. Sucessos como: ‘Pânico‘, dir. Wes Craven (1996); ‘Nunca fui beijada‘, dir. Raja Gosnell (1999); ‘As Panteras‘, dir. McG (2003; ‘Como se fosse a primeira vez‘, dir. Peter Segall (2004) e entre muitos outros, compõem o rico portfólio da artista, e de certa forma tudo graças à Spielberg.
Barrymore, desde muito nova, foi assunto dos grandes tabloides, fosse pelas suas performances ou pelo seu comportamento rebelde na sua vida pessoal. A fama da artista não gira somente em torno de seu currículo, Barrymore além de ser afilhada de um dos maiores cineastas do cinema mundial, durante sua juventude era sempre capa das revistas de fofoca e é claro que esses eventos respingaram na opinião pública sobre a relação de Spielberg e Barrymore.
No caso da atriz, mesmo com a ajudinha de seu padrasto no início de carreira e com os vários escândalos que surgiram acerca de sua vida, nos anos subsequentes, suas performances poucas vezes deixou a desejar e ela soube usar muito bem a oportunidade que lhe foi dada de graça.
Aparentemente, Spielberg gosta de coletar afilhadas no alto escalão hollywoodiano. Os pais da intérprete californiana, Gwyneth Paltrow, que não são ninguém mais e ninguém menos que os atores Blythe Danner e Bruce Paltrow, também o escolheram como padrinho de Gwyneth. Assim como teve uma boa intuição sobre Barrymore, Steven Spielberg parece ter tido o mesmo pressentimento em relação à Paltrow.
Gwyneth já teve a chance de trabalhar com a mãe, Blythe Danner, no sucesso de bilheteria ‘Sylvia‘, dir. Christine Jeffs (2003), longa biográfico que retrata a vida da famosa poeta estadunidense Sylvia Plath. No filme, Paltrow e Danner têm a sorte de interpretar mãe e filha.
Além disso, Paltrow teve uma pequena participação ao lado de seu padrinho, Steven Spielberg, no clássico de 2002 ‘Austin Powers em O Homem do Membro de Ouro‘, dir. Jay Roach. Porém, até o momento, a atriz não teve a mesma sorte de trabalhar em mais projetos com Spielberg, como Drew Barrymore.
[FOTO: Reprodução/ Getty Images]
Todos se surpreenderam quando o nome de Billie Lourd saiu como parte do elenco de ‘Star Wars: O Despertar da Força‘, dir. J.J. Abrams (2015), levando em conta que a atriz é filha de Carrie Fisher, atriz conhecida pelo seu lendário papel na franquia de Star Wars como princesa Leia.
Lourd, mesmo seguindo os passos da mãe, tem conseguido trilhar sua própria jornada. A atriz teve seu primeiro pico de ascensão nas séries de terror ‘American Horror Story’, (2011 – …) e ‘Screams Queens’, (2015 – 2016).
Ao sair um pouco do cinema estadunidense, é possível enxergar esse mesmo padrão também no cinema internacional, como é o caso do diretor de cinema francês Philippe Garrel e seu filho Louis Garrel.
O jovem Garrel, conseguiu um sucesso estrondoso dentro e fora do cinema francês, com o seu filme de maior sucesso ‘Os Sonhadores‘, dir. Bernardo Bertolucci (2003); ‘Minha Mãe‘, dir. Christophe Honoré (2004) e mais recentemente o sucesso de bilheteria ‘Mulherzinhas’, dir. Greta Gerwig (2020).
Essa dupla de pai e filho, também já tiveram a chance de trabalharem juntos nas telonas em filmes, como: ‘Amantes Constantes’ (2005); ‘A Fronteira da Alvorada‘ (2008) e ‘O Ciúme‘ (2013), todos dirigidos por Philippe e protagonizado por Louis.
Talvez cada sucesso do primogênito de Philippe tenha sido sim por conta das influências de um pai que acreditava no talento do filho, mas no fim das contas Philippe Garrel fez bem em apostar no potencial do filho nas frentes das câmeras.
Uma atriz que tem tido uma grande atenção da mídia nos últimos anos é Lily-Rose Depp, filha do grande astro de cinema, Johnny Depp. Com apenas 22 anos, a artista já possui um vasto currículo ao lado de grandes nomes da indústria, mas a pergunta que não quer calar: “Ela tem o que é necessário para estar à altura de trabalhar nesse mercado de trabalho?”
A resposta é um tanto complicada, pois ao mesmo tempo que seu nome indiscutivelmente possui sim um peso de “respeito”nesse meio cinematográfico, é impossível esquecer que quem construiu-o foi seu pai, Johnny. Até o presente momento, a intérprete não abismou verdadeiramente os amantes de cinema ou seus críticos.
No entanto, não pode-se negar que o mundo dos artistas já mostrou incontáveis vezes que o talento para as artes pode ser “herdado” pelo DNA. Talvez eventualmente, Lily possa ter a oportunidade de explorar mais o seu talento na arte da performance e honrar o legado de seu pai, ainda assim a atriz e modelo ainda tem um grande caminho para percorrer.
E esses artistas citados são alguns da gigantesca legião de profissionais da área que nasceram com a arte já inserida na família. A lista é realmente interminável desde o clã da família Smith, que também atua no universo musical; passando por Angelina Jolie, filha do ator Jon Voight; Zoe Kravitz e seu pai Lenny Kravitz; Emma Roberts, ao lado de sua tia, Julia Roberts; Blake Lively e Ernie Lively; Kate Hudson e sua mãe Goldie Hawn; Jake Gyllenhaal e sua irmã Maggie; até Dakota Johnson e Don Johnson.
O mundo das artes, como qualquer outra área do conhecimento, possui suas dificuldades para se atingir o sucesso, mas com um bom network, tudo fica mais fácil, não é mesmo? É claro que um incentivo dos pais, tios ou padrinhos sempre ajuda, porém quando se trata de convencer os críticos de cinema sobre seu talento, e fazer valer a oportunidade que lhe foi dada, não é tão fácil assim.
Muitos desses artistas que receberam esse incentivo, souberam usar com sabedoria a chance de mostrarem que eram dignos do reconhecimento que ganharam. Exemplos de intérpretes que souberam provar que mereciam a admiração que receberam foram Angelina Jolie, Dakota Johnson, Jake Gyllenhaal, Kate Hudson e Zoe Kravitz. Por outro lado, ainda existem muitos que necessitam provar serem dignos do espaço que conquistaram nesta indústria, como Emma Roberts, que ainda vive um pouco na sombra de sua tia; Willow e Jaden Smith ; e Lily-Rose Depp.
Ser um filho do “nepotismo” vem com muito mais dúvidas e reservas acerca do seu potencial, e justamente por terem tido esse caminho concedido, é de responsabilidade desses profissionais honrar essa oportunidade, que muitos matariam para conquistar.
A indústria do cinema, apesar de ser uma terra fértil para a produção de obras de arte incríveis, também possui seu lado sombrio, e como em qualquer outro ofício é preciso “matar um leão por dia” para garantir o seu espaço na frente ou atrás das câmeras.