Esculturas Capilares: O Cabelo com Forma de Expressão e Arte

Nas antigas sociedades africanas, o cabelo era grande parte da identidade pessoal e societária de um indivíduo. Pelo penteado, comprimento, corte, adornos e forma de utilizar, era possível identificar tribo, status social, estado civil, alguns penteados eram feitos especialmente para eventos e cerimônias importantes. O corpo (e cabelo) eram vistos como parte ativa da manifestação artística, de prestígio e poder de uma pessoa e sua comunidade.

No cenário atual, as esculturas de cabelo se fazem presentes em ocasiões como o MET Gala a campanhas de moda, passando por grandes publicações nacionais e internacionais, e se provam como algo maior que uma simples tendência – são uma forma de reconexão. Em Black is King, Beyoncé utiliza perucas que recriam esculturas de antigas civilizações como parte de um contexto de celebração da cultura. No MET Gala de 2021, Lupita Nyongo utilizou o cabelo para homenagear Lorna Simpson, fotógrafa e artista norte-americana. Neste mesmo ano, a hairstylist carioca Janice Mascarenhas foi reconhecida como Artista do Ano pela Dazed, carregando o conceito de afrofuturismo, em que “a herança ancestral africana não é apenas uma coisa do passado, mas do futuro”. Todas essas mulheres têm um grande papel na atenção que as esculturas capilares ganharam nos últimos meses.

Entretanto, a artista marfinesa, Laetitia Ky, é provavelmente a grande responsável pelo desponte global das esculturas capilares nos últimos anos. Vaidosa, a jovem sempre se interessou em produzir penteados e tranças nos próprios cabelos desde os 5 anos de idade. Em 2016, durante um período de reconexão com suas raízes africanas, Ky passou a experimentar novas formas. Desde então, ela usa de sua arte para advocar pelas causas político-sociais que defende. 

Para a artista, faz parte de seu trabalho estimular a criatividade, defender o amor próprio e inspirar outras mulheres negras a se orgulharem de si. Princípios que compartilhar com cerca de seus 470 mil seguidores no Instagram e quase 6 milhões no TikTok. Sua arte também despertou atenção de grandes marcas, permitindo que Ky estrelasse campanhas para Marc Jacobs, Giuseppe Zanotti, Donna Karan. A artista também pretende lançar um livro no próximo ano. 

A composição das esculturas depende do que será feito. São utilizados fios de metal, agulhas, lã e extensões de cabelo, e as obras demoram de 30 minutos a 3 horas para serem feitas. Segundo Laetitia, elas não são exatamente confortáveis para se manter no dia a dia e podem causar dores na cabeça, por isso prefere mantê-las apenas pelo tempo necessário para realizar fotos, vídeos e outros conteúdos. 

No Brasil, a afrohairstylist, empresária e criadora de conteúdo Jacy Carvalho encanta com seu projeto Escultura Crespa, iniciado em 2020 no Instagram a partir da ideia de resgatar e valorizar traços da negritude. Jacy contou à Frenezi que a inspiração surge de diversas formas – o processo é livre, e a partir daí pensa em quais matérias serão necessárias e começa com o que diz ser a melhor parte: desenhar, testar cores e texturas, até ter algo que faça sentido com o que está pensando. Assim como Laetitia, as raízes e a valorização da estética têm grande papel em seu trabalho:

“Eu venho de uma família de artistas e artesãos, minha mãe sempre cuidou dos nossos cabelos, fazia artesanatos, costurava, fazia obras em casa, tenho ela como inspiração. Por causa dela sempre fui muito artística também, fazia artesanato, esculturas com jornal, biscuit, bijuterias. Quando comecei a trabalhar com tranças eu queria aprender e ensinar novas técnicas e possibilidades para os cabelos crespos, até que olhando pras minhas próprias criações eu vi que poderia ser algo a mais, eu queria mostrar que tinha beleza e arte naquele trabalho”

Para quem vê de fora, parece inimaginável criar algo tão complexo. A artista concorda que a impressão existe, mas pontua que o sentimento vindo de seu público é bom: “[…]a parte mais artística desse trabalho ainda gera um estranhamento, de forma positiva, como se as pessoas não acreditassem que seria possível fazer esculturas com cabelos, e ao mesmo tempo ficam maravilhadas com a possibilidade”

Sobre o papel de carregar essa mensagem, Jacy afirma que trabalhar com a internet – como influenciadora digital – é uma responsabilidade que pode gerar ansiedade. Entretanto, destaca que ponto de seu trabalho não é fazer algo que mude a cabeça de toda uma geração. Influenciar positivamente a forma de uma única pessoa ver cabelos crespos já a deixa feliz. Porém, por suas palavras, vemos que o impacto positivo é maior que isso: “Com as redes sociais o interesse pelas tranças teve um aumento, meus vídeos no YouTube ensinando técnicas de tranças têm milhões de visualizações com milhares de feedbacks sensacionais. Pessoas que aprenderam a fazer tranças em si mesmas, nos familiares e pessoas que criaram um negócio próprio por causa dos meus vídeos.” É um movimento que cresce e inspira outras manifestações. Podemos esperar para o futuro mais formas de inspiração e celebração chegando a novos espaços e conquistando gerações.

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