A história por trás de ‘Um Conto de Natal’, de Charles Dickens e suas diversas adaptações

Durante milhares de anos, os norte-americanos guardaram as histórias de fantasmas somente para o mês de outubro, quando é comemorado o único feriado mal-assombrado conhecido, o Halloween. Porém, antes disso, reunir-se ao redor de uma fogueira para compartilhar histórias de fantasmas era, na verdade, a tradição mais amada de Natal no final de 1800 até o início de 1900. Sendo assim, não é mera coincidência que a história de fantasmas mais famosa seja uma história de Natal – ou melhor, que a história de Natal mais famosa seja uma história de fantasmas.

À noite, na véspera de Natal, o rabugento Ebenezer Scrooge recebe uma visita do fantasma de seu antigo parceiro de negócios, Jacob Marley. O extremo egoísmo de Marley o condenou à miséria na vida após a morte, e ele diz à Scrooge que não consegue descansar em paz precisamente por não ter sido generoso durante toda sua vida. Desse modo, Marley avisa que Scrooge irá receber três fantasmas que o farão recomeçar sua história: o primeiro é o fantasma do Natal passado, em seguida o fantasma do Natal presente e, por fim, o fantasma do Natal futuro.

Um Conto de Natal, escrito pelo romancista Charles Dickens, foi publicado pela primeira vez em 19 de dezembro de 1843, sem o apoio de seus editores, e sua história sobre um homem assombrado por uma série de fantasmas na véspera de Natal fazia parte dessa tradição outrora amada e agora (quase) esquecida de contar histórias de fantasmas nessa época de festas. Embora as histórias de fantasmas não se encaixem nas celebrações de hoje, elas já fizeram sucesso durante o feriado de Natal, atingindo o seu pico de popularidade na Inglaterra vitoriana. A obra de Dickens foi um sucesso instantâneo, um sucesso tão grande que consolidou a produção como um clássico natalino, permanecendo assim até hoje.

Um Conto de Natal, de Charles Dickens [Imagem: Reprodução/The New York Times]

O sucesso do terror natalino foi intrinsecamente relacionado à herança das histórias de fantasmas do feriado no Reino Unido. Em 1898, após a publicação da história A volta do parafuso, o autor Henry James introduziu a tradição misteriosa na cultura dos Estados Unidos. A volta do parafuso narra uma série de episódios fantasmagóricos que uma jovem governanta passa a presenciar após ser contratada para cuidar de duas crianças em uma mansão inglesa. A história de James começa justamente com homens ao redor de uma calorosa fogueira compartilhando histórias de fantasmas na véspera de Natal. Contudo, essa tradição oral persistiu apenas até o início do século 20, no decorrer da Revolução Industrial, com o auxílio de várias revistas que constantemente publicavam histórias de fantasmas em edições natalinas, tornando-se assim uma tendência.

Desde a publicação de Um Conto de Natal, a história já foi adaptada muitas vezes pelo teatro e, a partir de 1901, após o lançamento do filme mudo Scrooge, or, Marley’s Ghost, recebeu diversas adaptações para filmes e séries. Em 1951, tivemos uma das primeiras adaptações, Contos de Natal. Hoje, o filme protagonizado por Alastair Sim e dirigido por Brian Desmond Hurst, é reconhecido por ser o mais perto que uma adaptação já chegou de dar vida às páginas da obra de Dickens. Em 1970, tivemos a bem-feita produção musical Adorável Avarento, dirigido por Ronald Neame, que conseguiu quatro indicações no Oscar: melhor direção de arte, melhor figurino, melhor canção original e melhor trilha sonora original. E, em 5 de dezembro de 1999, Conto de Natal, dirigido por David Jones e protagonizado por Patrick Stewart, o Professor Charles Xavier de X-Men, foi televisionado pela primeira vez na TNT.

Contos de Natal (1951) [Imagem: Reprodução/Britannica]

Entretanto, a adaptação mais popular de Um Conto de Natal com certeza é a animação da Walt Disney Pictures de 2009, Os Fantasmas de Scrooge, dirigida por Robert Zemeckis, que também dirigiu a trilogia De Volta para o Futuro, Forrest Gump e O Expresso Polar. A animação é estrelada pelo comediante Jim Carrey, dublador e intérprete não só de Scrooge, assim como dos fantasmas do Natal. Gary Oldman, Colin Firth e Robin Wright também estão no elenco.

Os Fantasmas de Scrooge (2009) [Imagem: Reprodução/Tumblr]

Os Fantasmas de Scrooge, ainda assim, não é a única adaptação da Walt Disney. Em 1983, quando a história de Dickens fez 140 anos, tivemos o curta-metragem de animação O Conto de Natal do Mickey, dirigido por Burny Mattinson. Já em 1992, Os Muppets também ganharam sua própria adaptação, O Conto de Natal dos Muppets, dirigido por Brian Henson.

De Alaister Sim e George C. Scott a Patrick Stewart e Michael Caine, Ebenezer Scrooge foi interpretado por alguns dos atores mais conceituados do século 20. Em Os Fantasmas Contra Atacam, de 1988, dirigido por Richard Donne, Bill Murray, protagonista de Os Caça-Fantasmas e Feitiço do Tempo, é Frank Cross, um antipático executivo de televisão bem-sucedido, uma representação moderna de Scrooge. Já em Minhas Adoráveis Ex-Namoradas, de 2009, dirigido por Mark Waters, Matthew McConaughey, protagonista de Clube de Compras Dallas e Interestelar, é Connor Mead, um fotógrafo mulherengo que, às vésperas do casamento de seu irmão, começa a ser atormentado pelos espíritos de suas ex-namoradas rejeitadas.

Os Fantasmas Contra Atacam (1988) [Imagem: Reprodução/Paramount Pictures]
Minhas Adoráveis Ex-Namoradas (2009) [Imagem: Reprodução/Everett Collection]

A aclamada série de ficção científica Doctor Who, produzida e transmitida pela BBC desde 1963, também ganhou um episódio natalino especial baseado na história de Scrooge. O episódio foi exibido em 25 de dezembro de 2010 e foi visto por doze milhões de pessoas no Reino Unido. Hoje, em razão das inúmeras adaptações, paródias e citações de Um Conto de Natal, muitas pessoas conhecem o enredo mesmo sem nunca ter lido a história original. Em 2019, tivemos mais de vinte adaptações para filmes e séries da novela de Dickens.

Há mais de cem anos atrás, Dickens publicou a história que mudou a história da literatura natalina para sempre e, por conseguinte, do audiovisual. Um Conto de Natal é uma história de redenção na qual o amargo Ebenezer Scrooge percorre uma jornada de autorreflexão, encerrando em uma significativa mudança de coração. Além disso, o enredo de Dickens enfatiza o mal do capitalismo – um sistema que Scrooge só recusa no final – que prioriza o dinheiro acima da bondade e dignidade humana. Traz uma mensagem de amor, caridade e esperança constituída em tradições do Natal, eternizada ao longo das décadas.

Os Fantasmas de Scrooge (2009) [Imagem: Reprodução/Tumblr]

Mas de onde exatamente vêm essa curiosa tradição de compartilhar histórias de fantasmas nesse período? Recorrendo à história, na realidade, em vez de ter uma relação com o cristianismo, o dia 25 de dezembro tinha uma relação mais próxima com comemorações pré-cristãs que homenageavam o solstício de inverno, assim dizendo, o Natal abrange elementos de diversas festividades pagãs – viscos, azevinhos e grinaldas, por exemplo, são todos símbolos pagãos. O Natal simbolicamente celebra a “morte” da luz e a noite mais longa do ano, quando o “véu” entre o reino dos vivos e o reino dos mortos fica “transparente”. Por isso, a data foi considerada a mais assombrada.

Ou também seja porque sem a riqueza da medicina moderna e dos cuidados essenciais para mantermos a saúde hoje em dia, o sopro frio da morte sempre parecia mais próximo no inverno, uma estação carregada de doenças. Em dezembro, em países onde o inverno é rigoroso, as condições eram propícias para deixar a imaginação fluir e pensar em muitas histórias sobrenaturais. Mais à frente, graças às tradições de imigrantes irlandeses e escoceses, o Halloween foi assumido nos Estados Unidos e designado o verdadeiro feriado de terror à medida em que o Natal era “purificado”, tornando-se a mágica celebração que nós conhecemos hoje.

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