Em 2021, entre os vídeos verticais em nossas timelines um estilo de vida – e de roupas – foi popularizado entre a geração Z. Uma saia plissada clássica de tenistas, que foi resgatada dos guarda-roupas dos anos 90, foi uma das primeiras peças a serem popularizadas em massa entre a juventude, uma porta de entrada para que meses depois a estética “Old Money” estava em um dos estilos mais procurados no mundo digital. O estilo pode ser resumido em um mix entre o preppy – abreviado de “preparative school” – faz referência aos uniformes de internatos e colégios particulares, como representado nas séries Gilmore Girls, Elite, Gossip Girl, etc – Também como o esporte chique, muito associado aos country clubs, exalando luxo e sofisticação através de tecidos limpos e peças de modelagem casual, mas que exalam qualidade. Como os suéteres, coletes de tricot e as tradicionais camisas de gola polo, quais foram criados por René Lacoste, em meados dos anos 20, em uma união entre estilo e conforto, com o intuito de melhorar sua performance no tênis, que logo se popularizou, estabelecendo firmemente os fundamentos da marca.
Além de Lacoste, Tommy Hilfiger e Ralph Lauren são alguns dos nomes que ajudaram o estilo a se estabelecer no imaginário popular, conseguiram principalmente, transformá-lo em um estilo clássico sem perder o ar esportivo, mesmo em suas composições mais formais, inspirado principalmente pelo tênis, golfe e hipismo – esportes praticados exclusivamente pela elite – A popularidade também pode ser associada às Olimpíadas de 2020 em Tóquio (2021), que nesta edição, contou com um maior alcance do público jovem.

O estilo aparentemente despretensioso, camufla o preconceito de classes que há por trás dele. O conservadorismo é mascarado pela “simplicidade” em suas produções, apesar de compostas por peças de luxo. Relacionada à burguesia majoritariamente branca, a estética constrói uma fiel representação da sigla WASP – Branco, Anglo-Saxão e Protestante. O termo “Old Money” refere-se aos membros das elites norte-americanas e europeias, cujo poder e prestígio social são passados entre seus descendentes.
O “dinheiro antigo” é associado a riqueza geracional, mantida e protegida por múltiplas gerações da família com grandes patrimônios financeiros, mas principalmente uma instituição social por trás do sobrenome que trás, um termômetro de poder social dentro dessas famílias da alta sociedade. São códigos de riqueza conhecidos por um grupo pequeno de pessoas que os entendem, grande parte do fascínio entre os estilos dessas pessoas vêm de entender como eles se reconhecem entre si, como um grupo fechado.

Old Money X New Money
Um produto de luxo é caracterizado não apenas pelo seu aspecto físico, mas pelo conjunto de sensações e conceitos que o envolvem, como mencionado por Gilles Lipovetsky e Elyette Roux no livro “O Luxo Eterno”, além de um objeto ou serviço, o consumidor se dispõe a pagar um valor mais elevado, pelo poder que este representa. Para os que alcançaram a ascensão social, a posse desses bens está atrelada à conquista e reconhecimento, por isso, fazem questão de exibi-los; enquanto os ricos “de berço” buscam a privacidade, sem necessidade de autoafirmação, mas ainda assim, procurando se distinguir dos demais.
Um popular ditado que foi colocado a tona em conjunto com a popularidade do estilo, revivendo é que “o dinheiro fala, mas a riqueza sussurra”, nisso se baseia o estilo de vida conservador, caracterizado pela aversão à ostentação, sensualidade e extravagância dos novos ricos, sendo estes, em sua maioria, latinos, negros e asiáticos, que conquistaram a ascensão, principalmente por meio da arte (rappers, cantores, atores, modelos), escancarando assim, a segregação social, o racismo e a xenofobia.
Curiosamente, a estética Old Money vem sendo consumida tanto pela classe média, quanto pelos ricos emergentes, o que pode indicar uma necessidade de apropriação e ocupação deste contexto que lhes foi negado, mas que hoje possuem condição de usufruir, mesmo que apenas visualmente, ou porque acreditam que assim, serão aceitos mais facilmente neste cenário social, seguindo o lema “fake it until you make it”.


Análise Social
O acúmulo de capital é um dos principais fatores contribuintes para a desigualdade social e a taxação das grandes fortunas vem sendo discutida, como uma possível solução para esse problema; neste contexto de pandemia e crise socioeconômica, é inaceitável a exaltação de uma estética tão contrastante com a realidade atual da maioria, além de estar associada a um grupo elitista, cercado por privilégios e que flerta com a extrema direita.
O luxo velado durante épocas de crise – econômica, ambiental, guerras, epidemias, entre outras – é mais comum do que se pode imaginar; em entrevista concedida à Frenezi, Gabriel Fusari (@fvsari), jornalista de moda especializado em ramificações político-sociais na indústria da moda. Ele associou a valorização do Old Money, que ocorre no contexto atual, ao período pós Segunda Guerra Mundial, que contou com aquecimento no mercado financeiro, e indaga: “Pode ser que essa estética de ostentação, dentro de um sistema de competição, seja pra ver quem está melhor depois do furacão, sabe?” Mas afirma que o apreço ao luxo em situações de instabilidade é algo constante na sociedade: “Essa supervalorização do luxo é apenas o rico vivendo seu injusto cotidiano, a classe média aspirando um dia viver aquilo, e os pobres percebendo que é incabível. Mas pra estética como um todo, isso não faz muita diferença. Desde sempre ela esteve na Zara e na Tommy Hilfiger”, ele complementa.

Quando questionado sobre qual o principal fator que pode ter desencadeado o interesse da Gen Z pela estética Old Money, Fusari argumenta que trata-se de uma situação complexa, com forte influência midiática e política:
“A moda é uma forma de reflexo de gostos e comportamentos dentro de nossa sociedade. Há alguns anos, com os avanços das discussões sobre acúmulo de riqueza, inclusão e segregação social e principalmente com o avanço do conservadorismo e políticas neoliberais, de alguma maneira, propôs um protagonismo midiático para esses personagens. A gente vê séries como Gossip Girl, The Royals, Sucession… que colocam esses personagens ricos, que vivem de suas heranças e dividendos, em holofotes, isso de alguma maneira acaba incentivando. Esses produtos midiáticos são carismáticos, eles acabam apresentando essa estética que é parte de um universo que dá dinheiro. A indústria da moda acaba aderindo a essas tendências e assim, fica mais fácil de encontrar essas roupas. E se a gente parar pra pensar onde foi o estopim, acho que é tudo sobre o algoritmo, sabe? Uma coisa leva a outra dentro das redes, fazendo com que as coisas fiquem maiores. A gente via a Lana Del Rey com essa estética, de alguma forma usando para crítica a um comportamento que nos EUA estava crescendo muito. Essa cultura conservadora que é originária do rico, branco, cristão e conservador. Inclusive, muito atrelado à ascensão política de Donald Trump, né? ”.
Os chamados aesthetics, consistem num conjunto de símbolos, cores, estilos, músicas, etc. que refletem desejos e sonhos, mas além de apenas um moodboard, representam e comunicam um estilo de vida que se deseja alcançar ou manter; entender o contexto atrelado a eles, é essencial para evitar frustrações ou a disseminação de princípios conflitantes; neste caso, com o enaltecimento de um aesthetic que remete à riqueza centralizada numa parcela elitista da sociedade, em tempos de insegurança financeira, podemos afirmar que “a crise também é estética”.
Gabriel Fusari reitera que a utilização de uma estética pode ter diversos significados, a depender da compreensão de cada indivíduo: “Tem gente que veste aquelas roupas e tem total comportamento conservador, elitista e versado a pautas de austeridade. Mas também tem aqueles que só reproduzem a estética por onda, por apreço a estética (muitas vezes, construído por um elitismo social estrutural em algum grau). Tem quem segue essa trend só como a “trend de Gossip Girl no TikTok”, tem quem sabe que é Old Money, tem quem (como eu, até alguns dias atrás) conhecia ela como Preppy ou WASP mesmo, tem quem também acha que é só o estilo que aprendeu na família”.
Outra discussão levantada a partir do polêmico Old Money, é acerca do consumo consciente, visto que é caracterizado por um estilo atemporal, prezando pela qualidade das peças e seus materiais, mas que acaba invalidando a desigualdade social, seja pela estética segregacionista em si, ou mesmo pela fragilidade econômica que abrange grande parte da população, que acaba recorrendo ao fast fashion como única saída. Gabriel Fusari rebate:
“Qual a certeza que esse estilo tem origem de brechó ou de “herança”, que seja? O estilo pode ter uma estética sustentável, mas quem consome isso como estilo de vida é uma quantidade muito pequena de pessoas, que tem isso desde sempre, passado de mãe pra filha e por aí em diante. As pessoas que hoje fazem a estética Old Money acontecer, são da classe média, que se acha rica e usa do Old Money como um certificado de autenticidade de riqueza, ou a classe média que compra na Zara e faz disso apenas uma estética do momento, futuramente comprando outro estilo, outra estética, e por aí vai. A classe média muda de estilo visual como se troca de roupa (rs). O deslumbre dela faz com que ela consuma o mercado. Ela não vai seguir aquele estilo pra sempre e vai manter essas peças… Se hoje elas são Old Money, amanhã podem ser Hipster futurista, Gótico trevoso…”.

Apesar de viver um momento em que se tem liberdade de passear por diversos estilos, é necessário entender como estes foram criados, para qual finalidade e o que eles expressam; em geral, essa percepção pode nos auxiliar na compreensão da sociedade como um todo, de forma a assimilar como somos influenciados e como podemos influenciar, nos diversos aspectos; desvendando assim, o porquê dos nossos desejos de consumo e o que há por trás deles.
A moda é um ótimo recurso para a comunicação visual, mas quando descontextualizada, pode reproduzir uma ideia extremamente contrária aos nossos princípios, como é o caso dessa geração, que desenvolveu apreço acerca de um contexto social, que ela mesma critica; ignorou o Old Money como uma problemática socioeconômica, sem relacioná-lo com uma cultura conservadora e segregacionista, conflitando com seu discurso.
Estou olhando para começar a me vestir desse jeito….. Amoooo!!!
CurtirCurtir