Indiscutivelmente uma das dúvidas mais frequentes quando falamos sobre estudar moda didaticamente é por onde começar. A palavra “moda” é um termo abrangente que entra em diversos espectros da vida em sociedade, tanto quando é uma referência direta a indústria têxtil ou não; pode ser até mesmo um modo de falar dentro de um discurso como algo que vemos repetidamente em alguma área. As ramificações de semântica da palavra em si, não importam muito por aqui, mas é um dos exemplos de como uma área é abrangente, com inúmeros focos de estudo e diferentes profissionais.
Elizabeth Wilson escreveu: “fashion is dress in which the key feature is rapid and continual changing of styles. Fashion in a sense is change”. A Moda é um sistema que coloca valor no que é novo. Moda não é um estilo, é um processo de acordo de quais estilos se substituem é a regra que proíbe qualquer estilo de se tornar muito durável. Por isso, a moda estabelece uma certa relação com o tempo e, principalmente, com o tempo presente e a ideia de contemporaneidade.

O “produto” que as marcas de moda entregam e as lojas de consumidores de moda pertencem a uma categoria híbrida, sendo ao mesmo tempo um objeto material dedicado à cobertura ou adorno do corpo do usuário, um objeto imaterial carregado de valores simbólicos, até mesmo agindo como um termômetro de valores e colocações sociais como vemos no livro O Luxo Eterno de Gilles Lipovetsky e Elyette Roux: “Um produto de luxo é um conjunto: um objeto ou serviço, mais um conjunto de representações: imagens, conceitos, sensações, que são associados a ele pelo consumidor, portanto, o consumidor compra o objeto pelos quais está disposto a pagar um preço superior ao que aceitaria pagar por um objeto ou serviço de características funcionais equivalentes, mas sem essas representações associadas.”
Em suma, existem tantas áreas de estudo que podemos tocar dentro da moda que o início pode parecer confuso, e acredite, se você é uma das pessoas que entrou nesse texto porque está perdido e quer ajuda para começar, você não está sozinho: até mesmo os grandes historiadores, pesquisadores e jornalistas do tema tiveram que começar de algum lugar. É necessário acrescentar também que nunca é tarde para aprender — mesmo que passivamente — um pouco mais sobre algo que ama, mesmo não sendo sua área de trabalho. Hobbie ou não, é uma trajetória de aprendizado contínuo sem pressão.
O valor real desse texto é explicar como comecei a minha trajetória e alguns passos que me ajudaram ao longo do tempo mas, antes, deixo claro que o seu repertório pessoal e interno, o que você já viu, leu e escutou durante sua vida tem uma grande diferença no papel de estudos. Talvez tenha a sensibilidade de entender a emoção interna de um artista melhor que outros, ou talvez alguém muito interessado em política e movimentos sociais consiga ver uma oportunidade de abranger essa área dentro da moda. Seja o que for, você pode encontrar até um grupo de pessoas que têm o mesmo interesse nesse nicho — aprender com a troca de experiências, ouvir diferentes perspectivas e desenvolver seu pensamento juntos através de diálogos é algo realmente mágico.
Sem mais demora, aqui estão os três passos básicos para começar a aprender mais sobre moda, um guia desenvolvido pela Editoria de Moda da Frenezi:
1. Transformar todo o seu consumo de informação passiva sobre moda
Começando com uma das dicas mais básicas de todas: transformar todo o seu consumo de informação passiva sobre moda. Isso quer dizer desde as suas escolhas do que assistir no seu streaming favorito até a timeline de suas redes sociais se liguem a indústria da moda. O que isso pode ajudar? Mesmo que seja um consumo de informação não-didático isso te ajuda a reconhecer e entender um pouco sobre como a indústria funciona. Comece a seguir criadores de conteúdo de moda no Youtube como Haute Le Mode, Descomplicando a Moda e The Fashion Archive; veja as novas coleções no Vogue Runway; fazer uma maratona de sua marca de documentários de moda que você tem fácil acesso (como na Netflix ou na HBO Max ou até mesmo no Youtube por exemplo) ou ouvir um podcast enquanto estuda são apenas algumas opções de como isso pode ser um começo divertido e fluído, sem muito estresse.

É como começar a se apaixonar por um hobby. Você começa pelo básico, se adaptando às informações que você tem facilidade em receber e processar. A verdade é que existe uma certa pressão entre os amantes de moda sobre sempre saber da informação primeiro, sempre ter o melhor conteúdo didático e essa expectativa sobre você mesmo pode só atrapalhar seus estudos (digo por experiência própria). Não é preciso começar lendo os livros mais complicados ou ver os documentários mais raros logo de cara, entender aos poucos como a indústria funciona pode te ajudar a também encontrar seu próprio caminho.
Para te ajudar a compreender melhor o que estamos dizendo fizemos uma lista de alguns conteúdos desse tipo entre documentários, criadores e livros mais “básicos”, para que você tenha opções práticas sobre onde começar:
Documentários:
Franca: Chaos & Creation (disponível na Netflix).
McQueen (disponível no Telecine Play).
Alber & Lanvin (disponível no Youtube).
Diana Vreeland: The Eye Has to Travel (disponível no Vimeo).
The True Cost (disponível no Vimeo).
Ralph Lauren: Vida e Obra de Ralph Lauren (disponível na HBO Max).
Valentino: o Último Imperador (disponível no Youtube).
Dior e Eu (disponível na Apple Tv).

Livros básicos:
Cronologia da Moda – JW Anderson
Moda no Século XX – Valerie Mendes e Amy De La Haye
100 Anos de Moda – Cally Hayman
100 Anos de Moda Masculina – Cally Hayman
História da Moda no Brasil – João Braga
História Social da Moda – Daniela Calanca
Batalha de Versalhes – Robin Givhan
Criadores de Conteúdo:
Haute Le Mode (Youtube)
The Fashion Archive (Youtube)
Mina Le (Youtube)
Descomplicando a Moda (Youtube)
Harry Ciotto (TikTok e Instagram)
Mitcho Mezzomo (TikTok e Instagram)
Marco Quadros (TikTok e Instagram)
Gabriel Fusari (Instagram)
Rener Oliveira (Instagram)
Carol Stauch (TikTok e Instagram)
Lele Santhana (Instagram)
Podcasts:
Esse não é um podcast fashion.

2. Delinear uma área de estudo
Afinal, o termo “moda” é algo extremamente abrangente, com uma indústria maior ainda. Portanto encontrar um ramo de estudos de uma área que você se identifica num espectro pessoal torna o real estudo didático algo mais fácil. No começo as coisas vão parecer confusas e um pouco complexas, mas focando em um objetivo claro — como começar a entender o mercado e a indústria de moda de luxo começando pela história das casas como Louis Vuitton, Prada e Saint Laurent e ir abrindo os ramos de estudo até para como essas marcas estão hoje, como elas mudaram seu sistema para o mundo digital — as coisas lentamente se descomplicam.

Entender a sua área de estudo ao máximo é um processo: envolve pesquisa em livros mais acadêmicos de nicho próprio, mas principalmente se você pensa em seguir no futuro uma carreira nessa área específica da indústria é mais do que necessário entender o máximo possível da onde quer trabalhar. Pegando o meu exemplo com o jornalismo de moda para melhor entender esse processo:
1- Entender a história do seu ramo (ex: Como e quando surgiram as grandes revistas?).
2- Pesquisar a história de grandes profissionais do seu meio (ex: Ler biografias de grandes jornalistas de moda como André Leon Talley, Diana Vreeland, etc…).
3- Como é financiado? Entender como o trabalho se mantém em pé é uma importante parte de tudo, afinal a indústria da moda é uma das que mais movimentam dinheiro no mundo, entender quem financia a sua área e porque é necessário.

Existe um enorme leque de áreas dentro da indústria que abrangem desde comunicação (como marketing, propaganda, jornalismo, relações públicas) até as áreas de criação (como diretores criativos, fotógrafos, ilustradores e stylists). Isso é apenas uma pequena faceta de como podemos entrar em diferentes áreas de estudo apenas falando sobre o ramo. O mercado de luxo, a moda sustentável… O seu repertório pessoal afeta diretamente a área de escolha — ele tem muito entre quem você é, o que você vê, ouve, lê e estuda até hoje e seus interesses que conversam com o seu espectro interno e emocional.

3. Construção de senso crítico
Com o avanço dos estudos e livros, você vai começando a entender melhor o que de fato acontece e não acontece na indústria. Você também começa a ensaiar o seu próprio senso crítico da mesma, não é necessário ser um especialista formado para dialogar e fazer perguntas de como verdadeiramente funcionam as coisas no meio onde você trabalha, ou quer trabalhar.
Esse texto não passa de um conjunto de dicas que funcionaram quando eu começava a aprender sobre moda, então quando digo que esse talvez foi o maior passo para começar a desenvolver meu senso crítico e estético eu realmente coloco ênfase nisso: aprender e escutar fontes diferentes. Ler livros sobre temáticas parecidas de autores diversos, ler e ouvir jornalistas e historiadores diferentes, ouvir novas opiniões, dialogar com pessoas da mesma área de estudo que às vezes não tem a mesma visão do que você. É um conjunto de experiências em uma comunidade que está aprendendo sobre moda juntos e cada dia tenta melhorar e ouvir mais pessoas.

Dou tamanha importância para esse tópico por um motivo (e repitam comigo): todo repertório pessoal é diferente. Desde sua história familiar, seu relacionamento com o dinheiro, as coisas que te cativam — mesmo que pareçam frívolas — afetam a forma de olhar para um assunto específico. Você olha pelo seus olhos e, na maioria das vezes, ver de diferentes perspectivas ajuda a apurar seu senso crítico.
Construir aos poucos esse senso crítico é um processo sem fim, todo o conteúdo que você consome pode influenciá-lo, ter certeza que você está consumindo um conteúdo de qualidade de fontes sérias para o seu estudo didático é uma das prioridades na hora de estudar, por isso fizemos uma lista de jornalistas e livros para começar a aprofundar a sua jornada:
Livros:
História Social da Moda – Daniela Calanca
O Brasil na Moda 1 e 2 – Paulo Borges e Giovanni Bianco
Shocking Live – Elsa Schiaparelli
D.V – Diana Vreeland
The Chiffon Trenches – André Leon Talley
Glossy: The story of Vogue – Nina Sophia Miralles
Fashion Journalism: History, Theory and Practice – Peter McNeil e Sandra Miller
The History of Fashion Journalism – Kate Nelson Best
Uncovering Fashion: Fashion Communication Across the Media – Marian Frances Wolbers
O Império do Efêmero – Gilles Lipovetsky
O Casaco de Marx: Roupas, Memória, Dor – Peter Stallybrass
O Luxo Eterno – Gilles Lipovetsky e Elyette Roux
A Estetização do Mundo: Viver na Era do Capitalismo Artista – Gilles Lipovetsky e Jean Serroy
Moda: Uma Filosofia – Lars Svendsen.
Teoria da Classe Ociosa – Thorstein Veblen.
Filosofia da Moda e Outros Escritos – George Simmel.
Moda com Propósito: Manifesto Pela Grande Virada – André Carvalhal
Jornalistas:
Pierre A. M’Pelé;
Vanessa Friedman
Cathy Horyn
Tyler Mccall
Luigi Torre
Giu Mesquita
Bárbara Poener
Isis Vergilio
Lucas Assunção

Nunca tinha ouvido falar de você antes, é incrível seu conhecimento no ramo da moda e o quão boa com as palavras você é. Sua matéria despertou mais ainda minha vontade de se aprofundar no mundo da moda e com certeza irei ouvir mais de você por aí.
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