O que é que a Misci tem? 

O autor que vos escreve já ensaiava publicar um texto sobre a Misci há um tempo, já que, se você assim como eu acompanha a moda nacional, sabe que não se fala em outra marca no momento. Mas o que era pra ser escrito apenas após as férias se tornou algo necessário de imediato depois que, em plena festa de réveillon em Búzios, no Rio de Janeiro, me deparei com três pessoas — de grupos diferentes, vale a ressalva — portando a bolsa ‘nine’ da marca. Antes uma hipótese, o fato havia se concretizado na minha frente: a marca estava no corpo, e não apenas na boca do povo.

Modelo de bolsa ‘nine’ em preto e vermelho. | Imagens: [Divulgação]

É claro que por “povo” eu quero dizer uma parcela mínima da população do país, que pode gastar cerca de 1.600 reais em um acessório e frequentar uma festa privada na virada de ano no Rio de Janeiro. Mas, para além de qualquer recorte de classe, há sempre o desejo. 

Desejo esse que se cumpre no ato da compra para aqueles que podem pagar certo preço por um produto, ou que habita o inconsciente daqueles impossibilitados de pagar, mas que amam e se identificam com a marca – engajando e fazendo o nome circular por aí . A Misci, por algum motivo, consegue suprir os dois, tendo adentrado o imaginário daqueles que torcem, vibram e consomem a moda nacional.

Mas o que é que uma marca com apenas 4 anos de história tem para garantir tamanha faceta? Airon Martin, nome por trás da label, parece possuir o pacote completo: talento, storytelling, comunidade e, principalmente, um excelente produto.

Nascido em Sinop, cidade do Mato Grosso que é parte do território amazônico, Airon cresceu rodeado de mulheres em sua casa na beira da Br-163. Além das integrantes da família, Airon convivia com amigas que trabalhavam no cabaré de seus parentes. Com 5 anos já desenhava vestidos, mas decidiu cursar 1 semestre de direito e 1 ano de medicina até se render à sua vocação e formar-se em design de produto e serviço pelo Instituto Europeu de Design, em São Paulo.

Foi ainda na graduação que a Misci começou a tomar forma, sendo apresentada como projeto de TCC pelo designer em 2018. Pensada enquanto um estúdio multidisciplinar de design, a marca fabrica e comercializa móveis e roupas. O nome vem da palavra que talvez mais defina o nosso Brasil: miscigenação. Para Airon, esse é um movimento que vai muito além da formação da nossa sociedade e que tem claras consequências na multiplicidade de estéticas presentes na identidade do design brasileiro.

Tendo o minimalismo como base, os primeiros produtos foram apenas um conjunto de jaqueta e calça masculino e uma cadeira em couro e metal – o conjunto “Elle” e a cadeira “Uni”, respectivamente. Lançados em 2018, essa dupla permaneceu a única do catálogo da marca por um bom tempo, até Airon começar a se aventurar pela alfaiataria e construção de outras peças femininas e masculinas. Mas é justamente aí que parece estar a chave de seu sucesso: o respeito ao tempo.

Conjunto de jaqueta e calça “Elle” e modelo de cadeira “Uni”, onde senta o estilista. Fotos retiradas do Instagram da marca.

Em entrevista à Vogue Brasil, Airon compara o seu processo criativo ao chamado “FaceLift” do mercado automobilístico, que consiste em melhorar e evoluir um produto existente ao invés de simplesmente descartá-lo. Essa não é uma tática exatamente nova entre os designers – Miuccia Prada, magnata à frente da marca que leva o seu sobrenome, é conhecida por repetir silhuetas e motivos de coleções passadas, porém sempre evoluindo-as e tornando-as contemporâneas. O processo de Airon parece herdar da mesma fonte, porém aproximando-se mais do que ele chama de “processo de maturação”, o que significa que um desenho pode demorar anos até ser confeccionado, ou seja, uma peça é pensada por um bom tempo antes de se tornar realidade.

É esse mindset que catapulta Airon para o oposto do que a Moda Nacional cria há tempos: ele se revela extremamente entregue ao desenvolvimento do produto e sua usabilidade, muito mais do que a construção de uma imagem de moda ultra criativa ou um momento performático potente (mesmo que, no final, a sua entrega englobe tudo isso com extrema maestria).

O resultado disso são roupas e acessórios que são realmente desejados, comprados e vestidos por aí. O que pode parecer bobo e até mesmo simples é na verdade o maior diferencial de Airon – e talvez o que tenha elevado o designer ao posto de “estilista do momento”.

A prova disso são as bolsas “Nine” e “Bambole”, modelos em couro com matéria prima e desenho 100% brasileiros que já viraram clássicos da marca, conquistando famosos como Sasha Meneghel e Thássia Naves. Além, é claro, de um público que não é celebridade mas ama desfilar os modelos por aí – como os 3 fashionistas que encontrei em Búzios e as centenas de clientes que postam fotos no Instagram com as bolsas e marcam a label e seu criador. Sejamos sinceros: quando antes vimos uma marca nacional emplacar acessórios-hit em apenas 4 anos de existência?

Thássia Naves e Sasha Meneghel vestem bolsa “Bambole” e “Nine”, respectivamente. Fotos retiradas do Instagram das celebridades.

Mas, para além de um processo criativo que valoriza o tempo e o produto, Airon possui ainda outro diferencial: uma história e uma persona que cativa e apaixona qualquer um que conheça. 

Uma aba do site da marca é dedicada apenas ao perfil do nome por trás das peças. Em “Airon Martin” o visitante pode ficar por dentro da narrativa do menino que desenhava vestidos desde os 5 anos, mas que por conta do machismo da sociedade decidiu cursar Medicina e Direito antes de mudar para o Design – e que trabalhou no mercado de mobiliário por um tempo enquanto ainda desenhava roupas em segredo com medo de revelar a sua paixão. A Misci é portanto um projeto de desconstrução de um padrão de homem que Airon achava que deveria ser: como não amar e se comover?

Airon Martin. Foto retirada no site oficial da Misci.

Tal fato nos faz pensar que não é somente a marca que coleciona fãs, como também o seu criador, que conta com mais de 20 mil seguidores em seu perfil pessoal no Instagram. Se você lembrou agora de Simon Porte Jacquemus – estilista francês que conquistou adoradores ao redor do mundo por sua história de vida, criatividade, produtos-hit e beleza – você entendeu tudo. Airon possui o mesmo pacote completo.

E é nesse pacote que se encontra também uma comunidade de colegas da marca,  composta por influencers de uma nova geração que acredita na moda nacional: Arthur Freixo, Mitcho Mezzomo, Diego Sfoggia e a musa Thai de Mello são alguns deles. O que esses quatro nomes têm em comum? Veem a moda para muito além do look do dia e possuem uma comunidade própria que pensa o mesmo.

É por isso que vestir Arthur para o “TikTok awards” com um conjunto Misci recém saído das passarelas ou presentear Mitcho com um total-look da marca é apenas mais um dos acertos de Airon: ele mira em criadores genuinamente interessados pelo seu trabalho e acerta em uma audiência de nicho que indiretamente pode se converter em clientes – justamente porque é interessada pela moda nacional, assim como a sua comunidade.

Arthur Freixo e Mitcho Mezzomo vestem look total Misci. Foto retirada do Instagram dos influencers.

Emily Nunes, modelo de descendência indígena que se tornou um dos nomes preferidos na passarela desde o ano passado, e Sasha Meneghel, que estreou como modelo em 2019 pela Água de Coco, também fazem parte dessa comunidade de colegas que cercam a label. Foram elas que, ao final de “Fuxico Lanches”, desfile de estreia da Misci nas passarelas ao vivo, brilharam de mãos dadas à Airon no final da apresentação, em um dos momentos mais emocionantes da SPFW N52.

Airon Martin desfila de mãos dadas com Emily Nunes e Sasha Meneghel na SPFW e Emily Nunes posa para “Brasil Impúbere”, apresetação-estreia da Misci no SPFW. Fotos retiradas do Instagram Oficial da marca.

Ali foi firmado o início do que parece ser uma longa e fértil história com a moda nacional: depois de um desfile magnífico, que exaltou uma brasilidade que existe fora do eixo rio-são paulo nunca explorada antes, um criador apaixonado foi aplaudido de pé por uma audiência que vibrava em êxtase – tudo isso enquanto desfilava de mãos dadas com duas musas da marca e do Brasil, no maior estilo Karl Lagerfeld encerrando uma apresentação da Chanel. 

O jornalista de moda Jorge Grimberg revelou recentemente em seu Instagram que Constanza Pascolato disse o seguinte à ele: ” [se referindo a Airon] Esse menino entendeu tudo. O Brasil é isso mesmo, essa miscigenação “. A benção de uma das personalidades mais ilustres da moda brasileira é a cereja do bolo para uma marca que possui o pacote completo.

Mas então, o que é que a Misci tem? Ao que tudo indica, tudo.

2 comentários em “O que é que a Misci tem? 

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