O legado de Elza Soares

Considerada uma das maiores cantoras brasileiras e uma das maiores vozes do samba, Elza Soares faleceu nesta última quinta-feira (20), aos 91 anos.

Nascida no Rio de Janeiro em 1930, Elza Gomes da Conceição teve uma infância complicada, interrompida aos seus 12 anos, quando foi obrigada pelo pai a se casar com Antônio Soares, cujo sobrenome herdou para o resto da vida. Aos 13, Elza engravidou do primeiro filho. Sete anos depois, tornou-se viúva. 

Seu primeiro envolvimento na música, de fato, foi ainda aos 13, em um programa da rádio Ary Barroso, em busca de remédios para seu filho recém-nascido. A artista perdeu dois bebês para a fome. De lavadeira a operária de uma fábrica de sabão, somente aos 20 anos realizou seu primeiro teste oficial como cantora, na academia do professor Joaquim Negli.

Seu primeiro destaque foi com uma participação na composição Se Acaso Você Chegasse, em 1959. Embora grande parte do seu sucesso mundial seja por conta da sua marcante voz no samba, Elza transitou no jazz, no hip hop, no funk, e até mesmo na eletrônica. Sua voz chamava atenção por oscilar graves e agudos, de forma extremamente afinada. O timbre característico da cantora se destacava para todos que a ouviam.

Porém, sua carreira artística vingou de forma oficial no início dos anos 60, por volta dos seus 30 anos. Tudo isso em meio a um dos momentos mais marcantes da sua vida: quando Elza Soares se envolveu amorosamente com o craque de futebol Garrincha.

Entre 1962 e 1982, a artista viveu um relacionamento com o jogador. Os dois se conheceram em um treino do Botafogo, clube carioca em que Garrincha é considerado ídolo até os dias atuais. Casado na época, o jogador viveu um relacionamento escondido com a sambista, até o divórcio com sua ex-esposa. Após o término, Elza e Mané Garrincha ficaram juntos por 15 anos.

[Imagem: Reprodução/Folhapress]

O casamento com o atleta começou a ficar extremamente conturbado. O carioca enfrentou um grave problema com alcoolismo, adquirindo assim, algumas atitudes violentas em casa. Em uma das agressões sofridas por Elza, ela teve os dentes quebrados. O assunto nunca havia sido levado à tona até então.

Garrincha faleceu dia 20 de janeiro de 1983, que por coincidência, foi no mesmo dia da morte da cantora, devido a uma cirrose hepática. O casal teve somente um filho, que também faleceu. O “Garrinchinha”, como era conhecido, foi vítima de um grave acidente de carro, aos nove anos.

Mesmo que tenha se calado por anos, Elza Soares cantou sobre a dor e o trauma de ter convivido com um companheiro alcoólatra e agressivo anos depois, no disco A Mulher do Fim do Mundo, lançado em 2015. Por meio de versos e de batidas bem carregadas, a artista registrou suas dores em forma de música, mas sempre deixando claro que preferia “lembrar dos momentos bons”.

[Imagem: Reprodução/Flickr]

A cantora sempre tentava trazer sobre suas origens e histórias em todos os sambas que compunha. Um dos grandes exemplos foi o álbum Lição de Vida, lançado em 1976, e que contou com um dos maiores sucessos vistos na música nacional: Malandro, uma obra-prima feita em conjunto com Jorge Aragão e Jotabê.

E como todo bom sambista, Elza Soares foi extremamente ligada ao Carnaval.  As presenças da musicista são lembradas, principalmente, pelos desfiles da Salgueiro e Mocidade. O último desfile do qual marcou presença foi em 2020, antes da pandemia, quando foi enredo da Mocidade Independente Padre Miguel. Aos 89 anos, foi o grande destaque do carro alegórico.

[Imagem: Reprodução/Globo]

O significado da cantora ia além da voz. Era uma personalidade de impacto social muito grande. Cantava sobre o direito das mulheres, falava de relacionamentos abusivos, força e questões raciais. Fez história.  Até os últimos dias, trabalhou. Foram 36 discos, um prêmio de “Voz do Milênio”, vencedora do Grammy Latino, entre muitas outras marcas.

A música de Elza costumava falar sobre racismo, gênero e sobre o movimento feminista. Mesmo em uma época que tais assuntos não eram debatidos, a artista sempre deixava claro as causas que apoiava e sempre transparecia tudo em sua arte, algo que muitos não faziam, seja por medo de censuras ou por qualquer outro motivo.

Tal lírica foi de extrema importância. Elza era admirada por artistas no Brasil e no mundo. Cantava sobre a força da mulher negra, sem abrir mão do repertório. Era vista como uma cantora, que por meio da música, levantava uma força que serviu de inspiração para muitas vozes que vieram depois.

A importância de Elza Soares para a música é indiscutível. Além de transitar sobre assuntos importantíssimos de serem debatidos desde o começo da sua carreira, a cantora transitava por todas as plataformas possíveis ao longo do tempo.

A sambista gravou no formato chamado de “78 rotações”, acompanhando a evolução de todas as plataformas, indo do rádio e discos de vinil aos meios digitais e streamings. Algo que somente artistas que mantém um conteúdo bom por toda a carreira tem a capacidade de fazer.

“Rainha do samba”, foi considerada a “Voz do Milênio”, pela BBC, em 1999. Vista como um símbolo de liberdade e força.

A mulher do fim do mundo deixou um legado enorme na música nacional. Elza Soares faleceu dia 20 de janeiro de 2021, em paz, dias depois de finalizar a gravação de um show no Teatro Municipal de São Paulo.

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