
Tenho gostado de chegar mais cedo na faculdade. Minha aula só começa às 9h20. Saio de casa às 07h50. Caminho por uns vinte minutos e chego no campus. Aí me sento na praça e fico presente. Esse “presente” varia. Às vezes, eu leio. Ou escuto música. Escrevo, me encontro com a Lara ou com o Pedro… Varia. Mas sempre me sinto presente na vida, como se estivesse tocando em algo eletrizante. Estou viva.
O que ando lendo é estritamente Joan Didion. Estou tentando estudar o seu modo de escrita para me inspirar nela no meu TCC. Que é esse ano. Que merda. Ignorando isso… O Ano do Pensamento Mágico, Noites Azuis, Rastejando até Belém. Me identifico com os relatos pessoais de Didion, me sinto menos sozinha. Se um dia conseguir colocar 1% da emoção que ela emite com as suas palavras nas minhas, vou ficar feliz.
Não sei se consigo definir que tipo de música escuto sentada lá na praça. O “mix relax” e “mix folk e acústico” do Spotify são dois que gosto bastante. Karen Dalton, Bob Dylan, Hozier, James Taylor, Vashti Bunyan, Maggie Rogers, Phoebe Bridgers… Esse tipo de coisa. Mas não é sempre isso. Por exemplo, tenho escutado Grimes obsessivamente – o exato oposto de relax, folk e acústico. Como disse, não consigo definir. Depende do que estou sentindo, qual é o tempo, que tipo de pessoa está ao meu redor etc.
Quando me encontro com a Lara, ficamos grande parte do tempo reclamando. Com humor, mas reclamando. Estamos com sono, de saco cheio e irritadas (e as aulas começaram só duas semanas atrás). A Lara não está nem conseguindo ficar acordada até a hora do BBB. Também discutimos a realeza britânica. Esse assunto parece nunca cessar. Estamos há cinco anos xingando o Charles.
Com o Pedro, tem menos reclamação. É incrível – ele parece conhecer todo estudante que habita aquela faculdade. Ele acende um baseado e fica me contando coisas mirabolantes sobre qualquer um que passa. Como um único ser humano consegue conhecer tanta gente? Fico chocada.
O que me faz lembrar da minha coisa predileta de fazer quando chego mais cedo na faculdade: observar. Sinto o vento bater no meu rosto enquanto crio pequenos fragmentos de personalidades para quem passa por mim. Escuto conversas quando consigo. Do meu lado direito, há uma menina reclamando que gastou demais com material. Ela está segurando uma pasta enorme rosa. Se tivesse que arriscar, diria que ela faz moda ou arquitetura. É certinha demais para fazer artes plásticas e não consigo pensar em outro curso que precise de tanto material (e de uma pasta desse tamanho).
Não consigo escutar a conversa do grupo do meu lado esquerdo, mas eles estão rindo bem alto. Meu palpite é que esse grupo mistura vários cursos. Devem ter se conhecido no bar do lado da faculdade. Certeza de que almoçam lá toda sexta. Já consigo imaginar a mesona barulhenta. Eles parecem divertidos, queria ter a coragem de puxar assunto.
Na minha frente, vejo vários outros grupos peculiares e específicos, algumas pessoas sentadas sozinhas (como eu) e apressadinhos andando para lá e pra cá. Todos são dignos de uma história, um palpite e uma contemplação. Acho o ser humano um ser fascinante. E, de alguma maneira, todos querem uma certa atenção. Uma atenção como a que estou dando para eles agora. O meu jogo é que faço isso secretamente. Sigilosamente. O que eles achariam disso? Ficariam incomodados ou lisonjeados? Será que alguém já parou para me observar, nem que seja por um segundo? O que eles pensaram?
Volto a focar na conversa do grupo ao meu lado. Descobri que são alunos de cinema. Hm. São todos bem diferentes um do outro, é interessante pensar que são todos do mesmo curso. Estão discutindo, para a surpresa de ninguém, cinema.
Alguém falou que Licorice Pizza e Spencer são lentos, não acontecem nada e são longos. Um diz não gostar de filmes do Oscar porque são muito “naturalistas”. Não faço ideia o que isso pode significar. Todos concordam que filmes que normalmente são indicados para o Oscar não são bons. Estou levemente irritada com essa conversa, mas não o bastante para passar o vexame de me intrometer.
Agora estão falando que amam musicais. Eu também amo musicais. Uma menina disse que só escuta uma playlist disso. Já passei por essa fase. Gostaram de West Side Story. Estão cantando “Someone in the Crowd” de La La Land. Que ânimo para uma segunda de manhã.
Voltando para o assunto do Oscar. Estão discutindo qual vai levar melhor animação. São muuuuito opinados. Por que fazem cinema ao invés de animação?
Eita, ninguém fez o trabalho de Argumento I. Ou fizeram, mas não sabem se fizeram certo.
Não estou conseguindo escutar o resto da conversa porque um casal pegajoso se sentou entre mim e o grupo de estudantes de cinema. Os dois estão falando em vozes de bebês irritantes. Insuportável.
São 09h10 e estou pensando em pegar um café antes da aula. Vou até a cafeteria mais próxima.
A fila está enorme. Desisto. Tem sempre amanhã.
Venho aqui sempre e fico tão inspirado.
A Cecília faz uma coisa que eu amo: comenta, incessantemente, as banalidades da vida diário e traz, do meio disso, o extraordinário. Que é observar a rotina e as pessoas e, através disso, se observar.
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