A masturbação, ato de buscar prazer com seus próprios estímulos, não é um assunto novo para ninguém. No entanto, em pleno século XXI, ela ainda é motivo de insegurança e vergonha para muitos, principalmente quando estamos falando sobre mulheres. Vista como algo normal e natural na evolução do gênero masculino, a masturbação feminina foi e ainda é considerada suja quando praticada. Isso tudo porque o tema carrega uma questão histórica que reflete até hoje na maneira como a sociedade enxerga a prática nas mulheres.
Desde as primeiras representações da sexualidade feminina, a mulher sempre teve um papel “desprezível”, como se fosse criada exclusivamente para seguir um padrão de conduta: ser mulher do homem, auxiliar o homem, preservar o casamento, procriar e ser responsável pelo cuidado dos filhos e marido. Podemos observar esse padrão em diversos momentos como na bíblia, com Eva e Maria e na Grécia, onde as mulheres não eram nem consideradas cidadãs, mas servas sexuais dos homens e geradoras de filhos saudáveis.
Na idade média, isso não mudou. Segundo a psicóloga e sexóloga Cristiane Soares Campos Yokoyama, no artigo “O nada”- um passeio pela masturbação feminina na perspectiva da história, publicado na revista brasileira de sexualidade humana, médicos e filósofos condenavam a masturbação sob o ponto de vista ético e moral, por entenderem que a ejaculação deveria ser somente direcionada para a reprodução. Os que tentassem buscar o prazer através do contato com seu próprio corpo eram considerados hereges, ou seja, traidores aos dogmas da religião predominante na época.
A partir do século XIX, a prática da infibulação feminina, ou seja, a costura dos lábios vaginais deixando um espaço apenas para a passagem da urina e da menstruação, tornou- se comum. Com isso, não existia espaço de prazer para mulher, ficavam restritas ao cuidado com a saúde e bem estar da família, enquanto os homens tinham o direito de aproveitar dos prazeres sexuais.

De acordo com a pesquisa, Mosaico 2.0, conduzida pela psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, divulgada em 2017, dos três mil participantes ouvidos, entre 18 e 70 anos, cerca de 40% das mulheres do país não se masturbam e dessas, 19,5% nunca experimentou a prática. Já entre os homens, apenas 17,3% não se masturbam e 82,7% adotam a prática.
Apesar de uma grande evolução no tratamento do assunto ao longo dos anos, ainda é notável a desigualdade de gênero. Para Carolina Feitosa Femenias, psicóloga especializada em sexologia, muitos movimentos causaram e ainda causam pressões que são, sem dúvidas, essenciais para mudar a maneira em que a sexualidade feminina é vista. “A mudança é perceptível, mas ainda não é generalizada e infelizmente ainda não é realidade para todas as mulheres, sobretudo para quem não tem acesso às informações e recursos confiáveis e de qualidade”, ressalta Carolina.
Além da associação do autoprazer ao sentimento de culpa, vergonha e pecado, outra causa dessa visão deturpada é justamente a propagação de informações falsas. Durante anos, persistiram diversos mitos sobre os efeitos físicos e psicológicos da masturbação, os quais persistem até hoje com a intenção de reprimir o ato. Impotência, epilepsia, loucura, ansiedade e depressão eram e ainda são julgados como efeitos prejudiciais e malignos da masturbação.
No entanto, atualmente estudos mostram que o ato de masturbar-se traz mais benefícios do que problemas. Em entrevista a Frenezi, Carolina Femenias ressalta alguns dos benefícios provindos da mastrubação, como a ativação da musculatura da região pélvica e a liberação de hormônios, como a dopamina (um dos principais hormônios da felicidade), endorfina (analgésico natural, reduz o estresse), ocitocina (também chamado de “hormônio do amor”), testosterona e prolactina (sistema imunológico). Apesar dos benefícios citados, a sexóloga acredita que o maior deles seja o autoconhecimento e ressalta que “acredito que quando a mulher percebe as potências que seu corpo tem, além das mais variadas possibilidades de obter prazer, ela se sente muito mais autoconfiante e isso reflete em como ela se comporta também”.
Para a sua prática, são diversas as formas, cada pessoa terá respostas sexuais individuais, cada mulher é única. No entanto, o uso de vibradores se tornou o favorito nos últimos anos. De acordo com a pesquisa do portal Mercado Erótico, em maio de 2020, a venda de vibradores aumentou 50% desde o ínicio da quarentena. Segundo a sexóloga Carolina, é preciso se atentar à indústria sexual feminina, pois ao mesmo tempo que existem produtos bons com certificações e testes, existem aqueles que não são seguros e portanto, buscar produtos de marcas sérias e que disponibilizem as informações de segurança nas embalagens ou sites é essencial.

Outra dica dada pela sexóloga é em relação a empresas que estão interessadas em vender e não com a saúde íntima das clientes. “Alguns produtos do mercado não são indicados para a região íntima, como, por exemplo, os desodorantes Íntimos. Muitas ginecologistas alertam para possíveis infecções, além de ser um produto com intuito de deixar a vulva com cheiros que não são característicos dela”, informa. Esses produtos além de danosos à saúde, causam inseguranças no corpo feminino já que passam uma sensação de inadequação do corpo. A região íntima tem cheiro próprio e as pessoas precisam aceitar isso.
Apesar de todas essas mudanças gradativas, o que podemos considerar uma vitória, as mulheres se masturbam menos e possuem mais dificuldade de assumir o prazer. Isso acontece porque as mulheres carregaram e ainda carregam a falsa ideia de que nosso corpo foi feito exclusivamente para satisfazer homens e gerar vidas, reprimindo a nossa própria sexualidade. Hoje, deixando a perspectiva histórica de lado, o autoprazer é visto mais do que uma tentativa de chegar ao orgasmo, mas sim uma chance de autoconhecimento e empoderamento da mulher.