Quando pensamos em cultura, as primeiras características que vêm à mente são idiomas falados, costumes de etiqueta, crenças, sistema educacional e marcos históricos. Porém, outro importante ponto que também se destaca na diferenciação entre culturas é a beleza, ou melhor, o que esse termo representa. Formatos de corpo, comprimento dos cabelos, estilo de maquiagem e até mesmo o sorriso, podem ser considerados características culturais de um grupo social e exercem influência direta nos ideais que definem o que é belo nas distintas culturas ao redor do globo.
O gestor educacional Júlio César de Lima, graduado em Ciências Sociais pela Universidade Metodista de São Paulo responsável pela página Sociologia Cotidiana, pontua que cada sociedade possui sua cultura que vai se modificando ao longo do tempo a partir de contato com outras, em um processo ininterrupto. “No passado, o contato entre diferentes culturas era físico, através de imigrações, invasões, por exemplo. […] Atualmente, as chamadas mídias sociais vem acelerando ainda mais a difusão cultural.” Com base nesse raciocínio, ele dispõe que cada grupo cultural, cada povo e sociedade possui seu ideal de beleza, moda e costumes, no entanto, eles são fluidos e modificam-se muito rapidamente “Se o ideal de beleza é o estilo, padrão ou modelo socialmente definido como belo, ele existe em toda e qualquer sociedade, mas a questão é que ele é marcado pela fluidez.”.
Ademais, a busca pelo encaixe perfeito nos padrões de uma sociedade também podem ser resultantes da vontade de gerar um sentimento de pertencimento a um grupo específico, funcionando como uma forma de validação de valor social. Nesse sentido, Júlio César menciona: “O homem é um animal gregário, só existe porque vive em grupo. Com a chamada sociedade de consumo, a necessidade de se viver em grupo divide espaço com a necessidade de se sentir parte desse grupo. […] Fazer parte dele requer sim ser validado em alguns quesitos estabelecidos.”
Mesmo em países multiculturais, como o Brasil, sabemos que existem algumas características que são intrínsecas à construção social do que é belo. Porém, de um ponto de vista mais “macro”, podemos notar que determinados padrões são vistos de forma mais ampla nos diferentes continentes.



Em se tratando das Américas, no Norte, como nos Estados Unidos, observamos que bustos volumosos, pele, cabelos e olhos claros são as características mais apreciadas nas mulheres, enquanto dos homens é esperado um físico atlético e uma barba bem cuidada, em um visual conhecido como “lumbersexual”. Já na região Central e Sul, peles bronzeadas, cabelos longos e corpo curvilíneo, o famoso “corpo violão”, formam o ideal estético feminino, ao passo que o masculino é composto pela pele também “beijada pelo sol”, cabelos escuros e um porte malhado, em uma mistura de casualidade elegante com um toque sensual.



Nas terras europeias, continente em que a população tende a ser mais reservada e discreta no que tange ao comportamento, observamos que corpos esguios e um visual casual são as características gerais dos padrões de beleza que, todavia, podem sofrer pequenas alterações de país para país. Se estivermos falando sobre a França, pele bem cuidada, físico magro, cabelo levemente bagunçado e maquiagem leve são o combo apreciado – também compartilhado pela Inglaterra, com a diferença de que esta opta por um visual mais aristocrático e sério, menos despretensioso que o francês. Em se tratando da Itália, os padrões ficam levemente mais extravagantes, o corpo segue magro, mas o busto aumenta de tamanho, as pernas ficam mais torneadas, os cabelos ganham mechas e um comprimento maior; enquanto a Espanha preza por ares mais sexy, de pele morena, olhos e cabelos castanhos, corpos curvilíneos e bem torneados, enquanto, em contraponto, a beleza nórdica preza por peles alvas, cabelos bem claros e uma imagem quase etérea.



O continente africano também conta com variações no ideal que o compõem, se observadas suas diferentes partes. Em se tratando da região sul, que sofreu grande influência da cultura europeia por conta da colonização, observamos um apreço por traços delicados, poucas curvas e um físico esguio, levemente malhado. O que vai de encontro ao observado em partes da África Ocidental, em localidades como a Mauritânia, em que os corpos volumosos são almejados por serem a representação de prosperidade financeira e disponibilidade de recursos.


No continente asiático, onde a praticidade, discrição e agilidade são pontos fortes de sua cultura, o que é visto como belo possui traços finos, uma pele bem cuidada e clara, a união de características que, juntas, consigam formar uma imagem de inocência e leveza que são associadas à elegância.
Porém, mesmo sendo tão discutidos e abordados com mais intensidade nos tempos atuais, o estabelecimento de ideais de beleza têm um histórico longo e notável. Os primeiros registros de uma espécie de padrão no tocante ao belo foram observados na Pré-História, quando o uso de garras e dentes de animais como adornos representava o poder masculino e a obesidade feminina era vista como sinônimo de prosperidade em recursos e símbolo de fertilidade. Posteriormente, na Grécia Antiga, onde muito se valorizava a questão da harmonia e equilíbrio, os corpos compostos por quadris largos e seios volumosos – que eram associados à fertilidade – além de um pele clara, uma aparência etérea e que transmitisse a ideia de saúde acabaram por ser interpretados como o ideal; enquanto no Egito Antigo (em que a aparência física era de grande importância), corpos esguios, pele bronzeada e ausência de pelos representavam a imagem almejada. Sob esse panorama, observa-se que mesmo com a passagem do tempo e a alteração de muitos pontos tidos como representantes do bela por motivos diversos, como os de cunho religioso e cultural, o que perdura até os dias de hoje é a constante mutação do que é compreendido como parâmetro. Dessa forma, com o entendimento de que as raízes dos padrões de beleza são profundas, ainda que disformes, o questionamento é: será possível vislumbrar uma sociedade livre desses ideais? Júlio César de Lima pontua que acredita ser improvável que isso aconteça. “Acredito ser improvável a existência de uma sociedade livre das amarras dos padrões de beleza e então, a discussão que cabe pode tomar outro rumo, como por exemplo, no campo da ética, que pode lançar reflexões sobre consequências para a saúde física, mental e até social dos excessos causados pela busca irrefletida por estar bonito, com o corpo ideal, com o cabelo da mocinha da novela […] Em resumo, continuaremos tentando estar belos, mas provados por questões sobre como estar belo de maneira mais racional.”

Por fim, em uma comparação meramente singela, podemos analisá-los como uma faca de dois gumes que corta um mesmo entendimento em duas questões, pois, o questionamento de um padrão pode representar o entendimento de que há outro “melhor” para ser colocado em seu lugar. Mesmo sendo rechaçados por muitas pessoas e transformados em pauta de discussões acaloradas ou, em outros casos, tendo sua existência negada dada a diversidade de ideais presentes nos diferentes continentes, os padrões de beleza reverberam para além do campo da estética, porque, como foi exposto, por meio deles conseguimos diferenciar momentos históricos, grupos sociais e até mesmo entendimentos culturais. Conseguimos, então, observar que a pluralidade da cultura faz com que o belo não seja uma afirmação, mas, sim, um eterno questionamento.
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