Fundada em 1992 por Miuccia Prada, a marca ‘Miu Miu’, nome este escolhido carinhosamente em homenagem à fundadora da casa — apelido atribuído-lhe na infância por seus familiares — comporta-se desde sua primeira exposição (lançada oficialmente em 1995) como uma carta ao público juvenil, especialmente por suas demasiadas referências às tendências e adesões jovens da época.
A irmã caçula da Prada e a segunda metade de Miuccia — assim por ela amorosamente denominada — ela surge em contraste aos designs extremamente minimalistas e desenhos sofisticados trabalhados pela estilista na marca irmã. A Prada embarca em uma pegada mais clássica, buscando conquistar a mulher madura moderna, a Miu Miu surge como uma aventura mais extrema e divertida aos olhos dos entusiastas de moda, atraindo as jovens determinadas e extremamente cool.
Desde a sua primeira coleção de Primavera/Verão exposta em 1995 na Semana de Moda de Nova York (New York Fashion Week), a marca de origem italiana nos contempla com o seu objetivo principal: demonstrar toda a jovialidade interior de Miuccia. Além disso, a apresentação conta com a ilustre presença das principais supermodelos da época, o que foi crucial para que a casa pudesse atrair os olhares do público imediatamente.



A coleção seguinte de Outono/Inverno 1995 proporciona uma mesma atmosfera da inaugural da marca, entretanto, com a adição de alguns elementos que refletem um pouco mais a ousadia da casa italiana. Esta conta com a aparição de botinhas e sapatos inspirados nos filmes western, plataformas e tamancos em couro e píton.



Ao passar dos anos, o espírito avant-garde e estilo provocativo estiveram presentes em todas as coleções lançadas pela marca italiana.
Seja por referências ao verde-militar, pelas famigeradas jaquetas tirolesas ou pela mulher guerreira, poderosa e orgulhosa sobre tamancos, tons soturnos e casacos esquimós, a essência militante de Miuccia sempre fez parte do DNA de sua segunda filha Miu Miu, o que obviamente não poderia diferir em suas coleções mais atuais, expostas no contexto pandêmico.
Dentre elas, destacam-se principalmente as coleções de Primavera/Verão (Spring/Summer) 2022 e Outono/Inverno (Fall/Winter) 2022, lançadas recentemente, e que também podem ser apontadas como o auge da casa, especialmente pela proposta apresentada em tempos tão sombrios quanto a pandemia.

Em um rápido giro ao passado, o mundo foi surpreendido entre dezembro de 2019 e início de janeiro de 2020 com o anúncio do surgimento de um novo vírus, identificado posteriormente como o novo coronavírus (Covid-19). O que de início não deveria passar por um momento quinzenal de reclusão, perdurou por mais de 18 meses e tem assombrado alguns países até hoje — que passaram a reportar novos casos da doença em larga escala, como a China e a Coreia do Norte, por exemplo.
Neste contexto, diversos setores foram amplamente afetados pelas medidas restritivas aplicadas a diversos países mundiais. As restrições afetaram assiduamente inclusive o setor da moda, que precisou suspender os seus desfiles presenciais, além de passar a instigar a criatividade de diversas marcas e diretores-criativos da categoria — seja com suas criações ou com o modo de exposição de suas novas coleções. A tarefa obviamente não foi fácil, mas diversos designers conseguiram entregar coleções com histórias costuradas ao contexto atual vivenciado pela população global.
Enquanto a sociedade aguardava ansiosamente pelo retorno à vida comum — mesmo que gradativamente — visto que os números de casos e mortes passaram a diminuir efetivamente em demasiadas nações, inclusive no continente europeu, em Abril do ano passado (2021) éramos novamente surpreendidos por uma nova ameaça advinda do Coronavírus. A ascensão da variante delta coincidentemente alinhou-se com uma publicação do site ‘The Business of Fashion‘ em que declarava que: ”o Sexo está de volta. Os consumidores estão prontos?”.
Isso porque algumas marcas e personalidades importantes estavam investindo em peças e coleções que reviviam a pegada sexy do início dos anos 2000 e amostravam bastante a pele — tendências como a cintura baixa e cropped estiveram a todo vapor no último ano —, o que ia em contramão com a situação aterrorizante atual.
Em outubro do mesmo ano outro portal de grande renome na indústria jornalística publicava algo semelhante. O britânico ‘The Guardian‘, pouco antes do estado de alerta à variante Ômicron, recomendou aos seus leitores que abandonassem suas peças aconchegantes, pois era o ”momento de vestir-se de maneira sexy”.
No mesmo mês, quatro dias após a publicação da matéria, a Miu Miu parece ter entendido o recado, mesmo sem ter lido o que estava sendo proposto pelo portal e com toda a coleção preparada meses antes.
Amplamente tietada e compartilhada por todos os veículos renomados do mundo fashion e também por membros da comunidade modista, a coleção de Primavera-Verão 2022 (lançada em 5 de Outubro de 2021) da Miu Miu funciona como uma eclosão aos sentimentos dos jovens em seus “vinte e poucos anos” que tiveram a sua liberdade festiva interrompida pelo distanciamento social, desencadeado pela pandemia em decorrência ao coronavírus (Covid-19).



Enquanto o lazer e os IRL (in real life) moments foram substituídos pelo home office e os encontros passaram a ser realizados por videoconferência, esta coleção em específico nos induz a alguns questionamentos, dentre eles: o modo como lidamos com nossas normas e valores, além da maneira como determinamos o nosso dress-code.
Inspirada especialmente na rebelião e espírito vanguardista do público juvenil, principalmente pelo recorte das peças que relembram os uniformes escolares/universitários cortados, a apresentação da coleção de Primavera da Miu Miu é marcada pela presença de símbolos que retomam as referências aos gloriosos anos 2000 — anos estes de glamour e fortemente característico pela expressividade e mistura de detalhes e elementos nas vestimentas —, como as mini-skirts, peças em cintura baixa, e especialmente, amostra da pele.




Enquanto as notícias que circulavam eram totalmente assombrosas, o que acontecia nas passarelas reforçava a teoria social de: quanto mais caóticos são os tempos, mais a moda gosta de brincar com o tamanho das peças.

E essa aposta atual da Miu Miu investe em uma atmosfera completamente ‘sexy’, reafirmando também as propostas do The Business of Fashion e do The Guardian. Além disso, a coleção ainda proporciona o recorte das principais tendências que deverão perdurar nas próximas coleções e criações da Miu Miu e também de outras marcas, especialmente no período conhecido como pós-pandêmico, em que as atividades agora retornam ao seu modo normal — na medida do possível — e a sociedade se vê livre para festejar e celebrar a vida novamente.









Enquanto a coleção de Primavera/Verão brinca com as amostras e alusões ao ciclo glamoroso dos Y2K e explora o modo ”sexy sem ser vulgar”, a coleção seguinte, Outono/Inverno 2022, exposta em 8 de março deste ano (2022), apesar de dar continuidade ao storytelling e ainda apresentar referências da apresentação passada, aborda questionamentos um tanto quanto pertinentes ao momento atual — se analisarmos mais profundamente — vivenciado globalmente, além de se concentrar como um novo state of mind no contexto da moda.



Em um mergulho aos arquivos e memórias de sua infância, Miuccia Prada apresenta uma coleção consistente com as suas paixões. Os 53 looks apresentados nesta coletânea caracterizam uma postura menos workaholic, aprofundada nos estúdios de balé e sua atmosfera e se apega nas diversões, aventuras e universo esportivo — paixões que perseguem a fundadora da casa desde sua infância sendo polidas durante toda a trajetória de Miuccia, inclusive dentro da Prada. Casacos e blazers oversized, peças mais finas e composições sobrepondo lingeries deram espaço à mulher mais feroz, determinada e sensual, demonstrando o ”amadurecimento” da menininha Miu Miu.
E se este amadurecimento ainda estiver encaixado com o autoconhecimento e desenvolvimento pessoais? Afinal, o período exaustivo e sombrio da pandemia contribuiu para podermos olhar mais gentilmente ao nosso interior e também permitiu que pudéssemos nos redescobrir — entre paixões ou gostos mais singelos —, além de auxiliar na busca e descobrimento de novos hobbies e fontes de diversão.


Tópicos como diversidade de gênero e peças genderless & andróginas também se fizeram presentes na última coleção exposta pela marca, simbolizando a preocupação da casa com os assuntos mais atuais.
Outro ponto que ainda fica evidente nesta coleção desenhada por Miuccia para a Miu Miu é a escolha de peças que conseguem expressar o conforto e delimitar o occasionwear — servidas especialmente para diferentes ocasiões —, o que casa-se perfeitamente com os resquícios do pior momento da pandemia, em que a maioria da população tem buscado explorar vestimentas mais confortáveis para adaptar-se ao modelo work from home. Além disso, nestes dois trabalhos recentes para a Miu Miu, Miuccia Prada nos influência a explorar outros horizontes e hábitos (atividades bem comuns durante os meses em isolamento): sejam eles esportistas, noturnos ou mais reclusos.
Portanto, a mensagem que fica em ambas as coleções mais recentes da Miu Miu é extremamente clara: a geração precisa aproveitar a fase mais destemida e repleta de liberdade. Afinal, o período pós-pandemia jamais será idêntico aos anos anteriores e nem mesmo nossa rotina será semelhante ao que um dia foi habitual.
O jogo de opostos entre as duas coleções — festividades para a Primavera-Verão 2022 e calmaria e postura menos workaholic para a coleção de Outono-Inverno — alinha-se perfeitamente ao momento pré-pandemia e o que vem a ser o seu pós.
Enquanto anteriormente vivíamos no modo acelerado, para o eventual pós, Miu Miu & CIA nos provoca a reflexão em balancear os nossos extremos e instiga-nos a viver em um modo mais desacelerado, sem perder o glam da noite. E não existe maneira melhor de misturar os dois mundos senão à la Miu Miu.
E quem melhor que Miuccia Prada para traduzir este sentimento?
‘’Talvez a Miu Miu é o que eu gostaria de ser, mas não consigo ser realmente. Porque se trata da minha parte mais transgressiva, mais extravagante e irônica. Às vezes acontece que dedico mais tempo à Miu Miu: deve existir sem dúvida uma implicação psicanalítica nisso’’ — trecho retirado do livro ‘Vita Prada’ de Gian Luigi Paracchini (páginas 87 e 88).



Confira os desfiles das coleções mencionadas na íntegra: