Ballet Core: Entenda a nova estética

Originado na Renascença Italiana no século XV, o ballet era uma forma de entretenimento para os altos membros da nobreza. Muito popular, logo a dança se espalhou para outras partes da Europa. 

Na França o ballet teve grande evolução. Primeiramente introduzida por Catarina de Médici, esposa do rei Henrique II, que trouxe a dança da Itália, o ballet tornou-se um patrimônio francês nos séculos seguintes. O rei Luís XIV foi um grande patrono da dança – até dançando alguns ele mesmo – e elevou o status do ballet a uma forma de arte, fundando a Academia Real de Dança em 1661.

Rei Luís XIV no Ballet Royal de la Nuit

Foi apenas no século XIX que a sapatilha de ponta e os tutus apareceram. O ballet deixou de ser dominado pela ópera e se desvencilhou (não totalmente) das amarras reais. Fortemente influenciado pelo movimento romântico, os espetáculos começaram a retratar histórias de mulheres frágeis, amores impossíveis e criaturas mágicas, dentre eles Giselle e La Sylphide, por exemplo.

Carlotta Grisi em Giselle

Aqui, o foco começa a ser realmente nas bailarinas e na técnica de ponta. Técnica essa que foi aprimorada quando o ballet chega na Rússia. Esse é o grande boom do ballet, foi nessa época onde os grandes clássicos foram escritos. O Quebra-nozes, A Bela Adormecida e O Lago dos Cisnes nascem de mãos russas, mais precisamente das mãos de Marius Petius e compostas por ninguém mais, ninguém menos que Piotr Tchaikovski. Essa era é a mais definitiva para o ballet clássico, onde toda a atenção era voltada para a dança, sua precisão e, também, sua dificuldade.

Bailarinas de O Lago dos Cisnes no Teatro Mariinsky em São Petersburgo, 1895-1910.

Consequências na cultura

Apesar de ser visto como uma dança feminina, o ballet originalmente era composto apenas de homens, que interpretavam papéis masculinos assim como femininos. Não foi até meados de 1830 que a associação do ballet à mulheres começou. A Revolução Francesa foi um dos motivos, época em que artes e costumes mais aristocráticos eram vistos com maus olhos. Homens não queriam tomar mais parte disso, e como temas super românticos já haviam sido implementados, abriu-se espaço para as mulheres subirem ao palco. Ao fim do século, homens bailarinos não eram mais aceitos culturalmente. O crítico Jules Janin disse: “Em nenhuma circunstância eu reconheço o direito de um homem dançar em público”.

Essa nova feminização do ballet trouxe consequências reais que perduram até o dia de hoje. Bailarinas -geralmente de baixa renda- treinavam rigidamente desde crianças dentro do Paris Opera Ballet até chegarem ao corps de ballet, para então, serem suscetíveis a avanços sexuais dos patronos da ópera, que podiam influenciar suas carreiras. Dançarinas que, de alguma forma ou outra, chegavam a lugares de destaque em produções, eram vistas como prostitutas pela sociedade. 

Esse estereótipo é visto em Cisne Negro (2010), o mais famoso dos filmes balletcore. Nina (Natalie Portman) é vista como uma “vadia” por ter conseguido o papel principal, sofrendo retaliação de outras bailarinas. 

Reprodução/ Cisne Negro (2010) diretor Darren Aronofsky

Outro ponto importante a ser discutido sobre as consequências do ballet é o culto ao corpo magro. Conceito popular em meados dos anos 1920, a magreza era vista como sinônimo de saúde. Não coincidentemente, foi nessa época que o ballet voltou à graça do povo. É de conhecimento público os vários relatos de transtornos alimentares como anorexia, bulimia e dismorfia corporal dentro da cultura do ballet

Misty Copeland, uma das mais famosas bailarinas atuais, desabafa em artigo

“Eles me disseram: ‘Seu corpo mudou. As linhas que você está criando não são mais como eram. Gostaríamos de vê-la mais alongada’. Isso, claro, era apenas uma forma educada e segura de dizer, ‘Você precisa perder peso’.” 

Misty Copeland em O Lago dos Cisnes

Misty, que na época nem menstruava de tão magra, contou sobre suas dificuldades em aceitar seu corpo uma vez que começou a tomar a pílula, que fez seus seios e quadris aumentarem. Ela também admitiu a comer compulsivamente, por sentir-se frustrada com as demandas da companhia de dança. Misty pesava 48 kg com 1,57cm de altura e considerava-se gorda: “[Mas] em meu mundinho, eu fiquei devastada quando descobri que eu era ‘gorda.’ Eu sempre tive orgulho do meu corpo -sua força e graça me permitiram seguir minhas paixões. Mas agora ele havia se tornado o inimigo.”

Outro relato mais extremo é da bailarina Gelsey Kirkland. Em seu livro Dancing On My Grave (1986), ela conta sobre seu tempo dançando para o famoso coreógrafo George Balanchine. Sobre uma ocasião em que ele fez uma “inspeção física”, Kirkland disse: 

“Com os nós dos dedos, ele apertou no meu esterno até as costelas, cacarejando com a sua língua e dizendo ‘preciso ver os ossos.’ Eu tinha menos de 45 kg na época… Ele não apenas disse ‘coma menos.’ Ele disse ‘coma nada.’”

Os conceitos de magreza e hiper feminilidade são pontos fortes do balletcore, que preza por corpos retos, brancos e quase infantis. Jennifer M. Miskec diz sobre o ballet e o feminino: 

“O ballet é o espaço perfeito para a feminilidade ideal: corpos magros; saias bufantes; silêncio; movimentos graciosos que fazem tudo parecer fácil enquanto escondem a dor, angústia física pela beleza.” É importante realçar os impactos que esses padrões têm em bailarinas e mulheres que consomem essa cultura, que muitas vezes buscam um corpo “ideal” baseado em conceitos feitos por homens e para homens. 

Na moda:

Não é a primeira vez que a moda toma como fonte de inspiração para suas criações o ballet, na verdade historicamente apresentações de danças, óperas e teatros foram grandes atrações culturais, que chegaram a alterar o curso do vestuário da época por sua popularidade.


O caso mais famoso foi o de 1909 quando a companhia de ballet russa – Ballets Russes de São Petersburgo -inaugurou sua apresentação no teatro de Paris. Apresentação que mudou o curso dos vestidos de noite por uma década seguinte, penduricalhos e bordados famosos nos vestidos de 1920, e principalmente no grande designer Paul Poiret foram inspirados diretamente por este ballet.

”Com a chegada dos Ballets Russes, uma nova forma de dança, música e desenho de figurinos e cenários entusiasmou e assombrou a cidade inspirando uma onda de audaciosa experimentação. Os costureiros foram rápidos em sua resposta à vanguarda russa, com Paul Poiret ao timão. A riqueza do colorido, a decoração bizarra e o corte exótico foram traduzidos numa mudança fundamental que baniu a figura eduardiana rigidamente espartilhada”. NJ STEVENSON, Cronologia da moda, 2011, p. 78.

Paul Poiret, 1911, reprodução/ Met Museum

O orientalismo da época graças a companhia de ballet russa, mostrou o quanto os movimentos culturais podem ter ramificações nos grandes designers. A marca Nina Ricci sob a direção criativa de Olivier Theyskiens em sua estreia na marca, no outono inverno de 2007, também trabalhou com a estética, longe de uma apresentação específica ou de grandes peças de ballet em geral. A coleção incorporou elementos claros do Ballet em um contexto casual, com modelos em cardigans enormes, aquecedores de mãos e um sapato de salto com a ponta arredondada e tiras em cetim de sapatilhas, acompanhados com meia-calças da mesma cor!

Assim como Simone Rocha, o grande nome da semana de moda de Londres mostra em suas coleções, sapatilhas adornadas, pérolas, cores claras, tulles e corpetes são alguns exemplos da estética clara da marca, tudo bem amarrado em uma paleta de cores claras, características observadas como movimento estético central da marca, mas principalmente das coleções referentes as temporadas de primavera verão 2022 e outono inverno 2020.

Hoje, é possível perceber uma mudança no ciclo de tendências da moda, este não é mais regido pelas grandes casas de alta-costura, nem mesmo no grande ciclo de designers de luxo, a popularidade de novas estéticas e micro-tendências surgem do próprio público – uma das mudanças aceleradas pelo pós-pandemia – o Ballet Core apelidado por seus membros é uma estética de estilo que assim como o old money é menos sobre as roupas em si, e muito mais sobre o estilo de vida.

Editorial para Grazia France 2013, fotografada por David Roemer

Quem não aspira em ser uma bailarina? Seres quase místicos, esbeltos, que levam os corpos ao extremo pela própria arte e a graça em se mover, o estilo encontra raizes no preppy mas incorpora elementos clássicos do ballet, principalmente de vestimenta casual e diária das dançarinas para ensaios, como macacões colados, leggings, segundas peles, aquecedores de mãos, meia-calças e boleros leves. Um dos elementos principais são as saias transpassadas de cetim, acessórios de pérolas e sapatilhas.

O ballet core também entra num estereotipo claro da bailarina, não como um ser humano ou uma atleta, mas um ser místico que se aproxima de uma musa, que muitas vezes continua nos padrões clássicos de corpo e aparência que continuam a ser exacerbados nessa estética. O importante em ter em mente quando falamos dessa estética emergente que apesar de olhar para um estilo de vida e mimica-ló, o ballet é uma dança que merece dias, meses e anos de preparação, não é sobre olhar para o físico, mas aproveitar a ideia da estética para brincar com o visual hiper-feminino, independente do tipo de corpo. Essa vertente perigosa que o ballet core nasceu fez com que o estilo fosse popularizado principalmente em meninas muito magras, o que não deve impedir de experimentar com o estilo, buscar inspirações em novas marcas como Simone Rocha, que olha para o ballet de modo diferente, são importantes para não cair na rotina, com uma inspiração que pode se tornar tão rica e divertida.

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