Na última quinta-feira (07) foi comemorado o Dia Estadual do Funk. A data surgiu após a morte do funkeiro MC Daleste, assassinado durante um show com tiros na região abdominal em 07 de julho de 2013. O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sancionou a data comemorativa no dia 21 de setembro de 2016. A sanção foi realizada dois anos depois que a então deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) apresentou o projeto na Câmara Federal. O funk é um gênero musical majoritariamente periférico que sofre ataques desde sua origem no Brasil, nos anos 80, quando as músicas faziam a alegria de frequentadores de bailes do Rio de Janeiro.
Funk é crime? Não! (Mas não por falta de tentativa)
Em 1995, o município do Rio de Janeiro iniciou uma CPI para enquadrar a possível parceria entre cantores e organizadores de eventos de funk e o tráfico, mas a investigação não encontrou provas nem nenhum tipo de ligação.
Insatisfeitos com o resultado, em 1999 foi aberta uma CPI estadual, intitulada “CPI do Funk” (nome familiar? Recentemente tivemos a “CPI do Sertanejo”, explicada neste post. Spoiler: a única similaridade é o nome.), a investigação perseguiu mais uma vez a procedência dos bailes em relação a violência, circulação de drogas e possíveis crimes contendo menores de idade, mas novamente não houve provas suficientes. Mesmo com o resultado negativo das CPIs, foi criada a Lei Estadual nº 3.410/2000, que apresenta diversas regulamentações e regras para a organização de bailes.
Em 2013, os vereadores de paulistanos Coronel Camilo (PSD) e Conte Lopes (PTB) apresentaram um Projeto de Lei que proibiria a realização dos “fluxos” nas vias públicas da cidade. O então prefeito Fernando Haddad vetou o PL, mas assinou um decreto impondo multa para quem utilizasse som automotivo muito alto em determinados horários, atrapalhando a vizinhança.
Recentemente, em 2017, o Projeto de Lei nº 65.513/2017 foi posto para votação a fim de proibir o funk em território nacional. O projero, criado por um empresário paulista, dizia que os bailes são “um recrutamento organizado nas redes sociais por e para atender criminosos, estupradores e pedófilos à prática de crime contra a criança e o menor adolescente ao uso, venda e consumo de álcool e drogas, agenciamento, orgia e exploração sexual, estupro e sexo grupal entre crianças e adolescentes, pornografia, pedofilia, arruaça, sequestro, roubo e etc”. Embora tenha recebido mais de 40 mil assinaturas em apoio, acabou sendo rejeitado pelo senado.
As tentativas de criminalizar o funk vêm de um histórico de outras ações contra gêneros periféricos e estigmatizados por muitos anos, como o hip-hop, jazz e blues, todas terminantemente sem sucesso. Silvio Essinger, escritor do livro “Batidão: uma história do funk“ resume a polêmica em seu livro com uma metáfora clara: “Não tem nenhum sentido criminalizar o funk para acabar com a criminalidade, é como uma pessoa flagrar uma traição e jogar a cama fora.”
Ascensão e mercado
Mesmo sendo mal aceito por pessoas mais velhas, o gênero conquistou os jovens e é o mais pedido nas festas, até mesmo nas da elite — todo mundo quer curtir e dançar ao som da batida.
O DJ Rennan da Penha foi preso em 2019 após acusações de um suposto envolvimento com o tráfico de drogas, quando apareceu conversando com o ex-governador fluminense Sérgio Cabral — condenado 22 vezes pela justiça do Rio de Janeiro, pena que soma mais de 400 anos de prisão. Rennan ficou em cárcere durante sete meses em duas prisões cariocas e foi solto após um recurso favorável do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à mudança de entendimento da prisão em segunda instância. Na época de sua soltura, a música ‘Hoje eu vou parar na Gaiola’, com participação de MC Livinho, foi hit em todo o país e logo o cantor assinou contrato com a gravadora Sony Music; foi indicado e premiado no Prêmio Multishow na categoria ‘Melhor Produtor’ com a música ‘Me Solta’; recebeu uma indicação ao Grammy Latino e gravou um DVD. Mesmo com as provas de inocência, o ‘Baile da Gaiola’ — evento idealizado pelo cantor — permanece proibido.
Em março de 2021, a Polícia Civil de São Paulo abriu uma investigação com direito a operação de busca e apreensão na casa de seis MCs, dentre eles grandes nomes do funk como MC Ryan SP, MC Brinquedo e MC Pedrinho. Mais uma vez, a polícia não obteve sucesso ao procurar ligações entre os artistas e o tráfico, não encontrando provas de financiamentos ou envolvimentos criminosos.
A cantora Anitta, que recentemente desbancou diversos artistas internacionais e estacionou sua música ‘Envolver’ em primeiro lugar do Spotify Global, também tem sua origem no funk e mantém traços do gênero em seus shows e lançamentos. No seu show para o festival californiano Coachella, Anitta entrou na garupa de uma moto com um cenário simulando as favelas brasileiras e agradou o público internacional e a crítica especializada. Com o set em sucesso absoluto, repetiu a dose no Rock in Rio Lisboa, alegrando os fãs portugueses.
O funk é inevitável e está em todos os lugares. A constante movimentação policial contra o gênero e seus artistas é a prova que mesmo chegando tão longe — e até ultrapassando as barreiras brasileiras e sendo reconhecido mundialmente —, o funk sempre será visto como criminoso e periférico.
“As letras são um reflexo da vida das pessoas […] para mudar as letras temos que mudar a realidade delas”, diz o senador e ex-jogador de futebol Romário em um de seus vídeos publicados no Twitter na época do PL 65.513/2017. Mesmo após cinco anos, essa declaração ainda possui peso sobre aqueles que sofrem preconceito judicial por frequentar bailes funk ou se envolver com o gênero na indústria musical.
Até onde a perseguição do funk é judicial ou se torna preconceituosa? A linha tênue se mostra cada dia menos sutil, tratando trabalhadores e admiradores da área como criminosos convictos e esbanjando a hostilidade da elite.
Para comemorar o Dia do funk e o poder que ele assegura, montamos uma playlist imperdível com grandes sucessos do gênero, confira aqui!
Demais!!
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