A alta-costura é uma das semanas de moda mais esperadas pela a indústria, a temporada de outono inverno 2022 foi apresentada em Julho deste ano com a ajuda do órgão regulador francês da semana a Fédération de la Haute Couture et de la Mode – Federação de alta-costura e da moda – com a aparição dos três membros da federação se apresentando os membros oficiais, os membros correspondentes e os membros convidados.
Lembrando que a semana de alta-costura significa uma enorme e próspera visão na moda, ela é a vitrine do poderio de esplendor em técnica e qualidade das grandes casas, as marcas apresentam suas versões opulentas de grandes vestidos e coleções justamente para se reafirmar no mercado de luxo.
É a semana mais exclusiva do mundo da moda, com o jet-set internacional se movendo para Paris fomentando o turismo de luxo e as vendas dessas grandes marcas de quebra, a semana de alta-costura não visa exatamente as duas dúzias de clientes de alta-costura, mas sim o estabelecer da marca no mercado de luxo.
Você pode encontrar o calendário oficial da Semana de Moda de alta-costura aqui.
Confira a cobertura completa da Semana de alta-costura de outono inverno 2022:

SCHIAPARELLI:
Ao dar largada na temporada de Outono/Inverno Alta Costura 2022, Daniel Roseberry mais uma vez deixa seus fãs e colaboradores boquiabertos com o seu talento como diretor criativo da Maison Schiaprelli.
Roseberry, claramente, uma vez que iniciou sua jornada na casa de alta costura, declarou sua admiração pela fundadora, Elsa Schiaparelli e assumiu como objetivo prestar sempre seu tributo com a ‘inovação’ como palavra de ordem.
A apresentação ocorreu no Musée des Arts Décoratifs, onde acaba de inaugurar uma exibição em homenagem à própria Schiaparelli e seus anos como estilista, a amostra inclui peças de designers que admiravam a italiana como Christian Lacroix, Yves Saint Laurent e Jean Paul Gaultier. O mesmo ponto de partida foi explorado pelo designer americano, Roseberry, para desenvolver uma coleção que ‘resultasse’ no reflexo de uma “conversa entre designers que a admiravam”, segundo o próprio diretor criativo.
Como era de se esperar, Roseberry adentra o universo surrealista de Schiaparelli e Salvador Dalí em mais um runway; e entrega uma coleção rica em formas e fusões inesperadas. A coleção foi resultado da sinergia de ideias de todo o legado que Schiaparelli deixou em seus fãs.
Inspirado pela estética de Lacroix, Roseberry produz peças que remontam a silhueta do anos 80 que entram no mapa de coleção.
Não pôde faltar também a alfaiataria impecável da maison e o aproveitamento das formas anatômicas da moulage para a montagem dos looks.
A passarela contou com looks que soube misturar com sabedoria materiais diversos criando combinações não tão comuns, como: miçangas, pele, couro, jeans, metais, veludo, seda, o gabardine e até mesmo a palha em chapéus de toureiros.
Flores de seda e couro, tecidos telados em crochê , a força do veludo e dos acessórios de joalheria, todos esses elementos quando fundidos trazem um novo ar de inovação para uma marca que se comprometeu a nunca esquecer suas raízes.
O jogo de cores entre os azuis, pretos, off white, caramelos e dourados soube traduzir a mulher de Schiaparelli da década de 2020, uma mulher disposta a encontrar elegância no que há de mais primário em si mesma; seu corpo, suas paixões, arte e natureza.
Cada um desses pontos teve seu momento de destaque nessa coleção, desde os looks que exploravam o corpo das mulheres, às flores de seda ornamentadas, às peças de joalheria que remontam a estética surrealista do qual Elsa era aliada.
Em seus 3 looks finais, Roseberry parece resumir toda a aura da apresentação. A feminilidade trazida em cada uma dessas peças não deixa de comunicar a força e a personalidade voraz da mulher de Schiaparelli.
Roseberry consegue mais uma vez firmar sua posição como gênio criativo na casa Schiaparelli sem deixar de lado sua própria assinatura e legado que o fez tecer sua trajetória.
DIOR:
Maria Grazia Chiuri apresenta mais uma coleção Fall Couture no comando criativo da grande maison de Christian Dior no Musée Rodin, a passarela foi construída debaixo de uma enorme tenda ao centro do jardim do museu parisiense.
Para esta temporada, a italiana colaborou com a artista ucraniana Olesia Trofymenko. A artesão do leste europeu impactou a atual designer da casa Dior com um de seus bordados em paisagem pintada em mural. Chiuri logo iniciou as negociações de uma possível colaboração para a coleção de alta costura de inverno que viria a resultar no mergulho do folclore ucraniano como tema principal.
Com tudo o que vem acontecendo no leste europeu, uma guerra travada há pelo menos 3 meses, é no mínimo interessante perceber a admiração de um nome tão ‘poderoso’ no mundo fashion como o de Dior, abrindo alas para uma artista independente como Trofymenko exibir sua arte.
MGC entrega uma coleção repleta de bordados e looks que exploram as superfícies dos tecidos com muita cautela, o que não é nenhuma novidade para os fashionistas de plantão que observam com uma lupa de aumento cada passo da italiana na Dior. O trabalho zelado com os bordados e as maquetes têxteis seria um impacto para qualquer um se a autora da coleção não fosse a própria.
Mesmo com um trabalho um tanto “ordinário”, a italiana não deixou de apresentar uma coleção com um trabalho em cortes e acabamentos impecáveis. Mais uma vez, a marca trabalha com um conjunto de peças bem pensados não só em execução mas também na forma como eram apresentados na passarela. Os subgrupos de looks – ou como comumente chamamos “famílias de coleção” – se mostraram ter uma lógica e um sentido quando avaliados lado a lado, principalmente considerando a temática folclórica da apresentação.
A italiana se aventurou em trabalhar com uma diversidade de bordados, motivos de xadrez e na contradição de tecidos leves e pesados, o que trouxe um certo ‘equilíbrio’ na passarela.
Em relação à paleta escolhida, o preto, branco e off white, vários tons de bege, cinzas, azuis, rosas e vermelho trouxeram à vida o universo campestre e distante da realidade caótica de que vive-se hoje.
Na maior parte do desfile, Chiuri exibiu looks que exploravam a clássica silhueta da qual a italiana não parece querer se desprender, longínqua com mangas compridas bufante com um formato sutilmente mais estruturado do que o normal, peças fluidas e soltas o que de certa forma casar muito bem com o ideal da mulher bucólica do qual a coleção aparente atingir. Uma coleção inegavelmente bem executada e bem pensada em cada passo que assumiu dar, em termos de criatividade a história realmente parte para um outro lado. Haviam tantos caminhos inexplorados do qual a maison tem recursos para esmiuçar e mesmo assim parecem ter optado pela zona de conforto.
BALENCIAGA
Quando o assunto é Balenciaga, não há como esperar pela obviedade, especialmente quando se trata de Demna Gvasalia como mente por trás da direção-criativa das coleções. A cada temporada, seja ela de ready-to-wear ou resort, e agora pela couture week, Demna coloca toda a sua genialidade e excentricidade criativa em suas criações.
Após o seu debut na alta-costura em 2021 — ano este que marca o retorno da Balenciaga na semana de Haute Couture após 55 anos de sua coleção criada pelo então fundador e diretor-criativo da marca Cristóbal Balenciaga —, Demna demonstrou que desafios, apesar de parecerem assustadores, não o incomodam de forma alguma. Pelo contrário, o diretor-criativo da Balenciaga ao longo de sua estada na casa prova que sair da zona de conforto — e do considerado como habitual ou convencional — é o seu hobby favorito na indústria da moda.
E sua coleção de alta-costura desta temporada, que demarca a coleção número 51 da categoria da casa, reúne referências não somente da direção-criativa e arquivos do pai da costura refinada, Cristóbal Balenciaga, como ainda resgata as influências do streetwear de Demna Gvasalia unidas ao acabamento meramente perfeito que a alta-costura requisita.
Com uma atmosfera um tanto quanto sombria e melancólica, contemplada por um poema romântico na voz de AI e bombardeada por rostos cobertos imitando humanóides e simbolizando a pegada futurística, talvez uma das tendências favoritas de Demna ultimamente, a nova coleção da Balenciaga não é nada mais do mesmo, embora resgate silhuetas e referências de temporadas passadas.
Para a temporada de Outono, Demna trouxe às passarelas da alta-costura parisiense peças colecionadas majoritariamente nos tons de preto, além de repaginar os tecidos Abrahams em estilo neoprene — fabricados em uma collab com um fabricante japonês — caracterizando a famigerada silhueta Balenciaga de Demna Gvasalia, porém, desta vez, em modelos que encapsulam os moldes do corpo.
Outro fator que posiciona os olhares e toda a atenção para a nova amostra do duo Demna x Balenciaga é a presença de celebridades — ou principais nomes que amam e vestem a casa — nas passarelas da apresentação. Nomes como Naomi Campbell, Kim Kardashian, Bella Hadid, BFRND (esposo de Demna e músico), Dua Lipa e Nicole Kidman, roubaram a cena ao desfilarem pela Balenciaga nesta quarta-feira (07). Além disso, a aparição das bolsas ‘Speaker’, em que a maioria dos modelos carregavam durante a apresentação, simboliza mais um dos demonstrativos de inovação de Demna para a Balenciaga.
Por fim, embora tenha apresentado alguns erros de execução — exemplificados pela dificuldade de algumas modelos caminharem na passarelas com suas vestimentas —, a coleção de alta-costura de Demna marca, novamente, um período de reinvenção e transição entre as duas gerações da casa, a primeira de seu fundador e ‘’arquiteto da moda’’, Cristóbal Balenciaga, e a atual de Demna Gvasalia, que consegue mesclar muito bem os universos de streetwear e elegâncias da alta-costura.
JEAN PAUL GAULTIER
Após anunciar sua aposentadoria das passarelas, Jean Paul Gaultier tem buscado que outros designers possam tomar as rédeas de suas coleções de alta-costura a cada temporada. Depois do sucesso da collab entre Glenn Martens x Jean Paul Gaultier na última temporada, para a coleção de Outono 2022 foi a vez de Olivier Rousteing, atual diretor-criativo da Balmain, estar à frente das criações da maison francesa.
Tomando como responsabilidade criar as peças da coleção de sua fonte de inspiração no mundo da moda, Olivier, apesar de estar à frente de um grande desafio, conseguiu elaborar uma coleção sólida e com muito prestígio às referências próprias da casa, mescladas com o toque e silhuetas que Rousteing já tem trabalhado na Balmain.
Como o próprio disse antes do início da apresentação, esta coleção realmente funcionava como uma carta de amor para Jean Paul. Iniciada com peças masculinas, inspiradas nos moldes dos anos 1990 e especialmente nas tatuagens da época, Olivier celebra o que ele chama de diversidade e, ao mesmo tempo, liberdade de expressão. Em seguida a coleção ganha novos ares e simultaneamente revisita as criações que já conhecemos na Jean Paul Gaultier: espartilhos, jeans reaproveitados, os famigerados suéteres de pescadores e as referências dos seios expostos em trompe l’oeil, inclusive utilizado por Kim Kardashian na primeira fila do desfile.
Olivier ainda não deixa de fora da coleção suas raízes africanas. Durante a apresentação é possível captar as milhares de referências ao continente africano, dentre elas, o mix de cores e os adornos utilizados pela maioria dos modelos da apresentação.
Outro ponto bastante presente e muito bem explorado pelo duo Olivier e Jean Paul é a criação artesanal. O trabalho do artesanato foi expresso principalmente em uma das composições da coleção que continham vidro em forma de corpete, moldado pelo especialista por trás dos vitrais de Notre Dame, o que demonstra o cuidado e preocupação de Olivier em construir um trabalho impecável.
O que Olivier fez na tarde desta quarta-feira (06), não foi de fato surpreendente somente a Jean Paul Gaultier, mas pode-se assumir que talvez tenha sido uma surpresa a todos que acompanham as semanas de moda e, especialmente, voltam os seus olhos à semana de alta-costura. Em sua coleção para a Jean Paul, que pode se consagrar como uma das melhores e mais criativas da couture week, Olivier desponta como um ótimo aluno em redesenhar aquilo que já está pronto de maneira autêntica, especial e com suas características criativas. Entre técnicas e um ótimo briefing de design, Rousteing entrega à Paris e a Jean Paul Gaultier uma coleção sólida, criativa e com muita história para contar.
MAISON MARGIELA
Desde o início da pandemia, John Galliano, frente ao seu trabalho na Maison Margiela, tem buscado se reinventar e investir em formatos digitais para apresentar suas criações para a marca belga.
Para esta coleção de Outono 2022 da semana de alta-costura, John e Margiela optaram, novamente, pelo formato de fashion film para divulgarem as novas criações da Artisanal, assim apelidada a nova apresentação da casa. Inspirada na produção teatral britânica de Drácula, Galliano buscou reunir a moda, o teatro e o universo digital em um único universo.
Em uma coleção-cápsula, unindo 9 looks bastante distintos e singulares uns entre os outros, John Galliano produziu vestimentas em um estilo cowboy dos anos 1950 norte-americano e que, ao mesmo tempo, conversavam com uma outra narrativa americana mais sofisticada.
VIKTOR & ROLF
Se na temporada passada a dupla Viktor & Rolf produziu uma coleção inteiramente inspirada em vampiros e neste mundo mais gótico, para a semana de alta-costura de Outono 2022, o duo colecionou peças que, na primeira metade do desfile, seguem o storytelling de Nosferatu (inspiração da coleção exposta no início do ano), com vestimentas contendo golas altas estruturadas de forma que parecessem levitar na passarela, enquanto a segunda e última metade da mais nova exposição da dupla buscou segmentar um ambiente mais leve, relaxado e muito mais suave, se comparada à temporada passada e à primeira parte da apresentação da marca.
O que tornou a apresentação muito mais agradável e divertida aos olhos do público foi a aparição e presença dos dois designers na passarela interagindo com as peças de forma que manipulassem-as visualmente na frente da plateia presente.
FENDI
A “natureza fragmentar das coisas” foi o ponto de partida para a Haute Couture da Fendi. Kim Jones, atual diretor criativo da casa, fugiu do óbvio, trazendo para o outono / inverno, uma coleção fluida e descomplicada, em tons pastel – que contrastaram com as pontuais peças em amarelo vibrante – inspirada por elementos paisagísticos de três importantes cidades: Paris, Roma e Kyoto.
As referências a Kyoto, aparecem nos tecidos de kimono, típicos do século XVIII – confeccionados por meio do Kata Yuzen, uma técnica precisa de pinturas manuais – e, nos vestidos em patchwork de painéis de seda, feitos tradicionalmente no Japão, com silhuetas assimétricas.
Peças ornamentadas, com um “quê” da Art Déco, em clássicas modelagens italianas, fecharam a triangulação entre Roma (cidade de origem da Fendi), Paris (local onde surgiu o “japonismo”, tendência europeia até o início dos anos 20) e Kyoto (origem das matérias-primas utilizadas pela Maison).
É perceptível a influência de Karl Lagerfeld, antigo diretor criativo da marca, na coleção, através do design aparentemente simples, que conta com materiais sutis, porém, luxuosos – vale ressaltar que, os vestidos de lantejoulas foram confeccionados a partir de amostras de tecidos escolhidos por Karl, que por alguma razão, não foram utilizados anteriormente.
Os elementos bucólicos, vão além dos motivos florais e folhagens bordadas em tule; os paetês e cristais simbolizam a luz e, o brilho do orvalho sob a incidência dos raios de Sol – basicamente, o desfile remete aos agradáveis (e raros) momentos de “calor”, em meio ao frio invernal.
As joias assinadas pela designer Delfina Delettrez, não se limitaram a simples colares e brincos; adornaram também as headpieces, bolsas, sandálias e, até mesmo, luvas – essas, que roubaram os holofotes, dentre os demais acessórios da coleção.
VALENTINO
Encerrando a semana de alta-costura com chave de ouro, tivemos Valentino sob os degraus da escadaria da Praça da Espanha, em Roma. A direção criativa de Pierpaolo Piccioli começou com apresentações de alta-costura que tiravam lágrimas, os maiores e mais opulentos vestidos em tons de jóias que poderíamos ver.
Um dos grandes momentos pós-modernos na alta-costura eram as primeiras coleções de Pierpaolo Piccioli da Valentino. A opulência, imaginação e criatividade que as coleções tomavam, eram de tirar o fôlego de qualquer leigo, porém PPP nunca foi um grande storyteller suas roupas não contam uma história ou sua trajetória entre os tecidos, coisa que ajudava ao fator glamour de toda temporada – eram vestidos de baile de plumas e paetês em tons de jóias e realmente não precisava de nada mais!
A pandemia mudou algo de dentro da Valentino, o diretor criativo citou mais de uma vez que suas coleções haviam encurtado nas pernas e ficado mais “básicas” pois não fazia sentido naquele momento socialmente e politicamente desenhar grandes e opulentos vestidos de baile. Mas tinha uma apreciação pelo amor da arte na alta-costura nessas grandes coleções, que ainda faz muita falta.
Para sua temporada de outono inverno 2022 ele volta um pouco com suas raízes, as headpieces de plumas, tons de jóias vibrantes, brilho, bordado e alguns vestidos longos. Nada comparado a antes, mas é um começo! A verdade é que, retirando o valor simbólico da apreciação do trabalho espetacular e glamouroso da alta-costura, o que resta para Pierpaolo Piccioli? Numa direção criativa que visa roupas lindas sem um storytelling exato (que algumas coleções pós pandemia tiveram até, mas muito mais no rtw) esperamos uma coleção de alta-costura de tirar o fôlego.
Mesmo sem ser um grande storyteller em suas criações, a coleção dessa temporada ser titulada de “The Beginning” foi como um ciclo se encerrando, e outro recomeçando. Muito falamos sobre a moda pós-pandemia, mas Pierpaolo acabou de concretizar como esta vai ser para a alta-costura da Valentino. Com expressões diferentes de cores, silhuetas e texturas, adicionando corpos e pessoas cada vez mais diferentes na passarela, e alta-costura masculina.
Nada disso significa que ele deixou o passado para trás, com grandes ornamentos de cabeça de plumas, tons vibrantes e vestidos bordados brilhantes agraciaram os degraus de Roma.
A Valentino nasceu em Roma, recomeçar onde a marca se fundou anos atrás também possui um significado importante. Entre as combinações de cores, comprimentos e texturas como plumas e lantejoulas, a coleção parece muito coesa.
Mesmo que grande no tamanho, conseguimos ver uma trajetória clara no trabalho do ateliê, que também fez a aparição final no desfile em conjunto com o diretor criativo. Um fechamento memorável!