[Crítica] Elvis: a Ilusão de Ser uma Estrela do Rock

Elvis foi lançado nos cinemas brasileiros há praticamente um mês prometendo contar a história de vida e carreira de um dos maiores ícones do rock. Abusando do exagero nas roupas, cenas e fotografia, a obra mostrou potencial para conquistar a audiência, não é atoa que estreou com 86% de aprovação no Rotten Tomatoes.

Até agora, os comentaristas fizeram diversos elogios para a atuação do elenco, principalmente para a performance de Austin Butler como o protagonista titular, um exemplo disso é a crítica feita pelo The Wrap, ‘há energia e substância o suficiente […] e Butler se joga em uma performance selvagemente física, mas nunca cartunesca ou desrespeitosa’. Mas também não deixaram de comentar sobre a desequilibrada condução de direção e roteiro.

Apesar disso, quando se fala que o longa de Elvis Presley é um grande exagero, não necessariamente é um ponto negativo, já que tudo que se refere a ele sempre foi exagerado. Então, a produção de duas horas e quarenta minutos não poderia assumir um tom blaseé – um termo francês que classifica a atitude de uma pessoa cética ou indiferente – e isso inclusive, acaba sendo um dos maiores acertos do diretor Baz Luhrmann.

Elvis conta a história do astro desde a infância até a queda, passando é claro, pela ascensão, quando ele se torna um dos cantores mais famosos e bem pagos dos Estados Unidos. Nascido em Tupelo, Mississippi, em 1953, o menino tinha um irmão gêmeo, chamado Jesse, que morreu após o parto.

Mas as tragédias da família Presley não cessaram por aí: seu pai foi preso por estelionato, e por conta disso, Elvis e sua mãe foram despejadados de onde viviam, indo morar em um bairro de pessoas negras – vale lembrar que durante essa época, o racismo e a segregação racial eram muito fortes.

Após esses episódios, a vida do garoto segue, na maioria das vezes, rodeado por influências negras. Então, Elvis começa a cantar em uma banda e sua voz é reconhecida pelo Coronel Tom Parker – interpretado por Tom Hanks – um homem ganancioso que vivia de dar golpes nas pessoas. É inclusive sob o ponto de vista de Parker que a história é contada, com a primeira meia hora de tela focada totalmente no empresário, onde ele mesmo diz “sem mim, não haveria Elvis Presley”.

[Imagem: Reprodução/Warner Bros]

Querendo ou não, o Coronel é importante na trama, porque há quem associe a degradação do astro à tirania com que o então empresário comandava a carreira de Presley. Tom Parker era um produtor de parques de diversão e circos que passou a empresariar o astro logo no início de sua caminhada. Entretanto, o título não expressa sua verdadeira origem, já que ele não era coronel, nem se chamava assim e tinha um passado misterioso na Holanda.

Seu nome verdadeiro é Andreas Cornelis van Kuijk. Nascido na Holanda em 1909, e que aos 20 anos, imigrou ilegalmente para os Estados Unidos. A sua partida ocorreu no mesmo dia em que a sua suposta amante, Anna, foi espancada e morreu em decorrência dos ferimentos. Quando chegou ao país, assumiu a identidade Tom Parker e se alistou ao exército, onde serviu por dois anos, até 1933. Na época, ele foi afastado por indisciplina e teve uma crise nervosa, diagnosticado com depressão aguda psicogênica, estado de psicopatia constitucional e psicose. Tom também foi descrito pelos especialista como um homicida em potencial.

Essa descrição é vista em certo momento da cinebiografia de Luhrmann. O diretor cita em entrevista durante o Festival de Cannes, a parte do filme em que o homem, vivido por Tom Hanks, está deitado em uma cama de hospital sob efeito de morfina se defendendo das acusações de ser uma má pessoa, que explorou Elvis Presley, impediu sua carreira internacional e acabou pressionando tanto o cantor, que ele se viciou em remédios e acabou morrendo prematuramente, aos 42 anos de idade. “Ele está dizendo que não é o vilão. Que só fez seu trabalho, que era fazer com que a carreira de Elvis fosse a mais lucrativa possível”, declarou.

“Parker diz que fez seu trabalho tão bem que nós amamos Elvis, e ele nos ama. Que o cantor só se sentia bem quando estava sendo amado pelos seus fãs e amando-os de volta”, incita Baz sugerindo que a culpa é voltada para os fãs do cantor. E que ‘graças’ a sua morte, seus discos bateram recordes de vendas, tornando-o memorável até os dias atuais.

O cineasta ainda comenta sobre trazer algo mais autoral em um momento onde os super-heróis dominam as salas de cinema, uma colocação não só muito inteligente do ponto de vista mercadológico, como também fiel ao tom mítico do longa. “Elvis é o super-herói original. Ele vem da sujeira e em alguns momentos ofuscantes, sobe tão alto, encontra sua kryptonita e cai”.

Fora a decisão de escolher o empresário para narrar a história, Elvis quase foi intitulado de O Rei e O Coronel, mas com o desgosto declarado de Presley desde sempre pelo apelido, a ideia não vingou. “Você tem algum amigo que conta histórias de maneira confiável?”, provocou Luhrmann. “Documentários são aparentemente a verdade e em geral trazem aquela narração típica. Mas daí a gente vê na internet como é fácil manipular as pessoas a acreditarem que algo é a verdade, quando não é. Eu acho que os dramas são mentiras contadas por alguém para chegar a uma verdade maior”, explicou.

Baz encerra a entrevista comparando a narrativa de Elvis com a de Amadeus, filme de Milos Forman de 1984 que ganhou oito Oscars, por também ser uma cinebiografia, mas sobre o compositor e músico Wolfgang Amadeus Mozart. “O filme é sobre inveja”, pontuou ele. Ele tem suas suspeitas de que Parker sentia-se de forma parecida. “Os dois tiveram infâncias muito complicadas, ambos tinham um buraco no peito e eram sonhadores. Parker queria ser grande. E Elvis, também”, finalizou.

Agora falando do próprio Elvis, o ator Austin Butler merece todo o reconhecimento ao estrelar o papel do cantor, o mais engraçado é que no inicío do longa, há um grande mistério em revelar o rosto dele, que a princípio só aparece de costas ou de lado, porque por mais que todo mundo soubesse que era Butler em cena, ninguém havia visto nada além dos trailers.

Ele encarnou brilhantemente a personalidade do astro, obviamente abusando do exagero. Desde o jeito de dançar rebolando os quadris até o tom de voz, passando pela maneira de falar com a boca semi aberta olhando para baixo, tudo parece milimetricamente bem encaixado. “Ele era punk antes do punk existir. Ele estava rolando no palco, cuspindo. Temos que mostrar o que você não consegue ver nas filmagens de arquivo”, declara o ator em entrevista a revista Elle.

Além disso, muitos artistas talentosos foram cogitados para o papel titular, incluindo supostamente, Harry Styles e Miles Teller, mas quando Luhrmann se deparou com um vídeo de Butler “em uma bola de emoção, tocando e cantando ‘Unchained Melody’ em um roupão de banho em um piano”, ele sabia que tinha encontrado seu Elvis. “Daquele momento em diante, e a cada momento que o conheci durante o processo de audição, ele literalmente viveu a vida de Elvis”, afirmou o diretor na mesma conversa.

A caracterização é tão bem feita que, somado ao fato do efeito granulado de alguns trechos do filme para parecer uma filmagem antiga, pode fazer com que o espectador se confunda e não tenha certeza se está vendo Austin ou o verdadeiro Elvis. Isso fica mais evidente em uma cena quase no final do longa, quando mostra o cantor já deprimido, doente e com sobrepeso, sentado em frente ao piano em seu último show antes de morrer.

Conhecido pelo seu rebolado único, Elvis foi perseguido pelos grupos conservadores da época que viam nesse estilo de dança luxúria e pecado. Nos jornais tradicionalistas, recebeu o apelido de ‘Elvis The Pelvis’ pelo modo de se apresentar nos palcos. Dito isso, Tom Parker tenta mudar a fim de não desagradar essa elite e continuar ganhando dinheiro. Mas, o que incomodava não era apenas o rebolado, o cabelo ‘de menina’ e a maquiagem nos olhos, e sim o fato dele cantar e dançar igual um homem negro.

O cantor viveu boa parte de sua vida rodeado de pessoas negras – chamadas na época de pessoas de cor – e isso é bem retratado no filme que mostra, inclusive, a relação de Elvis e B.B King – interpretado por Kelvin Harrison. Foi na igreja de negros que ele aprendeu a dançar e rebolar, o que mais tarde viria a se tornar sua marca registrada.

Ao misturar soul, gospel e folk, ele conquistou os Estados Unidos. Mas, em uma época em que o segregacionismo estava tão presente, onde haviam barreiras físicas separando negros e brancos, cantar como um negro era uma grande ofensa para a sociedade.

Portanto, pode-se dizer que Elvis tinha o talento de um negro com a passabilidade de um branco, e isso lhe permitiu emergir e se tornar um astro, ainda que tivesse que ir contra a corrente. Ele também abusava dos movimentos de dança para chocar as garotas brancas que não tinham visto giros como aqueles porque elas não saíam para os juke joint – pequeno estabelecimento informal de música, dança, jogos e bebidas, operados sobretudo por afro-americanos – ou até mesmo as tendas gospel. “Ele era um gosto de fruta proibida”, diz Parker em uma das cenas enquanto observa uma garota desmoronar em gritos. “Ela poderia ter comido ele inteiro […] Foi a maior atração de carnaval que eu já vi”.

Um outro momento que reforça essa situação, ocorre quando Elvis comenta com B.B King que estão querendo lhe prender devido ao seu jeito de dançar. O amigo retruca dizendo que Elvis é branco e pode fazer o que quiser, enquanto ele, sendo negro, pode ser preso apenas por atravessar a rua. Em seguida, uma das melhores e mais inesquecíveis cenas musicais do filme acontece na música Trouble

Registrado em gloriosa câmera lenta por Luhrmann e pela diretora de fotografia Mandy Walker, ele se atira na direção do público, o rosto a centímetros da plateia enquanto declama que “não aceita ordens de nenhum tipo de homem”. Desse modo, Elvis quer, acima de qualquer coisa, fazer com que os espectadores entendam a euforia que Elvis Presley provocava ao vivo, o coquetel irresistível de rebeldia, ritmo e carisma que mexia com uma parte visceral do público.

A obra desenvolve uma trama em torno de uma magia particular do seu biografado, ao ponto de ser uma parte mística inexplicável, que contém um apelo atemporal, mas que de certo modo também usufrui da apropriação cultural. Afinal, pode-se dizer que Presley era o artista certo, na hora certa e no lugar certo.

Há algo quase cômico na forma como Baz Luhrmann mostra a reação do público em algumas das primeiras apresentações de Elvis, mas o filme também reconhece os fatores históricos e artísticos dessa ascensão. De um jeito um pouco caótico, o script assinado pelo diretor ao lado de dois colaboradores de longa data, Craig Pearce e Sam Bromell, se desdobra relativamente bem para retratar as facetas mais complexas do artista durante as quatro décadas em que ele esteve presente.

A relação do astro com a música de sua época e a relativa injustiça de sua imortalização no panteão do rock n’ roll acima dos originadores das técnicas que ele usava, são parte tão integral da história da produção quanto a dimensão política e moral de sua subida à fama. Então, é possível ver Elvis como um ‘branqueamento’ do rock e Elvis como símbolo de transformação moral em momentos de virada importantes do século XX nos EUA.

Elvis não está realmente interessado em Elvis Presley, o homem, embora dê a ele a prerrogativa de qualidades tremendamente humanas dentro do contexto melodramático do filme. Seu luto pela mãe, a generosidade que pautava suas relações pessoais, a admiração genuína que ele sentia por artistas com a coragem de se expressar, a relação visceral com a música, datada de seus primeiros contatos com ela na infância. Tudo está aqui, reconhecido e estilizado no ritmo inconfundível de Luhrmann, mas essa fundação humana serve apenas para apoiar uma exploração que é muito mais sobre Elvis Presley, o mito, o ícone, o símbolo – e ainda bem que é.

É verdade, é claro, que Elvis foi um homem. Tantas biografias, no entanto, se perdem no caminho de tentar decifrar algo intrinsecamente indecifrável: as idas e vindas, os cantos mais escuros e complicados, as partes mais íntimas e privadas da vida de uma pessoa de verdade. O diretor, até por sua natureza como artista, foge dessa armadilha quando cria, ao invés disso, uma ode – poema lírico – audiovisual a Elvis, uma jornada biográfica contada em linguagem pop, e que fala sobre cultura pop, cuja relação com a realidade é meramente incidental, quando ela existe.

Tudo isso é embrulhado em um pacote cintilante de espetáculo teatral, modelado tanto na decadência opulenta dos shows de magia e música de Las Vegas quanto na tragédia. O ponto é que Elvis, como de costume para as obras de Luhrmann, só funciona realmente se aceito dentro de sua própria lógica. O melhor jeito de aproveitá-lo é imaculado por preocupações morais sobre a integridade de cinebiografias, por regras arbitrárias de bom gosto estético e, principalmente, pelo apego insistente a uma ideia rígida de cinema e narrativa ‘de qualidade’. Sob os parâmetros de quem não se desprende de nada disso, alguns momentos do filme mal poderão ser considerados cinema, em sua abordagem distorcida e caótica da linguagem dessa mídia.

Acontece que, sob o olhar de quem reconhece entretenimento e arte pop como propósitos por si mesmos, ele é certamente um belo espetáculo. Talvez, o maior ponto que o filme tem em comum com o verdadeiro Elvis Presley é esse: no fim das contas, render-se aos prazeres que ele oferece é muito melhor do que tentar entendê-lo a partir de um molde no qual ele nunca teve vontade nenhuma de caber.

Algumas situações no filme que não acontecem na realidade

Assim como ocorreu com outras cinebiografias, especialmente de música, Elvis não é 100% preciso em seus relatos, e isso não é um problema, visto que algumas adaptações são necessárias para dar ritmo à trama. A equipe capitaneada pelo diretor Baz, retratou alguns fatos com certa fidelidade enquanto outras situações não aconteceram na vida real.

O próprio Elvis Presley interpretado por Austin Butler está um pouco diferente, como era de se esperar. O filme mostra que quase todas as influências musicais de Presley vieram da música negra. Alanna Nash, escritora de diversos livros sobre a vida e carreira do Rei do Rock, garante que não foi bem assim. Em entrevista à Variety, ela declara que: “Elvis também teve muitas influências brancas e disse, quando ainda estava na sétima série, que se apresentaria na Grand Ole Opry – famoso local de apresentações de country na cidade de Nashville. Lembre-se, ele entrou em um concurso na infância cantando ‘Old Shep’ – um clássico da música country”.

O filme também ignorou por completo as parceiras que Elvis teve no final de sua vida após terminar seu casamento com Priscilla Presley, além de ter mudado algumas coisas na sua relação com o coronel Tom Parker. E por falar no empresário de Elvis, ele também não passou ileso de situações que foram criadas para a obra.

O personagem de Tom Hanks tem um jeito mais exagerado e meloso, além de ser uma pessoa cheia de ideias que poderiam ter consequências desastrosas. Em uma cena da cinebiografia, Parker sugere a Presley dar uma maneirada no seu estilo para evitar críticas dos conservadores. Alanna revelou que o empresário, na realidade, pensava o contrário. “(Parker) gostava do fato que Elvis atraía muita gente para seus shows. Parker amava o fato de Elvis ser visto como um stripper masculino. Aquilo vendia muitos ingressos”. Ela também garantiu que o Coronel nunca chegou a ser ameaçado pelo governo por conta das apresentações de Elvis, algo que ocorre no longa.

[Imagem: Reprodução/Warner]

Além disso, Tom Hanks optou por dar um sotaque considerado ‘europeu’ – afinal, ele nasceu nos Países Baixos – ao seu personagem. Coisa que pouco lembrava o do Tom Parker de verdade, como é possível perceber em uma gravação de entrevista realizada na década de 80.

A obra também retrata que, após ouvir bons comentários sobre Elvis Presley, Tom foi até o programa de TV Hayride para conhecer o cantor, que começou a ganhar fama. Então, essa seria a primeira apresentação do Rei do Rock no lugar – e no mesmo dia, os dois se conheceram.

Na realidade, as coisas se desenrolaram de outro modo. O coronel não estava presente nesse evento. O astro de fato estava nervoso ao se apresentar, mas após uma pausa, se acalmou e conquistou o público. Apenas meses mais tarde que o empresário foi até o local para assistir a um show de Elvis, e eles se conheceram semanas depois, em um espetáculo do cantor na cidade de Memphis.

Em Elvis, é possível ver que Presley era próximo do lendário bluesman B.B. King. Uma das cenas do longa mostra o cantor após um ataque de fúria, ‘fugindo’ para uma casa de shows frequentada por King e outros artistas negros, como Sister Rosetta Tharpe e Little Richard. No entanto, na vida real, as coisas eram bem diferentes. Nash, agora para o jornal USA Today, afirmou: “Elvis e B.B. se conheciam, mas não eram amigos próximos. Eles provavelmente cruzaram caminhos pela primeira vez no estúdio Sun, mas foi algo breve”.

Além disso, uma das críticas mais fortes e repetidas em relação ao Elvis era como ele teria se apropriado de características da música negra em um ainda altamente segregado Estados Unidos. E com isso, o empresário junto a gravadora, venderam uma imagem pioneira do artista mesmo sabendo de todas as barreiras raciais, e só ofereceram uma versão mais ‘diluída’ do que muitos já conheciam através de nomes como Chuck Berry.

Em contrapartida, o próprio B.B King refutou qualquer percepção de Presley ao se tratar de uma pessoa preconceituosa. O fã-clube australiano de Elvis resgatou um artigo do San Antonio Examiner, onde contém uma entrevista do bluesman realizada em 2010 – 5 anos antes de sua morte. Nela, ele declara: “Nascemos pobres no Mississippi, passamos por infâncias desprivilegiadas. Aprendemos e conquistamos nosso caminho através da música. Veja bem, eu conversei com Elvis sobre música desde o início, e eu sei que uma das grandes coisas no seu coração era esta: a música é propriedade de todo o universo. Não é exclusividade do negro ou do branco ou de qualquer outra cor. É compartilhado em e por nossas almas”.

Em dezembro de 1968, o canal americano NBC exibiu um especial que marcou a primeira apresentação de Elvis Presley em sete anos. O material foi gravado, mas representou a volta do cantor aos palcos diante de um pequeno público. A atração ganhou o nome de ’68 Comeback Special’ – em tradução ‘O Especial de Retorno de 68’.

No filme, enquanto Presley gravava a apresentação, o senador Robert Kennedy foi assassinado, mas de acordo com Alanna, a gravação do especial e o assassinato do senador não aconteceram ao mesmo tempo. A escritora revelou que na realidade, apenas um dos ensaios ocorreu no dia em que Kennedy foi atingido pelos tiros que tiraram sua vida – 5 de junho de 1968. “Elvis chegou para iniciar as semanas de gravações em 3 de junho de 1968, e Kennedy levou os tiros em 5 de junho, morrendo no dia seguinte, 6 de junho”.

Além disso, o longa chega a retratar a gravação sendo interrompida pelo barulho dos tiros que mataram Kennedy. Na vida real, o hotel em que o assassinato ocorreu era distante do estúdio em que o especial era produzido. Mas, a produção ao menos acertou em retratar que Elvis ficou abalado pelas mortes de Kennedy e do ativista Martin Luther King, assassinado dois meses antes do político. A música If I Can Dream, composta por Walter Earl Brown especialmente para o programa de TV, foi inspirada por trechos do famoso discurso I Have a Dream, de King.

Em Elvis, há um momento em que ele se alista ao exército para evitar uma possível prisão devido a sua péssima influência para os conservadores e um incidente violento em um show.

Elvis, de fato, se alistou no exército americano e cumpriu serviço militar entre 1958 e 1960, mas não teve relação alguma com uma possível prisão. Nash lembrou que a presença do astro entre os militares teve outro intuito e foi arranjada pelo Coronel Parker. “(Parker) negociou com o intuito de ser uma jogada de relações públicas, para fazer dele (Elvis) um garoto americano”.

O artista também se aventurou no mundo dos cinemas e participou de vários filmes, apesar de nunca terem sido grandes sucessos nas telonas. Há uma cena do longa em que Tom garante que Elvis se tornou o ator mais bem pago de Hollywood, mas não foi bem assim. Ele recebia salários de respeito para gravar algumas produções, justamente por conta de sua fama. Em 1965, por exemplo, ganhou US$1 milhão para gravar Feriado no Harém.

No entanto, três anos antes, Marlon Brando recebeu US$250 mil a mais para gravar O Grande Motim, e em 1963, Elizabeth Taylor ganhou a mesma quantia de Elvis para estrelar o clássico Cleopatra.

Ao decorrer do filme, Elvis Presley demite o Coronel em meio a um show em Las Vegas. Esse episódio até aconteceu na vida real, mas de uma maneira diferente. No espetáculo, ocorrido em setembro de 1973, Elvis destilou sua fúria contra Barron Hilton – dono da rede de hotéis homônima e que também era o proprietário do local em que ele teve que se apresentar por muito tempo.

O astro ficou insatisfeito ao saber que Hilton havia demitido um empregado do hotel com o qual simpatizava. Por conta do incidente, Parker teve uma discussão acalorada com Presley. Foi neste momento que o cantor, de fato, demitiu seu empresário – que foi recontratado após mostrar uma conta do que o cantor estaria devendo a ele.

Além disso, na produção, é revelado que Tom combinou esta série de apresentações no hotel como forma de bancar suas dívidas – afinal, ele perdeu muito dinheiro com jogos de azar. Na vida real, ele realmente se endividou desta forma ao longo de sua vida, mas Alanna Nash garante que os shows que Elvis fazia no hotel não tinham ligação com os problemas financeiros do empresário.

Como a caracterização em Elvis foi essencial

Para o desenrolar de toda a história, é necessário que os personagens tenham uma boa construção de imagem através de figurinos que complementem o roteiro. Com Elvis não seria diferente, principalmente por conta da responsabilidade em dar vida a uma persona lembrada não apenas pelas roupas e maquiagem, mas por uma história complexa, que passa por uma relação polêmica, por vezes violenta, e assistida pelo mundo em uma época com outro olhar em relação às estruturas do patriarcado.

Atender às expectativas do público era um dos maiores desafios que Shane Thomas, chefe de cabelo e maquiagem do filme, enfrentaria. Não só ele, mas também a equipe de figurino, com Catherine Martin e a participação de ninguém mais, ninguém menos que, Miuccia Prada. A designer italiana foi responsável por boa parte dos looks dos protagonistas através de suas duas empresas de roupas, Prada e Miu Miu, onde pode fezer esboços e desenhos para Austin Butler, que interpreta Elvis e para Olivia DeJonge, que interpreta Priscilla Presley.

[Imagem: Reprodução/Prada]

Além disso, a colaboração entre Miuccia Prada, Baz Luhrmann Catherine Martin é renovada depois que os três já deram vida às roupas para dois outros filmes do diretor: os de O Grande Gatsby, em 2013 , e o que Leonardo DiCaprio usou em Romeu+Julieta, em 1996.

Martin, figurinista quatro vezes vencedora do Oscar e criadora de roupas para a maioria dos filmes de Luhrmann -ambos são casados ​​desde 1997 e têm dois filhos – explicou que o centro da narrativa em Elvis é o amor lendário entre Elvis e Priscilla, destacando a beleza e o estilo icônico, justamente por ser um marco a cultura contemporânea. “Por isso, era importante para Baz e eu permanecermos fiéis ao seu verdadeiro legado, não simplesmente imitando as roupas da Sra. Presley, mas encontrando uma maneira moderna de conectar o público com seu estilo distinto e histórico”, afirma Catherine.

Priscilla é um dos pontos-chave da trama de Baz, afinal ela é um exemplo do que era a representação da estética e dos padrões de beleza norte-americanos em meados dos anos 60 e 70, abusando de cabelos volumosos, olhos bem marcados em delineados impecáveis, e até mesmo o formato das unhas. AFinal, nada é banal ou fútil quando se fala em narrativas cinematográficas.

Além disso, ela remonta a trajetória e as fontes de cultura negra das quais bebeu Elvis Presley. É por meio dela e do figurino que se marcam as passagens de tempo no longa. E, para o diretor, o visual dos personagens era tão importante quanto a história. “Baz tem muita certeza de como quer ver os personagens retratados. O meu trabalho era reproduzir sua visão junto de Catherine”, comenta Shane.

“Evitei replicar o visual dela. Priscilla é um pilar da cultura americana, então era muito mais sobre representá-la na frente das câmeras de forma respeitosa e homenagear seu status de ícone de beleza”, conta o beauty artist à Vogue Austrália. “Também precisei entender como trazer a beleza de Priscilla no rosto de outra pessoa; era sobre respeitá-la, mas também traduzi-la no rosto de Olivia DeJonge”.

[Imagem: Divulgação/Warner Pictures]

O início da história de Priscilla e Elvis é problemático, já que ela tinha apenas 14 anos quando eles se conheceram, e ele era 10 anos mais velho. A produção não retrata essa informação, mas, na ocasião, ela é representada como uma jovem esperta, porém sem grandes destaques em termos de elementos estéticos, sendo apenas uma garota comum.

Quando ela se casa com Elvis, em 1967, há um certo amadurecimento no estilo e o ícone começa a se consolidar. É como se ela tivesse, de fato, mergulhado na atmosfera que envolve uma estrela do rock. “Cilla usava uma maquiagem pesada. Eram três pares de cílios postiços em cima, além de cílios nas pálpebras inferiores e um super delineado”, comenta o expert, em entrevista ao POPSUGAR.

De acordo com o profissional, Olivia passava quase duas horas na cadeira de maquiagem todos os dias para chegar ao resultado visto nas telonas. E a parte mais complicada era acertar as sobrancelhas, já que, na vida real, Priscilla adorava mudá-las.

Além do olhar, não dá para falar da Presley sem lembrar do topete enorme, como aquele usado no casamento com o cantor. “Eu olhava para fotos e achava que aquilo era mentira”, entrega Shane. Para recriá-lo, ele lançou mão de duas até bater a altura. Em um segundo momento do filme, após a crise no casamento com Elvis seguida do divórcio, Olivia assume fios loiros, representados por quatro laces diferentes.

[Imagem: Divulgação/Warner Pictures]

Agora partindo para a estrela do rock and roll, além de bonito e talentoso, Elvis usava a estética de uma forma inteligente e consciente para se sobressair e construir uma imagem. A roupa passou a ser sua melhor aliada, compondo perfeitamente com seu cabelo e com os movimentos de seu corpo.

Para a obra, Austin Butler reviveu o cantor por meio do topete e da alfaiataria larga, que por muitas vezes não possui um gênero específico. O ‘estilo Presley’ inspirou muitos astros, como Bruno Mars, e grifes, como Versace e Cavalli.

A colaboração da Prada foi muito importante, principalmente nos ternos sob medida, em cores como marrom ou bordô, com lapelas largas e detalhes, como óculos escuros ou cintos coloridos. Já no caso da esposa, vestiu Miu Miu, com vestidos de chiffon, saias curtinhas, calças de campanha e paetês. Absolutamente tudo para ajudar a caracterizar os personagens sem cair no grotesco ou no disfarce.

Para as peças, os criadores se inspiraram em momentos específicos vividos por Elvis e Priscilla, como um macacão de paetês que ela usou em um show em Las Vegas, ou um vestido de lã que ela usou com uma jaqueta em um especial da NBC dedicado a Elvis, uma peça que, por exemplo, foi literalmente recriada.

A caracterização de Butler acontece até mesmo nos mínimos detalhes. O ator, que é loiro, tingiu o cabelo para a produção, mas também abusou de próteses e perucas. Ou até mesmo na maquiagem com os olhos esfumados – usados pelo cantor na vida real – tudo para contar sua jornada, da ascensão à decadência.

A música como ferramenta principal da obra

Elvis Presley é um nome imediatamente associado ao rock and roll. Não é atoa que ele é conhecido como Rei do Rock, sendo um dos maiores pioneiros do gênero, um verdadeiro símbolo da cultura dos Estados Unidos e de tudo que a engloba.

Hoje em dia, quando se fala do rock, o termo soa quase que obsoleto em seu significado mais literal. Existem pessoas gente vão dizer que, atualmente, o rap é o rock. Para outros, o rock realmente só cabe quando há uma banda, com guitarra, baixo e bateria. Mas também, há quem diga que o gênero não está ligado à música e sim à atitude.

Entender isso é, sem dúvidas, um dos grandes méritos do filme Elvis e de sua excelente trilha sonora, que não foi feita apenas para respeitar o legado de Presley, mas entender que é preciso se conectar com passado, presente e futuro, para conversar com todos os públicos que irão assistir a obra. Essa compreensão permite não apenas que a trilha seja uma das mais interessantes do ano, como também faz com que ela cumpra um papel fundamental em ressignificar a carreira do Rei do Rock, mostrando como a sua influência foi muito além do formato tradicional.

Um dos maiores exemplos disso isso é Vegas, faixa assinada por Doja Cat que usa um sample de Hound Dog. Famosa na voz de Elvis, a canção aparece em sua versão cantada por Shonka Dukureh e mostra como é possível construir algo totalmente diferente a partir de um grande clássico do ritmo.

Mais do que isso, a presença desse sample é uma homenagem as verdadeiras origens do rock – algo que, em vida, Presley sempre pareceu entender e respeitar, como foi retratado no longa de Luhrmann. O mesmo é válido para outras canções que trazem trechos de clássicos, como a ótima The King and I, de Eminem e CeeLo Green, que utiliza de Jailhouse Rock.

Da mesma forma, a presença de uma versão espetacular de Stevie Nicks e Chris Isaak para Cotton Candy Land é o pedido certo para quem esperava versões mais próximas das originais, sem contar as próprias mixagens especiais feitas para o filme de clássicos como I’m Coming Home, Suspicious Minds, Polk Salad Annie e muitas outras.

Também existe a versão de Can’t Help Falling in Love, assinada por Kacey Musgraves, sendo um ótimo exemplo de como essa trilha foi capaz de ‘traduzir’ as canções tão antigas para um contexto atual. E o mesmo vale para If I Can Dream, regravada pela banda italiana Måneskin.

Até agora, é possível entender o passado e o presente, mas e o futuro? Quando se trata de Elvis Presley, o futuro está sempre no presente – afinal de contas, o pioneirismo e a quebra de barreiras são marcas registradas do Rei do Rock, como ficou claro para qualquer um que tenha assistido ao filme.

Mas falar de futuro nesse ponto, é se permitir ir um pouco além nas hipóteses. É acreditar que, graças a uma trilha sonora como essa, algum fã de Doja Cat, de Eminem ou de Diplo, possa mergulhar de cabeça na história do rock.

Ao fim do filme, duas coisas permaneceram na memória. A primeira é como a decadência de um astro é aplaudida de forma cruel pelos próprios fãs, desde que o show business tomou conta da maneira como o ser humano consome a arte. De Kurt Cobain e Amy Winehouse, chama a atenção como essa sanha por testemunhar o fracasso, de vangloriar-se por estar diante da fragilidade de uma pessoa que não aguenta mais o peso do próprio talento. Por isso, ao longo de anos, milhares de pessoas compareciam semanalmente a Las Vegas para assistir à mais uma apresentação do Rei do Rock, por mais que seu corpo e sua voz pedissem socorro.

A segunda, é a frustração do cantor pelas inúmeras maneiras como seu empresário freou o processo de internacionalização de sua turnê, que acabou virando uma residência. Algo que a produção dá conta de esmiuçar e esclarecer as motivações pelo lado de Parker. Um apátrida viciado em jogo que fez de Vegas a prisão do homem mais famoso do mundo. Um desgaste que fez com que, em uma das cenas finais, o rosto e a voz de Austin Butler, tão bem no papel de Elvis Presley, revelasse um milionário de quarenta anos que se sente incapaz de sonhar, podendo ser uma tragédia aos olhos de qualquer um, ou um espetáculo pelo olhar de Baz Luhrmann.

E apesar de tudo isso, Elvis Presley não morreu e nem nunca morrerá, uma vez que ele vive através de suas obras que marcaram o mundo, e principalmente a indústria musical.

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