Essa série nasceu de uma vontade muito grande, suponho que se a Frenezi não tivesse uma editora de moda completamente fascinada pela história da moda e suas décadas passadas, o resultado talvez fosse bem diferente. Começamos com uma Era de grande interesse, 1920, partindo do pressuposto duro que rege o jornalismo (mesmo o independente) que sempre precisamos de um gancho para as matérias, os figurinos do Grande Gatsby de Baz Luhrmann assinados por Miuccia Prada ajudaram, assim como o misticismo envolvido nos vestidos retos e os cabelos na altura do queixo.
Acredito que começar pelo século XX seja uma decisão racional, foi quando o sistema da moda começou a girar em torno das estações do ano, o período que também contou com a consagração de grande estilistas desde da alta-costura até o pronto para vestir – qual, iremos aprofundar nos anos 60 – de Paul Poiret até Donna Karan. Hoje, gostaria de trazer o começo do século, entre os anos de 1900 até 1918, um tema recorrente que gostaria que estivesse impresso na cabeça de cada leitor possível, é que não existe história da moda sem considerar as mudanças sociopolíticas do mundo no contexto inserido.

Terminamos esse texto em 1918 e não 1920, justamente pela data de cessar fogo na Primeira Guerra mundial, quando os racionamentos terminam e os anos de jazz e bebedeira começam a esquentar. “La Belle Epoque” tradução literal para “Era da opulência” ou se você tem complexo de Downton Abbey “Era Eduardiana”- falamos em eras pelos monarcas regentes na Inglaterra – o título não se difere terrivelmente da tradução, imagens de grupos de poder e nível social elevados, em saiam armadas, espartilhos e chapéus vêm a mente.
As regras da moda eram seguidas à risca grossa, arriscando uma forte ridicularização social caso as desafiasse, o que as cartilhas de ilustração de moda reportavam eram quase reproduções de boas maneiras básicas em sociedade. Paris também mantinha fortemente o seu espaço como absoluta influência de moda no mundo: “Uma etiqueta de Paris era o endosso definitivo, estabelecendo seu proprietário como árbitro do gosto e membro dos escalões superiores da moda” Valerie Mendes, A moda no século XX.

A garota Gibson:
Os padrões de beleza femininos sempre foram quase irreais para seguir, a garota Gibson é reconhecida como o primeiro padrão de beleza estadunidense e nascida após a modernização do século anterior, com informações e ilustrações sendo popularizadas para maiores massas com uma velocidade maior do que antes. A mulher foi imaginada pelo ilustrador Charles Dana Gibson, foi o ideal de beleza durante toda a Era Eduardiana.
A garota Gibson se tornou o arquétipo absoluto para as mulheres de classe média alta estadunidenses, idealmente ela seguia as modas da época, ombros bufantes, colarinhos altos, espartilho em formato de S e saias altas. Um cabelo enorme sempre em coques volumosos que emolduravam seu rosto, com corpo atlético e com uma cintura mínima. Mais importante, a Garota Gibson tinha graça, confiança e tinha uma certa independência dos homens.
Mas não confunda a garota Gibson com a “New woman” do período, a nova mulher era controversa, ligada ao sufrágio feminino e politicamente engajada. O visual Gibson foi imitado pelo país, afinal ela sempre estava na última moda e participou de uma mudança nos ideais de beleza, que acompanhavam as mudanças na virada do século em razão da modernização.



A mulher do novo século:
Entramos no período de transição do velho século para o novo, que acompanhava rápidas mudanças na industrialização e modernização, conseguimos entender que há um início da modernização do vestuário feminino: “Os estilos cambiantes não só começam a se parecem com as formas reconhecíveis da moda contemporânea, como também cartografam a busca das mulheres por igualdade social”. NJ Stevenson, Cronologia da moda.

Já entre 1880 e 1900 a silhueta mudou, das grandes crinolinas da Imperatriz Eugênia e Charles Frederick Worth, para saias longas e mais justas com uma cauda, exatamente para dar ênfase à forma de S eduardiana. “Não é na história dos vestidos de alta-costura, porém, que a aurora da libertação da mulher de seu status de “bem-móvel” pode ser percebida”. NJ Stevenson, Cronologia da moda.
A roupa de alfaiataria foi requisitada por uma nova força de trabalho (governantas, balconistas e datilógrafas) a partir do tailleur usado pela alta-sociedade para viagens e atividades rurais, foi uma grande mudança para o vestuário e comportamento feminino.


Gosto pela decadência:
A moda para mulheres entre esse período, seguiram bastante as regras das décadas anteriores (principalmente 1890). A roupa altamente super estruturada da silhueta da Garota Gibson foi popular por quase toda década, a simplificação e silhuetas mais soltas só apareceram no final da década, podemos argumentar que isso foi graças aos efeitos dos racionamentos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
As décadas passadas foram conhecidas como a Idade de Ouro do novo dinheiro americano, com uma economia próspera, a opulência de vestidos com tecidos ricos, cores em tons de joias, diferentes texturas opulentas e colares pesados, a riqueza era exibida em estilos de vida extravagantes e especialmente, no vestuário feminino.

No começo da década de 1900, a moda seguia os padrões do final do século XIX, não houve grandes mudanças no vestuário durante os oito primeiros anos. O desejo do novo era inteiramente satisfeito pela introdução de séries de cores sazonais e por novos ornamentos, lembrando que nessa época o nível máximo de hierarquia na moda era ocupado pelos grandes couturiers, e seu seleto grupo de clientes.
O espartilho já dividia opiniões, durante a belle époque e os anos dourados dos EUA, os ricos desfrutavam de extrema opulência e o símbolo da vida privilegiada se tornou o espartilho em formato de S: “A príncipio considerado saudável por retirar a pressão do abdome e projetar o busto para a frente e os quadris para trás, esse tipo de espartilho tornou-se a estrutura para as roupas excessivamente adornadas do fim dos anos 1890 e começo dos 1900”.
Em contraste com a silhueta exuberante, as partes de cima eram bufantes, com bastante tecido para ajudar a montar a silhueta rígida, nos vestidos de dia os decotes eram inexistentes e terminavam com mangas dramáticas e um efeito diferente entre saias com anquinhas que deixavam a parte de trás maiores, e na frente uma certa solidez entre tecidos. A modéstia era algo especial dos vestidos de dia, cobriam o corpo do pescoço até os pés, com mangas longas cobrindo os braços e saias longas em linha A e formato de sino.

Os vestidos de noite eram rigorosamente adornados com rendas e bordados, tecidos ricos como chiffon e seda também eram utilizados em um único vestido, ainda remanescentes da época dourada americana. Essa opulência e graciosidade do vestuário durou algum tempo, mas com a virada do século e sua primeira década logo temos conflitos como a Primeira Guerra, que começam a mudar drasticamente o comportamento e as roupas em meados de 1910.





Paul Poiret: Túnica abajur e orientalismo
Com a chegada do Ballets Russes de São Petersburgo em 1909, uma nova forma de dança, música e o mais importante, os figurinos desembarcaram em Paris com uma popularidade exaltante. Os figurinos e cenários inspiraram uma onda de experimentação, riqueza ao colorido, silhuetas fora do comum e cortes assimétricos foram traduzidos para uma mudança fundamental que colocaria um final na figura rígida e modesta eduardiana.
“Sem Paul Poiret a história da moda no século XX não teria sido a mesma. Dotado de grandes habilidades inovadoras, Poiret soube também aproveitar o estado de espírito reinante para se autopromover”. NJ Stevenson, Cronologia da moda.
Poiret sempre teve um alto interesse por roupas, uma trajetória que passou de fazer roupas para as bonecas da irmã, ser desenhista freelancer para grandes couturiers, e até mesmo um tempo trabalhando na Maison Worth, o que não durou muito tempo pelas suas ideias ousadas e a clientela tradicional da casa. Em 1906 já estava cortando vestidos mais frouxos, fluídos e com a cintura larga, na mesma época que Madeleine Vionnet havia decidido abolir o espartilho, as roupas tornaram-se mais largas com formato parecido de túnicas no atelier do designer.
Os modelos inovadores de Poiret no início do século ajudaram para o estado de espírito da moda na época. Inspirado pelos desenhos orientalistas de Léon Bakst, ele lança a sua criação mais controvérsia: a túnica abajur em 1913.
“A predileção de Poiret pela decoração exótica com plumas preciosas, sedas fortes, calças de harém e frentes-únicas emplumadas havia traduzido o Zeitgeist em arte usável, mas sua teatralidade ficou anacrônica”. NJ Stevenson, Cronologia da moda.
Em consequência da Primeira Guerra, Poiret fechou as portas e nunca se recuperou totalmente, o mundo da moda foi seduzido pela simplicidade Chanel, mas o legado duradouro de Poiret compreendeu os aspectos comerciais e criativos – até teatrais – em uma empresa de alta-costura.

