Um ano após o lançamento do renegado e brilhante Dancing with the Devil… The Art of Starting Over, Demi Lovato retorna ao palanque e suas raízes do rock com seu oitavo álbum de estúdio Holy Fvck. O disco lançado pela gravadora Island Records realmente não atingiu as expectativas da gravadora e fãs numericamente, mas mostra seu valor indo muito além, se tornando uma experiência sobre explosão de energia, é possível entender o sentimento de Demi com o passar das faixas, saindo da raiva e explorando outras sensações, como desejo e amor.


A primeira música é FREAK. A colaboração com YUNGBLUD já abre alas para o que se espera do restante, explora diversos ritmos e deixa expostas as emoções de ter seus traumas tirados como piada pela indústria e ser diminuída a “freak” (esquisita, em português). Após essa faixa, toda uma expectativa e energia já é estipulada, chegando para mostrar que o pop de Demi Lovato está realmente morto.
Dando sequência vem os dois singles lançados antes do álbum SKIN OF MY TEETH e SUBSTANCE, duas músicas muito fortes que abordam a superação do vício, se descobrir e entender o mundo socialmente sem o uso de substâncias, como as pessoas tratam umas às outras e o quanto é comum a indiferença. O rock rápido e melódico encaixa bem com a intenção de Lovato de deixar uma mensagem, não importa o quão rápido as coisas aconteçam, ter cuidado com o próximo exige tempo e empatia.
A quarta faixa EAT ME, com participação de Royal & the Serpent, é um verdadeiro tapa. Com o queixo caído desde o início, a letra é agressiva e impositiva, se tornando um hino de aceitação e denúncia sobre a maneira como a indústria molda seus artistas da maneira como acham que vende mais, ignorando a essência e vontades desse artista. Unanimemente a melhor faixa do álbum, que vem depois de tantas críticas voltadas à Demi em relação ao seu corte de cabelo e mudança de ritmo, não gostou? Engasgue com isso!
A música que dá nome ao álbum HOLY FVCK é empoderada e repleta de referências bíblicas explícitas, já saindo da parte raivosa do álbum e entrando na sexual. Até o final da música, qualquer um é capaz de comprar a mensagem e se sentir o próprio holy fuck, e acreditar que Demi Lovato também é.
29 é a faixa mais polêmica do álbum. Demi conta em entrevista ao podcast Call Her Daddy que a motivação para escrever a música passado tantos anos do término é a reflexão sobre a situação de maneira mais madura, o como mulheres jovens caem no canto de homens muito mais velhos de que elas são diferentes, mas na realidade são apenas mais maleáveis e manipuláveis. A música trata do relacionamento de seis anos de Demi com Wilmer Valderrama, que se iniciou quando ela tinha 17 anos e ele 29.
Wilmer tem um histórico de relações com mulheres de idade inferior, quando namorou Lindsay Lohan, ela tinha 18 anos e ele 24, com Mandy Moore, ela tinha 15 anos e ele 20. Essa percepção sobre o que aconteceu na própria vida por anos é sentida em ‘29’, a voz confiante carregada por emoções e o ritmo dramático transcreve seus sentimentos e emociona quem escuta.
Continuando na linha de baques emocionais, temos HAPPY ENDING. Uma música lenta que transcreve a desesperança com a vida, como ser a inspiração de tantas pessoas e tentar se manter perfeita para os holofotes a cansou, entre tantas tentativas mal sucedidas de felicidade genuína com relacionamentos, Demi expõe sua solidão, mesmo cercada de pessoas, como sua equipe, família e fãs, ainda se sente sozinha e desolada por não ter um final feliz.
HEAVEN, CITY OF ANGELS e BONES abordam abertamente o lado sexual. Com letras eletrizantes e ritmos dançantes, Demi não tem vergonha de mostrar seu desejo e se divertir com este lado utilizando diversos trocadilhos e, novamente, referências religiosas. A mais interessante e que é quase um easter egg se encontra em HEAVEN, a música trata sobre masturbação e possui versos que dizem “cut it off” (corte fora, em português), o motivo para esta linha existir é o versículo Mateus 5:30, onde é dito “E, se a sua mão direita o fizer pecar, corte-a e lance-a fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ir todo ele para o inferno.”
A música WASTED é romântica e platônica, com um refrão um pouco repetitivo e chato, a música surpreende no restante por sua letra inesperadamente apaixonada e ritmo mais lento, deixando se tomar pela paixão, mesmo com medo de se magoar, vive este amor sem restrições.

COME TOGETHER une as duas vertentes anteriores: o amor e o desejo. Sendo uma das favoritas do álbum e a que tem mais influência pop/R&B, também é uma música mais lenta, mas mantendo o tom eletrizante e comovente, daquelas que é perfeita para cantar no carro ou no banho a plenos pulmões de um coração apaixonado.
Passando para a faixa 13, DEAD FRIENDS mostra a essência do álbum. A letra é dedicada aos amigos que Demi perdeu no passado por conta de vícios, e se sente em dúvida do porquê ela continua viva, e eles não. Mesmo com uma letra extremamente triste, a melodia é rápida e animada, fazendo você querer dançar – com a mão na consciência em respeito aos mortos, claro -. O que poderia ser um tiro no pé e uma música dramática demais é totalmente o contrário, sendo um desabafo real e emocionante, mas mantendo uma batida animada.
HELP ME segue a mesma linha de EAT ME. Com um tom de deboche escrachado, a parceria com Dead Sara é irônica e empoderada. Tratando sobre pessoas que querem “ajudar” mas no final só estão dando sua opinião que não foi pedida e acabam atrapalhando, a música é cativante e caminha para o final do álbum de maneira positiva, mantendo a atenção do ouvinte.
A penúltima música é FEED. Uma faixa honesta sobre a luta com os vícios e seus antigos hábitos que eram confortáveis, mas muito perigosos, a percepção de possuir um lado bom dentro de si e alimentá-lo para que ele se sobressaia e a vida fique mais leve, mas não retirando o outro lado, apenas aprendendo a lidar com ele e controlá-lo. É uma música muito emocionante e corajosa, considerando todo o seu contexto.
Para fechar com chave de ouro temos 4 EVER 4 ME, uma suma de tudo que foi abordado no restante do álbum, dando um fechamento esperançoso e contente. A letra fala sobre a mudança de vida, onde talvez ela tenha encontrado seu happy ending e, principalmente, seu grande amor. A música encaixa todas as pontas soltas deixadas pelas outras, dando um belo desfecho para suas questões e alimentando sua felicidade.

Álbuns rock tendem a ser repetitivos e com músicas muito similares, Demi quebra essa barreira e explora todas as vertentes do gênero, transformando seu álbum em uma verdadeira aula para os que estão acostumados com a bolha do pop.
Mesmo se tratando de um álbum extenso, com 16 faixas, HOLY FVCK prende a atenção do ouvinte em todas as músicas e conta uma história a partir de um ponto de vista honesto e mais maduro. Uma frase antiga de Demi que foi lema de muito lovatics facebookers por anos é “I’m maturing, not changing, I promise” (Eu estou amadurecendo, não mudando, eu prometo, em português) e é exatamente do que se trata o álbum, a recuperação de Demi e o retorno de suas raízes, que podem ser exemplificadas por seus dois primeiros álbuns Don’t Forget e Here we go again.