Música é algo intrínseco no dia a dia do brasileiro, dados da Associação Brasileira de Música e Artes (ABRAMUS) indicam que quase 80% das pessoas escuta música todos os dias, sendo os estilos musicais preferidos: o Pop, Sertanejo e MPB, todos com quase 50% de aprovação entre os consumidores nacionais. O Funk tem seus fãs, mas não é todo mundo que escuta no fone, apenas em situações sociais.
Com tanta música rodando, será que conhecemos todos os músicos que ouvimos diariamente? Por trás de toda obra existe um indivíduo que a carrega, e mesmo que o consumo de cantores que não tenham a “ficha limpa” seja inocente, a receita deste consumo segue indo para suas mãos. Mas quais as consequências deste consumo? Ou nem existem consequências?
Assim como tudo, existem os dois lados desta moeda. O autor Roland Barthes, que escreveu o livro “A Morte do Autor”, defende a ideia de que os elementos utilizados pelo artista para criar sua arte são anteriores a ele, quem insere significado à obra é o público que a consome, a partir de suas próprias vivências. A obra, assim que inserida no mundo, deixa de ter um dono – essa “morte” do autor possibilita que este conteúdo não fique limitado a apenas um ponto de vista, entregar toda a significação da obra para o autor é, de certa forma, impor um limite e uma finalização a ela. Barthes ainda diz que artistas são seres humanos propensos a erros, mas que podem evoluir, logo, restringir todo o trabalho de alguém por seus erros não seria correto.
Pensando de outra forma, existem infinitos músicos talentosos espalhados pelo globo, dar dinheiro, reconhecimento e fama para alguém que tenha qualquer desvio de caráter é realmente necessário, considerando o mar de opções? É inegável que os artistas colocam seus sentimentos, experiências, referências e considerações sobre contextos atuais em suas obras, logo, é ambíguo dizer que o autor entrega sua obra para que o público a signifique, sendo que possui um significado para si próprio.
Eles dependem de seus números para sobreviverem na profissão, é a audiência que escolhe quem prospera, se este público deixa representações preconceituosas ou criminosas no topo, a visão da impunidade será cada vez mais clara: Não importa o que este artista faça, ele continuará vendendo e se sustentando de sua arte.
Trazendo para a realidade
Para exemplificar o problema utilizando a indústria musical, é possível citar o caso de Chris Brown. O rapper teve um relacionamento de dois anos com a cantora Rihanna, na noite anterior à cerimônia do Grammys de 2008, eles tiveram uma briga séria e Rihanna foi agredida pelo namorado, saindo muito machucada e traumatizada do episódio. Mesmo com a repercussão e comoção pelo caso, Chris seguiu sua carreira musical e é sustentado por ela até hoje, tendo até a história contada a partir de seu ponto de vista no documentário ‘Chris Brown: Welcome To My Life’, em que constrói um arco de redenção e arrependimento sobre o ocorrido.

Um exemplo mais recente são as problemáticas ao redor da figura mais caótica do momento: Kanye West. Entre falas antissemitistas, fotos com uma camiseta escrito “White Lives Matter” (vidas brancas importam), ironizando o movimento ativista “Black Lives Matter” e questionamentos sobre o caso de George Floyd, o cantor teve contratos suspensos com diversas marcas, incluindo a Adidas, Gap e Balenciaga. Essas suspensões resultaram em uma perda de 250 milhões de euros, aproximadamente 1,3 bilhão de reais, fazendo com que Ye saísse da lista de bilionários.
Trazendo para o cenário nacional, durante uma viagem para o arquipélago de Fernando de Noronha em setembro de 2018, a cantora Luísa Sonza pediu um copo d’água para uma hóspede negra que estava passando pelo banheiro, aparentemente a confundindo com uma funcionária da pousada onde realizaria um show. O caso foi categorizado como racismo estrutural, onde Luísa assumiu que a advogada Isabel Macedo de Jesus seria uma funcionária do local por ser negra, desconsiderando a alternativa que seria uma hóspede, dado seu tom de pele.
Na ocasião, Luísa não assumiu seu erro e manteve o caso em sigilo até 2020, quando veio à tona nas redes sociais e a mesma desmentiu as acusações. Foi apenas em 2022 que se retratou postando um vídeo se desculpando à vítima. Isabel processou Luísa e a pousada por danos morais e o caso se encerrou apenas em setembro deste ano.
E aí, dá para separar a arte do artista? Independente do lado que escolher, o importante é manter o olhar crítico sobre as obras e seus autores, essa atenção faz com que eles fiquem atentos a o que estão fazendo e disseminando para o mundo. O movimento contra a intolerância e preconceito não pode parar nunca, principalmente no meio artístico.