Crise humanitária Yanomami: entenda o cenário e saiba como doar

Na segunda-feira (16) da semana passada, uma força tarefa foi montada pelo Ministério da Saúde com o objetivo de realizar um diagnóstico sobre a saúde dos indígenas Yanomami e traçar ações futuras para manter a saúde e segurança deles. Após verificarem a absurda situação de desnutrição, o Ministério da Saúde declarou neste sábado (21) estado de emergência na saúde indígena do território.

Nos últimos dias, mais de mil indígenas foram resgatados em estado grave. Em fotos que circulam pelas redes sociais, indígenas em situações de extrema vulnerabilidade, sendo a maioria dos registros de idosos e crianças.

Os indígenas estão sendo resgatados e levados ao posto de Surucucu, uma unidade considerada de referência na região, também de estrutura precária. Os quadros gravíssimos são encaminhados para Boa Vista.

“É uma operação que envolve uma complexidade muito grande, uma estrutura, uma logística e nós precisamos cobrir todo o território, principalmente aquelas comunidades que estão muitas vezes refém das ações dos garimpeiros”, diz o secretário, definindo o cenário como de guerra.

Em 2022, 99 crianças, entre um e 4 anos morreram, sendo a maioria por desnutrição, pneumonia e diarreia. Além disso, foram registrados 11.530 casos de malária no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami. O destaque foi para os casos na faixa etária de maiores de 50 anos, seguida pela dos 18 a 49 anos, e a dos cinco aos 11 anos de idade, como aponta o Ministério dos Povos Indígenas.

A Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara ainda afirmou que pelo menos 570 crianças morreram de desnutrição nos últimos quatro anos.

No último sábado (21), o presidente Lula esteve presente em Roraima e discutiu sobre a crise humanitária no território, que possui 370 aldeias e 10 milhões de hectares, além de cerca de 28 mil indígenas isolados em áreas de difícil acesso — quase todas atingidas pelo garimpo. Ele também decretou a criação de um comitê para discutir medidas que devem ser tomadas. As ações do comitê durarão 90 dias e há chances de prorrogação do prazo.

O GARIMPO NA REGIÃO

O território Yanomami é localizado entre os estados de Roraima e Amazonas e tem sido alvo principal do garimpo, que trouxe conflitos e consequências severas para os indígenas da região.

Garimpo é o nome que se dá à exploração, mineração ou extração, manual ou mecanizada, de substâncias minerais. Na região Norte do Brasil, a prática é comum e acontece de forma ilegal, dentro de territórios indígenas.

O mercúrio, usado para a extração do ouro, possui o poder de poluir rios, contaminar peixes e foi responsável por impactar a principal fonte de água e alimento dos indígenas.

“O garimpo é parte constituinte do processo de colonização do Brasil e da Amazônia também”, pontua a pesquisadora France Rodrigues, professora da UFRR.

A garimpagem do ouro, do diamante, da borracha e todo o processo de exploração desses recursos naturais, tem uma carga transformadora da natureza. “Existem trabalhos que provam que o mercúrio derramado afeta diretamente o solo, os rios, e causa danos aos seres humanos, aos peixes, à vida marinha. Esse cenário também é extremamente danoso quando a gente pensa nos animais, na vegetação”.

“O mercúrio também pode causar cânceres e doenças irreversíveis ao ser humano. Aqui ou em qualquer lugar que você tenha garimpagem, você vai encontrar esses impactos direto na natureza e consequentemente na vida das pessoas que estão próximas”, continua ela, para o Brasil de Fato.

“A presença dos garimpeiros espalha malárias, Covid e outras doenças”, explica a ativista da Survival International, Priscilla Oliveira.

Acampamento de garimpeiros Créditos: Bruno Kelly/Relatório Yanomami Sob Ataque

A Hutukara estima que atualmente mais de 20 mil invasores estejam no território revirando o fundo dos rios e florestas em busca de ouro. Esse levantamento feito era tratado como “exagerado” pelo governo Bolsonaro, como afirmou o então vice-presidente, Hamilton Mourão.

SITUAÇÃO DURANTE O GOVERNO BOLSONARO

Numa carta enviada ao presidente Lula em dezembro de 2022, mulheres yanomami contam que, quando buscam ajuda médica nos postos de saúde, recebem como resposta lamentos sobre a falta de remédios que nunca chegavam, mesmo com a insistência junto às autoridades.

“Essa malária é muito forte e não tem medicamentos para tratá-la. O governo de Bolsonaro acabou com o estoque de cloroquina do Brasil e agora nós sofremos pela sua má gestão. Não queremos ficar chorando porque as pessoas morrem, não queremos ficar chorando até a madrugada. Já temos muitas cinzas mortuárias”, relata o documento redigido por elas.

Além de atos violentos, como o de um posto de saúde incendiado por garimpeiros, estupros de mulheres e meninas yanomamis eram constantes. “Garimpeiros assediam as meninas e outros querem pagar serviços maritais. Eles querem fazer assim, mas nós mulheres não queremos que nossas filhas e netas sejam entregues e abusadas por essas pessoas. Os garimpeiros aliciam os jovens e suas esposas. Esses jovens são atraídos e ficam dependentes dos poucos alimentos industrializados que recebem como pagamento.”

Em 2021, o G1 e o Fantástico registraram um editorial com cenas inéditas e exclusivas de crianças extremamente magras, com quadros aparentes de desnutrição e de verminose, além de dezenas de indígenas doentes com sintomas de malária nas três comunidades visitadas: Xaruna, Heweteu I e II.

Ainda de acordo com o portal, em novembro de 2022, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) deflagraram a operação Yoasi, contra a fraude na compra de remédios destinados ao Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y), em Boa Vista.

O esquema criminoso deixou pelo menos 10 mil crianças indígenas sem medicamentos, de acordo com as investigações. Elas também indicam que dois coordenadores de suas respectivas gestões firmaram o contrato com uma empresa para o fornecimento de 90 tipos de medicamentos. Entretanto, a companhia entregou menos de 30% do previsto.

Todos os fatos que levaram à crise humanitária foram denunciados há anos por lideranças indígenas, mas ignoradas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Em recente pronunciamento no Telegram, Jair negou descaso de seu governo com os povos indígenas e destacou tal acusação como “uma farsa da esquerda”.

Entretanto, durante a pandemia de Covid-19, o ex-presidente acatou um pedido da ex-ministra Damares Alves, que solicitava o veto de medidas protetivas para os indígenas como o fornecimento de itens como água potável; materiais de limpeza, higiene e desinfecção; leitos de UTI; ventiladores pulmonares; e materiais informativos sobre a covid-19. O veto de Bolsonaro, no entanto, foi derrubado pelo Congresso Nacional.

A justificativa de Damares para o pedido era de que os povos não haviam sido “diretamente consultados pelo Congresso Nacional.”

Uma pesquisa divulgada pela Folha de S. Paulo em junho de 2022, mostrou que 43% dos brasileiros pensam que o governo Bolsonaro mais estimulou o desmatamento na região e a ação de caçadores e pescadores ilegais do que combateu as ilegalidades.

A DESNUTRIÇÃO É UM PROBLEMA ESTRUTURAL: SAIBA COMO AJUDAR

A antropóloga e sanitarista Fabiane Vinente faz um alerta: ela aponta que a desnutrição dos indígenas é um problema crônico de vários povos, não apenas dos Yanomami, portanto é uma questão estrutural. A desnutrição está relacionada a processos de desestruturação do modo de vida daquele povo, da forma como eles habitam o mundo.

“A invasão dos territórios por garimpos, madeireiros e outros (inclusive missões religiosas) alteram a forma de gestão territorial desses povos. Vi gente que passou a ser proibida de circular em determinados pontos do seu território para evitar os garimpeiros.

As alterações territoriais dos garimpos também envolvem perda de contingente de caça e pesca, além do risco de violência sexual contra meninas e mulheres. Alcoolização também entra nesse pacote.

Não é só a questão nutricional. As taxas de suicídio entre os indígenas são imensamente maiores que entre os não indígenas: (15,2 óbitos/100 mil habitantes), quando comparados com brancos (5,9/100 mil habitantes) e negros (4,7/100 mil habitantes).

Não apenas em saúde, mas em saúde indígena, que é algo específico. Por exemplo: o acompanhamento de grávidas, puérperas e crianças de 0 a 5 anos só é possível com insumos, equipes de saúde bem treinadas, com deslocamento e presença constante nos territórios.

Não é só empurrar comida, entendem? E que comida, né? Os Yanomami são um povo de contato relativamente recente. Possuem uma forma de ver o mundo muito própria. A pandemia deixou cicatrizes fortes por lá.

É preciso política pública, é preciso ação do Estado. Campanha de “cestas” vai render lindas fotos, mas pode ser só mais uma forma de tumultuar. E não, não vai resolver. Então eu acho que não é por aí.

Querem ajudar os Yanomami?

Colaborem com as organizações do movimento indígena que vêem denunciando esses problemas há anos: hutukara.org A Hutukara é de Roraima, gestada por Yanomami e têm campanhas abertas.

A Secoya, embora seja coordenada por não indígenas, têm um trabalho de mais de 30 anos com os Yanomami do Marauiá e Demini.

O CIR (Conselho Indígena de Roraima) é uma das primeiras organizações indígenas do Brasil cir.org.br/site/ Apoiem! Eles também representam os Yanomami de Roraima. E pressionem. Não deixem isso cair no esquecimento.

É como eu sempre digo: perguntem aos indígenas. Sempre perguntem aos indígenas como podem ajudar. Não caiam no conto do “branco bonzinho” que sabem o que é melhor para eles, eles já estão cansados disso.

No território Yanomami as aldeias podem ter dias de distância de uma para outra. A única forma de comunicação externa em alguns lugares é a radiofonia, que pode ser a diferença entre a vida e a morte em uma comunidade. Ajudem aí a ampliar a rede: hutukara.org/index.php/proj…

E SE as organizações indígenas acharem por bem distribuir comida, ok. Mas ELES SABEM que comida e onde distribuir. Então apoiem eles, gente. Muito mais garantido fortalecer o movimento indígena, que luta pela soberania dos territórios, do que ONGs externas (com todo respeito)”, finaliza ela, no Twitter.

Para acrescentar, um mutirão organizado pela CUFA e a FNA arrecada alimentos e doações para os indígenas Yanomami. Também estão sendo aceitas doações de todos os tipos de produtos de higiene, além de dinheiro. Existem cerca de 3 pontos para a arrecadação das doações: Parque Santo Antônio, na Zona Sul de São Paulo; e Paraisópolis e Heliópolis, também na Zona Sul da capital. A chave PIX para ajuda monetária é doacoes@cufa.org.br. Você também pode doar por meio do site ParaQuemDoar.

Fontes: Correio Braziliense, DW, g1

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