Tudo sobre a polêmica da base de 200 reais de Virgínia Fonseca

Não é nenhuma novidade que a internet democratizou o acesso à informação, ao entretenimento e à comunicação. Entretanto, para além disso, ela também abriu portas para que muitos anônimos ascendessem ao posto de subcelebridade, ganhassem uma certa fama e, dessa forma, assumindo o codinome de “influenciadores”, utilizassem sua imagem, sua voz e seu discurso para venderem histórias, produtos e, às vezes, a si mesmos. 

Em meio a tantas publicidades, pode surgir o pensamento: “Se vendo o dos outros, por que não vender o meu?” e, então, apostando na faceta de empreendedores, muitos passam a “desenvolver” seus próprios artigos, encontrando mais um ramo para monetizar. No entanto, há algumas situações em que parece que o influencer tem um lapso de memória e passa a desconhecer seu próprio habitat, pois, aparentemente, esquecem que a internet que deu a eles a notoriedade é a mesma que vai cobrar deles coerência e qualidade no resultado. 

De acordo com os especialistas em marketing, branding e posicionamento digital, ao lançar um produto no mercado, há uma série de fatores que guia a maneira como ele será divulgado e, resumindo muitos deles, chegamos ao quarteto fantástico: público-alvo, percepção de valor, preço e qualidade. “Público-alvo” é um termo bastante intuitivo e diz respeito a quem são as pessoas que a empresa deseja atingir, baseando-se na faixa etária, ocupação profissional e também no poder aquisitivo, ponto que está diretamente ligado à  “percepção de valor. Essa gira em torno do ideal que se constrói acerca da marca, com base no estilo de vida que ela busca representar desde sua propaganda, passando pelas cores, fontes e até linhas do design escolhidos para seus produtos; quanto mais luxuoso o imaginário, maior a percepção de valor. Isso, consequentemente, nos leva ao fator “preço”, que, obviamente, é diretamente influenciado pela valorização que uma empresa tem, ou ao menos deveria ser, já que não faz quase nenhum sentido cobrar um ticket alto de algo que sempre foi construído e voltado para quem pode pagar um ticket baixo/médio. Por fim, juntos, esse trio possui um peso direto no que o público vai esperar do quarto elemento: a qualidade. Não é dizendo que se um produto é barato, é aceitável que seja “ruim”, de forma alguma; dinheiro é dinheiro e só quem pagou sabe o quanto aquela quantia realmente lhe custou. Contudo, quando se trata de um artigo de preço elevado, logo se identifica a boa qualidade como uma de suas causas disso, porque se infere que esse valor representa o combo boa matéria-prima + processo produtivo seguro + uma mão de obra altamente qualificada.

Depois de ter toda a questão de marketing contextualizada, vem a pergunta: e quando não nos deparamos com essa coerência? Nada melhor que um hot topic para ilustrar!

Na última semana a internet ferveu: primeiro de curiosidade, depois de espanto e, por fim, de raiva! Mas, calma, que não foi uma revolta sem “base”… na verdade, tudo começou por causa de uma! A influenciadora digital Virgínia Fonseca anunciou, no último dia 4, o lançamento do mais novo produto de sua marca, We Pink: uma base que, de acordo com a propaganda, não se trata apenas de um cosmético, e sim de uma dermomake – conceito (questionado por alguns dermatologistas) utilizado para se referir a maquiagens que também tratam a pele. 

O furor de curiosidade foi causado principalmente por se tratar de Virgínia, que é, atualmente, um dos maiores nomes do mercado digital do país, com uma das taxas de conversão mais altas, de acordo com especialistas de marketing – ponto facilmente notado quando se olha para sua a marca, inicialmente voltada ao skincare, que, apesar de não estar no mercado há muito tempo, já apresenta um crescimento considerável. 

A segunda fase, o espanto, custou duzentos reais: o preço cobrado pelo produto. O público, em sua (esmagadora) maioria, ficou surpreso com o alto valor de uma “make de primeira viagem” de uma marca que, apesar de ser voltada para o ramo da beleza, nunca havia investido no nicho específico de maquiagem antes. 

Já a raiva –  sentimento que se mantém até o momento – foi resultado do fator crucial que, de acordo com grande parte das pessoas que se dispuseram a testar, o produto deixou de entregar: a qualidade. A cada três resenhas feitas por maquiadores profissionais, três reprovaram o produto, e a cada três resenhas feitas por consumidores “leigos”, o mesmo aconteceu também. Entre críticas à cobertura e vídeos da base “se desfazendo” nos famosos testes de água e transferência, mesmo gastando muito tempo rolando o feed e lendo comentários, é difícil encontrar elogios.

Toda essa sequência de acontecimentos, quando analisada mais a fundo, dá margem a uma série de considerações que vão muito além do tópico “maquiagem”. A metáfora da curiosidade, espanto e raiva, servem de trampolim para questionamentos sobre se, de fato, os influenciadores estão investidos em suas empresas e também sobre o quanto eles levam seu público em consideração. Tomando por exemplo o caso da Virgínia e toda a contextualização feita no início desse texto, diversas problemáticas podem ser apresentadas: 

1 – Falta de relação com público-alvo: 

Virgínia tem milhões de seguidores, mas não seguidores que ganham milhões. As pessoas que acompanham a influenciadora são, em sua maioria, jovens e adolescentes dependentes dos pais, de classe média/baixa e que a conheceram e se identificaram não por conta de nenhuma ligação com o universo da beleza, maquiagem e afins, mas por conta da espetacularização bem-humorada e à lá reality de seu cotidiano que, apesar de ainda muito diferente e distante da realidade de muitos de seus seguidores, era revestido por uma simplicidade de comunicação e uma ausência de “montação”. A fidelização por meio do carisma abriu caminho para a criação de um negócio que, apesar de bem-sucedido, gera uma dúvida: foi feito pensando em beneficiar o público ou em se beneficiar do público?

2 – Ruído de percepção de valor: 

Como já foi dito, apesar da rotina distinta da maioria do público, a simplicidade é o que fazia esse mesmo grupo se aproximar. Ao analisarmos toda a carreira de Virgínia, percebemos que o que a diferencia de muitos outros grandes influenciadores é justamente a ausência de “montação”: os “bons-dias” tão famosos com a filha no colo, uma dancinha e a xícara de café na mão, e a rotina que ela sempre mostrou não era a de manhãs, tardes e noites com maquiadores e hair stylists à disposição. Ela pode ter acesso ao luxo, mas não construiu seu imaginário e nem o de sua empresa em torno disso. Se observarmos a estética da We Pink, percebemos esse mesmo padrão: as cores são femininas, acessíveis e divertidas; a fonte possui linhas arredondadas e sem serifa, o que comunica muita modernidade… tudo muito diferente do universo de luxo que é sempre tão mais neutro e tem parte de seu status enraizada no zelo pelo tradicional. 

3 – Divulgação como dermomake, mas que não é tão dermo assim: 

Outro ponto de controvérsias foi a respeito da grande divulgação da base como sendo uma dermomake, termo utilizado para se referir a produtos cosméticos que, além da estética, também prometem tratar a pele. O impasse, nesse caso, se deu pelo fato de muitos profissionais da área da beleza e saúde dermatológica argumentarem que os efeitos de tratamento de produtos como esse são mínimos e, por conta disso, as expectativas criadas em torno deles acabam sendo exageradas e facilmente frustradas. Isso fez com que se levantasse um questionamento sobre a real capacidade do produto entregar o que promete.

4 – Polêmica envolvendo um suposto desmerecimento do mercado nacional:

Ainda envolvendo a divulgação, uma fala da influenciadora e empresária fez a lista de críticas se prolongar. De acordo com Virgínia, sua base seria como as “gringas”, já que não há nenhuma maquiagem com esse nível de qualidade no mercado nacional. Isso foi interpretado pelas pessoas como sendo um desmerecimento para com as marcas produzidas no Brasil e uma falta de respeito com as figuras desse meio. A fala da influencer se mostrou controversa por, mesmo que acidentalmente, reforçar um estereótipo que há muito tempo a produção nacional luta para se livrar: o que de que apenas o estrangeiro é bom e só o de fora tem qualidade, como se ainda fossemos um país com capacidade insuficiente.  

5 – Promoção controversa uma semana depois do lançamento:

O último grande causador de revolta nas redes sociais foi o fato de que Virgínia, uma semana após o lançamento da base, fez uma promoção de seus produtos: ao comprar um perfume, o cliente ganhava outros cinco produtos de sua marca, incluindo… a base. Para muitos internautas isso foi um desrespeito a quem adquiriu a make logo que foi lançada e pagou um valor não tão simbólico por ela.

Por fim, esse cenário de reclamações, críticas e cobranças por parte dos consumidores serve como um grande demonstrativo de que o empreendedorismo não se importa se uma pessoa já tem fama, seus altos e baixos podem afetar todo mundo, seja famoso ou anônimo, iniciante ou já consolidado. Estar preparado para a inconstância é uma exigência básica para quem quer assumir o posto de empreendedor, já que a própria palavra, em sua origem (ligada à palavra “entrepreneur”), significa “aquele que assume riscos e começa algo novo”. No entanto, é preciso estar ciente de que esses riscos não são sempre confortáveis e até mesmo o novo precisa ser encarado com resiliência, revisão e cuidado. O público, mais do que nunca, tem se tornado cada vez mais consciente de sua força, de seu poder e de seu valor, e se aproveita disso para constantemente cobrar uma boa postura daqueles que lhes oferecem produtos, serviços e buscam um lugar no mercado. 

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