Bonnie & Clyde: por que o musical é tão interessante quanto o filme

A última vez que assisti a Bonnie & Clyde: uma rajada de bala foi ontem, antes de escrever este texto. E confesso que fiquei feliz por ter ido ao musical, inspirado no casal de gângsters, lembrando nada do filme que assisti pela primeira e única vez, há mais de 14 anos.

Bonnie & Clyde: o casal mais procurado da Broadway estreou no dia 10 de março, no 033 Rooftop do Teatro Santander, em São Paulo, e é diferente de todos os musicais que já assisti. Cá entre nós, eu não sou muito fã do gênero – mas o espetáculo foi tão incrível que me fez olhá-lo com novos olhos.

Assim como o filme, a peça conta a história de Bonnie, Clyde e o restante da gangue Barrow. A história continua se passando nos anos 1930, época em que os Estados Unidos estava passando por uma grande recessão e a economia estava de mal a pior, resultando na Grande Depressão e em uma massa de criminosos espalhados pelo país. 

A química de Eline e Beto como Bonnie & Clyde nos palcos é incrível

O musical surpreende, chama o público para dentro da trama, traz dinamismo, comédia, drama, ótimos vocais e, inclusive, consegue humanizar o casal mais procurado da história – não se assuste se você sentir um pinguinho de pena dos personagens. 

A produção, inédita na América Latina, é dirigida por João Fonseca, tem direção musical de Thiago Gimenes, coreografia de Keila Bueno e conta com os atores Eline Porto, Beto Sargentelli, Adriana Del Claro, Cláudio Lins, entre outros. O elenco, acredite, é fantástico.

Baseado em um musical lançado em 2009, que chegou à Broadway em 2011 e conquistou duas indicações ao Tony Awards, o espetáculo segue em cartaz até o dia 14 de maio e os ingressos podem ser adquiridos no site da Sympla ou na bilheteria local.

Os verdadeiros amantes (e criminosos) Bonnie & Clyde

A verdadeira história dos amantes forasteiros

É importante deixar claro que Bonnie e Clyde já existiam antes do filme e do musical. Talvez você não saiba, mas os dois eram personagens reais e eram muito famosos entre 1930.

Bonnie Elizabeth Parker nasceu no interior do Texas e almejava mais. Acreditava que aquele não era o lugar ideal para ela. A jovem queria o tal “sonho americano” e se casou muito cedo, com um homem chamado Roy e, assim como Clyde, não era lá tão bom assim.

Depois do casamento, Roy foi preso durante cinco anos por um caso de roubo e nunca mais viu a esposa. Até que Bonnie se tornou garçonete e, durante o trabalho, conheceu Clyde Barrow, um jovem ambicioso que vinha do Kansas e levou a moça também para a vida de crimes e aventuras. Já deu pra entender que a Bonnie tinha um dedinho podre, não é mesmo… 

Os dois se apaixonaram e Clyde foi preso por roubo de automóveis. Em sua passagem pela cadeia, foi vítima de violência sexual e cometeu o primeiro assassinato como uma forma de vingança contra o abusador e o sistema prisional do país. 

Por conta de pequenos furtos, em 1932 o casal começou a se tornar conhecido e como o país naquela época estava passando por uma crise econômica e social, Bonnie e Clyde se tornaram a representação daquele momento. Não há ao certo a quantidade de crimes cometidos por eles, mas o casal contava com mais três amigos para auxiliar nos assaltos, a bordo de um Ford V8 – que ficou superconhecido que, inclusive, tinha uma versão só para fotos no espetáculo.

Mas o que ninguém imaginava é que uma das pessoas que faziam parte da gangue, Henry Methvin, fosse capaz de entregá-los para as autoridades. Enquanto Clyde acelerava o carro e Bonnie comia um sanduíche, os policiais do Texas atiraram uma chuva de balas e os dois, como você pode imaginar, acabaram morrendo, sendo lembrados até hoje. 

faye dunaway e Warren Beatty como Bonnie & Clyde

Há diferença entre o filme e o musical?

Sim, muita! O que beneficia tanto àqueles que assistiram ao filme, quanto aos que não conhecem a história. O filme, assim como muitos clássicos do cinema, tem um ritmo mais lento e a trama, um pouco confusa. 

Nele encontramos uma Bonnie, interpretada por Faye Dunaway, cheia de anseios, com vontade e coragem de jogar tudo para o alto – e até com uma aparente depressão. Porém, ainda que a personagem tenha esse ar aventureiro e impetuoso, o ar doce, um tanto inocente e espevitado, mais submisso ao Clyde, que até lembra um pouco uma “manic pixie girl”, nos deixa querendo mais. 

Cena clássica do filme Bonnie & Clyde: uma rajada de balas / Warner Bros, divulgação

Mesmo que Bonnie seja interessante, forte e corajosa, esses pontos acabam sendo deixados de lado, enquanto vemos uma personagem extremamente carente, um tanto mimada e infantilizada – e isso deixa certos buracos no roteiro. Lembrando que a história se passa nos anos 1930 e o filme é de 1967 – o contexto histórico aqui precisa ser levado em conta. 

Mas uma pergunta que me pegou, enquanto eu assistia ao filme, é: por que Bonnie, essa mulher inteligente e sagaz, ao perceber que um homem está tentando roubar o carro da mãe, daria uma volta com ele e, em menos de 24 horas, estaria completamente apaixonada, entregue e em uma vida de crimes? 

Ela não conhecia o Clyde até aquele momento. E, muito por isso, senti falta de um contexto, algo que mostrasse as verdadeiras motivações da personagem – até porque, ela não era “só um rostinho bonito” querendo sair do Texas. 

Eline Porto como Bonnie, no musical

Traçando um paralelo com o espetáculo, Eline Porto traz para Bonnie um ar mais vivido, mais maduro, ambicioso, com um toque de malícia. Essa, para mim, é a personagem que eu também gostaria de ter visto no filme. Dá para sentir que ela tem um passado, que sofreu, ainda está dolorida e, por isso, deseja sair do Texas o quanto antes.

E se a Bonnie do musical é diferente, o mesmo acontece com Clyde. Diferentemente do filme, o personagem do teatro também é mais humanizado, trazendo uma camada a mais para a história.

Beto Sargentelli interpreta Clyde Barrow

Interpretado por Beto Sargentelli, é possível sentir toda a frustração de Clyde e entender, mesmo sem concordar, o que ele está fazendo. As motivações estão mais claras e o ar de bad boy também. Em algumas partes do musical, enquanto o personagem canta, é possível se emocionar e até sentir a raiva que ele está sentindo. 

A química entre Eline e Beto é tão boa quanto a de Faye Dunaway e Warren Beatty – porém, muito mais intensa e avassaladora. Na história contada nos palcos, há uma belíssima divisão de tempo entre os dois, sem que um apareça mais do que o outro. Já no filme, em minha visão, Clyde acaba, sim, tendo um pouco mais de visibilidade do que Bonnie. 

Ambos personagens são muito bem construídos – nas falas, nos gestos, no figurino e caracterização. É lindo ver Bonnie e Clyde ganhando vida e interagindo com o público. É como se nós também ganhássemos vida e fizéssemos parte do espetáculo.

Quanto a Buck, o irmão de Clyde, outra ótima surpresa: o ator Claudio Lins trouxe uma personalidade divertida e até caricata, fazendo com que ele também se destacasse. Se no filme, Buck é secundário, aqui ele já não é tanto. As cenas entre os irmãos e até entre ele e Blanche, interpretada por Adriana Del Claro, são tão boas quanto as do casal protagonista.

O espetáculo segue até o dia 14 de maio, no 033 Rooftop

Se o longa é mais arrastado, mas ainda interessante por conta das cenas de ação, o espetáculo é muito mais dinâmico e as cenas de tiros e fuga também não deixam a desejar. É impossível não querer prestar atenção em cada detalhe do que está acontecendo no palco principal e nos demais “palcos” montados pelo teatro. 

Sobre as músicas, elas deixam a história ainda mais rica, não estão ali por acaso. Ajudam os atores a dar forma aos personagens e encantam o público, trazendo mais emoção e um lado humano em meio aos tiroteios. 

Eu ainda continuo gostando do filme que, por sinal, está disponível na HBO Max. Mas, assistir ao musical foi uma experiência diferente de tudo. Me senti muito mais próxima de Bonnie e Clyde. Consegui sorrir com as tiradas engraçadas de Buck e de Blanche e também tive vontade de dirigir aquele Ford V8, como se não existisse amanhã.

Lembrando que o espetáculo continua em cartaz até o dia 14 de maio, no 033 Rooftop do Teatro Santander, em São Paulo. Para mais informações, acesse o site.

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