Com o aumento de ataques neonazistas em escolas em um curto prazo — sendo o último, na quarta-feira (05), em Blumenau (SC) — levantamentos apontam medidas e estratégias de veiculação de informações na mídia, a fim de evitar outros atentados. O Jeduca, uma associação educativa para jornalistas, divulgou um artigo chamado “Pontos de atenção e recomendações na cobertura de ataques a escolas”.
O material também complementa um miniguia, divulgado após os ataques em Suzano, em 2019. Além do artigo, é possível acompanhar um webinário chamado: “A cobertura jornalística de ataques a escolas”, com as pesquisadoras Catarina de Almeida Santos (UnB – Universidade de Brasília) e Telma Vinha (Unicamp – Universidade Estadual de Campinas).
Um relatório sobre o tema, produzido por um grupo multidisciplinar de pesquisadores e entregue ao governo de transição no final do ano passado, computou 16 ataques a escolas efetivados entre 2002 e 2022. O documento também mostra que 34 ataques foram evitados entre 2012 e 2022 – deste total, 22 foram no ano passado, como aponta Marta Avancini, para o Jeduca.
O Ministro da Justiça, Flávio Dino, diz que há indícios de atuação interestadual de grupos extremistas de direita no país.
“Assinei agora determinação à Polícia Federal para que instaure Inquérito Policial sobre organismos nazistas e/ou neonazistas no Brasil, já que há indícios de atuação interestadual. Há possível configuração de crimes previstos na Lei 7.716/89”, escreveu o ministro em uma rede social.
Segundo o Opera Mundi, a Polícia Civil do estado de Santa Catarina havia descoberto uma filial no Brasil de uma organização internacional de supremacia branca.
As investigações, que resultaram na prisão de dez suspeitos, concluíram que o grupo planejava criar uma célula radical de supremacia branca no Brasil. A Polícia catarinense disse ter encontrado mensagens criminosas nos telefones dos investigados, incluindo uma que afirmava que “pretos têm que morrer todos os dias”.
Policiais envolvidos na ação disseram se tratar de uma “organização skinhead neonazista transnacional”, e que foram encontradas com os suspeitos roupas que os identificam como um grupo neonazista. Os integrantes do grupo recrutavam jovens por meio de contatos via internet para participarem de outras células neonazistas.
Um levantamento realizado pela da ONG Anti-Defamation League (ADL) em 2022 concluiu que o Brasil é o país onde mais cresce o número de grupos de extrema direita, especialmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo o estudo, monitorado pela doutora em antropologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) Adriana Dias, a maioria desses grupos (137) está em São Paulo, sendo que a maior parte está concentrada na capital, com 51 células.
Por dentro das organizações
“Nós não daremos solução real ao problema se não enfrentarmos o discurso misógino da extrema direita”, diz a jornalista Luka Franca, nas redes sociais, sobre o ocorrido.
A doutoranda em Ciências Políticas pela USP, Antônia Campos discorre sobre uma outra perspectiva: “O masculinismo sustenta o capital nos momentos em que os modos de vida que operam sua reprodução entram em crise. A escola é um espaço onde tudo isso explode porque ela é uma instituição central tanto para reprodução de classe quanto desses modos de vida. E como instituição central da reprodução, ela é um local de trabalho feminizado”.
Antônia acredita que a extrema direita ataca a escola justamente por ela ser um lugar tanto de trabalho feminizado quanto de questionamento dos jovens sobre os modos de vida da nossa sociedade. “A escola é uma panela de pressão da crise que vivemos”, ela completa.
Considera-se que homens são mais suscetíveis a serem atraídos pelo fascismo e como vetores de violência, atacam mulheres, crianças e pessoas negras.
Comunicação e mídia: na mira da contribuição dos ataques
O Chief Information Officer, Marco Gomes, acha necessário monitorar e investigar as comunidades na internet. “É nestes grupos e fóruns que eles aprendem, se encorajam, se radicalizam, planejam, avisam e celebram.”
Usar análise de dados para encontrar na Surface Web, os influencers que usam os mesmos símbolos. Monitorando as comunidades é possível agir nos ataques ANTES deles acontecerem (e de preferência agir antes até os integrantes serem radicalizados).
Um monitoramento do Núcleo Jornalismo encontrou centenas de posts na última semana no Twitter que explicitamente exaltam massacres escolares e glorificam seus executores.
“Após Elon Musk ter assumido o controle da empresa e demitido cerca de 75% de seus funcionários, eliminando grande parte de sua equipe de moderação, esse tipo de conteúdo extremista de apologia a crimes contra crianças e funcionários de escolas tem circulado livremente na rede social.
A Política sobre Mídia Sensível da rede, atualizada pela última vez em jan.2023, proíbe a produção e circulação de conteúdo com imagens reais de violência”, explica a reportagem de Sofia Schurig e Sérgio Spagnuolo.
Além do Twitter, Discord e outros fóruns online também são alvo dos integrantes dessas células. Segundo Jacob Davey, pesquisador sobre ferramentas tecnológicas e grupos neonazistas, em artigo de :
“Descobrimos que o Discord age principalmente como um centro de socialização e construção de comunidade de extrema-direita. Nossa análise sugere que o Discord fornece um espaço seguro para os usuários compartilharem material ideológico e explorarem movimentos extremistas.”
A jornalista Milly Lacombe, diz que a decisão de não divulgar o rosto do assassino para não promovê-lo é boa. Mas a questão sobre a imprensa acaba contribuindo para a violência social vai muito além dela.
“É preciso ligar o fio entre não noticiar ou normalizar o tanque na escola pública e o monstro da machadinha na creche. O fio entre ignorar a comunicação violenta de Bolsonaro e o aumento dos crimes de ódio. O fio entre a formação da ideia de que nossos problemas são basicamente a corrupção e a invisibilidade de séculos de violências cometidas contra minorias políticas.”
Ela explica que a mídia, em geral, é responsável nesse assunto. “São programas que adotam um tom de profunda indignação e revolta em relação ao que mostram na tela enquanto as imagens das mais brutais violências são emendadas umas nas outras atrás do jornalista revoltado. Não tem ideologia envolvida, dirão alguns. É a vida como ela é.
Não, não é. Tem ideologia porque – primeiro – tudo tem e – segundo – a violência é vendida como aquela praticada por corpos periféricos e quase sempre negros. Só diz que não tem ideologia aquele que sabe que sua ideologia é considerada universal e, por isso, invisível.”
“Comunicar todos os dias. Todo santo dia. Não é certo que nos des-impliquemos de tudo o que estamos vivendo, incluindo os horrores mais indizíveis. Como sociedade, precisamos nos implicar. E, enquanto jornalistas, seria necessário que nós fizéssemos essas perguntas: como o meu trabalho colabora para a construção de uma sociedade violenta e o que posso fazer para mudar isso?” Lacombe finaliza em sua coluna no UOL.
O jornalista Gabriel Fusari acha essencial a regulamentação, principalmente das redes sociais. “Vocês ficam de ‘mimimi’ falando sobre regulamentação de redes sociais reproduzindo discurso de ‘liberdade de expressão’ que vocês sequer estudaram sobre, e agora ficam chocados com o aumento de massacres organizados pela internet ou de grupos neonazistas se organizando.”
Como conter o crescimento dessas células
Segundo a advogada criminal e mestre em Direito Penal, Juliana França David, é preciso que os órgãos investigativos estejam devidamente treinados e capacitados para lidar com o problema, na complexidade em que ele se apresenta.
“Estes núcleos extremistas, atualmente, organizam-se virtualmente de modo que torna a localização e investigação dos usuários extremamente difícil, e a recuperação de dados submetidos à “queima de arquivo” mais complicada ainda.
Segundo a pesquisadora Telma Vinha[17], esse não será o último atentado dessa espécie no Brasil, e sem sombra de dúvida a pesquisadora está certa nessa conclusão. Essas comunidades, nesta pararrealidade, seguem existindo mais fortes do que nunca, e para além do trabalho repressivo clássico, é preciso que tenhamos uma atuação especializada em cibercrimes e organizações extremistas. questionamento que fica é: como esses fóruns online e esses grupos de ódio ainda conseguem operar para disseminar mensagens de misoginia e incentivar a violência contra as mulheres, negros, e pessoas LGBTQIA+?”.
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