Da tatuagem de Anitta a dinheiro desviado: Entenda a ‘CPI do Sertanejo’

Nas últimas semanas a chamada ‘CPI do Sertanejo’ virou alvo do ministério público ao investigar o superfaturamento dos shows de sertanejos, como Gusttavo Lima. 

Em resumo, esta investigação se baseia em apurar um suposto envolvimento de cantores do gênero no desvio de verbas públicas para pagar cachês milionários. Porém, a forma pela qual tudo isso começou é um tanto curiosa.

O pontapé inicial foi quando Zé Neto, da dupla Zé Neto e Cristiano, criticou a Lei Rouanet – uma lei de incentivo fiscal à cultura – utilizando a Anitta e sua tatuagem íntima como exemplo. 

“Nós somos artistas que não dependemos da Lei Rouanet, nosso cachê quem paga é o povo”, disse o cantor. “A gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se a gente tá bem ou não”, disse o cantor durante um show em Mato Grosso do Sul.

Este evento, que no caso, foi realizado com uma verba de R$400 mil, advinda dos cofres públicos. O comentário do cantor fez com que a imprensa local começasse a apurar o cachê dos sertanejos universitários e a partir deste ponto que muitas acusações passaram a vir à tona.

[Imagem: Reprodução/EM OFF]

A investigação saiu do estado de Mato Grosso do Sul e se tornou um mote maior quando envolveu o nome de Gusttavo Lima – um dos nomes mais influentes do sertanejo universitário. 

O cantor teria recebido da prefeitura de Teolândia, interior da Bahia, um valor correspondente a R$704 mil. A polêmica surgiu quando foi descoberto que a cidade negou auxílio para socorrer afetados por uma forte enchente que assolou a cidade e deixou milhares de desabrigados, e foi investida no show do artista, com a justificativa de que era o sonho da prefeita da cidade conhecê-lo.

Esse escândalo abriu margem para novas descobertas. Após a crítica à Lei Rouanet, foi descoberto que existem sertanejos que recebem quase quatro vezes mais do que é estabelecido – como o caso de Gusttavo Lima.

Além do ‘Embaixador’, Figueirópolis D’Oeste, distante 319 quilômetros de Cuiabá, também se tornou um dos alvos. Os shows das duplas Thaeme & Thiago e Jads & Jadson foram cancelados após descobrir que eles receberam um desvio de verba pública estimado em cerca de  R$182 mil e R$193 mil para pagar seus cachês.

Além dos estados citados, outros entraram na lista de investigações, sendo eles:  Minas Gerais, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Bahia, Roraima e Rio Grande do Norte. As somas dos cachês totais beira – em média, os R$6 milhões.

Recentemente, um outro escândalo envolvendo Gusttavo Lima surgiu – desta vez no Rio de Janeiro. O artista se apresentaria em Magé e receberia cerca de R$1 milhão – quase 450% do que  valor recebido por Belo e Falcão, que também estavam na line-up no evento.

Na última segunda-feira de maio, no dia 30, o artista realizou uma live em seu Instagram para rebater estas acusações polêmicas.

Na ocasião, falou sobre polêmicas envolvendo os shows citados, e outros casos em cidades de estados como Minas Gerais, todos eles que estariam supostamente sendo financiados por dinheiro público, que na realidade, deveria ser direcionado para população.

Gusttavo destacou que “não é porque são apresentações feitas pela prefeitura que ele deixará de cobrar seu valor típico”, alegando ainda que “esta seria sua forma de sustento”.

“Eu vivo disso, eu me alimento através disso, eu coloco comida na mesa dos meus colaboradores, da minha família através do meu trabalho – independente se seja show público ou show privado. O meu valor é um e ele não vai mudar, entende?”, questionou durante a live.

Ainda destacou que não considera que tenha se beneficiado de dinheiro público e que se dispõe a prestar eventuais pendências à justiça caso seja necessário.

“Eu nunca me beneficiei de dinheiro público ou empréstimo de tal coisa ou algo do tipo. A minha vida foi sempre trabalhar. […] Então assim, eu não compactuo com dinheiro público. Tudo que eu tenho foi ralado com muito suor, foi trabalho pra caramba, sabe? A minha vida é cantar. Se eu tenho uma casa boa pra morar, vocês podem ter certeza que saiu da minha garganta”, ressaltou.

Em meio a lágrimas, o cantor disse que considerou desistir de toda sua carreira após as acusações.

Porém, um fato curioso chamou atenção. O estopim deste problema toda, Zé Neto, apareceu durante a transmissão e realizou certos comentários que chamaram atenção.

[Imagem: Reprodução/Instagram]

O sertanejo invadiu os comentários da live e afirmou que Gusttavo Lima deveria ficar tranquilo e “jogar a responsabilidade para ele” – uma vez que ele foi um dos grandes causadores deste problema. 

“Cara, quem tem que dar satisfação sou eu. Irmão, estou atravessando uma fase ruim, sou seu irmão. Não precisa se explicar de nada. Joga para mim, irmão. Não tem nada a ver com você“, disse.

Acontece que o motivo da crítica de Zé Neto a Lei Rounaet e tudo isso foi ocasionado pelo fato do cantor ser assumidamente de direita – falando em posição política. Sua questão, desde o princípio, era “dar a entender” que seus colegas de profissão, assim como ele, não precisavam de nenhuma ajuda do governo para manter seus shows e fazer sucesso. Porém, o que realmente se mostrou foi o oposto. A ajuda do governo sempre existiu, porém neste escândalo, de forma ilegal e corrupta.

Um show de Gusttavo Lima em dezembro, que aconteceria na cidade de São Luiz, em Roraima, também foi cancelado. De acordo com a Billboard, o contrato de Lima beirava 77% do orçamento anual da cidade que era destinado à compra de merendas escolares. 

Porém, um dos nomes causadores disso tudo até a última semana ainda não havia se manifestado: Anitta.

Uma simples tatuagem escancarou todo um esquema de corrupção no meio do sertanejo universitário.

Em entrevista ao Fantástico, jornal que é transmitido aos domingos na TV Globo, a cantora se manifestou em entrevista sobre tudo o que estava acontecendo. A cantora justificou que não entendeu porque sua tatuagem gerou tanta polêmica. Para ela, era somente um momento em que estava se divertindo com seus amigos e não imaginava toda esta repercussão.

Para a surpresa de Zé Neto, Anitta afirmou que nunca fez uso da Lei Rouanet.

“Meu irmão é que cuida para mim das coisas. Eu liguei para o meu irmão e para o meu outro sócio Daniel e falei: ‘Gente, eu já usei essa lei, porque eu nem lembro’. Ele falou: ‘Não'”, conta Anitta.

A artista ainda revelou que já havia recebido propostas parecidas, mas que nunca aceitou e nem queria se envolver com esquemas assim. 

“A gente que é da música sempre soube que isso existia. Já recebi propostas, eu e o meu irmão. ‘Você cobra tanto, aí eu vou pega um pedaço’. Eu sempre falei, não, Renan, o meu cachê é meu cachê. Na época era 100 e poucos, mas aí ele vai dar mais um pouco, se você declarar que recebeu não sei quanto. E eu: querido, meu cachê é esse. Quer assim? Não quer assim? Como a gente começou a nossa empresa do nada a gente está sempre contratando auditoria, porque a gente está sempre com medo de fazer algo por falta de conhecimento”, contou Anitta em entrevista.

Com tudo isso, em alguns estados do país, a justiça já determinou um cachê fixo que pode ser pago com verba pública para shows e eventos. A Câmara dos Deputados, por sua vez, aprovou que fará uma audiência pública para a investigação do caso.

O comunicado foi divulgado na última quarta-feira (8) por um requerimento do deputado Alexandre Padilha (PT-SP). A ideia principal do parlamentar é dar atenção a casos que envolvem contratações de sertanejos por prefeituras. 

[Crítica] ‘Mr. Morale & the Big Steppers’ é um patrimônio histórico feito por Kendrick Lamar

Mais do que um álbum, Mr. Morale & the Big Steppers é um conceito. Além das faixas, a mais nova composição de Kendrick Lamar, em hiato desde 2017, traz uma viagem ao seu lírico interno. Com 18 faixas, o disco se torna uma espécie de diálogo com o ouvinte, que por cerca de uma hora se vê nos pensamentos do artista.

Algo que chama atenção é que, diferente de nomes consagrados do rap internacional (como Kanye West), Kendrick não fez nenhuma parceria com algum outro grande artista para impulsionar as canções, mas adotou feats com pessoas próximas a ele — incluindo seu primo Baby Keem.

A unicidade que cerca todo o álbum já se apresenta na imagem de capa, divulgada dias antes do lançamento (que aconteceu no último dia 13 de maio): Lamar aparece junto a sua filha de dois anos e sua esposa, Whitney Alford, que está com um recém-nascido no colo — o que levanta a hipótese de que a família cresceu. Além disso, o cantor está com uma coroa que supostamente simula a coroa de Jesus Cristo. Outro símbolo que ganha notoriedade é uma pistola, escondida na parte de trás de sua cintura.

Grande parte dos elementos da capa são desvendados conforme as faixas avançam. Kendrick traduz com uma singularidade de flows em cada música abordagens como saúde mental, paternidade, críticas a negacionistas e anti-vacinas, solidão do homem preto, hipocrisia dos falsos cristãos — o que é observado na coroa de jesus como referência — e por fim, homofobia.

Lamar é o único artista de hip–hop a ganhar um Prêmio Pulitzer, conquistado pela letra de DAMN. O disco é um sucesso até os dias atuais, mesmo após cinco anos de seu lançamento. Mr. Morale & the Big Steppers traz uma receita parecida, mas com ingredientes muito mais avançados.

Sobre as faixas:

O primeiro título, United in Grief, abre com um verso que diz “espero que você encontre alguma paz de espírito nesta vida”. É como uma metáfora sobre a imersão psicológica trazida por todo o álbum. Pode se traduzir como uma forma onde o artista fala sobre “lutar com seus demônios internos”, em uma busca pelo seu bem-estar pessoal. Muito se diz sobre emoções sufocadas —  talvez pela fama e a difícil trilha —, além de conflitos familiares. Kendrick abre o coração e fala sobre como  o dinheiro é algo supérfluo quando você não encontra paz interior, visto muito no verso “o que é um rapper com jóias”, enquanto lista diversos conflitos que a fama e o luxo não curaram. Portanto, é um  jeito de abrir o álbum e já prender a atenção do ouvinte.

N95 faz uma referência direta à questão da pandemia e uma crítica aos negacionistas. Assuntos  sobre o pânico causado pelas mortes — que por diversas vezes eram anuladas e vistas como exagero por aqueles que não eram atingidos ou não acreditavam — foram discutidos. Uma análise dura e atual, muito bem traduzida pelo rapper.

Wordwide Stepper é, sem dúvidas, uma das faixas com os versos mais impactantes. Um grito de revolta ao racismo. A parte mais dura e mais sincera é quando ele faz uma alusão à sua filha e ao fato de estar preocupado com os perigos do lado de fora de sua casa, devido ao que ele chama de “genética”. Outro assunto pautado é a violência racial, visto no verso “nos consideram assassinos“. Além dessa pauta, também traz uma crítica à questão da religião e da hipocrisia das classes mais altas e de tradicionais instituições mundiais, como a igreja. 

 8 bilhões de pessoas na terra, assassinos silenciosos

Organizações sem fins lucrativos, pastores e a igreja, os bandidos e assaltante

A corporação Hollywood na escola, ensinando filosofias

Ou você morre, ou vai pra prisão, psicologia assassina

Essa sinceridade trouxe em palavras um grito de revolta que muitos não têm coragem de falar, o que faz a composição incrível e arriscada; e que  também alude às referências vistas na capa do disco. 

Die Hard fala novamente sobre o eu lírico do artista. Kendrick conta que precisou desenvolver toda sua força durante a trajetória, que não pode sucumbir a fraqueza e sempre buscou driblar as dificuldades impostas por toda a sua vida. Ele relembra seu passado, em uma viagem na qual o ouvinte embarca junto e entra na mente do artista — além de falar sobre arrependimentos, família e lutas internas.

[Imagem: Reprodução/Complex]

Father Time, como o nome já diz, fala sobre paternidade e os famosos daddy issues, que podem ser simplificados como “problemas paternos” — relacionados a alienação, solidão e tudo que vem junto com a ausência de um pai ou figura que o represente. Lamar viaja para suas memórias de infância e distância do pai, mostrando como isso o afetou. Junto a isso, traz a discussão referente à solidão do homem negro, onde narra que por toda a vida teve que esconder como isso o afetava e sempre se mostrar como forte. 

A visão da sua imagem como um pai, citado tanto em algumas músicas quanto na capa do álbum, como uma forma de fugir de algo que sentiu falta durante toda a sua vida. Um tema atual e muito debatido, ele expõe uma fragilidade pessoal que contorna a imagem que, quem vê de fora desconhece. Outro destaque nessa música foi a citação à Drake e Kanye West, passando pela briga entre os dois e a forma como se resolveram.

Rich e Rich Spirit conversam bem entre si. Foi de extrema inteligência que, quando na composição do disco, foram colocadas em sequência. Na primeira, descreve seu passado e as dificuldades enfrentadas, traz os “veteranos”, aqueles que já possuem dinheiro e ostentam na soberba, expondo como pessoas assim se comportam, sempre com uma visão pejorativa. Já a segunda, cita uma versão mais atual: novamente fala sobre sua filha, mas além da questão relacionada ao dinheiro e ao que a fama lhe trouxe, traz a questão de “espírito” e do sentimento de liberdade. 

We cry together é uma das letras mais fracas — quando comparada às outras. Não que seja ruim, a sonoridade é de fato boa, mas não é tão profunda como as outras músicas. O que talvez chame mais atenção é a exposição das pessoas que aderem pautas sociais, mas não cumprem, o que ele descreve como “falsas feministas”. Se assemelha à uma discussão de casal, o que a torna interessante. Os ataques pessoais se transformam em uma crítica total ao sistema.

[Imagem: Reprodução/Youtube]

Purple Hearts traz, mais uma vez, referências bíblicas: cita o fruto proibido numa metáfora, como se várias de suas dificuldades surgissem em torno de um objeto em específico. Não tão forte comparada às outras, mas com um flow intenso que atrai.

Crown fala da sua relação com a fama e sobre ser idolatrado. O próprio título se refere a isso, a tradução “coroa” alude a questão de ser um “rei” — alguém que ocupa um alto patamar na hierarquia musical e do Rap. Mas, diferentemente de muitos nomes do gênero, Kendrick não preza pela ostentação e sim por expor o lado negativo da fama e da idolatria. 

Eles te idolatram e louvam seu nome no país todo. Batem os pés e balançam a cabeça confirmando. Prometam que vão deixar a música tocando. É isso que eu chamo de amor. Mas chegará a hora de não estar lá quando alguém precisar de você.

Silent Hill faz referência ao jogo de terror que leva o mesmo nome, uma tirada bem pensada. Novamente com um conflito interno sendo discutido, o interessante na faixa é que, mesmo que o tema seja algo comum em diversas composições do álbum, sempre é abordado com novos pontos de vista. 

Savior fala sobre “salvar” ou “ser salvador”. Uma das músicas mais explosivas, responde a uma questão levantada em N95: “O que diabos é cultura de cancelamento?”. Uma canção se conecta a outra, e assim, é criada uma narrativa que se completa e torna tudo mais subjetivo.

Auntie Diaries retrata questões relacionadas a LGBTfobia, ao citar a narrativa de uma tia transgênero e a forma pela qual tal conceito foi compreendido e desmistificado pelo cantor quando passou a entender melhor e rompeu certos tabus que carregou por toda a vida.

Mr. Morale leva o nome do álbum. Fala de Lil Uzi, Oprah e muitas outras personalidades. Em um mix de suas próprias histórias e narrativas alheias — ao citar, por exemplo, o pai de Uzi —, Kendrick retrata a vida de pessoas de seu círculo pessoal.

E por fim, Mirror fecha o disco. A música faz uma analogia à Lamar olhando para si mesmo, com todas as suas forças e fraquezas. Sobre autoestima e a questão de se priorizar também, mas junto a isso, traz uma certa auto-piedade ao se sentir culpado por pensar em se pôr em primeiro lugar.

Kendrick Lamar falou sobre família, relações tóxicas e propôs muitas viagens introspectivas, em um disco quase todo baseado em si e em suas vivências, mas que conversa com certeza com temas comuns à várias pessoas. Sem medo de expor duras críticas, revela diversos aspectos sociais aos quais muitos artistas se limitam, o que torna o álbum uma verdadeira obra de arte, sem defeitos e sem papas na língua. 

Talvez o que o torna mais interessante seja a capacidade de conversar debates importantes, e também relacionar com pontos pessoais — principalmente colocando em um dos  grandes focos a paternidade, onde cita sua história com seu pai, mas seu ponto de vista como progenitor também.

Em menos de uma semana de lançamento, Kendrick mostrou como o impacto foi grande e que, mesmo com o hiato, evoluiu em sua criatividade e em suas composições. Em diversos países, está em primeiro lugar na Apple. Já no Spotify, está no Top 18 Global. Aclamado, o rapper recebeu grandes elogios da crítica especializada e o álbum Mr. Morale & The Big Steppers estreou no Metacritic com uma média de 100.

Com toda certeza, é um trabalho digno de Grammy.

De Raffa Moreira a Matuê: a ascensão do trap no Brasil

Quem acompanhou as últimas tendências da música nacional e os sucessos que ocuparam a lista de mais ouvidas das plataformas de streaming, com certeza se deparam com alguns nomes do trap, como Filipe Ret, L7nnon, Xamã, entre alguns outros. 

É fato que essa vertente do rap nacional tem ocupado cada vez mais espaço e um dos maiores exemplos disso foi no reality show mais assistido do Brasil: Big Brother Brasil. A própria final contou com um show de Xamã, dono do hit Malvadão 3, que chegou até mesmo a paradas mundiais de música.

Porém, esse fenômeno não surgiu por acaso, mas como um trabalho que se firma há anos no país. O rap, desde seu princípio, sempre foi um dos maiores objetos de identificação cultural nacional. Nomes como Racionais MC, Sabotage, Trilha Sonora do Gueto, Cacife Clandestino sempre estiveram em alta, trazendo em suas letras o que a MPB muitas vezes deixava de lado. Era um grito periférico que trazia em forma de poesia cantada aquilo que muitos não queriam ouvir, uma revolta daqueles marginalizados.

Quem é da velha guarda, muitas vezes luta contra esse ‘filho mais novo’ que está surgindo: o trap. Há quem diga que não tem a mesma força do rap de mensagem e quem compare os novos artistas com personalidades icônicas, como Mano Brown. Embora venha de uma abordagem um pouco diferente, o trap nada mais é do  que uma configuração de vários anexos do estilo.

Mesclando a letra com uma pegada mais envolvente e eletrônica, a vertente chegou ao Brasil carregado por influências internacionais. As letras  explicitam a realidade social, desigualdade, consumo de drogas, racismo, ostentação e o famoso ‘papo de vivência’. O estilo surgiu, a priori, nos Estados Unidos, na cidade de Atlanta, em meados dos anos 2000. 

O som, por sua vez, é caracterizado por um conteúdo mais agressivo do que o do rap em si. Conta com a presença de sintetizadores de som, mas com letras que também tratam de temas relacionados à política e percepções comuns do gênero. 

Trazendo ao cenário nacional, é fato que nomes como Recayd Mob e Raffa Moreira foram os estreantes ao tratar o movimento no cenário nacional. Inspirado em nomes como Travis Scott, Lil Uzi e Rae Sremmurd, o gênero começou a bombar no Brasil entre 2016 e 2019, quando alcançou um aumento de 61% no consumo das produções no Spotify. 

Guarulhos, cidade localizada próxima à capital de São Paulo, foi um dos principais centros do movimento. Lá surgiram personalidades como Raffa Moreira e Klyn, que ganharam reconhecimento após o lançamento de Fiat 1995. Em outros estados, como Espírito Santos, Bahia e Ceará também surgiram nomes que passaram a ocupar a cena, como NOX, WX, Matuê e Baco Exu do Blues, que estreou com a polêmica de Sulicídio, em 2016.

Sulícidio virou alvo de críticas ao trazer abordagens que foram interpretadas como agressivas e importunas. Na ocasião, o rapper afirmou que optou por retirar a faixa das plataformas. 

Baco Exu do Blues explica polêmica relacionada ao Sulícidio

Porém, o que fez com que o trap saísse da bolha foi o hit Brô, de Raffa. O famoso ‘Bro, faz sol’ na época em que foi lançado virou, inclusive, alvo de memes, relacionados ao excêntrico estilo do artistas e a forma da qual ele trouxe um estilo que não era popular no país, e que a princípio, causou um certo estranhamento.

Presente nas paradas de músicas atualmente com o hit Vampiro, Matuê também foi um notável pioneiro na ascensão do estilo, com as faixas Kenny G e Anos Luz. Conhecido também como Tuê, com influências americanas, principalmente com o seu álbum Máquina do Tempo, o cearense trazia sobre suas vivências, ostentação e temas sociais, além da exaltação do Nordeste, em específico, de Fortaleza, sua terra natal. Seu sucesso foi tanto que várias de suas composições alcançaram pessoas que mal estavam envolvidas com o cenário do rap. Matuê é, de fato, um fenômeno.

É impossível falar da popularização do trap e não lembrar do grupo paulista Recayd Mob, o primeiro grupo musical que fez sucesso ao produzir músicas relacionadas ao gênero. Composto por Derek, Dfideliz, Jé Santiago e Igu, a Recayd explodiu com o hit Plaqtudum, que logo na sua primeira semana de lançamento desbancou gêneros que sempre estão no topo das paradas musicais, como o sertanejo. 

A origem do grupo se deve muito a um membro específico, Derek, que aos seus 16 anos notou que um movimento novo estava surgindo na música, nos Estados Unidos, uma espécie de ‘rap que mesclava com a eletrônica’. Junto com alguns amigos, foi responsável por fundar o que se tornaria um dos maiores grupos mais populares de trap no cenário nacional. 

Dfideliz falou em entrevista ao El País que o intuito da Recayd era trazer elementos estrangeiros e do funk ao trap, como uma forma de inovação ao gênero. “O que a gente fez foi abrasileirar a parada. Levamos a linguagem do funk para o trap”, declarou o artista.

Junto aos nomes mais emblemáticos que fundaram o estilo no Brasil, os artistas foram além da música. O rap, como um todo, sempre ligou a uma vivência no geral, alcançando a moda, vivência e até mesmo o dialeto. E com o trap não foi diferente.

Um dos principais exemplos quanto a isso foi o óculos ‘do Kurt Kobain’, que era usado pelo artista nos seus primeiros clipes de música. Em suma, o trap carrega o que pode ser considerado como um lifestyle – estilo de vida – que não resume os cantores e nem os fãs, a música apenas, como acontece com o pop e outros gêneros, mas que corre para outras áreas também. 

Falando em moda, em poucas palavras é um estilo definido na estética street, urbano. É comum notar a presença de roupas de marca, que vem muito atrelado a ostentação presente nas letras, lembrando inclusive traços do funk. Nomes como Lacoste se tornaram inclusive nome de música, como no caso do artista Kyan. 

Outro item são as famosas pratas, jóias brilhantes muito citadas nos versos, novamente associada à questão da ostentação e do ‘vencer na vida’. Com o passar dos anos, mais nomes passaram a ganhar espaço na indústria e muito do destaque, além da questão musical, se associava ao estilo.

Um dos exemplos é o mineiro Sidoka. Com apenas 23 anos, é considerado um dos grandes expoentes do trap nacional, com um estilo excêntrico e próprio. Doka ganhou o prêmio MTV Millenial Awards 2021 na categoria Trap na cena e participou do documentário Música pelo Brasil: Trap.

[Imagem: Reprodução/Danilo Silva]

Foi introduzido por Djonga, um dos grandes nomes da cena nacional, que trata muito em suas composições questões relacionadas a ir ‘da lama para o luxo’. Porém, o que chama atenção para o artista é a mistura que se faz com elementos do trap, rap, funk e eletrônica. Criando assim uma vertente que tornou suas composições emblemáticas, além de letras que abordam desde suas vivências até pontos relacionados a casos amorosos, como na música Não me sinto mal mais.

O trap foi considerado pela revista VEJA como o ‘novo rock’n roll‘ dos jovens. Cada vez mais é vista a tendência do ‘filho mais novo do rap’ de alcançar trends e conquistar ainda mais o público. Nos últimos tempos, isso foi bastante visto com o hit Malvadão 3, do Xamã, que se tornou uma das principais músicas do verão do último ano após bombar no TikTok. O trap mostrou que cada vez mais está rompendo fronteiras.

No Rock in Rio, evento de música que acontecerá em setembro no Rio de Janeiro, haverá uma programação no palco sunset exclusivamente destinada ao gênero, que contará com a presença de nomes muito conhecidos, como os de L7nnon, Papatinho, que inclusive tem uma música com o jogador do Flamengo Gabigol, Matuê, Teto, entre outros.

Há um outro elemento que também liga todos esses artistas citados anteriormente: a presença do autotune. Muito utilizado lá fora por artistas renomados como Travis Scott, o efeito robótico na voz marca presença em basicamente todas as músicas produzidas. 

Toda essa popularidade tem afetado a indústria musical nacional como um elemento completo. Isso estimulou, até mesmo, o surgimento de gravadoras especializadas no mercado, como a Pinneaple Storm, que é conhecida pelas poesias acústicas, 1Kilo, Mainstreet, Papatunes, entre outras. Estas gravadoras especializadas no gênero, além de serem responsáveis por lançar grandes nomes, acumulam mais de 7 milhões de ouvintes mensais. 

[Imagem:  Divulgação/Thalita Monte Santo]

A popularidade é tão ascendente que muitos cantores estão ocupando lugares dos quais raramente o rap nacional ocupava, como as grandes mídias e televisões abertas. Na última edição do Big Brother Brasil, os participantes popularizaram alguns hits como Freio da Blazer e Gratidão, ambos do L7nnon. Além de algumas canções de Filipe Ret.

Bombou tanto ao ponto de que ambos os artistas foram convidados para cantar em uma das festas do programa mais assistido do país, em um palco onde até mesmo personalidades internacionais marcaram presença. 

A expectativa é que o trap ocupe mais ainda as paradas musicais e se firme cada vez mais  como o novo anexo de um dos gêneros mais tradicionais do Brasil: o rap. 

O lado do Grammy que não conhecemos: as polêmicas por trás da premiação

Embora seja a maior premiação do mundo da música, o Grammy Awards carrega consigo uma série de problemas que não parecem ter solução, mas que caminham juntos todos os anos, tais como corrupção, falta de diversidade e transparência.

Em 2018, a premiação mudou sua forma de agir, após ser acusada, tanto por pessoas de dentro da indústria quanto de fora, por não saber lidar com diversidade e manter estereótipos machistas e racistas, uma vez que grande parte dos indicados e ganhadores eram, em sua maioria homens, e majoritariamente brancos.

Neste mesmo ano, portanto, o Grammy ampliou o número de indicações por categoria. Se antes eram somente cinco nomes, passaram a ser oito. Tudo isso após críticas relacionadas à falta de mulheres e minorias entre os nomes indicados.

Segundo a Academia de Artes e Ciências de Gravação, instituição que organiza a celebração do mundo da música, dos 853 indicados nas 83 categorias, apenas 198 são mulheres.

Em 2021, para tentar aumentar a presença de mulheres na premiação, a Academia promoveu um estudo, junto a outras instituições americanas, que frisavam a necessidade de incluir mais a figura feminina no meio. Assim, em algumas categorias, a presença da mulher passou a se destacar um pouco mais, sendo o maior exemplo, a categoria de “Melhor Performance de Rock”, que foi disputada somente por cantoras e por uma banda liderada por uma mulher.

Porém , uma das indicadas não se calou. Fiona Apple realizou fortes críticas ao Grammy. A artista relembrou o caso da canção Praying, da Kesha. Nesta faixa em questão, a diva pop relatou supostas experiências de abuso que vivenciou com o produtor Dr. Luke, que por coincidência do destino, havia sido indicado a premiação usando um pseudônimo, no caso, o nome de Tyson Trax. 

Em uma entrevista ao The Guardian, grande jornal inglês, Fiona relembrou o caso e destacou o quão forte é a questão do machismo quando se trata do evento. “Eles colocaram (Kesha) lá em cima cantando ‘Praying’ e agora vão: ‘Oh, é o Tyson Trax!’”, disse.

(Getty Images)

A cantora relembrou também o caso de Dugan, ex-presidente da academia, demitida em março de 2020, ao apontar episódios de assédio sexual e outros crimes cometidos por integrantes da Academia.

Caso Dugan

Deborah Dugan foi desligada do seu cargo de presidente do Grammy e demitida da Academia de Gravação, de forma oficial, em março de 2020. Ela estava desde janeiro afastada por uma acusação de “má conduta”.

“Como vocês sabem, Deborah Dugan está em licença administrativa remunerada desde 16 de janeiro de 2020. Estamos escrevendo para informar que, na manhã de hoje, o conselho administrativo votou pela demissão de Dugan do posto de Presidente / CEO da Academia de Gravação Colocamos toda nossa confiança nela e acreditamos que ela poderia, efetivamente, liderar a organização. Infelizmente, isso não aconteceu”, informou o comunicado divulgado na época.

(Reprodução /Twitter)

Porém, a história não foi bem assim. Ao que tudo indica, a demissão de Dugan se deu após ela expor episódios de assédio sexual e corrupção. A ex-diretora afirmou ter sido assediada por Joel Katz, membro do conselho legal do Grammy, e foi afastada depois de informar a situação ao RH e ameaçar um processo. Dugan também deixou nas entrelinhas que ela não teria sido a única incomodada com toda essa situação. Outros membros e integrantes também teriam passado por algo semelhante, mas não se aprofundou.

Corrupção no Grammy?

Dugan não citou só a situação relacionada a assédio, mas também falou sobre escândalos de corrupção em que o Grammy estaria envolvido. E essa não foi a única vez que o assunto veio à tona.

Deborah revelou existir um esquema relacionado a um conflito de interesses e compra de votos na maior premiação musical do mundo. Basicamente, esse sistema consistia em espécies de comitê que decidiam, após receber uma quantia em dinheiro, quem seria indicado para as categorias e quem ficaria de fora. As escolhas, por sua vez, eram feitas por representantes dos artistas. Dugan citou um caso em 2019, quando um artista que não estava indicado, inicialmente, recebeu um prêmio que estava sendo visto como favorito para Ed Sheeran e Ariana Grande.

Porém, ela não foi a única. Um dos escândalos recentes mais citados diz respeito a The Weeknd, que em 2021 acusou a academia de corrupção e foi, inclusive, apoiado por Drake. O cantor não havia sido nomeado em nenhuma categoria.

After Hours venceu as principais premiações de música de 2020, como no VMA, e Blinding Light ficou no TOP 10 Global por meses, porém, nada foi indicado no Grammy. “O Grammy continua corrupto. Você (a academia) deve transparência a mim, aos meus fãs e a indústrias”, desabafou o músico no Twitter.

Zayn Malik também já detonou a premiação pelo mesmo motivo. De acordo com o ex-integrante da One Direction, o cantor ironizou a forma pela qual alguns artistas conseguem acessar as categorias, através de subornos.

Também em 2021, não foi indicado para nada e manifestou sua revolta nas suas redes sociais, assim como The Weeknd. “F*da-se os grammys e todos associados. A menos que você aperte as mãos e envie presentes, não há considerações de nomeação. Ano que vem eu te mando uma cesta de confeitos.”, desabafou.

Racismo e a branquitude nas premiações

Como se não bastassem os escândalos de corrupção e assédio, a pauta racial é sempre alvo de discussão quando se trata da premiação.

Em 2021, mesmo ano do manifesto de The Weeknd, somente artistas brancos foram indicados para “Melhor álbum de Pop”, o que gerou revolta com os grandes fãs do universo musical. Porém, essa pauta é bem antiga.

Uma das maiores discussões envolve Jimi Hendrix, falecido em 1970. Um dos maiores nomes da música, Hendrix nunca ganhou sequer uma gramofone, mesmo com a sua performance revolucionária no Woodstock. 

Snoop Dogg, um dos ídolos do hip-hop, já foi indicado 18 vezes. Em 2016, revelou que não submeteria mais seus trabalhos ao Grammy, acusando a academia de racista, realizando inclusive uma proposta de “incluir uma premiação só para negros”, uma vez que sempre personagens brancos venciam.

Nicki Minaj também nunca ganhou nada. Em 2021, embarcando nas discussões envoltas, se manifestou a respeito.

“Nunca se esqueça que o Grammy não me deu o troféu de Artista Revelação quando eu tinha sete músicas simultaneamente nas paradas da Billboard e a maior semana de lançamento que qualquer outra mulher rapper na última década — o que inspirou uma geração. Eles deram o prêmio para o homem branco, Bon Iver”, escreveu no Twitter.

É impossível não citar, mesmo em meio a tantos casos, Kanye West. Quando o rapper ganhou o prêmio pela primeira vez, em 2005, ele ressaltou que teria atitudes polêmicas caso não fosse o vencedor, o que acendeu uma chama para a existências de possíveis polêmicas por debaixo dos panos. 

Porém, uma das cenas mais memoráveis foi quando tomou o gramofone das mãos de Taylor Swift e alegou que deveria ter sido entregue para Beyoncé, que inclusive contatou Taylor após o ocorrido e pediu desculpas.

É fato que, após o tanto de polêmica levantada nos últimos anos, o Grammy busque limpar sua imagem e se manter com uma pose de uma “premiação inclusiva”. Algumas mudanças, com certeza, são esperadas. Mas é fato o quão é impossível reverter esse fantasma problemático que paira toda a premiação, e apresenta esses pontos negativos e polêmicos desde as suas raízes. 

‘Na bruma leve das paixões que vem de dentro’: Alceu Valença e a geração Z

Embora tenha sido lançada nos anos 70, Anunciação de Alceu Valença se popularizou de forma exorbitante entre o público jovem, principalmente entre a geração Z. A música foi um dos grandes hits do Big Brother Brasil 21, virou trend no TikTok, um aplicativo dominado pela faixa etária dos nascidos após os anos 2000. Recentemente, a canção se tornou também trilha sonora da mais nova novela da Globo, Além da Ilusão.

Além de Anunciação, outra composição de Alceu ganhou destaque nesses últimos dois anos. Belle de Jour também dominou as playlists deste público mais novo. É até comum ouvir em festas um remix com o refrão das canções em formato de música eletrônica.

Porém, o interessante é que ambas as canções do artista pernambucano não fizeram todo esse sucesso na época em que foram lançadas.

 Alceu Valença é um dos maiores ícones da música nordestina, com influências da Nouvelle vague, isto é, um movimento do cinema francês do fim dos anos 70 que inovou o cenário, ele começou a compor canções direcionadas às militâncias políticas de esquerda.

Abraçando o movimento do tropicalismo e da jovem guarda na cultura musical brasileira, o pernambucano sempre buscou exaltar elementos da cultura nordestina e de suas origens, como é visto nos versos onde cita a famosa praia de Boa Viagem, em Belle de Jour.

Militante político, em 1979 o artista deixou o Brasil por conta da ditadura militar, indo morar em Paris, na França. Lá, nasceu o disco Saudade de Pernambuco, que fazia alusão a sua terra natal e a vários elementos da cultura nordestina.

A explosão de Anunciação começou neste período de pandemia. Talvez pelo fato de ser uma canção profunda e reflexiva, muitos que enfrentavam o momento difícil de quarentena se identificaram. Hoje, Belle de Jour soma mais de 250 milhões de reproduções e mais de 200 milhões de views no Youtube. 

Além da pandemia, a adesão do público do maior reality show do Brasil em 2021, após cenas de participantes que se tornaram fenômenos na internet, como Gil do Vigor e Juliette, também corroborou para que esses sucessos lançados a mais de 40 anos pudessem voltar a tona com tudo, ganhando ainda mais versões. 

Como é de conhecimento geral, Juliette se tornou um fenômeno nacional após seu sucesso no BBB, saindo da edição com mais de 30 milhões de seguidores em suas redes sociais. E uma das cenas mais famosas do reality foi o momento em que a vencedora da edição se emocionou com a canção.

Muitos associaram a canção, portanto, como uma forma de identificação da cultura nordestina, que se tornou uma das grandes estratégias de marketing da ex-sister. Assim, devido a esse conjunto de fatores, a geração Z passou a alavancar as principais composições do músico.

Entende-se como geração Z os nascidos de 1995 a 2010, ou seja, um grupo de pessoas que, se não viu a explosão da tecnologia e das redes sociais, nasceu em meio a ela. E grande parte desse público está hoje em um dos maiores fenômenos das redes sociais do mundo: o TikTok.

De acordo com dados divulgados pela Digital Music News, o Spotify e o TikTok exercem uma influência musical maior do que as rádios. Este fenômeno cresceu muito mais de 2020 para os dias atuais. Diversos artistas do cenário musical, tanto internacional quanto nacional, bombaram e tiveram um grande sucesso após viralizar no aplicativo.

Pode-se citar como exemplo tanto nomes, como Doja Cat e Olivia Rodrigo, até personalidades nacionais, como Zé Felipe e João Gomes. Porém, com Alceu Valença, o fenômeno foi ainda mais curioso, uma vez que se tratou de canções surgidas em uma época que o advento da internet ainda não era presente.

No aplicativo, os vídeos de até três minutos apareceram das mais diversas formas. Desde registros de rotinas, mostrando o dia a dia do usuário, até covers e produções relacionadas à maternidade. Em entrevista ao El País, o artista comentou sobre sua visão a respeito dessa influência das mídias sociais ao resgatar uma música antiga de sua autoria:

Eu não uso rede social, mas acho tudo absolutamente impressionante! Do nada, a internet descobriu uma música dos anos setenta e foi esse pipoco.”

Alceu Valença

Isso só mostra como a música é cíclica, assim como a moda e o cinema. De tempos em tempos, sucessos que antigamente não foram aproveitados, voltam à tona e bombam ainda mais, só que desta vez com um público diferente e que até então, não se tinha tanto contato. 

Outro caso parecido foi com Carolina Bela, de Jorge Ben e Toquinho. A música virou trend no TikTok ao retratar vídeos que exaltavam o que ficou conhecido no aplicativo como “a verdadeira estética brasileira”. Essa em específico, se destacou ainda na época do seu lançamento, em 1970, mas também foi resgatada por esse público mais jovem.  Assim, como as canções de Alceu, mesmo após anos de seu lançamento, tornaram-se globais.

Porém, é importante ressaltar que Alceu Valença não foi somente um grande achado ao acaso da geração Z. O artista já era extremamente conhecido, principalmente na região de Recife e no carnaval de Olinda, por sua simpatia com o carnaval, o feriado mais amado do Brasil. 

Anunciação atravessou o continente e chegou inclusive até Tóquio. Nas Olimpíadas de 2021, popularizaram vídeos da Seleção Feminina Brasileira embalada no hit, mostrando que o sucesso foi além do território nacional.

Mas é fato que Alceu Valença sempre foi lembrado por ser uma das maiores vozes do carnaval, principalmente em Olinda, uma das capitais da festa. Agora,  emplacando cada vez mais esses sucessos e atendendo gerações que nem sequer eram nascidas quando começou a compor, a esperança é que sua voz faça sucesso cada vez mais.

NFT: O impacto na indústria musical e os seus perigos

Sem dúvidas, um dos tópicos mais em alta nas pautas que se referem a economia e tecnologia nesse momento é a popularização dos NFTs. Eles são uma das grandes novidades no universo dos criptoativos, e consistem na criação de uma peça original a partir de um elemento totalmente digital.

NFT é a sigla do termo Non Fungible Token, ou ‘Token Não Fungível’, composto por uma espécie de código numérico que demarca tais itens digitais colecionáveis que, por sua vez, não podem ser transferidos. Um NFT pode representar desde trabalhos artísticos, cards digitais, obras de arte, a até mesmo música. E é aí que mora o problema.

Ao falar da associação do NFT e o mundo da música, há dois polos a serem analisados. O primeiro: pode ser algo positivo ao artista, já que permite uma certa interação entre o músico e o fã, possibilitando até mesmo a criação de uma comunidade muito mais íntima.

É fato que esse surgimento de criptoativos pode revolucionar a forma que a música e as produções musicais são vistas hoje em dia. A inovação altera toda a receita envolvida na questão do lucro que um criativo ou uma produtora terá, desde os compartilhamentos aos acessos.

Diversas marcas que estão ganhando espaço no universo NFT, como Bored Ape Yacht Club e CryptoPunks, que já estão atrás de acordos de mídia e produção.

E o segundo: não são todos os artistas beneficiados com essa história. Esse foi o caso do produtor Mailson Moraes Santiago, conhecido como Nightmare Beats, que produz profissionalmente desde 2017. Santiago compartilhou recentemente com seus seguidores no Twitter a notícia de que todas as tracks que havia produzido foram transformadas em NFT sem o seu consentimento e os dos artistas que colaboraram.

Em entrevista a Frenezi, Mailson relatou que só descobriu através de um print em que o produtor canadense Elaquent mostrava que teve todo o catálogo postado no site Hitpiece, uma plataforma que vende músicas em NFT. “Logo que vi o print fui pesquisar o meu catálogo e bingo, tudo que eu lancei estava lá”, conta. “Fiquei com raiva, não dei consentimento para que fizessem isso, até agora estou tentando digerir essa situação”.

O produtor relatou nas redes sociais que já havia conseguido colher algumas informações sobre o caso. De acordo com ele, um dos donos tem acesso exclusivo ao API do Spotify — um conjunto de padrões estabelecidos pelo software — e por esse motivo, conseguiu as faixas. Ele completou dizendo também que já haviam sido movimentados em seu trabalho cerca de cinco milhões de dólares.

O site onde tudo isso ocorreu, o Hitpiece, enfureceu diversos músicos e artistas que tiveram suas obras revendidas como NFT sem autorização prévia — e então, por consequência, os autores e produtores das composições não receberam absolutamente nada.

“Até o momento eu só publiquei sobre o ocorrido nas minhas redes sociais, eu ainda estou cogitando a possibilidade de entrar com uma ação conjunta, porque se eu for sozinho contra esses caras eu vou ser engolido vivo na justiça”, explica Nightmare Beats

Como forma de alerta, o produtor afirma: “Busquem seus direitos e tentem descobrir se alguma música sua foi comercializada nessa plataforma. Eles de alguma forma, sem autorização de ninguém conseguiram todo meu catálogo, nenhuma das distribuidoras de música com qual trabalho, deram aval para isso. Todo o músico que for trabalhar com NFT, têm que estar atento porque daqui a pouco a gente pode se tornar refém de uma nova situação como essa.”

Em meio a toda a história de NFT no ramo musical, alguns artistas como Kanye West já afirmaram não querer envolvimento com tal tecnologia. O rapper se manifestou em suas redes sociais pedindo para que seus fãs parassem de exigir que ele fizesse NFT e afirmou que produz “para a vida real”.

[Imagem: Reprodução/Instagram]

Portanto, a questão é extremamente delicada e nublada — mas é certo que, cada vez mais, as NFTs esterão imersas na musica e em vários outros âmbitos. É fácil afirmar também que esse novo mercado em ascendência, pelo fato de apresentar esse caráter independente, pode soar como uma ameaça até mesmo para as gigantes de streaming, como o Spotify.

O legado de Elza Soares

Considerada uma das maiores cantoras brasileiras e uma das maiores vozes do samba, Elza Soares faleceu nesta última quinta-feira (20), aos 91 anos.

Nascida no Rio de Janeiro em 1930, Elza Gomes da Conceição teve uma infância complicada, interrompida aos seus 12 anos, quando foi obrigada pelo pai a se casar com Antônio Soares, cujo sobrenome herdou para o resto da vida. Aos 13, Elza engravidou do primeiro filho. Sete anos depois, tornou-se viúva. 

Seu primeiro envolvimento na música, de fato, foi ainda aos 13, em um programa da rádio Ary Barroso, em busca de remédios para seu filho recém-nascido. A artista perdeu dois bebês para a fome. De lavadeira a operária de uma fábrica de sabão, somente aos 20 anos realizou seu primeiro teste oficial como cantora, na academia do professor Joaquim Negli.

Seu primeiro destaque foi com uma participação na composição Se Acaso Você Chegasse, em 1959. Embora grande parte do seu sucesso mundial seja por conta da sua marcante voz no samba, Elza transitou no jazz, no hip hop, no funk, e até mesmo na eletrônica. Sua voz chamava atenção por oscilar graves e agudos, de forma extremamente afinada. O timbre característico da cantora se destacava para todos que a ouviam.

Porém, sua carreira artística vingou de forma oficial no início dos anos 60, por volta dos seus 30 anos. Tudo isso em meio a um dos momentos mais marcantes da sua vida: quando Elza Soares se envolveu amorosamente com o craque de futebol Garrincha.

Entre 1962 e 1982, a artista viveu um relacionamento com o jogador. Os dois se conheceram em um treino do Botafogo, clube carioca em que Garrincha é considerado ídolo até os dias atuais. Casado na época, o jogador viveu um relacionamento escondido com a sambista, até o divórcio com sua ex-esposa. Após o término, Elza e Mané Garrincha ficaram juntos por 15 anos.

[Imagem: Reprodução/Folhapress]

O casamento com o atleta começou a ficar extremamente conturbado. O carioca enfrentou um grave problema com alcoolismo, adquirindo assim, algumas atitudes violentas em casa. Em uma das agressões sofridas por Elza, ela teve os dentes quebrados. O assunto nunca havia sido levado à tona até então.

Garrincha faleceu dia 20 de janeiro de 1983, que por coincidência, foi no mesmo dia da morte da cantora, devido a uma cirrose hepática. O casal teve somente um filho, que também faleceu. O “Garrinchinha”, como era conhecido, foi vítima de um grave acidente de carro, aos nove anos.

Mesmo que tenha se calado por anos, Elza Soares cantou sobre a dor e o trauma de ter convivido com um companheiro alcoólatra e agressivo anos depois, no disco A Mulher do Fim do Mundo, lançado em 2015. Por meio de versos e de batidas bem carregadas, a artista registrou suas dores em forma de música, mas sempre deixando claro que preferia “lembrar dos momentos bons”.

[Imagem: Reprodução/Flickr]

A cantora sempre tentava trazer sobre suas origens e histórias em todos os sambas que compunha. Um dos grandes exemplos foi o álbum Lição de Vida, lançado em 1976, e que contou com um dos maiores sucessos vistos na música nacional: Malandro, uma obra-prima feita em conjunto com Jorge Aragão e Jotabê.

E como todo bom sambista, Elza Soares foi extremamente ligada ao Carnaval.  As presenças da musicista são lembradas, principalmente, pelos desfiles da Salgueiro e Mocidade. O último desfile do qual marcou presença foi em 2020, antes da pandemia, quando foi enredo da Mocidade Independente Padre Miguel. Aos 89 anos, foi o grande destaque do carro alegórico.

[Imagem: Reprodução/Globo]

O significado da cantora ia além da voz. Era uma personalidade de impacto social muito grande. Cantava sobre o direito das mulheres, falava de relacionamentos abusivos, força e questões raciais. Fez história.  Até os últimos dias, trabalhou. Foram 36 discos, um prêmio de “Voz do Milênio”, vencedora do Grammy Latino, entre muitas outras marcas.

A música de Elza costumava falar sobre racismo, gênero e sobre o movimento feminista. Mesmo em uma época que tais assuntos não eram debatidos, a artista sempre deixava claro as causas que apoiava e sempre transparecia tudo em sua arte, algo que muitos não faziam, seja por medo de censuras ou por qualquer outro motivo.

Tal lírica foi de extrema importância. Elza era admirada por artistas no Brasil e no mundo. Cantava sobre a força da mulher negra, sem abrir mão do repertório. Era vista como uma cantora, que por meio da música, levantava uma força que serviu de inspiração para muitas vozes que vieram depois.

A importância de Elza Soares para a música é indiscutível. Além de transitar sobre assuntos importantíssimos de serem debatidos desde o começo da sua carreira, a cantora transitava por todas as plataformas possíveis ao longo do tempo.

A sambista gravou no formato chamado de “78 rotações”, acompanhando a evolução de todas as plataformas, indo do rádio e discos de vinil aos meios digitais e streamings. Algo que somente artistas que mantém um conteúdo bom por toda a carreira tem a capacidade de fazer.

“Rainha do samba”, foi considerada a “Voz do Milênio”, pela BBC, em 1999. Vista como um símbolo de liberdade e força.

A mulher do fim do mundo deixou um legado enorme na música nacional. Elza Soares faleceu dia 20 de janeiro de 2021, em paz, dias depois de finalizar a gravação de um show no Teatro Municipal de São Paulo.