Para todo bom amante da moda, os estudos iniciais sobre esse universo e todas as facetas que englobam essa indústria avaliada em zilhões de dólares é fundamental tirar um tempo para entender a cronologia histórica por trás de todo o movimento fashion que vemos nas ruas, nas redes sociais, lojas, marketing e como Zeitgeist que vivemos hoje influencia no look que escolhemos ao acordar pela manhã.
Desde sempre, a indumentária foi mudada e adaptada para se adequar às necessidades, deveres, e aspectos culturais e temporais do homem que cada período histórico requisitou. Assim, cada década de alguma forma deixou sua marca na forma de vestir das pessoas que a viveram, mas também influenciou os anos subsequentes.
Ainda hoje vemos nos pequenos detalhes peças, acabamentos e técnicas têxteis que são rastros de um tempo passado, um tempo que talvez possa remontar até mesmo séculos de herança no processo de confecção.
Há exatos 100 anos, o planeta se encontrava em situações muito parecidos com o mundo que vemos hoje, os momentos finais da década de 1910 deixou cicatrizes quase que incuráveis na geração que adentrava o que se chamaria num futuro próximo de “Os anos loucos” da década de 1920.
Dançarina ao som de Charleston. [FOTO: Reprodução/ Financial Times]
Com o início da Primeira Guerra Mundial no ano de 1914, todo o restante dos anos de 1910 foi marcado pela escassez de materiais e aviamentos têxteis, o que prejudicou exponencialmente a oferta do varejo e o ‘fazer moda’ da época. Os efeitos da guerra nas roupas foram inúmeros, conforme pontuamos na nossa matéria ‘A moda em tempos de guerra’, assim como os efeitos que a guerra causou na mentalidade daquela geração.
Após serem traumatizados por uma guerra que chegou a matar quase 20 milhões de pessoas e logo depois sofrerem as consequências de uma pandemia colossal como a da Gripe Espanhola, homens e mulheres da época só pensavam em aproveitar seus dias ao máximo, a famosa era “carpe diem” dos tempos modernos. Pensar que poderia haver uma ameaça ao bem estar e à vida a qualquer instante instaurou um anseio eufórico por aproveitar a vida sem precedentes.
“Tudo o que eu só conseguia pensar, de novo e de novo, era ‘você não pode viver para sempre, você não pode viver para sempre”, disse F. Scott Fitzgerald em ‘O Grande Gatsby’ (1925); a frase consegue sintetizar o maior medo dessa geração perdida, medo de não conseguirem aproveitar a vida ao máximo e que serviu de palanque para dar passe livre às festas regadas a álcool e drogas, muita música, luxo e ostentação.
A Grande Guerra propiciou a adesão de acabamentos e ornamentos de cunho militar nas roupas e com o fim dela a moda teve de se ajustar ao sentimento eufórico ‘pelo viver’ que surgia nos sobreviventes. Em plena Paris, a moda internacional e a alta-costura viram suas vendas voltarem a todo vapor ao normal e as grandes confecções viram a oportunidade de aumentar a contratação de mão de obra.
O momento era de euforia, as grandes maisons viram uma procura muito grande por vestidos de festas extravagantes e assim as mais recentes criações de moda – da época – tinham a liberdade de seguir por dois caminhos, a estética do clássico feminino romântico e o vanguardista. Seda, organza, tafetá, fitas e flores em vestidos de cores pastéis eram a definição do romântico nos trajes de gala. Por outro lado, seu maior antagonista foi quem passaria a ditar a moda dos anos 20, o visual garçonne ou jeune fille – jovem homem ou rapaz.
Jordan Baker, personagem de ‘O Grande Gatsby’ (2013). [FOTO: Reprodução/ Warner BROS. Pictures]
Como um reflexo de uma sociedade em transformação, a gradual independência das mulheres começou a ecoar não só em seu comportamento libertário de lutar pelos seu direito de voto e de trabalho mas também começou a deixar seus primeiros vestígios no visual, o estilo garçonne é o maior exemplo disso.
A aparência jovial e ‘moleque’ que o estilo passava aos olhares facilitava ao se juntar com os chapéus cloche – em forma de sino – na composição de uma silhueta esguia e alongada do qual os estilistas começavam a experimentar nos primórdios da década.
Trajes femininos com silhueta retangular ou em linha “I”, que pendiam dos ombros enquanto a linha da cintura descia ao mesmo nível que a linha dos quadris, começaram a dominar o vestuário das trend setters da época, a própria Coco Chanel foi uma das principais expoentes do estilo garçonne. Em conjunto com a silhueta reta, a mudança na bainha das saias foi um ponto muito marcante para o vestuário feminino. Ao encurtar as saias, a procura pelas meias de seda sempre em cores neutras e ‘coringas’ com bordados discretos para finalizar o charme nas pernas.
Já nos pés, os scarpins estilo ‘boneca’ de salto cubano e com tiras cruzadas em ‘T’ foram os principais calçados do aparentemente novo grupo de mão de obra que vinha surgindo na Europa desde a Grande Guerra. Os sapatos eram o equilíbrio perfeito entre o elegante e o confortável para garantir uma jornada de trabalho no mínimo cômoda para essas mulheres.
Catálogo da década de 1920. [FOTO: Reprodução/ Vintage Dancer]
Precisamos entender que toda a geração perdida dos anos de 1920 ditava sua rotina, ditava sua vida em cima da busca pelo luxo e pelo ‘exótico’. A inspiração em culturas estrangeiras como a cultura do Egito Antigo, principalmente com a descoberta da tumba faraônica de Tutankhamon em 1922, e até mesmo as culturas tribais do continente americano era comum tanto em peças do vestuário como em cartões postais, estilos arquitetônicos – o próprio Art Déco, roteiros cinematográficos, joalheria e em tudo o que a arte podia se infiltrar.
Mesmo que o corte da indumentária fosse seco e simples, o luxo e o exotismo vinha através de tecidos altamente adornados por estampas e bordados com desenhos naifs, motivos folclóricos que remontavam lendas e histórias de culturas tidas como exóticas, estampas geométricas, bordados em fios de ouro e pedrarias exorbitantemente caras.
Na moda masculina, o ponto de referência de todo bom burguês na época eram as peças que vinham dos ateliês da Savile Row em Londres. As formas das roupas masculinas, com o início dos anos loucos, não poderiam estar mais em ‘voga’; suas formas angulares e simétricas, com ombros extremamente acentuados, cinturas largas e calças estreitas se comunicavam sem nenhum problema com as linhas retas que dominavam a estética Déco e egípcia do período.
Para a moda de acessórios masculinos, os sapatos de biqueira arredondada vinham com toda força substituindo os sapatos de biqueira fina, enquanto que as calças só sofriam o processo de alargamento de grupo para grupo como foi o caso dos intelectuais da Universidade de Oxford, que passaram a terem suas calças chamadas de ‘Oxford bags’. Apesar da moda internacional ter dado seus passos pelo mesmo caminho em diferentes países ao redor do globo, fashionistas britânicos e franceses continuavam com a sua rixa em ditar tendências.
O look masculina casual dos anos de 1920. [FOTO: Reprodução/ He Spoke Style]
Foi justamente a partir dos anos 20 que a transgressão na moda como conhecemos hoje surgiu. As primeiras criações de moda feminina com inspiração na moda masculina começaram a tomar conta dos ateliês do mais alto escalão, a própria Chanel trouxe muitos artigos do vestuário masculino em suas criações. Aquela alfaiataria bem afiada e executada, blazers e peças de cima com abotoaduras e tecidos pesados como o tweed até então não eram facilmente encontrados nas vitrines de lojas femininas.
Calças para o público feminino passaram a serem mais aceitas quando entenderam o papel estético da peça na composição do look e não mais somente como um artigo utilitário. Aos poucos mulheres foram vistas usando calças em atividades de lazer e eventos casuais, sempre com cortes folgados e com fechos laterais.
Da metade para o final da década, o ‘pretinho básico’ de Chanel em conjunto com silhuetas assimétricas, principalmente nas bainhas desiguais de saias de vestidos, echarpes e conjuntos de cardigã de jérsei foram o auge da elegância e sofisticação do guarda-roupa das mulheres. Peças sempre em cartelas de cores discretas com uma ou outra cor de destaque.
Estilo garçonne [FOTO: Reprodução/ Verdade Feminina]
Poucos períodos na história da moda deixaram a marca que os anos loucos de 1920 deixaram. Uma década infestada de transgressões comportamentais e sociais que soube refletir nos vestuário a sede que essa geração tinha de viver, viver uma vida aproveitando ao máximo o prazer e o luxo. O ato de se vestir restaurou os valores de uma sociedade que tentava se reerguer através da arte e dos deleites ‘de viver o aqui e o agora’.
“Eram inteligentes e sofisticados, com um ar de independência sobre eles, e tão casuais sobre sua aparência, roupas e maneiras quase que impetuosas, mas representavam a onda do futuro, e sei que fui atraído por eles. Partilhei da sua inquietação, compreendi a sua determinação em libertar-se e descobrir por si mesmos o que era a vida”, Colleen Moore.
Cena da grande festa de Gatsby. [FOTO: Reprodução/ Warner BROS. Pictures]
Durante a nossa vida escolar, os livros de história nos bombardeiam com eventos catastróficos que permeram a vida humana na Terra. Guerras, epidemias, desastres naturais e dentre todos eles, não houve um sequer evento que não influenciou diretamente a forma como as pessoas se vestem. Pensar em moda como uma linguagem de comunicação intrínseca ao homem, é pensar em moda como um aspecto cultural que é capaz de se inovar a cada transformação que a humanidade passa.
É necessário compreender a moda como um agente influente na economia mundial, não só pelo seu caráter artístico ou cultural, a indústria da moda é um dos setores que mais movimenta capital no mundo. Somente no varejo online, a moda é o setor que mais lucra entre os e-commerces, reportando um faturamento entre USD$525 bilhões por ano e sua média de crescimento espera atingir a casa do trilhão até o ano de 2025.
No Brasil, mais de 8 milhões de pessoas fazem parte da cadeia produtiva da indústria da moda, sendo que 60% desses trabalhadores são mulheres, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT). Isto significa que insistir no debate retrógrado que julga a indústria da moda como supérflua e desnecessária só impossibilita o potencial político que a moda pode ter em períodos críticos.
Operárias mulheres trabalhando em fábricas europeias durante a Primeira Guerra Mundial. [FOTO: Reprodução – Reuters/ Archive of Modern Conflict London]
Ao traçar uma linha do tempo, percebemos que em cada momento em que a humanidade passou por uma grande crise, seu guarda roupa consequentemente passa também por uma transformação. Quando avaliamos os períodos caóticos do século passado, que são momentos historicamente não muito distantes do que se vive hoje, é nítida a mudança de vestuário ao longo deste século, desde a Primeira Guerra, passando pela Crise de 29, Segunda Guerra, Crise do Petróleo, e outros vários eventos que implodiram na história.
A Grande Guerra ou Primeira Guerra Mundial, foi a primeira guerra que de fato revolucionou a indústria têxtil de modo como nenhuma outra crise humanitária mundial foi capaz de fazer até então. Com a eclosão da Guerra, grande parte dos homens tiveram que deixar seus lares com a obrigação de servirem seu país no serviço militar, o que desencadeou o aumento exponencial da classe trabalhadora feminina nas fábricas e nos negócios em toda Europa que viram necessidade de mudar o uniforme e a roupa cotidiana das mulheres.
A guerra mudou o horizonte da moda em muitos sentidos, mas o protagonismo francês na indústria soube se manter intacto. Mesmo com os horrores da guerra, um sentimento negacionista tomou conta dos profissionais do mercado, e ao longo do primeiro ano de guerra estilistas e veículos de comunicação da época como o The Queen, no Reino Unido, mal comentaram sobre os eventos que se sucediam.
Na metade dos anos 10, a moda se viu obrigada a mudar e o que gerou o abandono doo corset do guarda-roupa feminino e o encurtamento da bainha das saias, refletindo diretamente na mudança de papel social e econômico que a mulher teve, de uma mãe e dona de casa para uma operária fabril. Levando em conta que somente na França a indústria têxtil foi responsável pelo sustento de 34% das famílias da classe proletária, país este que foi um grande agente tanto na Primeira como na Segunda Guerra, é de se imaginar o impacto que esse setor teve na vida e na moda da época.
Foi só a partir de 1915, que as primeiras referências militares começaram a nascer no design dos modelos da época. No vestuário feminino, casacos de corte discreto e silhuetas com uma cintura levemente marcada, além disso foi nessa época que as roupas femininas começaram a adquirir bolsos como compartimentos de utilidade, bolsos chapados e espaços, o que só aumentou ainda mais o eco militar na indumentária.
Durante os anos em conflito, as fábricas de tecido se viram encurraladas a focar suas operações na fabricação e entrega de materiais que serviriam de insumo para uniformes militares. Como a maior parte da indústria têxtil focava sua produção nos tecidos naturais como o couro e o algodão, consequentemente esses materiais foram os principais produtos direcionados para confecção do vestuário militar, o que causou sua escassez no estilo civil. Assim, as primeiras peças sintéticas de roupa como o Acetato e Rayon Viscose começaram a ganhar sucesso justamente nesse período onde não se podia mais depender unicamente das fibras naturais.
O maior legado que a Primeira Guerra deixou em termos de vestuário no geral, foi sem sombra de dúvidas o foco na praticidade no cotidiano. Blusas de algodão ou seda sem abotoamento, a “extinção” das quatro mudas de roupas por dia em prol dos looks diurnos e noturnos, além das “novidades” da época em tecnologia têxtil.
Propaganda sobre a ‘Nova fibra milagrosa’, o Nylon. [FOTO: Reprodução – Blog Descalada]
A moda como um todo se voltou para os conflitos, e grandes nomes da indústria como o próprio Paul Poiret foi convocado pelo exército francês e esteve presente na confecção de uniformes militares. À medida que a silhueta feminina se alargava e a paleta de cores escurecia, a indústria da moda se viu encurralada pelo sentimento de perda e limitada nestes tempos de escassez.
Logo depois, o mundo foi imerso em uma série de eventos que continuariam a impactar o vestuário da época como a infestação da Gripe Espanhola, as festas regadas a álcool e drogas dos anos loucos de 1920 e em seguida mais uma vez, uma Segunda Guerra que viria a acabar com a vida de 40 milhões de pessoas em toda a Europa. A partir da popularização do nylon, com o início da Segunda Guerra, as grandes fábricas têxteis se voltaram para a produção em massa da fibra para atender as necessidades dos exércitos na fabricação de mangueiras, cintos e outros artigos de vestuário militar.
Por conta do foco em atender as atividades bélicas, o nylon deixou de fazer parte da produção de meias calças femininas, e só após a segunda metade dos anos de 1940 que a indústria têxtil volta a ter esse olhar para as mulheres. Enquanto isso, a popularização das calças entre as mulheres e as máscaras de gás foram gradualmente afirmando seu espaço no dia-a-dia das pessoas, por conta dos constantes ataques de bombas de gás direcionados aos civis durante os anos de conflito.
Máscaras de gás [FOTO: Reprodução/ Aventuras Na História]
Rapidamente após a primeira declaração de guerra, os designers da época se mobilizaram em oferecer modelos já pensados no contexto de conflito. O próprio governo da França só permitiu que os estilistas envolvidos nas confecções de roupas militares tivessem duas semanas para lançarem suas coleções de Outono/Inverno com a iminente guerra. Com a ocupação alemã em solo parisiense, a moda nacional se dispersou e as notícias de novas criações fashion não eram divulgadas da mesma forma como antes, e mesmo assim a moda soube sobreviver aos anos de escassez de insumos.
Os estilos civis não tiveram mudanças somente por conta das restrições de regras utilitárias, o guarda-roupa feminino, por exemplo se preocupava em sempre manter a boa aparência ao mesmo tempo que tinha de ser prática para vida domiciliar e a carreira profissional, enquanto que o vestuário masculino civil tornou-se cada vez mais informal, com camisas de pescoço aberto e calças de flanela ou tecido canelado começaram a substituir os ternos e gravatas.
O saldo da guerra foi uma Europa devastada, a potência estadunidense à todo vapor tanto no cenário econômico quanto no mundo fashion, nos primórdios do que viria a ser a Guerra Fria. Na década seguinte, o estilo utilitário seria deixado em segundo plano que a ultra-feminilidade seria o ponto em foco da moda, só confirmando o efeito pêndulo do mercado pré e pós eventos catastróficos da história humana.
A modelo Poly Kyrychenko, acompanhada de amigas, protesta contra a guerra durante a semana de Moda em Paris. [FOTO: Reprodução/In Magazine]
Um século após a Primeira Guerra, o mundo se encontra vivendo novamente esse ciclo de eventos entre a guerra na Ucrânia ocasionada pela invasão da Rússia enquanto ainda tenta se ajustar às sequelas que a pandemia da COVID-19 deixou.
Momentos como este nos fazem questionar sobre a relevância da moda e como ela age e deve agir, enquanto milhares de vidas são destruídas. Tirar um tempo para se preocupar com roupas em eventos assim pode soar até um tanto presunçoso, mas é exatamente em instantes difíceis como este que a moda foi capaz de revolucionar a maneira de viver das pessoas. Da mesma forma que ocorreu no passado, não seria diferente que o potencial político e social da moda se manifestasse na atual conjuntura que o planeta se encontra.
Em plena temporada de Outono/Inverno 2022, durante as semanas de moda que ocorriam nas maiores capitais do mundo fashion, a invasão russa em território ucraniano tomou os holofotes de todos os veículos de comunicação e foi impossível a comunidade fashionista se manter indiferente diante do início de um horror que todos presenciam até hoje, dois meses após o primeiro ataque do exército de Vladimir Putin, em 24 de fevereiro deste ano.
Ao longo dos dias com a pressão da imprensa sobre o assunto, e o aumento das manifestações à favor da Ucrânia tanto no ambiente digital como nas portas dos desfiles, que os gigantes da indústria fashion se viram obrigados a tomar partido e se posicionar, até porque é o primeiro conflito em solo europeu desde a Segunda Guerra.
Manifestantes ucranianos pediram o apoio da comunidade fashion pelas redes sociais e o fim de qualquer relação comercial com a Rússia, incluindo os grandes conglomerados de luxo e os canais de comunicação dentro da moda. Dentre as iniciativas, um manifesto assinado por mais de 1500 profissionais do ramo como a designer italiana Angela Missoni, o fotógrafo Nick Knight, entre outros, repudia a violência russa.
“Lutamos continuamente por um mundo onde a expressão criativa, o intercâmbio cultural e a colaboração possam florescer. A violência da invasão russa vai contra tudo o que defendemos… A moda tem poder, e em tempos de crise é fácil descartar esse poder… mas somos uma cadeia de suprimentos que conectam países do mundo todo” declara o texto.
Uma das primeiras grifes a se posicionar em relação ao confronto foi a marca húngara Nanushka, o próprio CEO, Peter Baldaszti, deu uma declaração sobre o fim das vendas em território russo afirmando que a decisão foi necessária levando em consideração os valores morais da marca. Além disso, Baldaszti deixa claro que “esta é uma decisão financeira relevante para a marca”.
Tanto a Nanushka como outras marcas de luxo, tiveram suas relações comerciais afetadas pelo embargo comercial, levando em conta o grande investimento de oligarcas e milionários russos no mercado da moda, uma das poucas que não teve o mesmo azar foi a Bvlgari, que teve um aumento de vendas dentro da ex-União Soviética.
Look 1, Nanushka temporada de Outono/Inverno 2022. [FOTO: Reprodução/ Vogue Runway]
LVMH e grupo Kering afirmaram que seu plano de apoio seria por meio de doações de valores não divulgados ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha e à Agência de Refugiados da ONU, respectivamente. Assim, os gigantes da indústria seguiram o “efeito manada” e continuaram um por um com suas declarações sobre doações e bloqueios comerciais, como uma forma de auxílio aos vizinhos do leste europeu.
Outras marcas lançaram suas campanhas de doações às ONG’s que se movimentaram para atender os refugiados e além disso suspenderam suas vendas na Rússia, como foi o caso da Adidas que tirou seu patrocínio da Federação Russa de futebol, e marcas como Chanel, a rede varejista H&M e Boohoo
Por outro lado, houveram grifes que decidiram “ir além” e tomar partido durante os desfiles, como foi o caso da Balenciaga sob direção criativa do Demna Gvasalia. Ele mesmo já passou pelo terror de ser um refugiado como os ucranianos, com a invasão russa na Geórgia em 2014, seu país natal. “O mesmo agressor, talvez até os mesmos aviões que fizeram isso conosco. E vendo isso, fiquei pensando: ‘O que estamos fazendo aqui, com moda? Devo cancelar? mas não: decidi que devemos resistir.”, disse Gvasalia.
Toda a ambientação da passarela girou em torno de um meio insalubre e quase inóspito, com quilos de neve em meio à uma “intensa” nevasca, os modelos desfilavam em uma plataforma ‘em meia lua’ segurando grandes sacos em pesadas roupas de inverno e óculos em formato de olhos de mosquito à la Gvasalia. O desfile foi a representação da peregrinação distópica nas péssimas condições que os refugiados ucranianos têm passado nos últimos dois meses. Gvasalia também incorporou à coleção as cores da bandeira ucraniana em homenagem aos refugiados.
Gvasalia não foi o único a falar sobre o assunto abertamente durante um desfile, Giorgio Armani aproveitou o momento e deu também seu parecer. O evento foi aberto com uma fala em inglês do próprio designer italiano.
“Minha decisão de não usar música no show foi tomada como um sinal de respeito às pessoas afetadas pela tragédia em evolução.”, declarou Armani. Em conjunto com essa fala, o Grupo Armani foi responsável pela doação de 500 mil euros pela arrecadação de fundos pela Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
Ao sair da ajuda monetária o Grupo Armani também declarou um iniciativa de auxílio envolvendo o vestuário, de acordo com a empresa seria realizado doações de roupas essenciais ao refugiados feita pela Comunidade de Sant’Egidio, organização católica sediada em Roma com um histórico em ajuda à refugiados e mediação de paz.
Look 46, Giorgio Armani coleção de Outono/Inverno 2022. [FOTO: Reprodução/ CNN]
Diversas vezes o homem foi afetado por guerras ou crises, e assim a moda como um direto reflexo do estado de espírito deste homem, renasce; seja como válvula de escape, seja como portal de voz. Mas levando em conta a moda e todas as variáveis comerciais que envolvem essa indústria avaliada em milhões de dólares, até onde a moda ultrapassa o senso de agir de boa fé em prol dos afetados, e começa a agir pelo simples e bom marketing para atrair o holofote midiático?
Porque é fácil mostrar apoio e interesse em se posicionar em momentos onde o foco de todos os veículos de comunicação gira em torno da crise. Avaliar a transparência e honestidade das marcas que prometeram auxílio nos próximos meses é o caminho para tirarmos a limpo o papel ativista que o mercado de moda tem tomado para si nesses últimos eventos caóticos.
Não falta muito para podermos esmiuçar os impactos que o momento pode gerar no vestuário, mas há a certeza de que, nestes tempos conturbados como os de hoje com uma guerra atrás de uma pandemia, a moda está cada vez mais dinâmica e com tendências de ritmos desenfreados. Acima de tudo, tirar um instante de reflexão sobre o papel da moda tanto dentro do nosso cotidiano como em contexto maiores, como uma guerra ou um cenário econômico, é o início de toda mudança capaz de nascer dessa indústria. “Em tempos difíceis, a moda é sempre escandalosa”, Elsa Schiaparelli.
Alina Friendiy, influenciadora ucraniana em protesto à invasão ucraniana. [FOTO: Reprodução/Instagram]
A paixão de muitos fashionistas com a moda nasce do encantamento de ver looks impecáveis de tapetes vermelhos, figurinos de filmes e videoclipes, e nos estudos iniciais de moda entender que existe um profissional responsável pela escolha de cada detalhe desse look – o stylist, abre a visão limitada que muitos têm da moda. Esta profissão em questão, teve um reconhecimento ligeiramente recente, ela em si existe há tempos, mas sua fama vem ganhando força no mercado principalmente nos últimos dez anos.
Todo aquele que tem interesse em estudar mais a fundo o mercado de moda, precisa abrir o leque de informações para estudar, discutir e compreender as diversas subáreas que existem neste mercado, e com o styling não seria diferente.
O primeiro questionamento que surge quando se discute as facetas dessa profissão é: Qual a diferença entre o stylist e o estilista? Na tentativa de traduzir estes termos, as pessoas podem cometer o erro de misturar a finalidade desses dois profissionais, e não eles não são a mesma coisa. Pode-se dizer que o stylist nasceu sim como uma extensão do estilista, mas é preciso compreender que o trabalho de um stylist vai muito além de uma criação física da confecção e especialização do vestuário, como no estilista.
Aqui estão as principais dúvidas que sempre aparecem quando falamos diretamente sobre o assunto, questões essenciais para procurar esclarecer o objetivo deste profissional de tamanha importância para a moda.
Anne Hathaway em ‘Diabo Veste Prada’. [FOTO: Reprodução/ 20th Century Studios]
O que é o styling?
De forma bem simplista, o stylist é encarregado da construção e curadoria de imagens, que têm uma história para contar, cada detalhe da imagem possui um significado dentro desse storytelling . Durante o processo de estruturação dessas imagens, o especialista precisa estar sensível às movimentações externas que o rodeiam. Infelizmente, as pessoas costumam se equivocar ao pensar que basta combinar a roupa com o sapato certo e, voilá … com certeza o mercado de moda para estes stylists seria muito mais simples se o processo fosse dessa maneira.
Roland Barthes, em seu livro ‘Inéditos vol. 3: Imagem e Moda’, disse:“Estamos hoje numa civilização da imagem, que de alguma forma, sempre esteve presente na vida cotidiana das pessoas. Sua difusão pertence ao mundo moderno sendo produto de uma sociedade tecnológica”.
Quando se entende que a imagem é uma forma de comunicação universal, algo imediato e que por meio dela qualquer mensagem pode ser entregue, fica muito mais fácil de compreender a importância de saber moldá-la, a fim de expor qualquer ideia de estilo, tendência e produto que a moda deseja apresentar naquele momento da comunicação.
No decorrer deste exercício de construção, a palavra que pode melhor definir esse processo é a ‘edição’. O stylist deve saber editar a todo momento os elementos que devem fazer parte desse storytelling, para que cada elemento, cada detalhe possa estar em harmonia entre si e entregar com excelência a mensagem final.
Registros do fashion designer Ronaldo Fraga, durante seu processo criativo. [FOTO: Reprodução/ Box Fashion]
Como funciona o processo criativo?
O processo criativo de cada um é sempre algo muito particular, que pode ser alterado completamente quando entendemos a importância do repertório individual nesse processo. Uns se apossam de suas experiências pessoais, outros têm como base principal as tendências de comportamento do consumidor no mercado, alguns buscam referências antigas que conversam com a proposta, entre outras inúmeras formas criativas…As possibilidades são realmente infinitas!
A pesquisa de imagens, a troca de pontos de vista e olhar criativo com outros colegas da área; a absorção de conteúdos de outras áreas das artes, como: o cinema, a música, arquitetura, artes plásticas, a literatura, a dança, ou até mesmo a própria natureza. São todas as principais fontes de inspiração e referência durante o processo criativo, sem contar a busca pelos estudos de atualidades dentro da própria moda.
Cada stylist, como foi dito anteriormente, tem sua ‘receita’ a seguir durante esse desenvolvimento, uns começam pelo brainstorming – ‘tempestade cerebral’ – referindo-se ao ato de destrinchar ideias que se relacionam com o tópico para a resolução de alguma questão , outros já partem para a pesquisa de texturas e superfícies, além dos croquis e anotações.
O mais interessante é a forma como cada profissional deixa fluir seu olhar criativo de maneira orgânica de acordo com cada recurso que é escolhido por ele. É importante ressaltar o papel do ‘briefing’. Saber conciliar as exigências do “briefing” – documento instrucional e informativo sobre como o projeto ou tarefa deve ser executado – com os elementos que nasceram durante o processo criativo é o primeiro passo de qualquer projeto de styling.
Mercado de trabalho
Trabalhar com moda nunca foi uma tarefa fácil, não importa o nicho em que o indivíduo decida atuar, ainda mais hoje em dia com as constantes e desenfreadas novidades que surgem no mercado a todo momento. Dentro da moda é comum a atuação de pessoas no mercado com trajetórias profissionais heterodoxas, pessoas que não são formadas em moda, que vêm de outras áreas ou simplesmente entraram nesse mundo sem nenhuma pretensão.
Muitos estudantes de marketing, jornalismo, arquitetura, artes visuais ou até mesmo pessoas autodidatas e sem ensino superior já se aventuraram no mundo da moda e tiveram sucesso na sua carreira. Vale lembrar que não é por que se trata de um mercado que possui uma maior liberdade na hora de contratar candidatos que não necessariamente cursaram moda, que se trata de uma profissão onde os indivíduos não procuram se embasar em estudos.
O mais importante ao adentrar o mercado de moda, independentemente do nicho que for o foco da pessoa, são os contatos dela. Ter uma vasta, ou pelo menos, uma específica rede de pessoas conhecidas para se apoiar e conquistar visibilidade entre elas é um diferencial para qualquer um dentro desse mercado, sobretudo se for levado em conta que se trata de um mercado onde é normal um grande fluxo de trabalhadores ‘freelancers’.
Campanha publicitária de 2021 da marca Misci com styling assinado por Thiago Biagi. [FOTO: Reprodução/ FFW] Sabrina Sato usando look de Chet Lo com o styling assinado por Pedro Sales. [FOTO: Reprodução/ Instagram]
Colaboração com outros profissionais da moda
No ramo da moda, possuir uma boa relação profissional com colegas da área pode se tornar uma ferramenta decisiva de trabalho. Um bom stylist deve correr atrás de contatos entre as agências de marketing, modelos, profissionais de cabelo e maquiagem, fashion designers, fotógrafos e é claro outros stylists.
Ao colaborar com outras pessoas, o stylist aumenta seu repertório criativo durante seus projetos, até porque se sua função refere-se a criação de imagens, cada nova visão criativa durante o processo pode contribuir para enriquecer o produto final.
Em campanhas publicitárias ou coleções, por exemplo, a parceria entre fashion designers e stylists se torna fundamental, à medida em que a construção da marca depende da harmonia entre a visão criativa de ambos e a mensagem que desejam passar para o público-alvo.
Durante a formação de sua equipe de styling, um cargo essencial dentro da equipe é o produtor, não é raro haver uma certa confusão sobre a diferença entre as duas funções. O stylist fica encarregado do planejamento criativo da imagem como mercadoria final dentro do que foi pedido pelo cliente, seja ele uma editora de revista, um diretor de arte, um fashion designer, uma agência de marketing; enquanto que o produtor de moda é responsável por buscar as peças, que devem compor a ideia imagética do stylist.
A busca do produtor sempre deve ter como base a pesquisa e o processo criativo do stylist, sem sair do briefing é claro; em lojas e marcas, assessorias de imprensa. Durante as negociações, o produtor pode alugar ou comprar os acessórios e roupas, ou por vezes, pode haver a ‘famosa’ permuta, onde o produtor negocia o empréstimo das peças em troca de créditos e visibilidade para a marca ou assessoria que permitiu o uso destas para o projeto.
Depois de obtidos os looks, o produtor deve organizar as peças no acervo em ordem de modelos e assim o stylist começa a construção física do look dentro das opções montadas pelo produtor. Uma mesma pessoa pode exercer as duas funções, tanto a de stylist como a de produtor, mas ter a opção de ter mais de uma visão artística com certeza alavanca o nível de qualidade do projeto final em todos os sentidos.
Piloto Lewis Hamilton, styling assinado por Law Roach. [FOTO: Reprodução/WSJ]
Styling comercial X Styling pessoal
Muitas pessoas se confundem acerca da diferença entre estilista e stylist, mas também há um equívoco na hora de discernir as diferentes funções de um stylist e um personal stylist. Basicamente, sua diferença se manifesta em relação ao público-alvo que desejam atingir e a forma como a imagem a ser criada será de fato construída.
O styling comercial atua ao lado de estilistas na construção da imagem da coleção em questão, seja nas passarelas, seja em campanhas publicitárias. Juntos eles devem pensar em cada detalhe do look, cada sapato, corte de cabelo, cor das unhas, maquiagem, acessórios que se comuniquem com a roupa em questão e assim transparecer a identidade da marca, a mensagem que esta quer passar, se aproximando do consumidor.
Além do styling para fins comerciais, existe o personal styling que refere-se a criação de uma imagem personalizada para alguém. O papel do personal stylist é justamente saber trabalhar a imagem do seu cliente com o objetivo de passar a mensagem que este quer passar, tal processo é responsável por auxiliar o estilo pessoal do cliente em torno do seu físico e da sua personalidade.
Zendaya usando Roberto Cavalli Outono/Inverno 2000 no tapete vermelho do Ballon d’Or [FOTO: Marc Piaseck/Getty Images] Alfred Molina como Doutor Octopus em ‘Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa’. [FOTO: Reprodução/Marvel Studios]
O uso da semiótica
Durante os estudos iniciais de moda todo estudante se depara com a ‘Semiótica’ – conjunto de estudos sobre a importância de se entender as simbologias, signos e significados por trás da mensagem, que neste caso a moda deseja passar. Em seu livro “A Linguagem das Roupas” , Alison Lurie inicia o debate sobre como durante a história da humanidade as roupas foram usadas como ferramentas de comunicação, como elas têm o poder de expressar seu sexo, idade e estilo de vida, por exemplo.
A semiótica se faz presente no styling desde o primeiro brainstorming de ideias, até o projeto final. O profissional encarregado deve levar em consideração a presença de cada elemento dentro do look e a sinergia entre eles na imagem que será construída.
O cabelo solto de um lado, ou preso do outro, uma unha pintada de uma certa cor que se comunique com a paleta das vestes e da maquiagem, o tipo de sapato, os acessórios, todos quando pensados como elementos complementares de um mesmo ‘ecossistema’, como signos e símbolos que compõem uma mesma mensagem, tem o poder de expressar o recado com maior clareza.
Law Roach, conhecido por ter trabalhado na imagem de celebridades como Zendaya, Anya-Taylor Joy, Lewis Hamilton; em diversos momentos utilizou dos recursos da semiótica em suas criações imagéticas, justamente para facilitar a mensagem que ele queria passar.
Um bom exemplo disso foram as aparições de Zendaya em tapetes vermelhos e reuniões de imprensa relacionadas ao ‘Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa’, dir. John Watts (2021). Roach soube fazer diversas referências ao filme nos look da atriz, como quando apostou no vestido personalizado de teia de aranha de alta-costura da Valentino; e no vestido da coleção de Outono/Inverno de 2000 de Roberto Cavalli, decotado nas costas com uma “coluna metalizada” fazendo uma alusão aos tentáculos de metal do Dr. Octopus, um dos vilões de Homem-Aranha.
A popularidade dessa profissão vem crescendo exponencialmente nos últimos anos entre celebridades, grandes veículos de comunicação e até mesmo entre pessoas que não fazem parte do mundo da moda mas que querem reconstruir sua imagem com o auxílio de um personal styling.
Grandes nomes do ramo, como: Mimi Cutrell, Law Roach, Maeve Reilly, Rita Lazarotti, Pedro Sales, Suyane Ynaya, Thiago Biagi e Carol Roquete; foram capazes de mostrar como um styling bem pensado e planejado é capaz de transformar a imagem e até mesmo carreira de personalidades dentro e fora do mundo da moda.
O reconhecimento desse tipo trabalhador pode trilhar os caminhos da moda para horizontes jamais alcançados antes, levantando grandes debates de cunho sócio-políticos e por vezes até ambiental, e abrindo os olhos de muitas pessoas que não enxergavam a importância da moda em todas as facetas que ela exerce influência. Afinal, a moda como forma de expressão foi capaz de comunicar ideias, status, crenças, culturas e política durante todo o percurso da história humana.
Estudar moda não deve ser pela simples busca pelo glamour, é um processo de muita leitura e busca por novidades, e entender as várias subáreas nela existentes é o primeiro passo para evolução de seus amantes. Durante esse processo, entender a moda como uma linguagem transformadora, como um agente ativo no mundo, facilita muito mais a compreensão de toda a extensão de seu poder na vida das pessoas. “O que você veste é como se apresenta, especialmente hoje, quando os contatos humanos são tão rápidos. Moda é uma linguagem instantânea”, disse Miuccia Prada.
Em entrevista com a Frenezi, o stylist Victor Miranda compartilhou um pouco da sua trajetória profissional, seu processo criativo, referências e seu ponto de vista sobre essa profissão que teve uma ascensão tão meteórica no mercado nos últimos 10 anos, e ainda compartilhou alguns conselhos para os que aspiram adentrar nesse mundo da moda seguindo pelo caminho do styling.
Stylist Victor Miranda ao lado de Pabllo Vittar. [FOTO: Reprodução/ Instagram]
COMO INICIOU NA PROFISSÃO? E COMO FOI A SUA ENTRADA NO MERCADO DE MODA?
Victor Miranda: Entrei na moda lá atrás com o jornalismo de moda, enquanto eu estava na faculdade, eu fiz publicidade. Porque eu sou de Brasília, e eu fazia faculdade de publicidade e propaganda em Brasília e no meio da faculdade eu percebi que não era publicidade o que eu queria, eu queria trabalhar com imagem, e eu pensava que eu queria muito ir para moda, mas em Brasília o mercado é escasso e eu não sabia para onde ir. Um amigo meu trabalhava num blog de moda, e ele me falou que havia uma vaga de estagiário no site e eu fui, conversamos e foi incrível, comecei escrevendo como estagiário. E percebi que queria mesmo trabalhar com imagem, então vim para São Paulo morar com um amigo. Lá atrás eu já mexia com produção para os meus amigos da banda Uó de Goiânia, mas nada muito grande, era por amizade mesmo, continuei vestindo eles em SP, isso há 8 anos atrás. Um amigo meu conheceu o Krisna, maquiador, que hoje é um grande meu, e o Krisna comentou com esse amigo que havia uma vaga para assistente de produção na Vogue e mandei um email com o meu CV e tive um retorno deles me chamando para uma entrevista. Fui assistente da Vogue por 2 anos, nesse meio tempo produzi também para outras stylist como a Renata Corrêa, mas sempre vestindo meus amigos da banda Uó em paralelo. Então o Mateus, da banda Uó, foi fazer um clipe com a Pabllo Vittar, e nesse dia conheci a Pabllo e um tempo depois ela me chamou para vestir ela e foi o momento que eu deixei de ser assistente depois de 6 anos e percebi que era minha virada de carreira. Foi então que comecei a assinar as minhas coisas e ganhei mais visibilidade.
COMO VOCÊ DEFINIRIA ESSE SEU PROCESSO CRIATIVO E A SUA ASSINATURA?
Victor Miranda: Acho que estou sempre em processo de tentar procurar o ‘novo’ né? Estou tentando sempre trazer algo que as pessoas ou não esperaram ou não foi visto “ainda”, entre aspas porque é muito difícil né. Tipo a gente acaba sendo refém de muitas coisas e enfim, mas acho que estou sempre ligada ao Pop mesmo, tipo o que é popular, o que é novidade. Linguagens novas, desse lado do pop mesmo, não só da música pop, mas Pop do popular mesmo e fazer essa irreverência e trazer um toque subversivo em alguma coisa nos meus trabalhos, que não necessariamente você esperaria ver ali.
COMO VOCÊ CONCILIA O BRIEFING DE UM JOB COM A SUA VISÃO CRIATIVA?
Victor Miranda: Depende muito da pessoa que me chama, por exemplo, com a Luísa é um processo muito tranquilo, nossa ligação e conversa é muito fácil. Primeiro eu recebo a idéia, o roteiro, enquanto estamos em reunião já vou montando meu moodboard, fazendo a decupagem e depois apresento para ela, junto com o artista ou com a pessoa, a gente chega num lugar em comum, é sempre uma troca.
Cantora Luísa Sonza. [FOTO: Reprodução/Instagram]
COMO É FAZER PARTE DA EQUIPE DE ESTILO DE CANTORAS DA MÚSICA POP BRASILEIRA COMO A LUÍSA SONZA E PABLLO VITTAR?
Victor Miranda: Cara, se eu te falar que eu não tenho muita noção, você vai falar que eu estou mentindo. Não tenho muita noção do trabalho, assim óbvio que eu tenho. Quando eu comecei a trabalhar com a Luísa, a gente cresceu juntos, porque eu comecei a trabalhar com ela antes da pandemia, tipo em novembro de 2019 que eu entrei na equipe. Então assim, eu tenho noção das coisas que eu faço, tenho plena noção das coisas que eu atingi até hoje mas se eu te falar 100% o tamanho, eu não sei dizer e eu fico muito feliz das mensagens, de ver as pessoas reproduzirem as roupas. É muito louco mas é muito divertido, mas eu não deixo virar um grande assunto na minha cabeça senão eu dou uma pirada.
Victor Miranda e Pabllo Vittar. [FOTO: Reprodução/Metrópoles]
O processo de se profissionalizar em qualquer área já não é fácil, e iniciar esse processo em um mercado que busca pela novidade e pela diversidade em um ritmo tão acelerado como o mercado de moda se torna um desafio ainda pior para aqueles que sonham em assinar o styling de algum projeto.
Para Victor Miranda, o maior desafio da profissão são os prazos de entrega. “É o clipe da Luisa que foi feito em uma semana, são coisas do tipo ‘amanhã ela vai num programa de Tv’ e temos que tirar uma roupa do nada. O mercado todo também é tipo, por exemplo, você faz uma publicidade e para 50 pessoas daqui duas semanas, preciso pensar no processo e enfim. Os prazos os que matam”.
Em contrapartida, poder estar presente por trás, no backstage, de todas as fases de um projeto é o que dá sentido e é a melhor parte de se trabalhar com styling, de acordo com Miranda.
Com esse crescimento desenfreado da indústria fashion, estar constantemente à procura de informação de estudos, sejam eles numa instituição acadêmica ou de forma autodidata, é o primeiro passo para os iniciantes no mercado. O ponto chave, na visão de Miranda, para qualquer um que sonha em trabalhar com a moda é acima de tudo estabelecer conexões, falar com as pessoas e realmente formar a sua rede de network.
“As coisas só vão dando certo quando as pessoas te veem. Então assim, manda mensagem, fala com as pessoas, esteja nos lugares onde as pessoas da área estão. Meu, por exemplo, você conseguiu entrar num desfile, eu ficava na porta da São Paulo Fashion Week esperando sobrar convite, sabe? E eu me arrependo muito de não ter ido falar com alguém, tipo ‘Oi, fulano. Eu sou o Victor, queria trabalhar com isso, o que eu faço? Você precisa de assistente?’Acho que é conexão, estar ligado no mundo, em ‘quem está fazendo tudo’, ‘quem está fazendo o que’, saber do mercado de fato”.
A sétima arte, como qualquer outra área do conhecimento, possui seus profissionais que compartilham dessa mesma paixão não somente com amigos de profissão, mas também com seus familiares. Não é difícil encontrar celebridades com algum grau de parentesco na indústria do audiovisual, desde pai e filho, até irmãos e primos —a “veia artística” é um fenômeno muito comum nessa indústria.
Contudo, será que cada um desses “descendentes” de cineastas e atores possui o gene de artista ou são meramente produtos do famoso “nepotismo”? Segundo o dicionário Aurélio, o termo “nepotismo” nasceu do latim nepote, “sobrinhos”, que com o sufixo -ismo tem-se “governo dos sobrinhos”; que refere-se à proteção escandalosa, favoritismo de parentes em detrimento de pessoas mais aptas à tarefa.
Examinar a trajetória da pessoa em questão é o primeiro passo antes de se pular para conclusões precipitadas, ao considerar que todo indivíduo que possui parentes que também trabalham no seu mesmo ofício não possui talento e tem toda sua carreira “posta em xeque” é sim uma forma de generalização.
O universo do cinema e da televisão já se mostrou ser um fértil ambiente para desabrochar o talento de várias pessoas que já possuem um familiar na frente ou atrás das câmeras. A possibilidade de ter suas habilidades exploradas em um ambiente criativo como nas artes não podia deixar de criar talentos em famílias desse campo, ou até melhor: dinastias do cinema.
Núcleos familiares como o dos Coppola, por exemplo, não só viram seu patriarca, Francis Ford Coppola, tornar-se uma das maiores lendas do audiovisual; Como também presenciaram o talento de sua esposa, Eleanor Coppola e de sua filha Sofia Coppola. Vale lembrar que Sofia viveu toda sua infância em sets de gravação e assim desde pequena foi incentivada a criar seu afeto pelas câmeras.
Cineasta nova-ioquina, Sofia Carmina Coppola. [FOTO: Reprodução/ La Stampa]
Em ‘O Poderoso Chefão III‘, dir. Francis F. Coppola (1990), o cineasta foi acusado duramente de nepotismo pelos críticos de cinema durante a escolha do elenco: Sofia, com apenas 19 anos de idade, entregou uma performance extremamente fraca durante o longa-metragem, trazendo à tona tal questionamento. Por outro lado, seus projetos como diretora, mais especificamente em ‘Maria Antonieta’, (2006); e ‘Virgens Suicidas’(1999), tiveram ótimas repercussões e todas as experiências em estúdios de gravação mostraram-se valiosas para a carreira da então emergente cineasta.
Outro diretor que parece ter sido de grande referência na escolha profissional de seus filhos foi Martin Scorsese. Sua filha, Domenica Scorsese, atuou em alguns filmes de seu pai, como: ‘O Cabo do Medo’ (1991) e ‘A Época da Inocência‘ (1993). Em 2016, Domenica fez sua estreia como cineasta em seu primeiro longa-metragem ‘Almost Paris‘, e apesar de não ter sofrido duras críticas, o filme também não obteve o sucesso esperado de um herdeiro de Scorsese.
Diretor Martin Scorsese acompanhado de suas duas filhas, Domenica (à direita) e Cathy Scorsese (à esquerda). [FOTO: Reprodução/ Getty Images]
Um famoso e intrigante caso envolvendo “familiares” no audiovisual, é o de Steven Spielberg e sua afilhada Drew Barrymore. A primeira aparição de sucesso da atriz nas telonas foi no clássico ‘E.T. o Extraterrestre‘, dir. Steven Spielberg (1982); aos 7 anos, Barrymore conquistou a atenção dos holofotes graças ao padrinho, que a escalou para fazer parte do elenco.
Após seu estouro, a atriz se tornou uma das queridinhas de Hollywood. Durante os anos de 1990 e início dos anos 2000, seu nome era sempre listado em algum novo projeto cinematográfico. Sucessos como: ‘Pânico‘, dir. Wes Craven (1996); ‘Nunca fui beijada‘, dir. Raja Gosnell (1999); ‘As Panteras‘, dir. McG (2003; ‘Como se fosse a primeira vez‘, dir. Peter Segall (2004) e entre muitos outros, compõem o rico portfólio da artista, e de certa forma tudo graças à Spielberg.
Barrymore, desde muito nova, foi assunto dos grandes tabloides, fosse pelas suas performances ou pelo seu comportamento rebelde na sua vida pessoal. A fama da artista não gira somente em torno de seu currículo, Barrymore além de ser afilhada de um dos maiores cineastas do cinema mundial, durante sua juventude era sempre capa das revistas de fofoca e é claro que esses eventos respingaram na opinião pública sobre a relação de Spielberg e Barrymore.
No caso da atriz, mesmo com a ajudinha de seu padrasto no início de carreira e com os vários escândalos que surgiram acerca de sua vida, nos anos subsequentes, suas performances poucas vezes deixou a desejar e ela soube usar muito bem a oportunidade que lhe foi dada de graça.
Aparentemente, Spielberg gosta de coletar afilhadas no alto escalão hollywoodiano. Os pais da intérprete californiana, Gwyneth Paltrow, que não são ninguém mais e ninguém menos que os atores Blythe Danner e Bruce Paltrow, também o escolheram como padrinho de Gwyneth. Assim como teve uma boa intuição sobre Barrymore, Steven Spielberg parece ter tido o mesmo pressentimento em relação à Paltrow.
Gwyneth já teve a chance de trabalhar com a mãe, Blythe Danner, no sucesso de bilheteria ‘Sylvia‘, dir. Christine Jeffs (2003), longa biográfico que retrata a vida da famosa poeta estadunidense Sylvia Plath. No filme, Paltrow e Danner têm a sorte de interpretar mãe e filha.
Além disso, Paltrow teve uma pequena participação ao lado de seu padrinho, Steven Spielberg, no clássico de 2002 ‘Austin Powers em O Homem do Membro de Ouro‘, dir. Jay Roach. Porém, até o momento, a atriz não teve a mesma sorte de trabalhar em mais projetos com Spielberg, como Drew Barrymore.
Drew Barrymore (à esquerda), Steven Spielberg e Gwyneth Paltrow (à direita). [FOTO: Reprodução/ Getty Images]
Todos se surpreenderam quando o nome de Billie Lourd saiu como parte do elenco de ‘Star Wars: O Despertar da Força‘, dir. J.J. Abrams (2015), levando em conta que a atriz é filha de Carrie Fisher, atriz conhecida pelo seu lendário papel na franquia de Star Wars como princesa Leia.
Lourd, mesmo seguindo os passos da mãe, tem conseguido trilhar sua própria jornada. A atriz teve seu primeiro pico de ascensão nas séries de terror ‘American Horror Story’, (2011 – …) e ‘Screams Queens’, (2015 – 2016).
Ao sair um pouco do cinema estadunidense, é possível enxergar esse mesmo padrão também no cinema internacional, como é o caso do diretor de cinema francês Philippe Garrel e seu filho Louis Garrel.
O jovem Garrel, conseguiu um sucesso estrondoso dentro e fora do cinema francês, com o seu filme de maior sucesso ‘Os Sonhadores‘, dir. Bernardo Bertolucci (2003); ‘Minha Mãe‘, dir. Christophe Honoré (2004) e mais recentemente o sucesso de bilheteria ‘Mulherzinhas’, dir. Greta Gerwig (2020).
Essa dupla de pai e filho, também já tiveram a chance de trabalharem juntos nas telonas em filmes, como: ‘Amantes Constantes’ (2005); ‘A Fronteira da Alvorada‘ (2008) e ‘O Ciúme‘ (2013), todos dirigidos por Philippe e protagonizado por Louis.
Talvez cada sucesso do primogênito de Philippe tenha sido sim por conta das influências de um pai que acreditava no talento do filho, mas no fim das contas Philippe Garrel fez bem em apostar no potencial do filho nas frentes das câmeras.
hilippe Garrel e Louis Garrel. [FOTO: Reprodução/ Adorocinema]
Uma atriz que tem tido uma grande atenção da mídia nos últimos anos é Lily-Rose Depp, filha do grande astro de cinema, Johnny Depp. Com apenas 22 anos, a artista já possui um vasto currículo ao lado de grandes nomes da indústria, mas a pergunta que não quer calar: “Ela tem o que é necessário para estar à altura de trabalhar nesse mercado de trabalho?”
A resposta é um tanto complicada, pois ao mesmo tempo que seu nome indiscutivelmente possui sim um peso de “respeito”nesse meio cinematográfico, é impossível esquecer que quem construiu-o foi seu pai, Johnny. Até o presente momento, a intérprete não abismou verdadeiramente os amantes de cinema ou seus críticos.
No entanto, não pode-se negar que o mundo dos artistas já mostrou incontáveis vezes que o talento para as artes pode ser “herdado” pelo DNA. Talvez eventualmente, Lily possa ter a oportunidade de explorar mais o seu talento na arte da performance e honrar o legado de seu pai, ainda assim a atriz e modelo ainda tem um grande caminho para percorrer.
Atriz Lily-Rose Depp. [FOTO: Reprodução/ Evening Standard UK]
E esses artistas citados são alguns da gigantesca legião de profissionais da área que nasceram com a arte já inserida na família. A lista é realmente interminável desde o clã da família Smith, que também atua no universo musical; passando por Angelina Jolie, filha do ator Jon Voight; Zoe Kravitz e seu pai Lenny Kravitz; Emma Roberts, ao lado de sua tia, Julia Roberts; Blake Lively e Ernie Lively; Kate Hudson e sua mãe Goldie Hawn; Jake Gyllenhaal e sua irmã Maggie; até Dakota Johnson e Don Johnson.
O mundo das artes, como qualquer outra área do conhecimento, possui suas dificuldades para se atingir o sucesso, mas com um bom network, tudo fica mais fácil, não é mesmo? É claro que um incentivo dos pais, tios ou padrinhos sempre ajuda, porém quando se trata de convencer os críticos de cinema sobre seu talento, e fazer valer a oportunidade que lhe foi dada, não é tão fácil assim.
Muitos desses artistas que receberam esse incentivo, souberam usar com sabedoria a chance de mostrarem que eram dignos do reconhecimento que ganharam. Exemplos de intérpretes que souberam provar que mereciam a admiração que receberam foram Angelina Jolie, Dakota Johnson, Jake Gyllenhaal, Kate Hudson e Zoe Kravitz. Por outro lado, ainda existem muitos que necessitam provar serem dignos do espaço que conquistaram nesta indústria, como Emma Roberts, que ainda vive um pouco na sombra de sua tia; Willow e Jaden Smith ; e Lily-Rose Depp.
Ser um filho do “nepotismo” vem com muito mais dúvidas e reservas acerca do seu potencial, e justamente por terem tido esse caminho concedido, é de responsabilidade desses profissionais honrar essa oportunidade, que muitos matariam para conquistar.
A indústria do cinema, apesar de ser uma terra fértil para a produção de obras de arte incríveis, também possui seu lado sombrio, e como em qualquer outro ofício é preciso “matar um leão por dia” para garantir o seu espaço na frente ou atrás das câmeras.
Já se perguntaram como os atores se preparam e estudam para entrarem em cena?
No mundo das artes cênicas, existe uma infinidade de estudos, técnicas e métodos de atuação que um ator pode e deve considerar ao entrar na sua personagem.
Durante o processo de estudo do roteiro, o elenco passa por vários exercícios como controle vocal, linguagem corporal, estudo e processo de criação da personagem. Esses métodos são algumas ferramentas que ajudam os atores nessa empreitada, dando vida à essa história, que estão prestes a contar.
TÉCNICA 1: MÉTODO DE STANISLAVSKI OU ATUAÇÃO CLÁSSICA
Uma das mais importantes técnicas de atuação que existem e a que foi precursora de muitas, consequentemente, é a Técnica de Stanislavski. Seu criador é o escritor e dramaturgo Constantin Stanislavski, nascido em Moscou. Intitulada de Método Stanislavski ou Atuação Clássica, ela consiste em estudar diversas capacidades humanas e treiná-las com a finalidade de as transformar em ferramentas no momento da performance do ator.
Essas habilidades incluem: concentração, voz, memória emocional, análise textual e observação. Tal método trabalha com os sentimentos e experiências pessoais do ator que possam se comunicar com a história da personagem. Stanislavski inspirou diversos outros métodos de interpretação.
Dramaturgo russo, Constantin Stanislavski. [FOTO: Reprodução/ Portal dos Atores]
TÉCNICA 2: MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO PARA ATORES OU O MÉTODO
Em paralelo a técnica de Constantin Stanislavski, outro método que ficou conhecido mundialmente foi o de Lee Strasberg. Chamado de Método de Interpretação para Atores ou O Método, foi desenvolvida pelo dramaturgo ucraniano, Lee Strasberg.
A técnica consiste na ação do ator de desenvolver em si mesmo os pensamentos e sentimentos de seu personagem, com o objetivo de tornar sua interpretação o mais parecida possível com a realidade.
Este ator deve ativar suas próprias memórias afetivas e sentimentais para facilitar na hora de trazer à tona as emoções do roteiro. Esse método é atingido com a ajuda de exercícios mentais e físicos com o auxílio de um preparador de elenco.
Os estudos sobre O Método se tornaram amplamente difundidos nas artes cênicas desde o alto escalão hollywoodiano até os iniciantes de carreira. Atores como Jake Gyllenhaal – foi um adepto das técnicas de Strasberg durante o filme O Abutre(2014, dir. Dan Gilroy); Shia Labeouf em seu longa-metragem Fury (2014, dir. David Ayer); e Joaquin Phoenix, no decorrer das filmagens do filme O Mestre(2012, dir. Paul Thomas Anderson). Estes são alguns dos famosos que se utilizam dessa técnica durante suas gravações.
Ator Jake Gyllenhaal, em O Abutre (2014) [ Foto: Divulgação/ Bold Films]
TÉCNICA 3: TÉCNICA DE STELLA ADLER
Houveram também talentosas artistas mulheres que se arriscaram em estudar a fundo os pilares da performance cênica, e assim traçarem seus próprios caminhos nos estudos da interpretação. Uma delas foi Stella Adler, atriz e diretora nova-iorquina, criadora do método conhecido como a Técnica Stella Adler, que se refere ao uso do poder de influência da imaginação do próprio ator durante a cena.
Segundo Adler, é necessário que o ator ou atriz use de sua imaginação ativa para adaptar a realidade da obra que está sendo trabalhada, de forma criativa. Com o intuito de chegar nesse resultado, o intérprete deve focar na criação do passado de seu personagem, como também na criação do local em que a cena acontece.
A atriz sofreu influências tanto de Stanislavski, quanto de Strasberg. Apesar de ter sido discípula de Stanislavski e ser conhecedora do Method Acting, Adler afirmava que ter como foco principal – durante a performance – o acesso às memórias reais do ator, não era uma caminho saudável.
TÉCNICA 4: TÉCNICA DE IMPROVISAÇÃO
Mais uma grande estudiosa das teses de Stanislavski, foi a atriz Viola Spolin, autora de diversos livros sobre a Técnica de Improvisação. Spolin defendia que os jogos teatrais ensinados aos atores em fase de formação podem ajudá-los em cena, ao trabalhar com a espontaneidade e com suas capacidades intuitivas e não ficar preso somente ao roteiro, é necessário dar voz à criatividade do ator.
O trabalho em grupo do elenco e desapego ao roteiro são noções básicas de todo ator que queira trabalhar com a liberdade dada a ele pelo diretor, segundo a atriz.
A ferramenta da improvisação já foi e ainda é incentivada por muitos diretores, com o intuito de extrair do intérprete a maior naturalidade possível. No longa-metragemLaranja Mecânica(1971, dir. Stanley Kubrick), o ator britânico Malcolm McDowell seguiu sua intuição em uma das cenas mais tensas e cruciais do enredo. Seu personagem Alex, líder uma gangue de delinquentes, durante um de seus assaltos resolve molestar a dona da casa em que o crime está acontecendo. Para “suavizar”a intensa cena, McDowell começa a cantarolar o clássico de Gene Kelly, Singing In The Rain. Kubrick se encantou com a improvisação de McDowell e deixou a cena nos cortes finais do filme, mesmo sendo resultado de uma ação não roteirizada.
Ator Malcolm McDowell, em Laranja Mecânica (1971). [Foto:Divulgação/Warner Bros. Pictures]
TÉCNICA 5: TÉCNICA GROTOWSKI
Além dos métodos americanos, outro método muito importante na preparação de um elenco foi o método implantado pelo diretor e teórico polonês das artes cênicas, Jerzy Grotowski.
Muito impulsionado pelas teorias de Stanislavski e Brecht, ator e teórico teatral alemão, Grotowski acreditava que o ator deveria usar de suas experiências pessoais para a construção dos sentimentos do personagem, mas ele afirmava que é de responsabilidade do próprio ator cuidar da sua saúde mental.
Mas o que ele quer dizer com isso? Pode soar óbvio ou até mesmo duro essa fala de Grotowski, porém é muito mais fácil de entender seu ponto de vista quando vemos atores como Heath Ledger, durante o filme O Cavaleiro das Trevas(2008, dir. Christopher Nolan). No longa-metragem, onde ele interpretou o lendário Coringa, Ledger afirmou ter tomado medicamentos para dormir durante as gravações do filme por conta da carga emocional intensa que o personagem exigia dele.
Ator Heath Ledger, em O Cavaleiro das Trevas (2008). [Foto: Divulgação/ Warner Bros. Pictures]
Ao traçar este paralelo, conseguimos entender o que Grotowski quis dizer, o ator deve acreditar nas palavras de seu papel mas deve-se permanecer ciente de sua própria realidade e identidade.
Segundo o alemão, isso pode ser atingido por meio de uma leitura de roteiro acompanhada de uma intensa preparação psicofísica, trazendo sempre o ator a sua realidade e não havendo uma identificação psicologicamente íntima com o papel.
TÉCNICA 6: TÉCNICA DE PETER BROOK
Outro grande dramaturgo que decidiu colocar sua criatividade e seu conhecimento à prova na formulação de mais uma técnica cênica foi o diretor de elenco londrino, Peter Brook. Ele parte do pressuposto que a platéia deve simpatizar com as emoções das personagens, do contrário, o ator falhou durante sua interpretação.
É necessário que haja uma ligação direta entre os atores e seu público, essa ligação deve acontecer por meio do ato de provocar uma intensa reação emocional dos espectadores. Brook afirma que para conseguir esse efeito era preciso deixar o público desconfortável, contorcendo-se de dentro para fora. Ir além do roteiro, e expressar as emoções de forma física era a receita para firmar essa comunicação entre o artista e sua platéia.
TÉCNICA 7: EXERCÍCIO DA REPETIÇÃO
Sob influência do mestre ucraniano Lee Strasberg , o ator nova-iorquino Sanford ‘Sandy’ Meisner ficou conhecido por criar uma técnica, resultante dos seus estudos sobre o método de Strasberg, chamada de Exercício da Repetição. Ela diz respeito à concentração que o ator deve ter, este não pode focar somente no que está fazendo mas deve prestar atenção no outro, naquele instante, como se mais nada importasse no momento da ação, no palco.
Com o intuito de melhorar a compreensão de seus alunos acerca do seu método, Sandy desenvolveu um exercício de preparação para atores chamado de Exercício de Repetição, onde os atores em cena devem sentar-se frente a frente com o outro e repetir a mesma frase com diferentes intenções.
A cada repetição a entonação, a linguagem corporal e as feições mudam, trazendo à tona a espontaneidade na relação entre os atores.
Dramaturgo, Sanford ‘Sandy’ Meisner. [Foto: Reprodução/ Portal dos Atores]
As possibilidades e artimanhas usadas durante a construção de um personagem são infinitas, e um ator acompanhado de um diretor de elenco experiente sabe usar essas ferramentas para trazer verdade durante sua performance.
É necessário frisar que muitos desses métodos surgiram do teatro e sofreram muitas adaptações ao longo dos anos para poderem ser usados na frente das câmeras. Além disso, cada artista durante sua carreira e seu processo de experimentações desenvolve sua própria maneira de praticar os métodos de atuação, que hoje são ensinados aos jovens atores como dogmas das artes cênicas.
O caso que chocou o Brasil em 2002, o homicídio cometido por Suzane Von Richthofen, Daniel e Cristian Cravinhos, ganhou seu longa-metragem disponibilizado pela Amazon Prime, na sexta-feira do dia 24/09. A expectativa pelo filme começou com a divulgação de seu trailer em fevereiro de 2020, mas sua estreia foi adiada devido a pandemia, chegando às telas de casa somente em 2021.
É necessário pontuar que o longa-metragem foi escrito e produzido seguindo uma ordem narrativa, que leva em consideração os depoimentos dos autores do crime. Tal ordem é de extrema importância para a compreensão dos fatos.
Inicialmente, segundo o roteirista Raphael Montes, o enredo reunia os pontos de vista de dois dos três autores do crime – Suzane e Daniel – em um só roteiro. Depois de muitas discussões o diretor Maurício Eça propõe a inovação de criar uma experiência narrativa ainda mais completa: cada ponto de vista ganhou seu próprio filme.
Mas qual a ordem correta dos filmes, para o entendimento da história? De acordo com Maurício Eça, deve-se começar a experiência pelo ‘O Menino que Matou Meus Pais’ e dar continuidade com ‘A Menina que Matou Os Pais’.
A história ocorreu no início dos anos 2000, no Campo Belo, bairro de classe média alta na Zona Sul de São Paulo. Marísia, Manfred, Suzane e Andreas Von Richthofen formavam aparentemente uma família normal, bem reservada e extremamente culta e bem instruída. O casal, Marísia e Manfred, sempre proporcionaram as melhores oportunidades de estudo, conforto e lazer para Suzane e seu caçula.
Família Von Richthofen [Foto: Wikimedia Commons]
Andreas era muito interessado por aeromodelismo, e em 1999 conheceu seu professor, Daniel Cravinhos, que logo demonstrou interesse pela sua irmã mais velha. Pouco tempo depois, Suzane e Daniel começam um relacionamento que resultou em empréstimos, muito uso de drogas, descontentamento da família Richthofen em relação ao namoro e o eventual homicídio.
Na fatídica noite do dia 31 de outubro de 2002, Suzane e Daniel deixam Andreas na LAN house Red Play e supostamente dirigem-se a um motel. Depois, Suzane busca Andreas e deixa Daniel em casa. Ao chegar na casa dos Von Richthofen, os irmãos encontram-na com sinais de invasão. Suzane liga para o namorado e para a polícia, que logo menos chega ao local, fazem a ronda e encontram mortos os pais da adolescente no quarto do casal localizado no segundo andar da residência.
A filha mais velha não esboça nenhuma reação de sofrimento com a confirmação de morte dada pela polícia, fato que aguça as suspeitas das autoridades. Rapidamente, a casa foi interditada e o caso ficou mais “incomum” a cada nova pista, reação ou fala de Daniel e Suzane.
Os investigadores começam a suspeitar de uma possível participação do jovem casal na autoria do crime. Depois de muitas apurações, a polícia chega até Cristian Cravinhos, irmão mais velho de Daniel, através de uma compra suspeita feita pelo jovem usando o dinheiro dos Von Richthofen. Cristian confessa sua participação no crime. Assim, as confissões vêm à tona e o casal descreve minuciosamente como planejaram o assassinato.
Manfred e Marísia foram golpeados na cabeça por Daniel e Cristian. A mãe de Suzane não morreu instantaneamente, pela surpresa dos irmãos Cravinhos, que finalizaram o assassinato, sufocando-a com toalhas molhadas. Finalizado o assassinato, a filha do casal se encarrega de montar uma cena de latrocínio para despistar as autoridades.
Irmãos Von Richthofen no enterro dos pais. [Foto: Flávio Grieger/ Folhapress/ Arquivo]
A cena inicial de ambos os filmes retrata a chegada da viatura de polícia à casa, e todo o enredo gira em torno dos momentos de tensão, jogos, e manipulação vividas pelo casal, que culminaram na tragédia.
Os longas-metragens são repletos de saltos no espaço-tempo entre as memórias dos autores do crime e o dia do julgamento, que ocorreu 4 anos após o ocorrido.
Quando é feita a análise de qualquer narrativa em que a personagem principal também é narradora precisamos prestar atenção nos mínimos detalhes da história para identificar as falhas da narrativa, já que o narrador é parcial, e isso não seria diferente na análise desses dois filmes. Tanto a versão de Suzane como a de Daniel possuem falhas e discordâncias por se tratarem do ponto de vista de dois agentes envolvidos emocionalmente no enredo.
Detalhes como figurino, cabelo e maquiagem do filme foram analisados em diversas entrevistas, reportagens e takes dos próprios depoimentos dos assassinos, e o resultado não deixou nada a desejar!
A forma como o figurino foi empregado na trajetória dos personagens traz uma cara nova aos envolvidos na história, sem necessariamente distorcer suas personalidades. Sabe-se que uma das táticas judiciais de Von Richthofen durante seu julgamento foram as roupas infantis e a fala mansa da acusada, e os figurinistas souberam trazer um “novo ar” de inocência para a personagem, sem perder a fidelidade ao que foi real.
A equipe de arte e figurino utiliza da semiótica, ciência que estuda os signos e simbologias para o processo de significação na natureza e cultura, em pequenos detalhes durante o longa. A toalha preta (em uma versão) e branca (em outra versão) que Daniel veste no pós-banho do seu aniversário, ou até mesmo o terço que Suzane usa durante seus depoimentos no dia do julgamento.
Carla Diaz como Suzane em ‘O Menino que Matou Os Meus Pais’ (2021) [Foto: Reprodução/ Youtube]
A sincronia entre a luz e a trilha sonora em momentos de tensão nos dois filmes, principalmente nas cenas de uso de drogas da Suzane ou na cena em que Daniel e sua namorada planejam o homicídio em ‘A Menina que Matou Os Pais’ foi muito bem pensada pelo diretor de arte e fotografia.
A atuação, no entanto, deixou um pouco a desejar em certos momentos. Alguns maneirismos da atriz Carla Diaz, que interpreta a Suzane, foram muito bem estudados e analisados para incorporar o papel, principalmente nas cenas em que Von Richthofen dava seus depoimentos em julgamento.
Já em outras cenas, a atuação peca pelo seu exagero nas atitudes e abordagens das personagens. Ao comparar ambos os filmes, certos atores se saíram melhor em uma versão do que em outra, como foi o caso do ator Leonardo Bittencourt (Daniel Cravinhos). Sua versão do assassino em ‘O Menino que Matou Meus Pais’ entregou mais verdade durante a performance do que no filme em sequência.
Essa divisão do projeto, feita por pontos de vista diferentes, permite a interpretação de mesmos eventos através de uma narrativa em que o próprio narrador se isenta da culpa. Alguns ótimos exemplos disso são, por exemplo, a cena do parque em que na visão de Suzane, Daniel irrita-se com o serviço de um hotel barato; e em contrapartida na visão de Daniel, Suzane ironiza a pousada em que Daniel está hospedado pela condição financeira do rapaz.
Outro momento importante para a análise do filme, é quando em ‘A Menina que Matou Os Pais’, a protagonista chega aos prantos na casa de Cravinhos e para convencê-lo a entrar na empreitada de matar seus pais, alega que Manfred é um pai alcoólatra e abusivo. Já pelo ponto de vista de Suzane, a mesma afirma que naquele momento sem ter tido forças para enfrentar seus pais, ela aceitava tudo o que Daniel falava, e em suas próprias palavras finaliza dizendo que para ela era “Deus no céu e Daniel na Terra”.
Carla Diaz e Leonardo Bittencourt em ‘A Menina que Matou Os Pais’. [Foto: Reprodução/Youtube]
Logo no final dos dois longas-metragens, o público é surpreendido com a quebra da quarta parede dos dois protagonistas. Em seu ponto de vista Suzane alegou que pouco tempo antes da tragédia ela não conseguiu questionar o parceiro e simplesmente o obedeceu. Por outro lado, Daniel afirma que neste mesmo momento estava “totalmente perdido”, tentando assimilar o que estava acontecendo.
Notar a escolha de vocabulário dos personagens principais torna-se ainda mais significativo ao saber que Carla Diaz (Suzane Von Richthofen) e Leonardo Bittencourt (Daniel Cravinhos) foram proibidos de qualquer tipo de improvisação durante as gravações, segundo a atriz em entrevista dada ao AdoroCinema. A estratégia narrativa foi justamente pensada para ser o mais fiel possível a cada palavra dita nos depoimentos.
A escolha dos roteiristas e do diretor de trazer à tona essas duas versões de um dos casos que mais aterrorizaram a população brasileira, foi uma proposta interessante, levando em consideração a popularidade do caso e as diversas versões contadas pela mídia e pelos investigadores da época.
À medida que o filme avança, ele proporciona uma visão clara acerca dos jogos de manipulação que já ocorriam na vida desses personagens muito antes da própria tragédia acontecer. Entender que toda história possui dois lados da verdade torna essa experiência cinematográfica ainda mais intensa.
É importante ressaltar que nenhum dos dois filmes resume a verdade sobre o caso na sua totalidade. Toda obra bibliográfica pode usar da “boa e velha” licença poética para engajar ainda mais os espectadores durante a trama, e com toda certeza esse projeto não foi a exceção. O resultado final soube trazer dois filmes isentos de uma opinião concreta sobre a quem recai a culpa e ainda soube não romantizar a atrocidade.
Ter a oportunidade de assistir um caso verídico num projeto cinematográfico feito com tanto estudo e apuração do ocorrido, é realmente uma experiência única. O filme soube trazer a oportunidade aos espectadores de formarem sua própria opinião sobre o ocorrido e fica o convite para vocês, amantes do cinema, a também se questionarem sobre como esses personagens deixaram que suas vidas chegassem a esse ponto.
Confira o trailer:
Trailer Oficial de ‘O Menino que Matou Meus Pais’ e ‘A Menina que Matou Os Pais’.
Sala escura, pipoca feita na hora, o som dos trailers e aquele friozinho na barriga no início de um filme, é tudo o que um bom cinéfilo sentiu falta durante a pandemia da Covid-19.
A oportunidade de apreciar um filme bem feito na atmosfera de uma sala de cinema é realmente indescritível, mas já parou para pensar na dinâmica por trás das câmeras?
Entender o que se passa nos bastidores de um set de gravações pode ser comparado com as engrenagens de um relógio: todas as partes possuem uma função autônoma, mas no fim do dia o relógio só mostra suas horas se todos os elementos trabalharem juntos.
E para todos aqueles amantes de cinema, entender cada parte dessa peculiar engrenagem é essencial, dessa forma, segue abaixo um manual de como cada parte funciona para resultar em um bom filme!
Direção Geral
Quando pensamos em cinema, pensamos no Oscar, nos cineastas renomados que nos serviram filmes icônicos como E.T. O Extraterrestre(1982) ou Titanic (1997)… E realmente é poético termos essa primeira visão sobre esse profissional, mas existem muitas camadas para se entender a complexidade de sua função.
O diretor de cinema tem a difícil responsabilidade de “tirar a história do papel”e torná-la real. Sua tarefa consiste em montar uma equipe de produção de audiovisual – isso engloba os cinegrafistas (cameraman), diretor de fotografia, diretor de arte, diretor de som e cada assistente associado ao departamento de audiovisual.
Outro dever do diretor geral é definir o que chamamos de Proposta de Direção, que explica detalhadamente os caminhos que cada departamento do filme deve seguir. Som, arte, fotografia, cenografia, todos esses setores devem seguir as ordens da proposta de direção como dogmas. O documento em questão também facilita o trabalho de cada atividade dentro do set com referências e informações.
Diretor de Arte
A direção de arte de um filme consiste em planejar o conceito, a atmosfera visual da narrativa. Este profissional raramente trabalha sozinho, dependendo de outros funcionários que o auxiliam a atingir o conteúdo imagético para o filme.
Existe até mesmo o que chamamos de “hierarquia de Desenho de Produção”no cinema, principalmente em longas metragens de alto valor envolvido.
Em primeiro lugar, temos o Coordenador de Arte, que é responsável pela gestão administrativa e financeira do departamento de arte; em seguida, temos o próprio Production Designer ou Diretor de Arte, já mencionado; e por fim o Assistente de Arte, que a função geral consiste em acompanhar o planejamento do diretor e assegurar de que nada do plano visual seja esquecido durante as filmagens.
Importante lembrarmos de que dentro da função de Assistente de Arte existe uma subdivisão: primeiro e segundo assistentes. O primeiro assistente deve direcionar as equipes acerca das suas prioridades, organizar os horários de cada atividade, atualizar o plano de filmagem para o dia seguinte e observar os planos de filmagem para que não haja erro de continuação nas cenas seguintes .
Já o segundo assistente recepciona a chegada do elenco controlando os horários definidos para a ordem do dia; é responsável pelo andamento do camarim e supervisiona as atividades paralelas a gravação como provas de figurino, fotos de cenas e ensaios.
O Grande Hotel Budapeste (2014), dir. Wes Anderson [Foto: Divulgação/Searchlight Pictures]
Diretor de Fotografia
A direção de fotografia possui a responsabilidade de juntar todos os elementos do planejamento de filmagem – sejam eles sonoros, de cenário ou roteiro, e construir com esses elementos as imagens em movimento. Cada cena, enquadramento, ‘take’ das câmeras deve seguir uma linha lógica de raciocínio que está sob a supervisão do diretor de fotografia.
Aspectos do local, dos figurinos e cores podem mudar completamente dependendo do manuseio das câmeras, provando a importância dessa função no set e do seu poder de influência no olhar óptico do espectador.
O profissional à frente desse departamento deve supervisionar o foquista, o cinegrafista, os eletricistas, assistente de câmeras e equipe de luz para garantir que a atmosfera imagética pensada pelo diretor de arte e roteirista sejam atingidas.
Detalhes como tipos de lente como uma 40mm ou 50mm, filtros, manuseio da câmera pela mão ou câmera fixa são todas decisões definidas pelo diretor de fotografia também durante o planejamento da Decupagem ou Shooting Board, que refere-se aos enquadramentos dos planos visuais de cada take do filme.
Ter um olhar artístico durante esse processo é o que define o estilo de fotografia de cada diretor, levando em consideração que cada estilo pode ser interpretado como uma assinatura desse especialista.
Alguns dos diretores com estilos singulares de fotografia são Wes Anderson com sua inusitada paleta de cores em filmes como O Grande Hotel Budapeste (2014); Woody Allen com seus enquadramentos em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977); clássicos como Kubrick em O Iluminado (1980); e Del Toro, que aproveita de sua sensibilidade como um artista plástico em sua filmografia também.
Outras personalidades importantes do cinema como Tarantino e Sofia Coppola também traduzem sua visão artística por meio de um estilo de fotografia específico. A lista não para desde Scorsese em Goodfellas(1990), passando por Spike Lee, Spielberg e Chloe Zhao, todos diretores que transmitem sua personalidade através da lente de uma boa câmera.
Produção
Podemos dizer que o cargo mais importante na pirâmide hierárquica do cinema é o Produtor. Cada decisão, do início ao fim do projeto, é tomada pelo produtor de cinema. Sua tarefa começa na tentativa de convencer os investidores de que o projeto vale a pena a ser investido e trará altos números de bilheteria, e alta lucratividade .
Resumindo, seu papel fundamental é garantir a verba necessária para a rodagem do filme. O produtor pode estar envolvido na parte criativa ou pode ser apenas um investidor.
Escolha de locações, cronograma das filmagens, proteger os direitos da obra, supervisionar o elenco, controle do orçamento, formação de toda a equipe desde o roteirista até o assistente mais básico da cadeia profissional – tudo fica a cargo do departamento de produção.
A fim de ajudar o produtor, o gerente de locação deve obter a autorização de uso dos locais escolhidos, enquanto o gerente de produção controla os gastos diários da produção. Torna-se importante também traçarmos a diferença entre Produtor e Produtor-executivo, o primeiro é responsável por administrar o dinheiro enquanto o segundo é encarregado de garantir o financiamento para o filme.
A produção precisa ter uma linha de comunicação direta com os roteiristas e os diretores para se certificar de que o projeto está seguindo o plano pensado originalmente pelos acionistas e garantir sucesso de vendas.
Nas fases finais do projeto, este especialista continua em negociação com o diretor e equipe de pós-produção para definir as estratégias de marketing para a divulgação do filme.
Roteiro
Todo filme com uma narrativa envolvente é pensado, escrito e reescrito por uma equipe de roteiristas que não só entende de literatura, mas acima de tudo sabe adaptar a história para a sétima arte. Estes profissionais devem estar atentos à proposta do projeto, tipo de obra audiovisual, exigida pelos diretores e produtores.
O roteiro nada mais é do que um documento sobre o que deve ser capturado pelas câmeras e a forma como isso deve ser orquestrado pela equipe de direção. Cada projeto precisa de técnicas diferentes de linguagem para apresentar a história contada, seus personagens e ambientes por meio do roteiro.
Um bom roteirista sabe aplicar e abusar das boas estruturas narrativas para não só garantir a riqueza do conteúdo mas também para atender aos padrões do mercado de cinema. Depois de várias mudanças na fase de desenvolvimento do roteiro, e com a aprovação da versão final, o projeto começa a ganhar “corpo, nome e sobrenome”, e sua produção finalmente se inicia.
Casting
A escolha do elenco de um filme é papel do diretor de elenco, que organiza o processo de casting, audições, testes de química (interação) e callbacks. O elenco entra no projeto depois de aprovado a versão final do roteiro, que muitas vezes já é escrito com alguns atores pré definidos.
Houveram até casos em que alguns destes atores pré definidos, chegaram a participar da produção (financiamento) do filme em que atuaram. Vale lembrar que os atores pensados previamente são contratados com base em um admirável portfólio ou por estarem em alta na mídia.
A curadoria de um bom elenco tem o poder de decidir o sucesso ou não da produção, não somente quando pensamos no talento dos atores, mas também na química que estes têm em cena juntos. Quando o teste de interação não é levado a sério, o público tem dificuldade de acreditar na conexão que os personagens possuem, o que pode colocar em cheque toda a narrativa.
Cenário da série de comédia Friends [Reprodução Revista Celebrity Land]
Cenografia
O cenógrafo é responsável por coordenar toda a ambientação do filme, desde lugares já existentes até cenários que precisam ser construídos somente para a gravação. Ele trabalha lado a lado com o diretor de arte e o produtor durante a montagem dos cenários, com o objetivo de atender a visão artística do diretor de arte e não ultrapassar no orçamento do produtor.
Saber e decorar o roteiro na íntegra é um dos deveres de um cenógrafo durante a projeção dos ambientes. Existem dois tipos de ambientação: a Externa, locais reais que necessitam de autorização e locação para a gravação da obra; e a Interna, aquele ambiente que reproduz locais fechados como salas de TV, bares, escolas e entre outros.
Outra curiosidade sobre o departamento de cenografia, é que este não só está à frente das decisões acerca da estrutura do cenário mas também seleciona os objetos (Set Props), que em sua maioria são objetos de decoração.
Ao longo da produção do filme, outros departamentos também dependem das decisões feitas pelo cenógrafo, como a equipe de luz, som e até mesmo figurino, como veremos a seguir.
A Voz Suprema do Blues (2020), dir. George C. Wolfe [Foto: Divulgação/Netflix]
Figurino, Cabelo e Maquiagem
Da mesma forma que há um longo processo de tentativa e erro na estruturação do cenário e da fotografia , é preciso que a aparência dos atores em cena seja condizente com o universo do enredo. Cada figurinista, maquiador e cabeleireiro responde diretamente ao diretor de arte e à proposta exigida pelo roteiro.
Vários estudos são elaborados para a formação do guarda-roupa das personagens, pesquisa de estéticas diferentes que dialogam com a história, cores, tecidos, acessórios e entre outros. Acompanhado por uma extensa equipe de estilistas, costureiros, peruqueiros e assistentes de guarda-roupa, o figurinista é responsável por trazer para nossa realidade essas personagens.
Além disso, a maquiagem em comunicação com o figurino facilita o trabalho do ator de dar vida ao personagem, criando a fisionomia deste. Um bom maquiador deve retocar a maquiagem pelo menos uma vez durante o dia, sem contar os filmes que necessitam de maquiagens específicas como efeitos especiais.
Vingadores: Ultimato (2019), dir. Anthony Russo e Joe Russo [Reprodução Marvel616]
Edição e Efeitos especiais
A maioria das pessoas acredita que os filmes são produzidos na ordem cronológica da narrativa, como ocorre no teatro, mas na realidade o diretor não se preocupa com essa sequência temporal durante a produção. O montador é o profissional responsável por organizar as diversas partes na ordem definitiva e garantir a aprovação do diretor.
Ele e o diretor após várias discussões terminam o corte provisório do filme com a trilha sonora, mas as cenas ainda não estão exatamente definidas. O corte provisório é a famosa versão do diretor na íntegra, mesmo assim o filme ainda sofre mais alterações na fase de edição que devem passar pela aprovação do diretor de fotografia e do produtor.
Os efeitos especiais são adicionados durante essa fase para a versão final que chegará nas salas de cinema. Eles podem ser divididos em dois tipos: os visuais, resultado de extensas manipulações de imagem; e os mecânicos, obtidos por dispositivos físicos durante a gravação no set.
Além do cabelo e maquiagem, elementos como os dublês, tela verde (chroma key), máquinas de chuva, fantoches, transições entre outros também são usados nos efeitos especiais.
Mesa de mixagem de som [Reprodução Portal da Produção]
Sonoplastia (Som)
Sonoplastia nada mais é do que a manipulação dos sons no meio do audiovisual. Qualquer elemento captado pelos nossos ouvidos, seja ele uma música, ruído ou diálogo em um filme é planejado pela equipe de som.
A tecnologia das câmeras atuais nos filmes, é capaz de captar os sons com boa qualidade. No entanto, os efeitos sonoros “entram em cena” justamente para tornar mais real a experiência cinematográfica.
Em Um Lugar Silencioso(2018), o som é incorporado ao roteiro como um personagem com vida própria, tornando a narrativa do filme muito mais interessante quando levamos em conta que o filme todo trata-se de um mundo “sem som”.
O sonoplasta possui total liberdade de encontrar ferramentas diversas para a descoberta de novos sons. Técnicas inusitadas como amassar verduras, casquinha de sorvete, manusear grãos e cereais, mexer em rodinhas de móveis de casa são usadas para criação de sons feitos sob medida para o filme.
Na medida em que cada engrenagem do set respeita e trabalha na mesma sintonia que as demais, o filme se torna coeso e emocionante. “Se você realmente ama cinema com todo o seu coração e tem paixão o suficiente, você não consegue deixar de fazer um bom filme”, com essa frase Quentin Tarantino nos mostra, que no final do dia, a sétima arte é sobre paixão e cooperação, ter profissionais que amam o que fazem é o verdadeiro segredo de um bom cineasta.