MET GALA 2022: Veja as principais tendências apontadas pelos convidados no tapete vermelho

Aconteceu nesta segunda-feira (01/05) o tradicional MET Gala, que, após dois anos, volta a ser celebrado na primeira segunda-feira de Maio – como historicamente sempre aconteceu. Com o tema “Gilded Glamour”, o evento abriu a exposição da ala de indumentária do museu nova iorquino, que desta vez é intitulada “In America: an anthology of fashion” e exibe uma coleção de indumentária americana datada dos séculos XVIII E XIX.

“Gilded Glamour” nada mais é que a era dourada da história estadunidense, período que vai de 1870 a 1890 e é marcado pela efervescência cultural, ascensão econômica e desenvolvimento interno do país.

A Frenezi fez a cobertura completa do evento, e agora destaca abaixo as principais tendências apresentadas pelos convidados no tapete vermelho.

[Reprodução: Vogue Runway].

CORSET

Peça tradicional da indumentária do século XIX, o corset era utilizado pelas mulheres por debaixo das roupas, com o intuito de afinar a cintura e garantir a tradicional silhueta em S característica no período. Mas é claro que, em 2022, com os padrões de beleza redefinidos e com novas perspectivas sociais, os convidados do MET Gala re-interpretaram a peça de maneira contemporânea e atual: Gigi Hadid veste macacão Versace em látex com corset da mesma cor e aparente, de maneira a fingir que a peça faz parte da roupa; já Lizzo e Precios Lee – que vestem, respectivamente, Thom Browne e Altuzarra – redefinem instantaneamente o imaginário de moda associado à peça justamente por serem mulheres gordas vestindo-a de maneira aparente e pouco ajustada; E Evan mock vai além – em seu conjunto de terno, assinado pela grife espanhola Palomo, o corset é acoplado ao blazer, criando assim um diálogo entre o feminino da era dourada e o dos tempos atuais.

[Reprodução: Vogue Runway].

BORDADOS E APLICAÇÕES

Para muitas convidadas o tema “Glamour dos tempos dourados” foi levado ao pé da letra: bordados, brilhos e aplicações mil deram o tom de diversos looks da noite – o que já era de se esperar, já que a indumentária dos mais ricos da época era fortemente bem executada e assessorada de maneira luxuosa. Dentre os favoritos, Kim Kardashian cruzou as escadarias do museu vestindo o icônico vestido “Happy Birthday Mr. President”, utilizado por Marilyn Monroe em 1962. Polêmicas à parte, a peça foi emprestada por um museu e é toda trabalhada na aplicação de cristais, resultando em um valor estimado de 5 milhões de dólares. Já Olivia Rodrigo e Cardi B recorreram à marca certa para garantir o look glamouroso: ambas vestem Versace ultra brilhosos, sendo o de Cardi composto por mais de 1Km de correntes douradas. Kaia Gerber foi mais uma que também explorou a tendência: a modelo veste custom Alexander Mcqueen, em um mix de rendas, bordados e aplicações que são a personificação do glamour da noite.

[Reprodução: Vogue Runway].

OMBROS À MOSTRA

A silhueta clássica desta era dava destaque ao busto e às clavículas – ao colo, como um todo – cobrindo totalmente ou em partes os ombros, com raras exceções. Mas, no MET deste ano, a exceção virou regra: Nicola Peltz, Carol Trentini, Maude Apatow e Anitta são alguns dos nomes que aderiram aos ombros à mostra, que garantem elegância e sex appeal na medida certa para o evento. Valentino, Danielle Frankel, Miu Miu e Moschino são as marcas que, respectivamente, as quatro vestem.

[Reprodução: Vogue Runway].

LUVAS

Item praticamente essencial na indumentária do século XIX, as luvas ¾ são também uma das fortes tendências da temporada, resultando, logicamente, em diversas aparições do acessório no tapete vermelho do baile. Khloé Kardashian, em seu primeiro MET Gala, veste um modelo custom Moschino, que é assessorado com luvas em cetim preto e desenho assimétrico; já Blake Lively, co-anfitriã e favorita da noite, complementa seu look princesa-versace com luvas do mesmo tom do vestido; Carol Trentini, mais ousada, adere aos modelos do acessório em couro, assim como vimos desfilar por diversas marcas na temporada passada; e Sza vai além: os modelos de luva utilizados pela cantora, que veste Vivienne Westwood, são em látex.

[Reprodução: Vogue Runway].

GÓTICO SUAVE

Cores sóbrias e em tons de preto não faziam exatamente parte da cartela de cores da época, mas, esses foram os tons escolhidos por celebridades de peso como Bella Hadid, Kendall Jenner, Irina Shayk e Karlie Kloss para compor seus looks e entregar um visual que beira o gótico – se utilizando de makes pesadas no mesmo tom e acessórios em couro e renda. Irina e Bella vestem Burberry, marca que apenas entregou preto como cor nos looks vestidos por celebridades: Bella aposta em um visual sexy e dark, fazendo uso de corset em couro e luvas e meia calça em renda; já Irina foge completamente do tema e entrega um look total em couro – com jaqueta, camisa, gravata, corset, luvas e calça no material. Kendall Jenner é mais fiel ao mood da noite: a modelo, que veste Prada, se apropria da silhueta do período ao mesmo tempo em que entra no mood dark – o look é todo em preto, finalizado com olhão no mesmo tom e sobrancelhas descoloridas. Vestindo Givenchy, a icônica supermodelo Karlie Kloss complementa o look dark todo em renda com um olhão preto no mesmo tom e boca vinho super escura.

[Reprodução: Vogue Runway].

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Festival Nordestesse: 9 marcas para ficar de olho

A Nordestesse é uma plataforma que reúne mais de cinquenta profissionais e marcas da economia criativa da região brasileira com o intuito de fomentar, fortalecer e destacar produtos e serviços que preservam saberes ancestrais nordestinos.

Sob cinco pilares principais, o projeto destaca profissionais da Moda, Gastronomia, Arte,  Design e Turismo, em uma curadoria própria realizada por Daniela. A cearense Catarina Mina, a soteropolitana Realce e a pernambucana Casa de Maria são algumas das marcas que integram o catálogo do projeto.

Mas, para além de uma curadoria ímpar e uma plataforma digital completa — que reúne todas as marcas em um só lugar e divulga conteúdos exclusivos sobre as mesmas — o projeto promove também o ‘Festival Nordestesse’, uma caravana de Moda, Design, Arte e Gastronomia que viaja pelo Brasil para apresentar ao país o grupo de criativos e seus saberes e técnicas tradicionais nordestinas. Em sua terceira edição, o festival desembarcou na multimarcas Pinga, em São Paulo, no dia 4 deste mês e fica lá até o dia 14.

Daniela Falcão (centro) e criativos e equipe Nordestesse – Foto [Reprodução]

Com uma curadoria que reúne 19 marcas de moda e decoração que integram o projeto, além de um festival gastronômico e uma exposição de arte, o evento é um must para quem estiver pela cidade. A Frenezi foi convidada para visitar o espaço e conhecer de perto esse grupo de criativos talentosos e autônomos que se sobressaem através de uma Moda verdadeira e com DNA nacional. Abaixo, destacamos 9 deles:

Studio Orla

Fundada há quatro anos por Thiago Maciel, o diferencial do Studio Orla é a incorporação de técnicas e materiais naturais do Ceará em peças com modelagem e mood contemporâneos. Sandálias Havaiana com detalhes em palha, camisas de linho com aplicações em crochet e board shorts com bordados em Búzios são alguns exemplos. Levando o espírito praiano para os asfaltos, a marca é a prova de que tradição e zeitgeist podem caminhar juntos em equilíbrio.

Studio Orla – Foto [Reprodução]

SAU

Moda praia minimalista, sofisticada e rústica — esse pode ser considerado o DNA da SAU, marca fundada por Yasmin Nobre e Marina Bitu. Inicialmente pensada para mulheres que praticam esportes aquáticos ou frequentam muito a praia, a marca agora oferece uma coleção completa de resort wear com peças que podem ser usadas para além do litoral. Em uma cartela de cores neutra e adulta, os modelos de biquíni, saída de praia e vestidos são a pedida certa para mulheres cool e refinadas.

SAU – Foto [Reprodução]

Santa Resistência

Mônica Sampaio é a mente por trás da Santa Resistência, marca pensada a partir da estética afro-brasileira e das memórias infantis da fundadora, que é natural do Recôncavo Baiano. O samba, o Candomblé e o famoso Rio Paraguaçu são algumas das inspirações para as suas coleções. Hoje radicada no Rio de Janeiro, Mônica faz parte da nova geração de mulheres negras que estão construindo novas narrativas e imaginários sociais — ela criou sua marca aos 45 anos de idade, depois de ter trabalhado anos em multinacionais e até no exército brasileiro.

Santa Resistência – Foto [Reprodução]

Ateliê Mão de Mãe

Fernanda Paes Leme, Isis Valverde, Rafa Kalimann e Pabllo Vittar: essas são só algumas das celebridades que já vestiram Ateliê Mão de Mãe, marca fundada no início da pandemia pelo casal Vinicius Santana e Patrick Fortuna. Naturais de Salvador, os dois viram a oportunidade de transformar o crochet produzido pela mãe de Vinícius em negócio, fundando uma marca que eleva a técnica a nível máximo através do uso de conchas, palha e búzios no entrelaçamento dos fios. Com combinações de cores que fogem do óbvio e modelagens tão disruptivas quanto, a label já virou desejo nacional e estampou editoriais das principais publicações do país.

Ateliê Mão de Mãe – Foto [Reprodução]

Olê Rendeiras

Uma iniciativa criada pela parceria entre a marca Catarina Mina e a QAIR Brasil, a Olê Rendeiras é um projeto que visa manter a tradição da renda de Birlo ainda viva. Natural da região do Trairi, no litoral oeste do Ceará, a técnica já estava desaparecendo em razão do excesso de atravessadores que derrubava o preço das peças, deixando assim de ser uma opção de renda viável para as mulheres que aprendiam a rendar com suas mães. Atualmente com cerca de 240 artesãs espalhadas por 20 distritos da região, o projeto substituiu a produção de panos de prato e acessórios de mesa por quimonos, camisetas e vestidos que podem ser encomendados através do site http://www.catarinamina.com

Olê Rendeiras – Foto [Reprodução]

Realce

Oferecer roupas arrojadas e divertidas para o Carnaval era a intenção inicial de Victor Portela, nome à frente da marca soteropolitana Realce. Mas suas roupas repletas de brilhos e paetês caíram tanto no gosto do público que Victor teve que estender as datas de lançamento, passando a produzir coleções também para o Reveillon, São joão, Iemanjá e Lavagem do Bonfim. Sabrina Sato, Fernanda Paes Leme e Carol Peixinho são alguns nomes que já vestiram as peças radiantes da label, que já assinou também figurinos de Preta Gil, Majur e Iza. 

Realce – Foto [Reprodução]

Açude

Ana Beatriz Ribeiro não se inspira em suas raízes apenas para confeccionar modelagens e desenhos, o Cariri — região do sertão cearense de onde a estilista vem – também dá nome às peças da marca: o vestido sabiá, o vestido caatinga e a blusa palma são alguns exemplos. Com modelagens arquitetônicas, silhueta ampla e cartela de cores suave, a marca confecciona peças em fibras naturais que são descomplicadas e fáceis de vestir. Peças feitas a partir de upcycling também compõem o catálogo da marca e são produzidas de forma exclusiva e limitada.

Açude – Foto [Reprodução]

Patú

A Patú surpreende pela maturidade estética e criativa alcançada em tão curto tempo: a marca foi lançada apenas no segundo semestre do ano passado, mas já conta com uma estética particular muito bem idealizada e traduzida em fotos e branding. Comandada por Marina Fontanari, a label tem como inspiração as memórias da infância de Marina em Senador Pompeu, no Sertão Central do Ceará. Peças em linho e algodão sustentável são confeccionadas por mãe e filha em modelagens que herdam referências da alfaiataria clássica e recebem toques rústicos sofisticados, tudo isso em uma paleta de tons terrosos que é a cara do Sertão Cearense.

Açude – Foto [Reprodução]

Adriana Meira

Estilista, artista plástica ou psicanalista? É difícil definir exatamente o que Adriana Meira, de marca homônima, é. Com peças feitas sob medida a estilista produz peças bordadas que demoram no mínimo 10 dias para ficarem prontas e que necessitam de uma entrevista com a cliente antes de serem idealizadas. Seu processo se assemelha ao de uma colagem: recortes em tecidos coloridos formam os elementos de uma figura maior, que é costurada em vestidos, jaquetas e saias. Ex-moradora de São Paulo, a estilista transferiu  o seu ateliê para a fazenda onde cresceu na Chapada Diamantina, no início da pandemia, com o intuito de se reconectar às suas raízes.

Adriana Meira – Foto [Reprodução]

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Decifrando Aläia de Azzedine à Pietter Mulier: os códigos, a história, o legado e o futuro

Uma das principais tendências que a Frenezi apontou para o Inverno 2022 foram os capuzes à la Aläia, desfilados por marcas como Dion Lee, Michael Kors e Rick Owens. Fluido e alongado, o elemento fez parte dos códigos clássicos da maison comandada por Azzedine Aläia, estilista-ícone turco que deixou para trás um legado de peso em 2017, quando faleceu.

Mas não é à toa que esse elemento apareceu repetidas vezes nas passarelas: em julho do ano passado, a Aläia nomeou o seu primeiro diretor criativo desde a morte de Azzedine. Pieter Mulier foi o nome escolhido para o cargo, e a reativação da marca parece ter trazido de volta o legado de Azzedine para os moodboards dos mais variados estilistas — dentre eles, os três citados anteriormente.

Inverno 2022 de Dion Lee, Michael Kors e Rick Owens / Imagem: [Reprodução/Vogue Runaway]

Desde então, Mulier já apresentou duas coleções e vestiu celebridades como Zendaya e Liya Kebede, sendo a última para a recente premiação dos Oscars 2022. Ele também é marido de ninguém menos que Mathiew Blazy, nome escolhido recentemente pela Bottega Veneta para suceder Daniel Lee e sua era dourada na marca. Blazy fez sua estreia na Bottega mês passado, com uma coleção aclamada tanto pelo público quanto pela crítica e onde Mulier estava sentado na primeira fila.

E como na moda qualquer pequeno buzz e movimentação é motivo de atenção, esse talvez seja o momento certo de destrinchar a estética e o legado de Azzedine — os capuzes desfiados por Rick Owens, Dion Lee e Michael Kors podem ser apenas a ponta do icerberg de uma série de referências futuras ao estilista por outros designers e de uma possível re-estabilização da Aläia como uma das principais marcas da temporada parisiense.

Abaixo, entenda a história, o legado e o futuro da maison.

História

Azzedine nasceu na Tunísia entre o início e o final do nosso século — ele costumava não revelar sua idade, por mais que saibamos que o estilista veio ao mundo em 1935 — e foi criado por sua avó, que foi quem inscreveu o neto na academia de Belas-Artes logo cedo aos 16 anos. O sonho do estilista era ser escultor, o que de fato viria a ser a sua profissão dentro da moda mais tarde — Azzedine pode até ser considerado um estilista, mas o título de “escultor da carne humana”, como classifica o biógrafo François Baudot, parece lhe servir melhor.

Azzedine Aläia fotografado por Jean-Baptiste Mondino / Imagem: [Reprodução/Fundação Aläia]

Isso porque Aläia manipulava os tecidos e as agulhas como ninguém, corrigindo “imperfeições” do corpo feminino e realçando suas belezas. De onde veio esta aptidão? Do mesmo lugar que lhe direcionou da Arte para a Moda: a clínica de Madame Pineau, a parteira de seu bairro.

Ela conservava em seu local de trabalho as revistas de moda que o designer apreciava, e Azzedine lhe servia de assistente: esquentava a água e carregava as toalhas. Foi durante os partos que Aläia aprendeu ainda jovem a cuidar do corpo das mulheres e respeitá-lo; e era durante os intervalos entre um e outro que o até então futuro escultor mergulhava nas revistas de Paris, admirando os belos vestidos e tendo a certeza de que era ao lado e para aquelas mulheres que ele gostaria de trabalhar.

Quando finalmente obteve a permissão de sua avó para ir a Paris, Azzedine se apresentou na maison Christian Dior, onde trabalhou por apenas 5 dias em decorrência de problemas com seus documentos legais — era época da Guerra da Argélia, a mesma que fez Saint Laurent sair da também mesma maison para servir ao exército.

Depois disso ele chegou a trabalhar duas estações para o estilista Guy Laroche, até se firmar em um endereço próprio na rua de Bellechasse. É lá que ele cultiva um clientela elegante e discreta e faz suas experimentações têxteis para enfim, em 1980, lançar suas primeiras coleções.

Códigos e filosofia

Entre infinitas assinaturas e códigos clássicos, talvez a principal característica do trabalho do designer não seja exatamente um modelo ou adereço em si — por mais que ele tenha vários — mas sim a impecabilidade de seus designs e a atemporalidade dos mesmos. Carlyne Cerf, stylist de carreira renomada conhecida por ter assinado a primeira capa de Anna Wintour para a Vogue Americana, foi quem melhor soube definir o estilo do estilista: “absolutamente nada dele sai de moda”.

Azzedine não estava interessado em tendências e muito menos no que seus colegas de profissão estavam fazendo. Ele era um perfeccionista nato, interessado em atingir o corte e a modelagem perfeitas e em desenvolver roupas pensadas no movimento dos corpos e na anatomia humana, com as costuras feitas de maneira a contornar o corpo. Tudo isso ele fazia se utilizando principalmente da cor preta e do couro, o que garantia sofisticação e atemporalidade aos looks.

Mesmo assim, alguns elementos são fortemente associados ao seu trabalho: os já mencionados capuzes fluidos e acoplados às peças, o body em lycra, o uso de tecidos elásticos, o zíper enquanto adorno, o drapeado em colmeia de abelha, o cinto-espartilho em couro recortado e a pele animal exótica são alguns exemplos.

Verão 1990, Verão 1992 e Inverno 1992 Aläia da esquerda para a direita / Imagem: [Reprodução/Vogue Runaway]

O inventor das supermodelos

Para Suzy Menkes, importante crítica e jornalista de moda, foi Aläia quem inventou as supermodelos antes de Gianni. É isso que ela diz em Aläia by Joe Mckenna’, documentário sobre o estilista produzido por um dos mais importantes e influentes stylists do mundo.

De fato, Aläia não só possuía todas as principais modelos da época em seus castings — dentre elas Linda Evangelista, Helena Christensen, Veronica Webb, Cindy Crawford e Naomi Campbell — como também mantinha uma relação de amizade e confiança com cada uma: saia para levá-las ao médico, cozinhava para elas e dava infinitos conselhos. Muito além de uma relação de musa e criador, Azzedine era como um pai para estas meninas.

Supermodelos posam vestidas de Aläia / Imagem: [Reprodução/Fundação Aläia]

Para Naomi essa relação era ainda mais intensa: o estilista praticamente adotou a supermodelo como filha, sendo chamado de “papa” até hoje por ela. Naomi morou com Azzedine durante anos, tendo o estilista como única figura paterna ao longo da vida — ela só veio a conhecer seu pai biológico aos 41 anos de idade.

Azzedine e o sistema

O legado de Azzedine vai muito além de seu talento, processo criativo e design: o estilista foi um dos únicos de sua época a contestar o sistema da Moda. Azzedine apresentava suas coleções fora do calendário oficial e com poucos convidados. Seus desfiles podiam levar horas para começar em razão do seu perfeccionismo – Aläia só deixava a modelo adentrar a passarela se o traje que ela vestia estivesse perfeitamente ajustado ao seu corpo.

Grace Coddington, famosa editora de moda e ex-braço direito de Anna Wintour, ressalta que muitas vezes o seu perfeccionismo resultava em coleções atrasadas e entregues nas estações erradas para as lojas: “…ele trocava o Inverno pelo Verão ou o Verão pelo Inverno, colocava as roupas nas lojas na hora errada. Mas tudo isso provavelmente por uma boa razão: ele não estava nunca satisfeito com o jeito que uma peça era finalizada, ele era extremamente focado no que fazia.”

Com o tempo a espera para seus desfiles foram ficando cada vez mais demoradas, e talvez este tenha sido o motivo de sua desavença com Anna Wintour, que é internacionalmente conhecida por ser extremamente pontual. “Anna comanda os negócios da moda muito bem, mas não a parte criativa. Eu posso falar em voz alta! Ela nunca fotografou o meu trabalho em 10 anos, mesmo eu sendo um dos designers mais vendidos nos EUA. A mulher americana me ama, eu não preciso do suporte dela! De qualquer maneira, quem vai lembrar de Anna Wintour na história da moda? Ninguém.” foi o que ele declarou de maneira polêmica em 2011 para Vogue Inglesa.

Verdade ou não, o fato é que isto só comprova o quanto o estilista ia na contramão do sistema como um todo: ele apresentava suas coleções no momento em que queria e batia de frente com um dos principais nomes do mercado pois tinha certeza de seu talento e contribuição criativa para a indústria — e era, acima de tudo, um devoto ao seu ofício.

A era Mulier

Mesmo com apenas duas coleções apresentadas até então, Pieter Mulier parece ter sido a escolha certa para dar continuação ao legado de Azzedine e inseri-lo no mundo contemporâneo. Antes de Mulier e após a morte de Aläia a marca continuou entregando coleções desenvolvidas por um time interno, porém feitas de maneira enxuta e com pouca informação de moda.

Ex-braço direito de Raf Simons na Calvin Klein 205W39NYC, Mulier parece saber unir bem o lado comercial com os códigos clássicos da casa e consequentemente mirar em uma audiência mais nova. Nas suas mãos os tradicionais cintos em couro recortado se tornaram braceletes, os capuzes fluidos tomaram forma de balaclavas e os recortes e costuras estratégicas de Azzedine foram adaptados a modelagens atuais, como as proporções midi, e materiais do momento, como o jeans e a pele fake. Ao que tudo indica, este é apenas o início do comeback da marca e da re-estabilização do legado de um dos maiores estilistas de todos os tempos.

Verão e Inverno 2022 da Aläia por Pieter Mulier / Imagem: [Reprodução/Vogue Runaway]

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As 12 principais tendências da NYFW segundo a Frenezi

A temporada de Outono/Inverno 2022 da semana de moda de Nova Iorque terminou nesta quinta-feira (17). Mesmo com a falta de nomes importantes para a moda americana no calendário, como Marc Jacobs e Tom Ford, a temporada foi marcada por boas apresentações de marcas veteranas e grandes desfiles de talentos emergentes.

Proenza Schouler, Coach e Michael Kors fizeram apresentações coesas que refletem com maestria o equilíbrio entre comercialidade, formalidade e sportswear associado à moda americana. Já Laquan Smith e Elena Velez foram os principais nomes da nova geração a desfilarem coleções aclamadas pela crítica – sendo, no caso de Elena, a sua estreia na NYFW.

Conhecida por ser a semana de moda mais comercial dentre as maiores do mundo, a NYFW serve de bússola para entender como o varejo internacional vai incorporar as tendências da estação nas peças. Pensando nisso, listamos as 12 principais desta temporada:

SEXY SEM SER VULGAR

Depois da transparência, agora é a vez dela. A renda é, definitivamente, a maior tendência da temporada. Presença marcante na maioria dos desfiles, o seu uso é versátil e entrega visuais que vão do sexy ao romântico — Christian Cowan e Dion Lee ficam com o primeiro, apresentando peças sensuais e contemporâneas na medida certa, já Brandon Maxwell e Frederick Anderson se agarram à segunda, desfilando modelos mais “menininha” que são a cara do material.

Da esquerda para a direita: Christian Cowan, Brandon Maxwell, Dion Lee e Frederick Anderson – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

“QUEM É ESSA MENINA DE VERMELHO?”

Gloria Groove e a NYFW mandaram avisar: vermelho é a cor da temporada. O lilás “Very Peri” pode até ter sido eleito a cor do ano pela Pantone, mas as passarelas de Outono/Inverno de Nova Iorque mostraram que é o vermelho vivo o tom marcante da estação. Presente em desfiles cuja cartela tinha base neutra — como Proenza Schouler, Jason Wu e Laquan Smith — a cor é aplicada em peças inteiras ou em looks “conjuntinho” de destaque no lineup, entregando um um visualpotente e acertivo. Para Carolina Herrera, que já desfila há décadas peças no seu clássicio vermelho “Carolina”, o momento não poderia ser menos favorável.

Da esquerda para a direita: Proenza Schouler, Jason Wu, Laquan Smith e Carolina Herrera – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

BALACLAVA MANIA

A tendência que já havia sido apontada pela Frenezi durante a temporada de Outono/Inverno 2022 de Copanhegem, segue em alta na NYFW. Originalmente pensada como um gorro que protege partes da face e orelhas contra o frio, o acessório foi repensado pelas fashionistas gringas de maneira a torná-lo mais funcional: na nova versão a face fica toda à mostra, cobrindo apenas orelhas e couro cabeludo. Se na temporada passada foi a vez das Balaclavas coloridas e texturizaras, nesta o acessório aparece em cores mais sóbrias e de maneira mais ajustada à cabeça, em tecidos elásticos ou acompladas à partes de cima. Proenza Schouler, Altuzarra, Puppets & Puppets e Dion Lee foram algumas das marcas que desfilaram o acessório.

Da esquerda para a direita: Proenza Schouler, Altuzarra, Puppets e Peppets e Dion Lee – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

PELÚCIA EVERYWHERE

A pelúcia invadiu mais uma vez as passarelas — e dessa vez ela é utilizada nas mais diversas peças e acessórios. Laquan Smith aplica o material à um conjuntinho de jaqueta e mini saia, já Dion Lee o incorpora em corsets e luvas, enquanto Helmut Lang e Altuzarra permanecem mais clássicos e utilizam o elemento em casacos e golas avulsas. Seja pelo conforto ou pela textura diferenciada, o material é certamente um dos favoritos dos designers nesta temporada e promete ser um dos hits da estação.

Da esquerda para a direita: Helmut Lang, Altuzarra, Dion Lee  e Laquan Smith  – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

ALÄIA-LIKE

A recente troca de direção criativa da Maison Aläia parece ter feito o legado de seu criador marcar presença nos moodboards de diversos designers nesta estação. A prova disso são os capuzes em versão alongada e fluida presentes em casacos ou acoplados em partes de cima nas peças de nomes como Michael Kors, Dion Lee e Badgley Misshka (que também se utiliza da pelúcia, tendência apresentada anteriormente). Os capuzes com caimento fluido são um clássico de ALäia, e foram eternizados por Grace Jones em 1985, quando a estrela vestiu um vestido magenta do estilista que possuia o elemeneto acoplado.

Da esquerda para a direita: Michael Kors, Dion Lee,Badgley Misshka e Dion Lee – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

A PELE QUE HABITO

Mangas longas e tecido rente à pele na parte de cima é definitivamente a silhueta-tendência da temporada. Quase como uma segunda pele, ela é complementada por partes de baixo bem volumosas compostas majoritariamente por saias. Carolina Herrera e Ulla Johnson apresentaram modelos de blusa e saia separados, enquanto Christian Siriano e Proenza Schouler apostaram em vestidos que unem as duas peças em uma só. Talvez uma herança da tendência de proteção ligada à pandemia, o elemento traz uma certa modernidade chic e casual ao look.

Da esquerda para a direita: Proenza Schouler, Christian Siriano, Ulla Johnson e Carolina Herrera – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

NOVA FORMALIDADE

São duas as principais características da alfaiataria apresentada nesta temporada: o blazer possui apenas um botão e a cintura é levemente marcada. A nova formalidade une o sexy — tão explorado na temporada passada — à volta aos escritórios, de maneira equilibrada e elegante. Marcas como Proenza Schouler, Elena Velez e PatBo deslocaram o botão para o lado de forma a acinturar a peça, enquanto Sergio Hudson permaneceu com o elemento no centro-frente e a acinturou através da modelagem.

Da esquerda para a direita: Elena Velez, Sergio Hudson, Patbo e Proenza Schouler – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

DE BARRIGA VAZIA

Os recortes estratégicos nas laterais e no torso migraram nesta temporada para a barriga. Marcas como PatBo, Altuzarra, Elena Velez e Christian Cowan foram algumas que decidiram exlorar a área, cada uma da sua maneira. Elena Velez se utilizou de um recorte mais fino, que chega até o umbigo e parece não imprimir tanta sensualidade quanto Cowan, que localiza a abertura logo abaixo do busto e a contorna com cristais. Já PatBo e Altuzarra costuram o recorte mais abaixo, acima da linha do umbigo.

Da esquerda para a direita: Christian Cowan, Elena Velez, Patbo e Altuzarra – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

MONOCROMÁTICO TEXTURIZADO

O look monocromático é definitivamente uma das maiores tendências da temporada. Uma herança do conjuntinho total, tendência popularizada por Daniel Lee durante seu mandato na Bottega Veneta, o monocromático desta temporada brinca com texturas opostas: pêlo com camurça, látex com seda e transparência com malha bordada são alguns exemplos – explorados por marcas como Dion Lee, Hervé leger, Peter Do e Michael Kors.

Da esquerda para a direita: Dion Lee, Michael Kors, Patbo e Peter Do   – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

MANTO SAGRADO

Maryam Nassir Zadeh, Gabriela Hearst e Brandon Maxwell foram alguns dos nomes que desfilaram looks com mantos nesta temporada. Talvez uma das tendências mais inusitadas da estação, o manto vem na maioria das vezes carregado na mão e remete à um cobertor. Seria pela influência do loungewear e da cultura pós-pandêmica de conforto? Não sabemos, mas o fato é que ele ganha as mais diversas texturas e aplicações – desde tricots coloridos em Gabriela Hearst até plumas bordadas em Brandon Maxwell — e se torna um dos acessórios-desejo da temporada.

Da esquerda para a direita: Maryam Nassir Zadeh, Gabriela Hearst, Brandon Maxwell e Maryam Nassir Zadeh – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

PLUMAS E PENAS

Usadas como adorno nas barras e nas laterais das peças, as plumas e penas seguem como tendência forte nessa temporada. Por mais que marcas como Area e Christian Cowan já tenham o material intrínseco no DNA da marca, o seu uso coincide com o de outras que não exploram tanto assim o material — como Brandon Maxwell e Tia Adeola. O grande ponto é a combinação desses motivos com a mesma cor da peça onde são aplicados, seguindo a tendência do monocromático tão presente nesta temporada.

Da esquerda para a direita: Tia Adeola, Christian Cowan, Brandon Maxwell e Area – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

SHEARLING OBSESSION

Com forro de pele de carneiro, a jaqueta shearling é a peça da temporada. Presença marcante nos desfiles da Coach e de Dion Lee, ela aparece repensada de diversas maneiras: a pele do forro passa a decorar por fora também, a cor do pelo é tingida e a aplicação é feita apenas na gola. Helmut Lang e Altuzarra também apresentaram a peça, confirmando que este será um dos hits de venda da estação.

Da esquerda para a direita: Coach, Dion Lee, Helmut Lang e Altuzarra  – Foto[Reprodução/Vogue Runaway]

A parceria entre Kim Kardashian e Balenciaga é o match perfeito

Kim Kardashian foi capa da Vogue Americana pela segunda vez. Divulgada oficialmente nesta quarta-feira (08), a edição do mês de março da revista conta com Kim vestindo looks da Loewe assinados pelo diretor-criativo Jonathan Anderson; da Balmain por Olivier Rousteing; e, principalmente, da Balenciaga por direção de Demna Gvasalia. Mas não é somente na assinatura dos looks que o nome de Gvasalia aparece: para a matéria principal da edição, que conta com um perfil de Kim, o designer é um dos entrevistados — ao lado de Kourtney Kardashian, irmã de Kim, e Alison Statter, amiga de infância da empresária.

Kim Kardashian em capa para a Vogue Americana. Imagem: [Reprodução/Vogue US]

Quem vem acompanhando os últimos passos da celebridade, sabe que é vestida de Balenciaga que ela tem feito todas as suas aparições públicas: desde o icônico e polêmico look do último MET Gala até a sua participação no programa Saturday Night Live.

A parceria bem sucedida entre Kim e a marca — ou melhor: entre Kim e o diretor criativo da casa, Demna Gvasalia — foi legitimada recentemente, quando a estrela foi fotografada para a última campanha da label. Em 24h após o lançamento, as pesquisas por “Balenciaga” aumentaram globalmente em 54% segundo a plataforma Lyst.

Kim Kardashian em campanha para a Balenciaga. Imagem: [Reprodução/Instagram de Kim]

O sucesso da união poderia até então ser justificável apenas pela proporção da visibilidade de Kim, se não fosse pelas recentes declarações de Demna para a mencionada matéria da Vogue: “Eu e Kim falamos a mesma linguagem fashion.” disse Demna. “Eu acho que por muitos e muitos anos não existiu ninguém que redefiniu os padrões de beleza feminina assim como a Kim fez. Ela fez algo que é bastante similar ao que Marilyn Monroe fez anos atrás. Ela redefiniu o nosso entendimento sobre o que é belo”.

As declarações do estilista, se pensadas a fundo, revelam algo poderoso: é possível observar um dos “casamentos” entre marca e celebridade mais genuínos da história. Por que? Pelo simples fato de que Kim Kardashian é a persona que Demna Gvasalia vem criando há tempos na Balenciaga — ela não somente é uma das celebridades que mais representam o zeitgeist, como também, segundo o próprio estilista, redefiniu o conceito de “beleza” nos últimos tempos.

Questionar o belo é talvez a essência do trabalho do designer para a Balenciaga. Basta pensar no polêmico modelo de tênis ‘Triple S’ e na parceria da marca com a Crocs, que resultou em modelos da sandália com plataformas grotescamente gigantes em cores tão grotescas quanto. Com estes designs, que surpreendentemente caíram nos gostos de uma legião de fãs ao redor do mundo, Gvasalia parece literalmente rir da cara da crítica e escancarar que o feio pode ser na verdade cool e bonito — e de quebra ainda custar uma fortuna.

Tênis Triple S e sandália Crocs + Balenciaga.
Imagem: [Reprodução/O Globo]

Talvez Kim compartilhe hoje do mesmo sentimento do designer ao ver mulheres ao redor do mundo tentando copiar seu corpo: anos atrás, antes da fama e quando era apenas assistente de Paris Hilton, a empresária era feita de chacota pela mídia por conta do tamanho de sua bunda em um momento no qual a estética heroin chic — que Paris representava tão bem — era aclamada e vista como bela pela indústria da moda e pelo mundo. Hoje, ironicamente, são as fotos do corpo de Kim que mulheres levam como referência à cirurgiões plásticos.

Mas o que Kim representa é algo ainda maior: ela é o agora. Teve sua fama atingida através da completa exposição da sua vida, do seu casamento e da sua família, quando participar de um reality show ainda não era um desejo tão popular assim. Seu rosto, milimetricamente esculpido, é resultado de anos vividos na frente das câmeras — ela já era obcecada pela perfeição da própria imagem antes mesmo da era dos filtros e do Instagram modificar completamente a autopercepção. Guy Debord, autor de ‘A Sociedade do Espetáculo’, certamente adoraria conhecê-la.

Kim Kardashian em editorial para a Vogue Americana.
Imagem: [Reprodução/Vogue US]

E se Kim representa o agora como ninguém, não é de se surpreender que Demna tenha se associado à ela. Fim do mundo, pandemia, video games, Metaverso e noticiários: estes são alguns dos temas e cenários escolhidos pelo estilista para inspirar suas coleções. O designer é, indiscutivelmente, um cara do agora.

Uma de suas últimas coleções, a de Resort 2022, foi intituladaBalenciaga Clones’ e contou com a incorporação de uma tecnologia de vídeo que alterava o rosto das modelos para o de uma mesma pessoa: Eliza Douglas, sua amiga pessoal que desfila para a marca desde que Gvasalia assumiu a direção criativa da maison. “O que é real e o que é falso?” — era a pergunta que o designer pretendia despertar em nós.

Ironicamente, nesta segunda-feira (06), Kanye West, ex-marido de Kim, foi flagrado por Paparazzis deixando um restaurante ao lado de uma mulher que, à primeira vista, parecia sua ex-esposa. Com silhueta ampulheta, botas e bolsas Balenciaga e longo cabelo preto, a modelo Chaney Jones é o clone perfeito de Kim Kardashian.

Chaney Jones encontra Kanye West em look à la Kim Kardashian.
Imagem: [Reprodução/TMZ e Instagram de Jones]

O que é que a Misci tem? 

O autor que vos escreve já ensaiava publicar um texto sobre a Misci há um tempo, já que, se você assim como eu acompanha a moda nacional, sabe que não se fala em outra marca no momento. Mas o que era pra ser escrito apenas após as férias se tornou algo necessário de imediato depois que, em plena festa de réveillon em Búzios, no Rio de Janeiro, me deparei com três pessoas — de grupos diferentes, vale a ressalva — portando a bolsa ‘nine’ da marca. Antes uma hipótese, o fato havia se concretizado na minha frente: a marca estava no corpo, e não apenas na boca do povo.

Modelo de bolsa ‘nine’ em preto e vermelho. | Imagens: [Divulgação]

É claro que por “povo” eu quero dizer uma parcela mínima da população do país, que pode gastar cerca de 1.600 reais em um acessório e frequentar uma festa privada na virada de ano no Rio de Janeiro. Mas, para além de qualquer recorte de classe, há sempre o desejo. 

Desejo esse que se cumpre no ato da compra para aqueles que podem pagar certo preço por um produto, ou que habita o inconsciente daqueles impossibilitados de pagar, mas que amam e se identificam com a marca – engajando e fazendo o nome circular por aí . A Misci, por algum motivo, consegue suprir os dois, tendo adentrado o imaginário daqueles que torcem, vibram e consomem a moda nacional.

Mas o que é que uma marca com apenas 4 anos de história tem para garantir tamanha faceta? Airon Martin, nome por trás da label, parece possuir o pacote completo: talento, storytelling, comunidade e, principalmente, um excelente produto.

Nascido em Sinop, cidade do Mato Grosso que é parte do território amazônico, Airon cresceu rodeado de mulheres em sua casa na beira da Br-163. Além das integrantes da família, Airon convivia com amigas que trabalhavam no cabaré de seus parentes. Com 5 anos já desenhava vestidos, mas decidiu cursar 1 semestre de direito e 1 ano de medicina até se render à sua vocação e formar-se em design de produto e serviço pelo Instituto Europeu de Design, em São Paulo.

Foi ainda na graduação que a Misci começou a tomar forma, sendo apresentada como projeto de TCC pelo designer em 2018. Pensada enquanto um estúdio multidisciplinar de design, a marca fabrica e comercializa móveis e roupas. O nome vem da palavra que talvez mais defina o nosso Brasil: miscigenação. Para Airon, esse é um movimento que vai muito além da formação da nossa sociedade e que tem claras consequências na multiplicidade de estéticas presentes na identidade do design brasileiro.

Tendo o minimalismo como base, os primeiros produtos foram apenas um conjunto de jaqueta e calça masculino e uma cadeira em couro e metal – o conjunto “Elle” e a cadeira “Uni”, respectivamente. Lançados em 2018, essa dupla permaneceu a única do catálogo da marca por um bom tempo, até Airon começar a se aventurar pela alfaiataria e construção de outras peças femininas e masculinas. Mas é justamente aí que parece estar a chave de seu sucesso: o respeito ao tempo.

Conjunto de jaqueta e calça “Elle” e modelo de cadeira “Uni”, onde senta o estilista. Fotos retiradas do Instagram da marca.

Em entrevista à Vogue Brasil, Airon compara o seu processo criativo ao chamado “FaceLift” do mercado automobilístico, que consiste em melhorar e evoluir um produto existente ao invés de simplesmente descartá-lo. Essa não é uma tática exatamente nova entre os designers – Miuccia Prada, magnata à frente da marca que leva o seu sobrenome, é conhecida por repetir silhuetas e motivos de coleções passadas, porém sempre evoluindo-as e tornando-as contemporâneas. O processo de Airon parece herdar da mesma fonte, porém aproximando-se mais do que ele chama de “processo de maturação”, o que significa que um desenho pode demorar anos até ser confeccionado, ou seja, uma peça é pensada por um bom tempo antes de se tornar realidade.

É esse mindset que catapulta Airon para o oposto do que a Moda Nacional cria há tempos: ele se revela extremamente entregue ao desenvolvimento do produto e sua usabilidade, muito mais do que a construção de uma imagem de moda ultra criativa ou um momento performático potente (mesmo que, no final, a sua entrega englobe tudo isso com extrema maestria).

O resultado disso são roupas e acessórios que são realmente desejados, comprados e vestidos por aí. O que pode parecer bobo e até mesmo simples é na verdade o maior diferencial de Airon – e talvez o que tenha elevado o designer ao posto de “estilista do momento”.

A prova disso são as bolsas “Nine” e “Bambole”, modelos em couro com matéria prima e desenho 100% brasileiros que já viraram clássicos da marca, conquistando famosos como Sasha Meneghel e Thássia Naves. Além, é claro, de um público que não é celebridade mas ama desfilar os modelos por aí – como os 3 fashionistas que encontrei em Búzios e as centenas de clientes que postam fotos no Instagram com as bolsas e marcam a label e seu criador. Sejamos sinceros: quando antes vimos uma marca nacional emplacar acessórios-hit em apenas 4 anos de existência?

Thássia Naves e Sasha Meneghel vestem bolsa “Bambole” e “Nine”, respectivamente. Fotos retiradas do Instagram das celebridades.

Mas, para além de um processo criativo que valoriza o tempo e o produto, Airon possui ainda outro diferencial: uma história e uma persona que cativa e apaixona qualquer um que conheça. 

Uma aba do site da marca é dedicada apenas ao perfil do nome por trás das peças. Em “Airon Martin” o visitante pode ficar por dentro da narrativa do menino que desenhava vestidos desde os 5 anos, mas que por conta do machismo da sociedade decidiu cursar Medicina e Direito antes de mudar para o Design – e que trabalhou no mercado de mobiliário por um tempo enquanto ainda desenhava roupas em segredo com medo de revelar a sua paixão. A Misci é portanto um projeto de desconstrução de um padrão de homem que Airon achava que deveria ser: como não amar e se comover?

Airon Martin. Foto retirada no site oficial da Misci.

Tal fato nos faz pensar que não é somente a marca que coleciona fãs, como também o seu criador, que conta com mais de 20 mil seguidores em seu perfil pessoal no Instagram. Se você lembrou agora de Simon Porte Jacquemus – estilista francês que conquistou adoradores ao redor do mundo por sua história de vida, criatividade, produtos-hit e beleza – você entendeu tudo. Airon possui o mesmo pacote completo.

E é nesse pacote que se encontra também uma comunidade de colegas da marca,  composta por influencers de uma nova geração que acredita na moda nacional: Arthur Freixo, Mitcho Mezzomo, Diego Sfoggia e a musa Thai de Mello são alguns deles. O que esses quatro nomes têm em comum? Veem a moda para muito além do look do dia e possuem uma comunidade própria que pensa o mesmo.

É por isso que vestir Arthur para o “TikTok awards” com um conjunto Misci recém saído das passarelas ou presentear Mitcho com um total-look da marca é apenas mais um dos acertos de Airon: ele mira em criadores genuinamente interessados pelo seu trabalho e acerta em uma audiência de nicho que indiretamente pode se converter em clientes – justamente porque é interessada pela moda nacional, assim como a sua comunidade.

Arthur Freixo e Mitcho Mezzomo vestem look total Misci. Foto retirada do Instagram dos influencers.

Emily Nunes, modelo de descendência indígena que se tornou um dos nomes preferidos na passarela desde o ano passado, e Sasha Meneghel, que estreou como modelo em 2019 pela Água de Coco, também fazem parte dessa comunidade de colegas que cercam a label. Foram elas que, ao final de “Fuxico Lanches”, desfile de estreia da Misci nas passarelas ao vivo, brilharam de mãos dadas à Airon no final da apresentação, em um dos momentos mais emocionantes da SPFW N52.

Airon Martin desfila de mãos dadas com Emily Nunes e Sasha Meneghel na SPFW e Emily Nunes posa para “Brasil Impúbere”, apresetação-estreia da Misci no SPFW. Fotos retiradas do Instagram Oficial da marca.

Ali foi firmado o início do que parece ser uma longa e fértil história com a moda nacional: depois de um desfile magnífico, que exaltou uma brasilidade que existe fora do eixo rio-são paulo nunca explorada antes, um criador apaixonado foi aplaudido de pé por uma audiência que vibrava em êxtase – tudo isso enquanto desfilava de mãos dadas com duas musas da marca e do Brasil, no maior estilo Karl Lagerfeld encerrando uma apresentação da Chanel. 

O jornalista de moda Jorge Grimberg revelou recentemente em seu Instagram que Constanza Pascolato disse o seguinte à ele: ” [se referindo a Airon] Esse menino entendeu tudo. O Brasil é isso mesmo, essa miscigenação “. A benção de uma das personalidades mais ilustres da moda brasileira é a cereja do bolo para uma marca que possui o pacote completo.

Mas então, o que é que a Misci tem? Ao que tudo indica, tudo.

Por Trás do DNA: Ludovic de Saint Sernin

São raros os novos designers que conseguem em pouco tempo firmar uma identidade de marca madura e capaz de penetrar o imaginário do público e da moda. Entretanto, esta parece ser uma tarefa fácil para Ludovic de Saint Sernin, de marca homônima, que em pouquíssimo tempo já conquistou críticos aclamados da indústria e vestiu celebridades que vão desde Manu Rios até Bruna Marquezine. 

Finalista do prêmio LVMH de 2018 – que na época ele havia desfilado apenas 2 coleções – e vencedor do ANDAM prize do mesmo ano, Ludovic possui um trabalho que dialoga sobre o feminino a partir do masculino, criando roupas agênero que são pensadas na contramão do que a indústria sempre acompanhou: as peças são criadas com claras referências ao vestuário feminino, porém adaptadas ao masculino de maneira chic e provocadora. 

Retrato de Ludovic De Saint Sernin pelo site Business Of Fashion.

A elegância e a delicadeza de seu trabalho são capazes de camuflar o choque que muitas vezes o seu design causa, construindo assim imagens potentes que rompem com o binarismo de gênero da maneira menos caricata e tradicional possível: fugindo dos vestidos e das saias midi de alfaiataria plissada e adotando mini saias e cuecas slip bordadas por inteiro em cristais swarovskis, além de modelagens justas que fogem do clássico oversized muitas vezes associado ao agênero. 

História

Nascido em Bruxelas e criado na Costa do Marfim, Ludovic se mudou para a França com oito anos de idade. Já naquela época Ludovic adorava desenhar, mas a profissão de designer era algo ainda distante tendo em vista a carreira de seus parentes, que seguiram na área de direito e política.

Mas, mesmo assim, Ludovic decidiu legitimar a sua paixão e se formou em Design de Moda pela prestigiada Duperré Paris. Foi durante a faculdade que ele trabalhou para marcas como Dior e Saint Laurent, até enfim chegar à Balmain, onde ele ficou até 2016. 

Na Balmain, Ludovic era responsável pela área de pesquisa têxtil e de aviamentos e ornamentações, o que o aproximou do mundo da alta costura e possibilitou o desenvolvimento de uma linguagem detalhista e preciosamente rica que ele mais tarde incorporaria em sua marca homônima.

Ao perceber os rumos estéticos que a Balmain estava tomando e por não se identificar com esses, Ludovic deixou a casa em 2016 para fundar a sua própria marca. Mas engana-se quem pensa que a saída de Ludovic significou o rompimento total com a maison –  Olivier Rousteing, diretor criativo a frente da casa desde 2011, está sempre na primeira fila de todos os desfiles de Ludovic e não poupa elogios ao colega: “Ele é extremamente talentoso, extremamente generoso e extremamente humilde. Um trabalhador duro que atinge ótimos resultados. Eu admirava a sua vontade e sua habilidade de criar e esquecer as horas.”

Coleções e criações

A primeira coleção da marca, apresentada em Janeiro de 2018,  possui caráter experimental e apresenta diversos testes de modelagens e adornos que futuramente se tornaram assinaturas clássicas da label. Os recortes no centro-frente das cuecas e calças aparecem conectados por botões de pressão, dando assim os primeiros sinais da  icônica amarração em cadarço que viria a aparecer em futuras coleções. O mesmo acontece com as blusas-regata feitas a partir de recortes de couro e anéis de metal, que criam um visual à la Paco Rabanne e revelam uma modelagem mais “soltinha“, que mais adiante é atingida através do uso de malhas metálicas.

Imagem retiradas do Vogue Runway.
Imagem retiradas do Vogue Runway.

É a partir da segunda coleção apresentada por Ludovic que já vemos sinais da Ludovic de Saint Sernin que conhecemos hoje. Isso é um fato admirável, já que muitas vezes um designer necessita de 4, 5 ou 6 coleções para estabelecer a sua estética e encontrar a própria voz.

As famosas calças e cuecas com amarrações frontais e laterais em cadarço surgem, inspiradas em ninguém menos que Christina Aguilera – mais precisamente em seu look usado na capa do álbum “Stripped”. Essas são peças especialmente importantes para a label, já que se tornaram hits de venda da marca e acompanham todas as coleções desfiladas até então. O conjuntinho-pijama em linho é também introduzido nessa apresentação, juntamente com as peças adornadas com ilhós em metal e as bolsas em formato de sacolinha mini. 

Outro fator importante é o casting, que dessa vez inclui mulheres desfilando com peças feitas especialmente para elas, como os tops com a famosa amarração de cadarço. Ludovic sempre deixou claro que sua marca vestia todos – mesmo com apenas meninos desfilando na primeira coleção – mas com a inserção de mulheres no casting ele passa a desenvolver peças especialmente para essas.

Imagens retiradas do Vogue Runway
Imagens retiradas do Vogue Runway.

O que é interessante notar é que o número de modelos mulheres desfilando é sempre menor do que o número de homens em todas as suas apresentações, o que revela e confirma o fato da marca ter seus pilares fincados no vestuário masculino, independentemente da “feminilidade” das peças.

É na estação seguinte, a de outono 2019, que Ludovic atinge a maturidade estética que conhecemos hoje e finca a marca de vez no mood sexy-glam-minimal-chic que tanto amamos. A coleção é a mais “limpa” desde as duas primeiras apresentadas pelo estilista e carrega modelagens e conceitos que são explorados e revividos de maneira constante em futuras coleções.

É dela que saem as primeiras peças em cristais, que aparecem em um vestido de correntes vestido pela modelo Teddy Quinlivan e também em regatas e tops de malha metálica, além, é claro, da icônica cueca slip totalmente coberta em swarovskis, que se tornou um momento viral no Instagram. Sobre a coleção, Ludovic declarou: “Essa é a hora dos meninos terem seu movimento glam também, além, é claro, da liberdade de usarem o que quiserem!”

Imagens retiradas do Vogue Runway.
Imagens retiradas do Vogue Runway.

O glam passa então a estar presente nas coleções da marca através principalmente do uso de cristais e malhas metálicas. O ápice do uso desses materiais é a recente coleção de outono 2021, composta principalmente por tops e saias super brilhosos. O mais interessante é a maneira como Ludovic se apropria dessas matérias primas, que são comumente associadas ao vestuário feminino, e cria imagens delicadas e extremamente potentes ao mesmo tempo.

Fotos promocionais da marca.

Os momentos virais da marca também continuam, e é na temporada de primavera 2020 que a famosa saia-toalha é desfilada – gerando diversos memes entre a comunidade fashion e levando a internet à loucura. Este é um desfile muito importante para a label, já que marca a entrada oficial da Ludovic De Saint Sernin na semana de moda masculina – com a bênção de Rick Owens e Olivier Rousteing sentados na primeira fila. A tão falada toalha não se passava de um tricô confeccionado com materiais nobres, o que revela uma certa herança da época de Balmain do estilista. 

Podemos observar também na coleção de primavera 2020 o uso da bandagem em tops masculinos, algo que vem desde a temporada anterior e permanece até a primavera de 2021. O trabalho com bandagem é uma homenagem de Ludovic ao estilista Hervé Léger, internacionalmente conhecido por seus vestidos no mesmo material que moldam o corpo e as curvas das mulheres. O uso de bandagem talvez seja o aspecto do trabalho de Ludovic que mais represente a sua essência: ele foi capaz de transformar os modelos ultra sexy e femininos de Leger, vestidos nos anos 90 por supermodelos como Cindy Crawford, sinônimo de sex appeal, em peças masculinas extremamente interessantes e disruptivas.

Imagens retiradas do Vogue Runway.
Imagens retiradas do Vogue Runway.

Entre looks icônicos e diversos momentos de pura sex energy nas passarelas, Ludovic De Saint Sernin apresentou sua última coleção em outubro deste ano – com direito a Bruna Marquezine na primeira fileira, vestindo total look Ludovic de Saint Sernin outono 2021.

A coleção, que é a oitava apresentada pelo estilista, impressiona pelo trabalho artesanal de algumas peça também chamam a atenção os vestidos em cristais, que aparecem tanto no formato rede de peixe quanto em malhas metálicas. O visual é completamente sexy e chic, assim como tudo que Ludovic cria sem tiras de couro, que aparecem em versões tanto para homens quanto para mulheres: mais Ludovic, impossível.

Também tivemos a presença de conjuntos de linho — material pouco usado pelo estilista até hoje — com um afastamento do ”tecido de praia” para cortes sexy a lá Xtina, confirmando a identidade visual da marca. Em suma, a coleção traduz com maestria o DNA da marca.

Imagens retiradas do Vogue Runway.
Imagens retiradas do Vogue Runway.
Imagens retiradas do Vogue Runway.

Heranças

É normal encontrarmos heranças de estilistas e marcas da vanguarda no trabalho de novos talentos. É interessante pensar os reflexos destes no agora, e como o legado deixado por tais nomes pode ter pavimentado o caminho para novos criativos da indústria surgirem e novas estéticas proliferarem.

No caso de Ludovic, percebemos heranças do já citado Hervé Leger, mas há algo maior que é intrínseco no seu trabalho e na filosofia de sua marca que diz respeito ao jogo masculino X feminino — algo que herda referências de nomes como Helmut Lang e Jean Paul Gaultier, além da marca de Lingerie masculina Shirtology, popular em Paris nos anos 90.

O famoso minimalismo de Lang aparece nas cartelas e nos recortes estratégicos de Ludovic, revelando um equilíbrio estético potente entre o sexy e o casual. É interessantíssima a maneira como Ludovic consegue fazer do loungewear algo chic e elegante mesmo utilizando cores sóbrias — algo que ele alcança justamente através das fendas e da modelagem justa das peças.

A ideia de brincar com o diálogo entre masculino e feminino é algo que Jean Paul Gaultier costumava fazer muito nos anos de 1990. A diferença entre ele e Ludovic é que o primeiro buscava estilizar o homem a partir de trajes femininos já prontos, enquanto o segundo adaptou a linguagem feminina para o vestuário do homem — produzindo assim peças esteticamente novas e visualmente mais interessantes.

Conseguimos também observar heranças da marca parisiense Shirtology no trabalho do designer. A label, que ficou popular principalmente entre a comunidade gay nos anos 90, pode ser considerada precursora das cuecas slips criativas e do loungewear que Ludovic desfila hoje. A grande diferença é a maneira como Ludovic trabalha o sexy (elevando-o à máxima elegância) e, é claro, o seu casting.

Helmut Lang X Ludovic De Saint Sernin. Imagens retiradas dos arquivos da marca e Vogue Runway.
Shirtology X Ludovic De Saint Sernin. Imagens retiradas do arquivo da marca e Vogue Runway.

Comunidade

Não somente a maturidade estética e o firmamento de uma identidade de marca potente — adquiridas em tão pouco tempo — impressionam no trabalho de Ludovic. Com praticamente três anos e meio de história, a Ludovic de Saint Sernin já foi capaz de construir uma comunidade em torno da marca, composta por clientes que não só compram como traduzem a estética e o lifestyle da label, engajando a etiqueta no Instagram através de fotos autorais.

Tudo isso começou em 2018, logo após Ludovic se assumir gay. Na época ele criou o perfil @ludovidesaintserninX no Instagram, em referência ao famoso portfólio “X” do fotógrafo Robert Maplethorpe, com o intuito de postar uma curadoria de imagens que celebram sexo, amor e liberdade.

Mas tudo mudou em 2019, logo após a sua estreia na semana de moda masculina de Paris. Lembra do icônico look-toalha que gerou diversos memes entre a comunidade fashion? Ludovic começou a receber em suas DMs fotos de homens recriando o look em casa com suas próprias toalhas — pronto, nascia aí o #ludovicdesaintserninXchallenge.

Colagem de fotos que estavam disponíveis no Instagram @ludovidesaintserninX.

Com temas dos mais variados, que vão desde fotos na praia até cliques em edredons brancos, os seguidores do perfil são convidados a submeter suas fotos autorais para o desafio. Essa brincadeira acabou gerando um buzz enorme para a label, e estima-se que o engajamento da marca tenha crescido exponencialmente de maio do ano passado até abril deste ano, elevando a etiqueta em 36% na lista de performance em mídias sociais da Luxury Fashion EMV Index.

A conta, entretanto, encontra-se atualmente suspensa pelo Instagram, que considera o conteúdo — que celebra a liberdade sexual e o amor — “impróprio”.

Pandemia

Se para a maioria dos designers e marcas a pandemia impactou os negócios negativamente, com Ludovic aconteceu, surpreendentemente, o contrário. Em entrevista à Vogue, ele revelou: “[a pandemia] Impactou nossos negócios da melhor maneira possível. Nós tomamos conta de tudo; literalmente fotografamos toda a coleção na minha casa pelo meu Iphone, no meu namorado, e vendeu muito bem. Esse foi o ponto de partida para a coleção de primavera 2021; agradecer a minha comunidade por basicamente salvar a marca de encerrar as atividades. Eles realmente nos inspiraram a seguir fortes.”

Não é preciso mencionar novamente o quanto a maturidade dessa marca de três anos e meio impressiona. Ludovic possui o combo completo: identidade, assinaturas clássicas, designs potentes, talento e uma comunidade engajada. O que o aguarda no futuro? Uma colaboração com o PornHub, a maior plataforma de filmes pornôs gratuitos do mundo e que possui uma audiência diária de 22 milhões de pessoas. 

Se sexo foi o tema que mais apareceu na última semana de moda e é algo intrínseco no DNA da marca, não há a menor dúvida de que a coleção será mais um sucesso da label. Esse é, definitivamente, o match perfeito.