A transição da estética Tom Ford da moda para o cinema

Tom Ford começou a construir sua estética nos anos de 1970. Nascido em 1961, no Texas (EUA), o estilista e diretor se mudou para Nova Iorque em 1979 para estudar história da arte na NYU. Durante essa época, Ford participava ativamente do cenário social nova-iorquino — basicamente estava na localidade certa e no momento certo para conhecer a vida noturna que se tornou histórica quando se trata de festas.

Mais precisamente, o artista frequentava o icônico Studio 54; clube que ficou conhecido por seus convidados extremamente famosos. Todo mundo que era alguém nos anos de 1970 e 1980 frequentou a boate. Tom se encontrava com os mais conhecidos nomes do momento: Andy Warhol, Bianca Jagger, Halston e Jerry Hall. Foi ali, sob as luzes pulsantes, o chão suado, a multidão da pista de dança e a névoa de fumaça dos cigarros dos convidados que surgiu a base da estética Tom Ford: algo sexy, ousado, com silhuetas dos anos de 1960, 1970 e até mesmo 1980 (vide sua coleção mais recente de Primavera/Verão 2022).

Mas ele nunca foi apenas um designer. Em 1980 Ford largou a faculdade em Nova Iorque para focar na sua carreira como ator em Los Angeles. Seus anos atuando em comerciais fizeram com que sua paixão por cinematografia se desenvolvesse.

GUCCI DE TOM FORD

Campanha publicitária da coleção Primavera/Verão 2003 da Gucci. [Imagem: Mario Testino/ Reprodução]

Os aficionados por moda sabem que foi Tom Ford que reviveu a grande casa Gucci. Nos anos de 1990 a marca passava por crises: o nome estava manchado pelos dramas familiares, o assassinato de Maurizio Gucci, e o desmantelamento da dinastia ao passo que os integrantes da família vendiam suas partes da empresa.

Ford assumiu o volante com pouquíssima experiência. Foi chamado para sua primeira coleção de moda feminina na maison em 1990, e antes disso havia atuado apenas como assistente de design para a estilista norte-americana Cathy Hardwick. Parte do motivo por trás de sua contratação foi, sem dúvidas, que ninguém queria trabalhar na marca. Até 1994 já tinha quase todo o controle criativo em mãos — desde a criação das roupas até o marketing e o design de lojas (ele cursou arquitetura por alguns anos na Parsons School of Design em Nova Iorque).

Tom Ford revolucionou não só a grife como também a moda da década. Deixa clara a sua visão criativa na coleção de Outono/Inverno 1995 com silhuetas acentuadas, diferentes das sem forma comuns na época; decotes fundos; cortes que remetem aos anos de 1970; cores ousadas e ricas; texturas e veludo — isso sem esquecer a identidade da marca. Basicamente: a sensualidade dominava a passarela. As modelos usavam olhos esfumados, cabelos selvagens à la pós sexo e até o caminhar era sexy e provocativo.

Sem surpresa alguma, a coleção levou ao apoio de um dos maiores sex symbols da década (e talvez da história): Madonna. A cantora usou a camisa de seda azul, peça icônica trajada por Kate Moss no desfile, para o VMAs daquele ano.

Esquerda: Madonna usando Gucci no VMAs, 1995. Direita: Kate Moss desfilando para a Gucci FW95. [Imagens: Reprodução/ Pinterest]

O sucesso da Gucci de Tom Ford se deu justamente no apelo sexual, algo extremamente ousado e pouco visto no cenário da moda até então. Tudo em sua era gritava “sexo”, desde as roupas até a trilha sonora dos desfiles e as campanhas publicitárias — afinal, foi ele quem colocou modelos na passarela com calcinhas e cuecas fio dentais na coleção de Primavera/Verão 1997.

As campanhas de marketing carregam tanto peso quanto suas coleções e são até hoje lembradas por profissionais e amantes da moda como uma das melhores da história da casa. Em sua maioria carregam, novamente, o teor sexual pesado e marcante da época. Mas além disso, carregam um fator que se repete também em inúmeras coleções do designer: uma coloração azulada, saturada e escura. Uma paleta que remete o consumidor instantaneamente a algo selvagem.

Campanhas publicitárias da Gucci na era Tom Ford. [Imagens: Reprodução/ Pinterest]

Seu estilo ficou marcado pelo seu tempo de festa no Studio 54 e todas as coisas que vieram com ele. A estética hipersexualizada, no entanto, é hoje questionada por profissionais e amantes de moda ao mesmo tempo que sua importância é reconhecida para o crescimento e estabelecimento da marca e do designer no mercado. Os questionamentos vêm em uma perspectiva da mensagem passada pelas roupas e campanhas: a hiperssexualização sem fundamento e sem mensagem é o jeito mais prudente de vender roupas, principalmente quando o objeto de desejo em tais campanhas são, em sua maioria, mulheres?

O assunto de hiperssexualidade vem crescendo com a pandemia: depois de anos trancados em casa, o retorno das estética ligadas à exposição e glorificação do corpo se mostrou forte na temporada de Primavera/Verão 2022 no hemisfério norte. A conversa levanta também o ponto de inclusão de diferentes tipos de corpos na criação da fantasia, coisa que jamais seria pensada nos anos de 1990 quando Tom Ford estava na Gucci.

TOM FORD NA YSL

Looks de desfiles da Saint Laurent assinados por Tom Ford. [Imagem: Arquivos Vogue]

Durante seu tempo na gigante italiana, o Gucci Group adquiriu a maison francesa Yves Saint Laurent (atualmente apenas Saint Laurent). Em 1999, nomeou Tom Ford como diretor criativo da casa. A posição se deu, em grande parte, por motivos financeiros já que entre 1995 e 1996 Gucci, sob a direção criativa do designer, aumentou suas vendas em 90%. A esperança para YSL era a mesma.

No entanto, com seu fundador ainda vivo e parte da empresa, a meta se tornou um pouco mais complicada. Ford levou a sensualidade para a maison francesa, um toque risqué tendo em vista o estilo parisiense e o antigo trabalho de Saint Laurent para a marca.

Seu legado, porém, prevaleceu e mudou o rumo da estética YSL para sempre. As peças com transparência, decotes profundos e campanhas provocadoras não foram esquecidas ou ignoradas por seus sucessores Hedi Slimane ou Anthony Vaccarello que hoje a interpretam (junto ao próprio DNA estabelecido pelo fundador) a partir de suas próprias perspectivas.

O romantismo da casa nunca foi esquecido pelo estilista. Ford tinha a capacidade incontestável de mesclar a sua própria visão com elementos típicos da marca, e apesar do seu tempo (ele atuou como diretor criativo até 2004) na maison ser por vezes esquecido, também colaborou na formação e estabelecimento da sua forte estética.

TOM FORD, A MARCA AUTORAL

Campanha publicitária para Tom Ford. [Imagem: Reprodução/ Pinterest]

De toda forma, essa estética sexual e ousada foi levada para sua marca homônima, fundada em 2005. O designer deixou a gigante italiana em 2004 por conta de supostas desavenças como conglomerado Kering (antiga PPR) que possuía uma quantidade de ações significativa do Gucci Group.

Sua primeira coleção, Primavera/Verão 2011, carregou muitos dos elementos já vistos na Gucci, mas desta vez ainda mais fortes: as silhuetas, o glamour e estilo dos anos de 1970, as cores ricas, as estampas sensuais — tudo que faz parte do esperado DNA Tom Ford.

Nos 16 anos de marca, o sex appeal se manteve presente em cada corte, textura, cor, decote, tecido, acessório, maquiagem e até fragrância. O designer fez com que ao ser ouvido o nome “Tom Ford”, “sensualidade” seja a primeira coisa que vem à mente. Construiu uma identidade forte que liga suas criações com essa estética particular que o define.

Desfiles da marca Tom Ford. [Imagens: Vogue Runway]

Seu tempo em festas no Studio 54 junto à todas as suas outras paixões inevitavelmente resultaram em algo brilhante, particular e identificável. Não são apenas as roupas sensuais com traços dos anos de 1970 que remetem à festa. É Tom Ford.

Mais uma vez leva essa característica marcante para o lado publicitário da marca, ainda flertando com o estilo de paleta apresentado em seu tempo na Gucci: o azul, o saturado, o escuro. Por conta da década, as insinuações sexuais não tão explícitas ou pesadas, mas continuam presente. 

Campanhas publicitárias para Tom Ford. [Imagens: Reprodução/ Pinterest]

TOM FORD NO CINEMA: DIREITO DE AMAR

Sua saída da marca italiana significou o começo de grandes coisas, inclusive a sua concretização da sua paixão pelo audiovisual. Em 2005 anunciou o lançamento da sua produtora, a ‘Fade to Black’.

Não levou muito tempo até a estreia de seu primeiro filme Direito de Amar (2009) que conta com os nomes de Colin Firth, Julianne Moore e Nicholas Hoult. O primeiro longa de Ford obteve certo sucesso entre críticos e o público em geral. No Rotten Tomatoes — site de avaliação de cinema —, a produção recebe 86% dos críticos e 81% da audiência.

Não surpreendentemente, muitas das críticas (boas ou ruins) giram em torno do visual do filme. Seja a avaliação de Matthew Lucas do site The Dispatch, que diz “Pode muito bem marcar o debut de um ótimo stylist visual, mesmo que o filme, no final das contas, não alcance as expectativas” até a crítica de Simon Miraudo, que afirma que “O filme debut de Tom Ford como diretor, Direito de Amar, é simplesmente deslumbrante. Desde a gloriosa cinematografia até os atores e atrizes incrivelmente belos; nenhuma cena é gasta em nada remotamente feio”.

A cinematografia encantadora logo evidencia o talento do diretor para as artes visuais, no entanto sua estética típica não é tão marcante. Ford apresenta um filme com uma coloração apaixonante e romântica, cores quentes, suaves e delicadas que refletem a melancolia marcada pelo roteiro. Não há nada menos do que o belo na tela de Tom Ford.

Direito de Amar carrega uma fotografia digna de pastas no Pinterest e publicações virais em redes sociais — coisa que de fato ocorre com certa frequência. O fato é que a beleza no cinema Tom Ford não é vazia: tudo em tela (ângulos, colorações, luzes, ambientes, roupas, atores) reforça a história passada. A melancolia é transmitida não só por palavras e expressões como também por enquadramentos e cores.

Cenas de Direito de Amar. [Imagens: Reprodução]

O SUCESSO DE ANIMAIS NOTURNOS

Depois de quase uma década, Tom Ford retorna às telonas com um filme de também grande sucesso: Animais Noturnos (2016). A trama segue o mesmo ar de melancolia e drama do primeiro, com visuais que complementam a narrativa estabelecida pelo roteiro de forma envolvente.

Um dos elementos chaves do filme que marcou a estética Tom Ford no cinema foram as cores, tons que marcaram seu tempo na Gucci e marcam até hoje sua marca autoral: tons ricos e profundos de verde, azul, vermelho e branco. 

A intimidade em Animais Noturnos, no entanto, não vem por meio da sexualidade presente tão constantemente nas campanhas publicitárias do diretor, mas por um jogo de coloração e iluminação capaz de transparecer os sentimentos dos personagens. O filme é, sem dúvidas, belo — desde os atores até os figurinos e a cinematografia.

Mais uma vez, ao observar as críticas do longa no Rotten Tomatoes, o visual é unanimemente elogiado, seja a avaliação boa ou ruim. O que certifica, mais uma vez, Ford como um diretor fundamentalmente visual, acompanhado de ótimas performances e roteiro igualmente envolvente, mas marcado pelas cores e luzes.

Cenas de Animais Noturnos. [Imagens: Reprodução]

Diferente de seus contemporâneos como Wes Anderson, que tem seu estilo marcado por cores alegres e vibrantes, Ford é lembrado pelos tons fechados, íntimos, ainda vibrantes mas de forma mais profunda, cores capazes de contar toda a narrativa sem nenhuma outra palavra.

A capacidade de narrar a história pelo visual marca Tom Ford como um verdadeiro artista. Seu trabalho na moda, sua paixão pelo cinema e seu passado em publicidade se combinam em uma receita formidável que resulta nos fins comerciais e artísticos de tudo criado por Ford.

Renner lança sua primeira loja sustentável no Rio de Janeiro

A gigante brasileira entra na onda sustentável com a inauguração de sua primeira loja circular neste sábado (30) no shopping Rio Sul, na capital do Rio de Janeiro. 

O local foi totalmente renovado e o novo modelo de estrutura é baseado na economia circular, conceito que associa o desenvolvimento ao melhor uso de recursos e prioriza insumos mais duráveis e renováveis. A inauguração da segunda loja do modelo deve ocorrer no primeiro semestre de 2022 em Jacarepaguá, também na capital fluminense. 

“Assumimos o desafio de desenvolver no Brasil um projeto de loja até então inexistente no mercado e que mostra o que acreditamos ser o caminho para o varejo do futuro. A novidade está totalmente alinhada com a nossa sólida jornada ESG, que traz a moda responsável no topo desta equação”, explica o diretor presidente da Lojas Renner, Fabio Faccio, em comunicado.

De acordo com a diretora de Operações, Fabiana Taccola, o objetivo da iniciativa é se tornar referência no modelo circular no varejo. Conta em comunicado que o novo espaço vai potencializar a experiência do consumidor com iniciativas mais sustentáveis.

A abertura da nova loja é acompanhada de três coleções-cápsulas do “Selo Re” (identificação utilizada pela Renner para indicar seus produtos sustentáveis) produzidas com matérias-primas de menor impacto ambiental. 

Entre as peças lançadas estão: a nova edição de Re Jeans; a coleção Studio, com calçados feitos de lonita sustentável com sola de palha de arroz e peças com tingimento natural em tecidos reciclados, linho certificado e viscose e algodão responsáveis; e a cápsula Algodão Orgânico, feitas a partir do algodão cultivado e colhido de forma artesanal, sem uso de agrotóxicos.

Confira imagens da coleção Studio:

As preocupações ambientais e sustentáveis não se mantêm restritas às roupas, de acordo com o que é proposto pelo sistema circular, a loja inteira é construída com o foco sustentável. Para isso houve uma redução de matérias-primas na reforma. Em aço estrutural, a Renner deixou de usar 8,5 toneladas. Foram priorizados materiais mais sustentáveis, reciclados e recicláveis. E 94% dos resíduos utilizados na obra foram reciclados e serviram de insumo em outra cadeia produtiva.

A loja é abastecida por energia originada de fonte eólica. De acordo com o comunicado oficial da empresa, a emissão de CO2 equivalente evitada na construção e operação da loja, em um cenário de 20 anos, corresponde à restauração de uma área de 1,5 hectare de Mata Atlântica — o equivalente a plantação de 3 mil árvores no Parque Nacional da Tijuca por duas décadas. Além disso,  no dia a dia da loja, o consumo de água será cerca de 56% menor em comparação a empreendimentos tradicionais. 

Além disso, apresenta um novo conceito de arquitetura, seguindo os preceitos das certificações internacionais LEED (Lead in Energy and Environmental Design, ferramenta de certificação que busca incentivar e acelerar construções sustentáveis) e BREEAM (método de planejamento de projetos, estruturas e construções de forma mais sustentável. 

Todo o mobiliário da loja do Rio Sul foi desenvolvido de forma mais sustentável desde a origem, com preferência ao uso de materiais recicláveis e com a diminuição da quantidade de materiais utilizados — como por exemplo, houve uma redução de 37% na quantidade de MDF, além da eliminação no uso de vidro e pinturas.

A unidade abriga o primeiro Espaço Re, ambiente exclusivo dedicado às iniciativas de sustentabilidade da marca. Lá haverá uma seleção de peças com o Selo Re, que geram menor impacto ambiental em sua produção, e um coletor do Ecoestilo, serviço que dá uma destinação correta a embalagens e frascos de itens de perfumaria e beleza e peças de roupa em desuso. Haverá também um espaço Repassa (brechó online adquirido pela Renner) , onde ocorrerá a revenda de vestuário, calçados e acessórios.

Tecnologia, sustentabilidade e conscientização

A parte de conscientização também é uma preocupação da empresa, dentro da loja haverá painéis de LED e placas explicativas distribuídas pelo local, com QR codes que vão guiar os clientes dentro do universo de moda responsável da Renner. Os consumidores também poderão saber mais sobre as matérias-primas dos produtos, os processos produtivos e a história das coleções. Para quem está fora do Rio de Janeiro, um tour virtual do local estará disponível no site.

Além da sustentabilidade, um dos objetivos da loja é dar mais visibilidade para a estratégia omnichannel da Renner. Isto é, promover a interação entre o cliente e os espaços virtuais da empresa, o que de acordo com a varejista é uma tentativa de dar maior autonomia ao cliente, com o aumento de 60% no número de caixas de autoatendimento e dispositivos de Venda Móvel operados por colaboradores que poderão finalizar a venda em qualquer ponto da loja.

Existe um lado social?

Quando o projeto nasceu em 2019, a Renner ampliou seu programa de conformidade para qualificar e apoiar os fornecedores envolvidos no projeto. 

De acordo com o comunicado, o Instituto Lojas Renner, braço social da varejista, está desenvolvendo uma série de ações que buscam auxiliar o desenvolvimento local. Entre as iniciativas está: o Varejo Plural, que capacitou profissionalmente 28 pessoas de grupos minoritários diversos; o projeto de capacitação em costura que foi oferecido a dezenas de mulheres de regiões periféricas do Rio, a fim de buscar sua empregabilidade, conectando-as ao aplicativo SOS Costura.

Renner e a sustentabilidade

  • Desde 2014, as lojas da marca seguem padrões de responsabilidade ambiental guiados pela certificação internacional para construções sustentáveis LEED. 
  • Em 2016, a varejista passou a neutralizar 100% das suas emissões de CO2. 
  • A partir de 2017, a marca comercializou cerca de 200 milhões de peças com o Selo Re, confeccionadas com matérias-primas como algodão e viscose responsáveis, fio reciclado, poliamida biodegradável e liocel, além de processos produtivos com menor uso de água. 
  • “Re” é usado para tudo sustentável da corporação, no site é descrito como “a forma de praticar sustentabilidade em tudo que envolve nosso negócio. É também o selo que identifica todas as nossas ações de Moda Responsável.”
  • Há também o EcoEstilo, programa de logística reversa pós-consumo da Renner lançado em 2011. Em 2021 a Lojas Renner realizou a aquisição do brechó online Repassa, com o objetivo de aumentar as possibilidades de serviços relacionados à circularidade, ampliando o ciclo de uso dos produtos.

Por trás do DNA: Charles de Vilmorin

O estilista francês Charles de Vilmorin, recém graduando da notória La Chambre Syndicale de la Couture Parisienne, foi indicado para ocupar o cargo de diretor criativo da maison Rochas no início deste ano. 

É especulado que a escolha foi, em parte, por conta de sua herança. O jovem é sobrinho-neto de Louise de Vilmorin — romancista, escreveu Madame de… (1951), livro que foi adaptado para as telonas em 1953 com o filme Desejos Proibidos (Madame de… em francês) de Max Ophüls; poetisa e jornalista francesa; herdeira da empresa de agricultura Vilmorin, fundada há mais de 200 anos. Louise era amiga de Hélène Rochas, esposa e grande musa do couturier Marcel Rochas — fundador da casa. No entanto, segundo o Financial Times, tal ligação era desconhecida até então.

Em entrevista ao jornal, o estilista fala sobre a sua herança artística passada por meio da sua família — sua mãe trabalha como professora de arte — e nega que foi indicado para a posição na Rochas por conta das ligações de Louise de Vilmorin com Hélène Rochas.

Ao invés disso, o designer acredita que a escolha tenha se dado por conta da sua ousadia, criatividade e a coragem de experimentar coisas arriscadas ainda seguindo as normas e tradições da alta costura francesa.

Charles de Vilmorin para Rochas. [Imagem: Charles de Vilmorin/ Reprodução Instagram]

Logo quando foi apontado para o cargo, Vilmorin contou à Vogue que a sua relação com a marca começou ainda qundo pequeno. Na infância, a maison estava presente em sua vida no formato de roupas e perfumes. Em fevereiro, o designer afirmou que a via como um símbolo de pureza e elegância, e que planejava unir o legado de cores e criatividade com o seu próprio toque.

Charles de Vilmorin apresenta a jovial esperança e ansiedade para o futuro. Em entrevista para a Fédération de la Haute Couture et de la Mode, fala sobre o significado e importância do futuro para a indústria: “É importante usar o passado, viver o presente e pensar sobre o futuro. É o papel de um designer pensar sobre o futuro”. Tal esperança é refletida no seu “DNA”.

Ao fazer um mergulho em seu instagram, é possível notar sua assinatura artística de forma prepotente. Seu feed é coberto por desenhos (que lembram os utilizados em seus designs), cores vibrantes no formato de fotografia, arte ou inspiração. Já pelas redes sociais, percebe-se que Charles de Vilmorin é — no sentido mais nú e cru da palavra — um artista.

Charles de Vilmorin: a marca

Ilustrações por Charles de Vilmorin. [Imagens: Charles de Vilmorin/ Reprodução Instagram]

O DNA de Vilmorin é vibrante, colorido, artístico e humano. Com elementos do Cubismo, Pop Art e até mesmo do Modernismo; o estilista cobre suas obras com verdadeiros elementos artísticos muitas vezes negligenciados pelo público geral quando se fala de moda.

A maison Charles de Vilmorin foi fundada em 2020, bem no meio da pandemia do COVID-19. Com o papel do estilista na Rochas, sua marca terá o propósito de se basear em Haute Couture — mais uma vez reforçando o lado artístico de seu criador — com pequenas cápsulas de pronto-a-vestir de tempos em tempos. A primeira coleção lançada foi a de Outono/Inverno 2020.

Segundo o próprio criador, a mulher de Charles de Vilmorin é ”um pouco tímida, um pouco trash. Ela não sabe para onde quer ir mas vai. Ela é tímida e um pouco… Desajeitada”, conta ao Financial Times.

As estrelas do momento foram as jaquetas puffer de poliéster impermeável super coloridas que relembravam uma silhueta dos anos de 1980 com ombreiras super marcadas. Todas as peças são feitas a mão. A coleção de lançamento foi um sucesso, com suas criações usadas em editoriais por grandes revistas como Numéro China.

Desde o início, o designer apresenta sua visão extremamente criativa de forma ousada e direta. A identidade do que será a maison Charles de Vilmorin se deixou clara desde o princípio: cortes ousados e grandiosos, elementos artísticos (seja em cores, texturas ou cortes) e o ponto humano — todos os ítens são feitos a mão por um time pequeno de pessoas.

Mesmo com pouco tempo no mercado, o estilista foi convidado pela Fédération de La Haute Couture et de la Mode para participar da Semana de Alta Costura.

Ele traduziu sua visão criativa repleta de cores, formas e arte para o couture de forma extremamente natural. Para a coleção, Vilmorin pintou todos os tecidos à mão antes de serem costurados em suas formas finais. Tal técnica pode ser notada ao se aproximar das fotografias da coleção. As imperfeições, ou melhor, detalhes de uma tela pintada a mão são evidentes. A falta de simetria e pequenas manchas não contam como defeitos para a visão artística e proposta apresentada. O designer afirma que tira inspiração do familiar — de seus amigos. As linhas e traços menos que perfeitos passam a impressão do conhecido, confortável. O humano que se torna belo por ser único. 

A técnica demorada e delicada de Vilmorin está em tudo da coleção. As cores vibrantes e chamativas são combinadas com silhuetas igualmente espalhafatosas e dramáticas. Charles busca também inspiração na moda dos anos de 1960 com silhuetas familiares. Em uma coleção, Vilmorin carrega a mensagem mais constante em sua geração, a geração Z: a necessidade de encontrar beleza em tempos caóticos, ou ao menos esperar pelo belo e brilhante na linha de chegada. No fashion film, os modelos (amigos de Charles) são apresentados como verdadeiras obras de arte em movimento.

No início deste ano, o estilista apresentou sua terceira coleção — segunda de alta costura. Esta, no entanto, veio como uma grande surpresa por ter um enorme contraste com suas coleções passadas. Em uma coleção inteiramente preta, Charles de Vilmorin descreve a surpresa como apenas um mood.

As peças parecem terem sido tomadas por corvos e imaginadas pela mente de Tim Burton. O estilista, no entanto, mantém o caráter artístico com o uso de penas, cortes complicados (que por vezes lembram tentáculos) e grandes brincos dourados. A coleção de Outono/Inverno Couture parece, em sua maioria, extremamente teatral, com silhuetas pomposas e gigantes. O mood aqui se apresenta como oposto da coleção anterior, uma desesperança e medo do que o futuro aguarda.

Depois dela, o designer volta para sua visão colorida com a coleção cápsula exclusiva para 24 Sèvres — portal de compras de luxo online, pertencente ao conglomerado LVMH.

A perspectiva econômica por trás da indicação ao cargo na Rochas

A introdução de um jovem designer é, mais do que tudo, a tentativa de alcançar um novo público no mercado. As peças da coleção de Primavera/Verão 2022 serão vendidas por um preço mais “acessível” (com a variação de preços para vestidos entre €700 e €3000).

Hoje, a Inter Parfums é a proprietária da maison. O mercado de perfumaria gera para a marca cerca de €40 milhões — número que cresceu desde a compra em 2015. Segundo Philippe Benacin, CEO da Inter Parfums, o crescimento é creditado à introdução de perfumes voltados para o público jovem como Eau de Rochas, Mademoiselle de Rochas e Rochas Girl. 

A licença de todas as coisas fashion, no entanto, são administradas pelo grupo HIM. Esse mercado gera para a casa francesa cerca de €8 milhões, e a proposta é alcançar €20 milhões nos próximos três anos, a fim de equilibrar com o mercado de perfumes.

Para alcançar o objetivo, a marca planeja expandir seu espectro de vendas e apostar também no setor de sapatos e acessórios — segmento da indústria da moda que mais movimenta o mercado.

Rochas de Charles de Vilmorin

Fotos da nova visão artística da Rochas, divulgadas no instagram oficial da marca. [Montagem por Marina Bittencourt]

Para entender a nova Rochas é preciso entender a antiga. Marcel Rochas tinha apenas 23 anos quando fundou a maison, somente um ano mais novo que Charles de Vilmorin quando assumiu a direção criativa da casa. Na época, Rochas foi considerado o estilista da juventude. Indo contrário à grandes personalidades da época como Coco Chanel, ele apresentava silhuetas realmente revolucionárias para o tempo: vestidos bem estruturados com mangas bufantes, saias robustas e arquitetura impecável em suas criações.

Responsável pela criação de saias com bolsos e do casaco ⅔, Rochas tirava suas inspirações do feminino e da emancipação feminina. Suas roupas eram idealizadas com o corpo da mulher em mente. No pós Segunda Guerra, o estilista usou e abusou de peças e silhuetas que buscavam a liberdade e independência feminina. O designer faleceu em 1955 aos 53 anos.

Desde então, a maison passou por diversos diretores criativos. Obteve um breve retorno à glória com a direção criativa de Olivier Theyskens de 2003 até 2006. Na sua coleção de estreia e ao longo do seu tempo na marca, Theyskens apresentou uma visão um tanto parecida com a atual de Vilmorin, isto é, silhuetas grandiosas, dramáticas e inovadoras. Uma ousadia que remete ao fundador.

A Rochas de Vilmorin é, além de tudo, uma tentativa de rejuvenescimento da marca. Mas, também, é um retorno para as bases criativas e espalhafatosas da maison.

O debut do designer na casa francesa ocorreu com a coleção Resort 2022. Embora mais amenas, as silhuetas bufantes e peças estampadas já estavam presentes na chegada do novo diretor criativo. A mudança entre a Rochas de um ano atrás e a atual é gritante. A maison abandonou cortes simples e bem estruturados por silhuetas chamativas e arriscadas. Deixou os tons pastéis e neutros por cores chamativas e estampas psicodélicas.

É jovial, livre, despojada, chamativa, artística e ousada. O designer se preocupa em mesclar o passado e o presente, assim como o seu DNA e a herança da casa. Executa, com certo sucesso, o equilíbrio do jovem com o sofisticado.

Para a coleção de Primavera/Verão 2022 apresentada na Semana de Moda de Paris, Charles de Vilmorin trabalha em suas silhuetas espalhafatosas e complicadas, que são elevadas ao extremo com a escolha de estampas e tecidos igualmente dramáticos. Vilmorin quebra os padrões da marca e traz para a passarela estampas intrigantes com pinceladas do gótico e do punk. A abordagem jovial e chamativa carrega com peso o nome e proposta do novo diretor criativo.

O designer se preocupa com os detalhes. Exibe vestidos, calças e blusas trabalhadas com desenhos e recortes na passarela. Mesmo em looks sem toda a grandiosidade, Vilmorin se preocupa em deixar sua assinatura por meio dos sapatos — botas com franjas, metalizadas ou desenhadas em formato de chamas; tamancos metalizados; sapatos de salto alto cheios de cortes e cores —, brincos e outros acessórios.

O caminho traçado pelo estilista parece levar ao sucesso se conseguir manter e consolidar a identidade da casa. A coleção foi um primeiro gosto da nova era emergente. 

A nova Blumarine é uma carta de amor para os anos 2000

Ontem (23), Blumarine apresentou sua coleção de primavera/verão 2022 e definitivamente não é destinada aos amantes do minimalismo clássico.

Mais uma vez, Nicola Brognano busca inspiração na moda dos anos 2000 e faz referência a ícones da moda da época: o vestido jeans usado por Britney Spears, o estilo de Paris Hilton, Victoria Beckham, Beyoncé, Fergie e outras grandes estrelas da década.

O maximalismo, drama, exagero e sensualidade são apenas alguns dos adjetivos cabíveis para a fantasia colorida Blumarine.

Blumarine X moda dos anos 2000.

Desde bandanas amarradas na cabeça até modelos cobertas de glitter, sapatos de bicos extra finos e peças carregadas de transparência; Brognano traz elementos chaves que fizeram o estilo Y2K. Desde sua estreia na marca, o designer se preocupa com a relação com as novas gerações, em representar não só o ontem como também o agora.

Desde o início da pandemia, o estilo foi adotado por jovens ao redor do mundo e popularizado por meio de redes sociais — principalmente pelo TikTok. A nostalgia pelos anos de infância e a volta de tendências de décadas passadas não é novidade, na década de 2010, com as crianças da década de 1990 chegando à idade adulta, pôde-se observar a volta de muitos elementos da década — desde séries e filmes até elementos no vestuário.

O padrão cíclico da moda é esperado e previsto, no entanto, as tendências devem se adaptar tendo em mente o contexto atual e o público do momento. Nicola Brognano e sua principal colaboradora, a stylist Lotta Volkova — fazem isso com maestria, fato que se comprova com a grande popularidade de suas coleções nas redes sociais. 

Para esta coleção, o designer apostou em peças em jeans, cintura baixa, vestidos com transparência e borboletas. Broganano reuniu uma paleta colorida e vibrante que abre portas para o mundo pós-pandemia e as esperanças de um futuro melhor e mais vivo. Blumarine representa a mulher jovial e ousada, o mini é extremamente mini e o maxi ainda é sexy por decotes ou transparência.

E, de acordo com as palavras de Lotta Volkova para Vogue, a nova Blumarine é sobre “Fadas militares. Garotas borboletas sensuais. Frívolo e divertido mood Y2K quando as redes sociais não estavam no horizonte. Rainhas de patchwork em jeans. Garotas trippy, psicodélicas e neons. Estampas jeans no tapete vermelho, bandanas no tapete vermelho. Sereias de cintura baixa.”

No momento, Brognano se preocupa em definir a identidade da marca, reutiliza algumas das cores da coleção Resort e silhuetas similares. No momento, as peças Blumarine sob o comando do estilista são facilmente identificáveis. Prova que o seu objetivo está sendo alcançado.

A borboleta — em cintos acessórios ou estampas — segue como mascote da marca, ícone prometido e protegido pelo diretor criativo da marca.

Confira os looks favoritos:

Assista o desfile (começa em 15:20):

Onde estão as estrelas da moda norte-americana?

Depois de muito e mais de um ano sem o evento, o Met Gala aconteceu na noite desta segunda-feira (13). O baile e a exibição tiveram a moda norte-americana como tema – uma escolha que, apesar de vaga, prometia diversos elementos cabíveis para interpretação por parte dos designers e stylists. 

De todos os temas já abordados pelo evento, esse não se mostrava tão complexo quanto seu antecessor (Camp) ou controverso como o tema de 2018 acerca da religião católica. Ainda assim, como de costume, convidados e seus times falharam para seguir o tema proposto.

Não é segredo que a moda norte-americana, assim como a cultura e história estadunidense — e de boa parte da América — foi construída por mãos pretas. Mas onde elas estavam na noite de segunda-feira em um evento extremamente exclusivo da sociedade estadunidense? 

Alton Mason vestindo Theophilio no tapete vermelho do Met Gala, 2021. Beleza por Taylour Chanel, styling por Law Roach. [Imagem: Aday Living/ Reprodução Instagram]

Sim, o evento contou com vestidos assinados por designers pretos como Christopher John Rogers (usado pela autora Eva Chen e pela atriz Jordan Alexander) e Theophilio (usado pelo modelo Alton Mason), porém em sua minoria. Também contou com referência à grandes figuras negras norte-americanas como Aretha Franklin (vestido usado por Jennifer Hudson) e Josephine Baker (vestido da Dior usado por Yara Shahidi e da Oscar de la Renta usado por Anok Yai).

Em um ano onde houve a estreia do primeiro designer negro-norte americano na alta-costura – Pyer Moss, que apresentou sua coleção couture recheada de críticas sociais e políticas – a fundação da moda norte-americana parece ter sido mais uma vez apagada. Ao invés disso, houve a típica concentração de grandes designers brancos e suas marcas multibilionárias.

Elizabeth Keckley. [Imagem: Fotógrafo desconhecido]

A indústria da moda estadunidense foi semeada por mãos pretas. Ainda nos tempos de escravidão, eram os afro-americanos que costuravam vestidos para famílias da elite. Elizabeth Keckley, afro-americana e ex-escrava, é apenas um dos grandes exemplos dessas personalidades. Nos anos de 1860, Keckley era a costureira de Mary Todd Lincoln — esposa do então presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln. Depois de comprar sua liberdade e deixar St. Louis, Missouri, ela se estabeleceu em Washington, DC, com uma loja com 20 ajudantes e atuou como costureira das mulheres mais influentes daquele momento. Apesar de mais citada, é importante lembrar que diversos designers negros do período não foram creditados pelos seus trabalhos.

Vestido em veludo de Mary Todd Lincoln, feito por Elizabeth Keckley. [Imagem: Divulgação/National Museum of American History]

Nos anos de 1940, ainda com as leis de segregação racial no país, designers pretos estavam por trás do figurino de importantes figuras culturais. Como por exemplo Zelda Wynn Valdes, que foi responsável por desenhar as roupas da icônica cantora de jazz Ella Fitzgerald, da cantora Maria Cole, da atriz Dorothy Dandridge, da cantora Eartha Kitt e da primeira estrela de ópera estadunidense Marian Anderson. Ainda na mesma época, em Nova Iorque, há a presença de Ruby Bailey, conhecida em Harlem por seus designs repletos de cores e estampas. 

[Imagens: Fotógrafo desconhecido]
Ann Lowe.

E claro, é impossível não mencionar Ann Lowe, a primeira designer afro-americana a tomar mais reconhecimento. Entre os anos de 1920 e 1960, Lowe vestiu mulheres da alta sociedade e é responsável por um dos vestidos mais notórios na história da moda estadunidense: o vestido de casamento de Jackie Kennedy. Ainda assim, na época, Lowe não recebeu crédito pelo seu trabalho por conta de sua etnia. Em 1968, a designer abriu sua loja na Madison Avenue, Nova Iorque, e hoje seus designs são exibidos em museus. 

Jackie Kennedy em seu vestido de casamento, feito por Ann Lowe. [Imagem: Arquivo/FIT]

Contemporâneo de Kelly, Willi Smith é provavelmente um dos designers mais revolucionários e também mais esquecidos do cenário da moda, o inventor do streetwear. Na década de 1970, Smith foi o responsável por misturar elementos de roupas atléticas com alfaiataria, criando peças que eram feitas para serem usadas. O designer tinha a proposta da moda tangível, para todos. Seus designs ganharam fama e ele rapidamente virou uma espécie de ícone dentro da comunidade afro-americana.

Street couture, como ficou conhecido seu legado, tirava inspiração do mundano, do comum. De pessoas reais e dos subúrbios a fim de servir os mesmos. WilliWear, marca do designer com sua parceira de negócios Laurie Mallet, obteve sucesso instantâneo com sua proposta plural. Apesar de precursor do streetwear que conhecemos hoje, Smith é raramente lembrado.

Willi Smith para Digts, Coleção FW72, 1972. [Imagem: Arquivo/ Willi Smith Community Archive]

Conhecido como um dos pioneiros, Stephen Burrows — mais um contemporâneo de Patrick Kelly e Willi Smith, notável pelos seus designs repletos de cores vibrantes – é mais um dos designers que marcam a moda estadunidense. Em 1973, foi um dos cinco designers a participar do desfile Batalha de Versailles, uma competição entre designers franceses e norte-americanos para fins beneficentes. 

Ainda nos anos de 1970, Burrows foi um dos responsáveis por consolidar a estética que mais tarde seria associada com o início da década — como cores fortes e formas geométricas. Durante sua carreira (que se estende até hoje), quebrou barreiras como o primeiro norte-americano a ganhar prêmios de moda, e se tornou um dos favoritos das celebridades. 

Coleção de Stephen Burrows para Henri Bendel, 1970. [Imagem: Charles Tracy/ Reprodução The New York Times]

Nos anos de 1980, Dapper Dan, estilista nova-iorquino, definiu a cultura do hiphop com o uso da logomania e silhuetas que marcaram a década. Se Galliano fez uso das logos nos anos de 1990, foi Dan que deu início à tendência e redefiniu a estética urbana quando as gigantes do luxo não prestavam atenção para aquilo. Seus designs viraram uniforme da comunidade negra norte-americana dentro do cenário musical, vestindo nomes ilustres como Eric B. & Rakim e Mike Tyson.

Durante sua glória nos anos 80, se apropriou de logos de gigantes casas de luxo como Louis Vuitton, Gucci e Versace. A apropriação resultou em uma série de processos na década de 1990 que fez com que o designer encerrasse operações. Uma de suas peças mais famosas foi uma jaqueta bufante, de pele, com a estampa clássica da Louis Vuitton nas mangas — ítem que reapareceu na coleção Resort de 2018 da Gucci, dessa vez com a logo da maison italiana. Anos depois, nos anos 2000, sua influência ainda é marcada no estilo Y2K.

Dapper Dan em sua loja nos anos de 1980. [Imagem: Divulgação/ Dapper Dan]

Hoje a lista de designers norte-americanos com grande notoriedade se expande: Christopher John Rogers, LaQuan Smith, Telfar Clements, Kerby Jean-Raymond, Victor Glemaud, Kanye West e Virgil Abloh são apenas alguns nomes que continuam quebrando as barreiras da indústria da moda e apresentam coleções que ultrapassam as expectativas de criatividade e manufatura. A NYFW que se encerrou neste domingo (12) foi apenas mais um atestado de que os designers pretos norte-americanos são os que trazem algo interessante para o cenário da moda estadunidense. Mesmo assim, onde estavam esses criadores no tapete vermelho do Met Gala?

Sem referências daqueles que construíram a moda norte-americana ou os que a mantém interessante atualmente, o evento da moda mais esperado no ano caiu como apenas mais um tapete vermelho hollywoodiano. A oportunidade de creditar designers de cor que fizeram a moda estadunidense — ou até mesmo grandes ícones da moda como Diana Ross, Prince e muitos outros — foi perdida mas já era esperada. 

Os convidados não são obrigados a seguir o tema, e realmente poucos seguiram. Em sua grande maioria, os vestidos não referenciavam nada da história da moda estadunidense ou do país em geral. Trajes bonitos, sem sombra de dúvida, mas que fugiam do tema relativamente fácil proposto pelos presidentes do evento. A noite foi agraciada com momentos em Oscar de la Renta, mas assombrada por Saint Laurent, Valentino e Balenciaga — marcas que seriam perfeitas em qualquer outro evento ou qualquer outro tema, ou até mesmo se simplesmente adotassem elementos da cultura norte-americana.

A presença de marcas, mesmo gigantes, que se destacaram na indústria estadunidense foi escassa: não houve Marc Jacobs, pouquíssimos Ralph Laurens, Calvin Kleins e até mesmo Michael Kors. Isso sem mencionar a (quase) total falta de designs inspirados por Halstons e Bob Mackies. Alguns trajes pareciam até mesmo pertencer a tapetes vermelhos passados.

Com uma cultura rica e recheada de elementos marcantes, do country até Old Hollywood e subculturas de streetstyle, é decepcionante assistir o descarte do potencial de uma noite tão aguardada.

[Resenha] ‘The White Lotus’ e a sátira do privilégio branco

The White Lotus (2021) criada, escrita e dirigida por Mike White — roteirista de Escola do Rock (2003) e Freaks and Geeks (1999 – 2000) — rapidamente se tornou a série mais assistida da HBO Max e já foi renovada para a segunda temporada, que contará com um elenco completamente novo. O sucesso da série não é surpresa – a trama engloba um tema extremamente atual e o aborda de forma leve e satírica: o privilégio branco.

A narrativa segue hóspedes brancos de classe alta que se hospedam em um hotel de luxo no Havaí. Ao longo dos episódios, a dinâmica entre os clientes, empregadores e empregados é mostrada de forma clara e a história tem como centro da piada os hóspedes que constantemente fazem demandas estúpidas e mesquinhas; comentários de caráter tão duvidoso que beiram o cômico; e começam brigas que são, no mínimo, fúteis.

Diferente de séries como Gossip Girl (2021 – atualmente), The O.C. (2003 – 2007), Dynasty (2017 – atualmente) e Downton Abbey (2010 – 2015), The White Lotus não procura a redenção ou simpatia pela elite. Pelo contrário, a série os ridiculariza e deixa óbvia a forma como as ações e comentários do grupo são imensamente absurdos.

O elenco dos hóspedes conta com três grupos principais: a família Mossbacher, composta por Nicole (Connie Britton), Mark (Steve Zahn), Olivia (Sydney Sweeney), sua amiga Paula (Brittany O’Grady) e Quinn (Fred Hechinger); os recém casados Shane (Jake Lacey) e Rachel (Alexandra Daddario); e Tanya (Jennifer Coolidge) que foi para o resort para espalhar as cinzas de sua mãe no oceano. Enquanto isso, o elenco dos funcionários conta com Armond (Murray Bartlett), Belinda (Natasha Rothwell) e Dillon (Lukas Cage).

A trama envolvente é atingida pelas atuações brilhantes de todo o elenco, em especial, Alexandra Daddario que surpreende como uma jovem jornalista presa em um debate interno sobre seu recente casamento; e Murray Bartlett, que entrega uma performance impecável de um homem à beira da loucura.

White escreve a crítica social de forma natural, sem piadas forçadas, ações exageradas ou comentários distantes do que se pode encontrar em boa parte da elite branca da vida real. É a proximidade com a realidade que torna a série irresistível. Fica fácil para qualquer um ver semelhança entre os discursos que ocorrem em cena com coisas ditas na vida real, por mais absurdo que pareça ser no papel. Um exemplo disso é a cena que se passa em um dos jantares, onde a matriarca da família Mossbacher, Nicole, tenta defender que homens heterossexuais cisgêneros agora são a minoria e, por isso, merecem atenção, cuidado e mais oportunidades de trabalho.

A construção da narrativa, no entanto, não se mantém apenas no roteiro. Desde a vestimenta, com hóspedes carregando a tiracolo marcas como Goyard, Gucci, Valentino e Louis Vuitton enquanto os empregados trajam — na maior parte das cenas — o uniforme do hotel. A distinção entre as camadas sociais também é construída com os maneirismos e sotaques da elite: o exemplo mais claro é o personagem de Sydney Sweeney que carrega um pesado valley girl accent (“sotaque de garota do vale” na tradução livre, como os nortes-americanos intitulam o jeito de falar das garotas de classe alta ou classe média alta da região de Los Angeles e arredores).

Brittany O’Grady e Sydney Sweeney como Paula e Olivia. [Imagem: Divulgação/HBO]

Além de retratar a clara desconexão da elite estadunidense com o resto do mundo, Mike White captura outros arquétipos dessa mesma camada: a geração “desconstruída”. À medida que a série se desenvolve, a amizade de Paula e Olivia é explorada por ângulos um tanto inusitados. Paula tem na história o papel do olhar dos telespectadores e representa o que, muito provavelmente, a audiência estará pensando e sentindo.

A personagem de O’Grady originalmente não faz parte desse mundo e vai na viagem a convite de Olivia, que sente a necessidade de não ser como seus pais. Isso é convincente pela maior parte da trama até os episódios finais, nos quais o diretor traz uma mensagem um pouco desesperançosa: não importa o quanto tente, a sua família ainda é sua, e querendo ou não, você tem mais em comum com eles do que gostaria.

Ele mostra essa desesperança em outros aspectos do enredo, quando Tanya parece finalmente ter um arco de redenção, ele é quebrado pela aparição de um possível romance e as suas promessas de um negócio com Belinda caem por terra. Em resumo, o diretor lembra que quando dada a escolha, essas pessoas escolherão elas mesmas ou seus iguais.

Além da clara crítica social, The White Lotus traz a tona o conflito adolescente de se encontrar no mundo com Quinn, as dúvidas e incertezas do casamento com Rachel, a dificuldade em lidar com o passado com Mark, o difícil processo do luto com Tanya, o ganho de confiança com Paula, o problema de abuso de substâncias químicas com Armond e o preço que se paga por ser gentil demais em um mundo cruel com Belinda. A série se aproveita de todos os personagens e os traz à vida com personalidades tridimensionais, histórias do passado e tramas do presente, e faz isso sem deixar nenhuma ponta solta.

O pessimismo (ou melhor, realismo) reflete o momento atual e o jeito como as coisas são: apenas os ricos têm um final feliz. Do destino de Kai (Kekoa Kekumano) até Belinda, a elite sempre ganha, sai por cima ou tem uma chance de recomeçar enquanto os outros são deixados para traz para arrumar a bagunça causada por eles e seguir na esperança que um dia as coisas serão diferentes. A sensibilidade na hora de lidar com os hóspedes, não por serem clientes do hotel, mas sim por serem pessoas socialmente e economicamente relevantes, é algo citado pelos empregados diversas vezes durante a série.

O diretor ainda se aproveita da famosa coloração amarelada que estrela os filmes e séries hollywoodianas que se passam em qualquer lugar periférico. O uso das cores, em especial, transparece o clima quente e tropical havaiano. A teleportação para o paraíso também vem com a trilha sonora por Cristobal Tapia de Veer.

O apelo de The White Lotus é óbvio por ser uma série leve e objetiva, não procura ou cria tramas complicadas como Succession (2018 – atualmente). O assassinato que serve de gatilho para o começo da história é rapidamente revelado e explicado no final, já que a série não se trata de um mistério.

No dia 10 de agosto, a série foi oficialmente renovada para a segunda temporada. Em entrevista para TV Line, Mike White diz que gostaria que a continuação fosse em um hotel diferente com um novo elenco, “The White Lotus: Saint Tropez ou algo assim”, disse o diretor. Ele também disse que, logicamente, você não poderia ter todos os hóspedes nas mesmas férias novamente, mas cogita a ideia de trazer alguns personagens de volta em algum momento. “Poderia ser algo tipo o universo Marvel”, diz.

O novo elenco, data de lançamento e outros detalhes ainda não foram divulgados.

Confira o trailer: