FRENEZI EXPLICA: Fernanda Montenegro, A Grande Dama do Cinema e da Dramaturgia do Brasil

Quando se fala em cinema nacional, o típico humor brasileiro ganha espaço na cinematografia, assim como as críticas sociais e políticas. Bye Bye Brasil (1980), Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), Marighella (2019) e Minha Mãe é uma Peça (2013) são alguns filmes que representam a cultura brasileira no cinema, seja pela militância por trás ou pelo cotidiano cômico.

Em 1999, o clássico Central do Brasil (1998), dirigido por Walter Salles, levou Fernanda Montenegro a concorrer ao Oscar de Melhor Atriz, na ocasião a estrela foi a única latino-americana e única brasileira a concorrer nesta categoria, o que mostrou Brasil afora tamanha importância e relevância da artista.

Fernanda Montenegro no Oscar 1999 Foto: reprodução/The Academy

Fernanda Montenegro é o nome artístico de Arlette Pinheiro Monteiro Torres, conhecida por ser escritora, atriz, pela alcunha de A Grande Dama do Cinema e da Dramaturgia do Brasil, carioca e imortal para a cadeira número 17 da Academia Brasileira de Letras. 

Durante seus 55 anos de carreira, participou de mais de 70 obras, incluindo séries, filmes, novelas e peças de teatro. Além de ter sido a primeira mulher latino-americana e a única brasileira indicada ao Oscar de Melhor Atriz por um trabalho em língua portuguesa, também foi a pioneira ao levar o Emmy Internacional na categoria de melhor atriz pela atuação em Doce de Mãe‘ (2013).

De Arlette à Fernanda

Fernanda Montenegro Foto: reprodução/ GloboPlay

Filha de uma dona de casa e de um mecânico, Arlete Pinheiro Esteves da Silva nasceu na Zona Norte do Rio de Janeiro em 16 de outubro de 1929. Ainda cedo, aos 8 anos, teve sua estreia como atriz em uma peça na Igreja, logo depois, com 15 anos foi contratada como redatora, locutora e radioatriz da rádio MEC.

Conheceu o ator Fernando Torres, com 16 anos, na mesma rádio em que trabalhava, foram casados de 1953 a 2008 e tiveram dois filhos, a atriz Fernanda Torres e o diretor Cláudio Torres. 

Assim como muitas estrelas que não usam o nome de batismo como artístico, Arlette adotou o nome “Fernanda Montenegro” como seu pseudônimo, mas durante seu trabalho na rádio,  ainda manteve sua assinatura como “Arlete Pinheiro”.

“Tirei do século XIX, de livros como o ‘Conde de Montecristo’ e das Fernandas dos romances franceses.”, revelou em entrevista ao “Damas da TV” do Canal Viva. “Acho que sou duas pessoas. Está de acordo com a minha profissão. O velho Shakespeare já tinha razão, somos todos atores. Sei que sou também a dona Arlete. Essa é bem resguardada. Poucos me chamam ainda assim. Uma prima, um primo. Meus pais me chamavam também, minha irmã. Mas é para uso interno. Eu acho bom. Dentro de uma toca. E tem essa outra entidade aí, que, de vez em quando, se exibe muito.”

A trajetória artística e Premiações 

Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo em “A Falecida” Foto: reprodução/divulgação 

Aos 15 anos de idade, Arlette entrou para a Rádio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), através de um concurso para locutores, se mantendo lá por 10 anos, alternando entre locutora e atriz de rádio-teatro. Posteriormente, fez parte do teatro da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, começando sua carreira e participando futuramente do Teatro Ginástico – um renomado teatro que integrou a comunidade luso-brasileira, inaugurado em 1938, e, que recebeu consagrados talentos da arte cênica brasileira.

A década de 1950 marcou sua entrada na TV, pelo canal TV Tupi, sua participação na Companhia Maria Della Costa, e no Teatro Brasileiro de Comédia.  Em 1959 fundou sua própria companhia teatral, a Companhia dos Sete, em parceria com seu marido, Fernando Torres. E em 1965, consagra sua estreia na TV Globo, e inicia sua era de ouro na teledramaturgia que a levou ao reconhecimento nacional.

O longa A Falecida (1965), foi o primeiro filme estrelado por Fernanda como Zulmira. Conta a história do sonho da protagonista de ter um enterro luxuoso, para realizar seu sonho, o marido pede dinheiro a Guimarães, o homem mais rico do bairro, o qual não concorda em pagar e conta que teve um caso com a falecida, sem saber que está falando com o viúvo, o marido, então enfurecido, passa a chantagear Guimarães. O papel consagrou Montenegro com o prêmio de Melhor Atriz para o Festival Nacional de Brasília em 1965.

Baila Comigo (1981), Guerra dos Sexos (1983), Cambalacho (1986), Rainha da Sucata (1990), são algumas obras que a consagrou como a rainha das novelas. No cinema, atuou em clássicos, como Eles Não Usam Black-Tie‘ (1981), O Que É Isso, Companheiro? (1997) e  O Auto da Compadecida (2000).

Fernanda Montenegro no Emmy Internacional Foto: reprodução/divulgação

Não ter levado o Oscar de 1999 como Melhor Atriz, não diminuiu seu potencial como artista, Montenegro foi indicada a diversas categorias tanto internacionais como nacionais.

Dentre os principais feitos da atriz estão o prêmio em 1998 no Festival de Berlim como Melhor Atriz (Urso de Prata) com Central do Brasil; em 2000, por Traição, levou o Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro de Melhor Atriz Coadjuvante; O outro Lado da Rua proporcionou em 2005 o troféu de Melhor Atriz pelo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro; em 2013 o Emmy Internacional concedeu à Fernanda o prêmio de Melhor Atriz por seu papel em Doce de Mãe. Com mais de 100 indicações, esses são só alguns exemplos dos 91 prêmios que A Grande Dama do Cinema do Brasil totaliza.

Fernanda Montenegro é considerada um símbolo no cinema nacional, sua presença e importância é inigualável, principalmente durante a época dos anos 1990, em que aconteceu o chamado Cinema da Retomada, foi um período em que a Embrafilme, principal responsável pelo financiamento, coprodução e distribuição de filmes no país, foi extinta pelo governo. Um momento frágil para os atores e diretores nacionais, devido à falta de auxílio econômico e incentivo cultural, a partir disso, o Cinema da Retomada marca a revitalização da atividade cinematográfica no Brasil. 

Depois de anos trabalhando exclusivamente para a TV, o novo filme Dona Vitória (2022)  marca sua volta às telas do cinema. O longa conta sobre Vitória, uma aposentada alagoana, que desmascarou uma quadrilha de traficantes e policiais do Rio de Janeiro através de filmagens feitas pela janela do seu apartamento, no bairro de Copacabana.

A Imortal 

Fernanda Montenegro recebendo medalha de imortal da ABL Foto: Daniel Pereira/AgNews

Em março de 2022, aos 92 anos, Fernanda assumiu a cadeira 17 como “Imortal” na Academia Brasileira de Letras, sucedendo o acadêmico e diplomata Affonso Arinos de Mello Franco.

Fernanda recebeu 32 votos para integrar o grupo, sua incorporação expressa um forte laço da Academia com as Artes Cênicas.

Como prólogo desta minha fala, devo esclarecer que sou uma incansável autodidata, cuja origem intelectual, emocional sempre me chegou e ainda me conduz através da vivência inarredável de um ofício: atriz. Sou atriz. Veio dessa mítica, mística arte arcaica, eterna, que é o teatro. Sou a primeira representante da cena brasileira, do palco brasileiro a ser recebida nessa casa“, declarou durante a cerimônia de posse.

A atriz também é escritora e autora de dois livros publicados, sendo Prólogo, Ato, Epílogo (2019) em parceria com a jornalista Marta Góes, onde conta suas memórias, e Fernanda Montenegro: Itinerário Fotobiográfico, um livro em que é narrado sua história por meio de fotos de diferentes épocas.

Nascida em 16 de outubro de 1929, esses são os feitos da carioca para o rádio, TV, cinema e a dramaturgia brasileira. A atriz é considerada uma das mais importantes para a cultura nacional, seu legado é consagrado.

Exposed da empresa do rato: a falsa representatividade LGBTQIA+

A The Walt Disney Company, mais conhecida apenas como Disney. Marcou gerações com seus desenhos do Mickey Mouse, a abertura do parque mais mágico do mundo, as séries nostálgicas como “Hannah Montana“ (2006), “Feiticeiros de Waverly Place” (2007) em seu canal televisivo, os filmes de animação como “101 Dálmatas” (1961), “O Rei Leão” (1994) e os clássicos das princesas “Branca de Neve e os 7 anões” (1937), “Cinderella” (1950),  “A Pequena Sereia” (1989) e outros. Esses são só alguns exemplos de produções icônicas que fazem parte do maior  conglomerado do cinema atual, fundado pelos irmãos Walt e Roy Disney na década de 20. 

Mas, apesar da clara importância no imaginário de crianças de todas as gerações, polêmicas e Disney na mesma frase tornou-se algo muito comum ultimamente, seja pelos os diretores, atores ou até a abordagem de seus longas. Recentemente, o Jornal Orlando Sentinel revelou que a WDC financiou políticos que apoiam o projeto de lei “Don’t Say Gay”, este que proíbe as discussões sobre a orientação de gênero nas escolas primárias da Flórida. O CEO, Bob Chapek, não declarou-se publicamente sobre o ocorrido, porém, segundo o The Hollywood Reporter, Chapek é contra colocar a Disney em temas que considera insignificantes, seja para a empresa ou para seus negócios.

Em nota a Disney apenas fez o seguinte pronunciamento: “Entendemos o quanto esses assuntos são importantes para nossos funcionários LGBTQ+ e muitas outras pessoas. Por quase um século, a Disney tem sido uma força que une as pessoas. Estamos determinados em fazer com que continue sendo um lugar onde todos são tratados com respeito”.

Protesto em frente ao parque da Disney // foto reprodução G7 News

Como Chapek não se pronunciou, os funcionários da Disney compartilharam suas indignações nas redes sociais, obrigando, dessa forma, o CEO a falar. Chapek pontuou que para não confundirem sua falta de declaração com a falta de apoio, “todos compartilhamos o mesmo objetivo de um mundo mais tolerante e respeitoso”, acrescentou.

Não é de hoje que os fãs das animações da empresa  pedem por personagens que os representem. Desde 2013, com o sucesso “Frozen”, muitos levantaram a tag “dê a Elsa uma namorada”. Outro filme que acabou sendo sabotado foi o live action da “Bela e a Fera” (2017), a estreia foi adiada na Malásia, devido ao personagem Lefou, que mesmo não envolvido em nenhuma cena explícita de afeto, foi considerado um “momento gay”.

Campanha ‘#GiveElsaAGirfriend’ (dê Elsa uma namorada) // foto reprodução Twitter

O famigerado pink money – termo usado para a comercialização de produtos para o público LGBTQIA+ – entra em ação nas produções, como forma de abaixar a poeira frente às polêmicas. A Disney tentou melhorar sua reputação com o beijo de duas mulheres em “Lightyear” (2022), o próximo filme da Pixar que contará a história do Buzz Lightyear de Toy Story (1995). Um detalhe, esse beijo teria sido vetado pela Disney, mas a Pixar manteve.

Em 2018, a GLAAD (Aliança de Gays e Lésbicas Contra Difamação), apontou os estúdios com a menor representatividade da comunidade naquele ano, dos 110 filmes produzidos em Hollywood apenas 18% dos personagens fazem parte da comunidade e nenhum dos longas pertencem ao conglomerado da Walt Disney. A 20th Century Fox, que posteriormente foi comprada pela WD, contribuiu com 10% nas representatividades.

A Pixar, que atualmente faz parte do conglomerado da Disney, possui animações mais adultas comparadas aos filmes produzidos propriamente pela empresa do rato. O estúdio possui uma maior liberdade, um tanto falsa, para ter personagens dentro da comunidade LGBTQIA+, como foi visto em “RED: Crescer é uma fera” (2022), em que em uma das cenas teve a presença de um casal homossexual de mãos dadas. Entretanto, são detalhes que precisam de atenção para não passar despercebidos, já que essas demonstrações de afeto são rápidas.

Trecho de cena do filme “Red: Crescer é uma fera” // foto reprodução Disney +
Cena de “The Owl House” à direita // foto reprodução Disney +

Muitos funcionários da Pixar denunciaram a censura por parte dos executivos da Disney em uma carta resposta divulgada pela Variety, alegando a exigência de cortes em todos os afetos que sejam explicitamente gay. “Mesmo que criar conteúdo LGBTQIA+ fosse a resposta para consertar a legislação discriminatória do mundo, estamos sendo impedidos de criá-lo. Além do ”conteúdo inspirador” que não temos permissão para criar, exigimos ação”, apontam.

Dana Terrace, criadora de “The Owl House” (2020), usou seu Twitter para desabafar, após a série ter sido cancelada por desavenças criativas. “Estou cansada de fazer a Disney parecer boa. Eu sei que tenho contas a pagar, mas trabalhar para essa empresa me deixou perturbada.” O casal protagonista da animação seria formado por um relacionamento homoafetivo.

Ao mesmo tempo que essas grandes empresas apoiam projetos homofóbicos e falsamente representam a comunidade nas suas produções, o merchandising em cima da causa, estampando produtos com o arco íris da bandeira, cresce cada vez mais, tanto nos bonecos como em materiais escolares, por exemplo. 

Que a empresa do rato só pensa em dinheiro isso não é mentira para ninguém, a linha entre produzir e apoiar as causas e lucrar em cima dela é extremamente tênue, muitos acionistas olham apenas para o merchandising se aproveitando do pink money, porém ter esses produtos não significa que de fato apoiam e acolhem a comunidade LGBTQIA+. 

A Disney alcança um público gigantesco, desde seu conteúdo infantil até o adulto-juvenil, os estúdios ajudam a formar opinião de seus telespectadores, por isso que a inclusão de pessoas LGBTQIA+, tanto na equipe como nos personagens, é necessária, além disso promove o sentimento de pertencimento e que é possível ter produções explicitamente homoafetivas na Walt Disney.

[Crítica] A série De Volta aos Quinze é uma viagem no tempo para os adolescentes dos anos 2000 

Se você tivesse a oportunidade de voltar aos seus 15 anos, voltaria? Reviver todas as experiências, o primeiro dia do ensino médio, reencontrar os crushes e até mesmo aquelas brigas infantis? Foi o que aconteceu com  Anita (Maisa Silva e Camila Queiroz) da série “De volta aos Quinze” (2022) que teve uma experiência maluca viajando no tempo.

A série foi inspirada no livro homônimo de 2013, da escritora e youtuber Bruna Vieira. A história se passa em duas fases: a Anita adolescente, que é interpretada por Maisa e a adulta, protagonizada por Camila Queiroz. O elenco também é composto por Mariana Rios que faz a versão adulta de Luiza, irmã de Anita, João Guilherme, como a versão adolescente de Fabrício, Klara Castanho como  a versão jovem de Carol, entre outros grandes nomes.

Maisa Silva // Foto divulgação Netflix

O sentimento de nostalgia se faz presente em todos os capítulos, tanto nos figurinos marcados pelas calças de cintura baixa, os acessórios coloridos e de miçangas, como nas músicas dos anos 2000, câmeras fotográficas e até mesmo nas comunidades do ORKUT, que automaticamente remetem a uma época de saudade que aperta o coração mostrando como realmente foi a vida dos adolescentes brasileiros nesta época.

A série lembra as comédias românticas “De repente 30” (2004) e “Quero ser grande” (1988), porém neste caso, ao invés da protagonista ser adolescente, ela é  uma adulta insatisfeita com o rumo que sua vida levou. A trama também tem um dedo de “Efeito Borboleta” (2004), perceptível quando Anita, ao  voltar no tempo, não perde a oportunidade de mudar algumas situações e nisso perceber como cada ação refletirá no seu futuro e no das pessoas à sua volta.

O enredo não tem de muito inovador comparado a outros filmes e séries que tem como base a viagem no tempo, mas é uma história gostosa, leve e divertida de acompanhar num fim de noite, do jeito que uma comédia romântica clichê deve ser apreciada. 

De Volta aos 15 é uma ótima série para o público infanto-juvenil da Netflix, quem cresceu vendo a Maisa no SBT se diverte com a sua versão da Anita, brincalhona e impulsiva como toda adolescente deve ser. As atuações de maneira geral são medianas para boas, alguns personagens acabam sendo estereotipados, principalmente na fase adolescente, como é o caso de Fabrício sendo um badboy.

Pedro Vinícius e Alice Marcone / foto divulgação Netflix

Um ponto muito bacana foi na diversidade que a série abordou. César, um dos amigos de Anita, interpretado por Pedro Vinícius, acaba sofrendo muitos preconceitos durante a adolescência, pela forma de se vestir e sua sexualidade, porém sempre foi aceito pelo seu pai. Já na sua fase adulta, César passa a se chamar Camila, interpretada nessa etapa por Alice Marcone, uma atriz trans representando uma personagem trans, o que é uma representatividade muito boa para a comunidade LGBTQIA + no cinema, principalmente no cinema nacional.

Por ser dividido em dois elencos, é bem interessante ver ao longo da série a evolução e o amadurecimento de cada personagem, logo no primeiro episódio quando Anita volta para sua cidade natal e reencontra seus colegas da escola, ainda persiste a opinião de que são pessoas falsas, e os meninos continuam sendo os classificados como os típicos “boys lixo”. Conforme as  mudanças e desenvolvimento da trama ocorrem, as personalidades vão mudando e alguns coadjuvantes começam a ganhar mais destaque na tela perdendo certos rótulos que Anita dava a eles .

A consciência da protagonista permanece a mesma da Anita adulta, elemento  que torna a série curiosa, já que a personagem acaba sendo madura o suficiente em muitas situações e em outras age como se tivesse menos que seus 15 anos, tornando o enredo leve e engraçado, ao mesmo tempo que se deixa bater uma raiva pela  imaturidade da personagem ao não perceber as coisas óbvias.

A série possui  no total 6 episódios com uma média de 35/40 minutos de duração, ou seja, é perfeita para maratonar num dia de preguiça. A segunda temporada ainda não foi confirmada, porém tanto Maisa como Camila anseiam pela sequência, assim como os telespectadores, já que o final tem pontas soltas e que dão muita curiosidade sobre o que pode vir, sendo um possível gancho para uma continuação.

Assista ao trailer abaixo:https://www.youtube.com/watch?v=WLaFr5eem2o

[CRÍTICA] Rebelde Netflix acerta na nostalgia mas comete deslizes

Desde que o trailer oficial de Rebelde Netflix (2022) lançou, comentários relacionando a nova geração da novela mexicana com o seriado Elite (2018 – atualmente)  foram muito presentes. Isso se deve, principalmente, pela mesmice da Netflix em seus roteiros que dificilmente inova em suas produções adolescentes. A nova série é uma continuação da telenovela mexicana de 2004, dirigida por Santiago Limón, que também é o diretor do filme No, porque me enamoro (2020).

A atriz e produtora Cris Morena criou a novela argentina Rebelde Way (2002), estrelada por Luisana Lopilato, Camila Bordonaba, Benjamin Rojas e Felipe Colombo, juntamente à produção  também foi formada a banda ErreWay. Por conta do grande sucesso foram desenvolvidos remakes da obra em outros países, como, por exemplo: México, Portugal, Índia e Brasil. 

Rebelde (2004), foi a versão mexicana produzida por Pedro Damián, também diretor de Clase 406 (2002), e estrelada por Anahí (Mia), Alfonso Herrera (Miguel), Maite Perroni (Lupita), Christian Chávez (Giovanni), Dulce María  (Roberta) e Christopher Uckermann (Diego), além da novela o elenco principal formou o grupo musical RBD, que se tornou a banda mais premiada do mundo.

Foto reprodução/ montagem: RBD (esquerda) e ErreWay (direita)

A Netflix produziu a sequência que se passa no mesmo universo de Rebelde México, que conta com a presença de personagens da 1ª geração como Celina Ferrer (Estefania Villarreal), que é a nova diretora do Elite Way School, e Pilar Gandía (Karla Cossío),  a mãe da protagonista Jana Cohen (Azul Guaita). A ex chiquitita Giovanna Grigio interpreta Emília e o elenco principal também é formado pelo primo da Mia, Luka Colucci (Franco Masini), M.J. (Andrea Chaparro), Dixon (Jerónimo Cantillo), Sebas (Alejandro Puente), Andi (Lizeth Selene) e Esteban (Sérgio Mayer).

Após o gigantesco legado deixado pela banda, o EWS que, até então, era um colégio bem tradicional, aderiu o programa de música a sua grade escolar, e passou a realizar  anualmente uma batalha de bandas em que o vencedor poderá ter um contrato com uma gravadora renomada.

Logo no começo do primeiro episódio, é possível notar o apelo a nostalgia  ao iniciar a trama com uma conversa entre  Jana e Pilar. A introdução de Dixon  também trouxe lembranças de quando Giovanni ingressou no colégio, ambos pedindo para a mãe não chamar muita atenção e escondendo a verdadeira identidade, mudando de nome. A elite, assim como na telenovela de 2004, está sempre presente, desta vez através  de Sebastian Langarica, o filho da próxima chefe de governo. Será que sua mãe será tão bruta como era León Bustamante com o Dieguinho?

Foto reprodução Netflix/ Emília (Giovanna Grigio) e Andi (Lizeth Selene) em cena

Os 8 episódios, que duram em torno de 40 minutos, garantiram um enredo leve sobre adolescentes com problemas de adolescentes. O desenvolvimento de cada personagem foi um tanto raso, assim como dos casais e das amizades. Os plots twists foram previsíveis e a história foi muito rápida separando-se entre a  audição, a formação da banda e o final, talvez, por isso, não foi possível passar a audiência um vínculo de amizade entre os personagens. Assim que chegaram ao colégio os protagonistas já tiveram que se preparar para a batalha das bandas, com isso a relação entre eles gira em torno de desmascarar a seita e vencer a competição sem todo o envolvimento esperado entre as personagens.

O maior deslize da série foi a forma que a seita La Logia foi trabalhada. Tanto na versão original como na primeira geração mexicana, o foco da associação secreta era criar o terror com os bolsistas, uma guerra de classes entre os alunos de elite com os mais pobres, além das “pegadinhas” que eram agressões pesadas a ponto de quase matar. Em RBN a seita foi totalmente ridicularizada, ao invés dos bolsistas o novo alvo foram os novatos e o trote foi (alerta de spoiler) vestir-se com o uniforme dos RBD e fazer eles cantarem a música Rebelde. Esse foi, com certeza, um grande erro para para os fãs e para o que representava a La Logia e a problemática envolvendo o preconceito dos alunos de elite com os bolsistas que era retratada na novela.

Montagem/Reprodução

Mia Colucci foi o centro das referências. Entre algumas delas, por exemplo, M.J usa a estrela vermelha na testa e Jana  o celular flip na bota. Por ser típico dos  Colucci não apoiarem seus filhos no mundo musical, a história de seu primo, Luka, também se assemelha com a de Mia. Assim como Franco, Marcelo prefere que seu filho entre para os negócios da família ao invés de fazer música.

Mas e Roberta, Lupita, Diego, Miguel e Giovanni? Os outros RBD ‘s foram esquecidos pela Netflix? As referências foram poucas e até mesmo inexistentes,  uma falta de consideração com os outros personagens e que causou grande descontentamento a muitos RBDManiacos. 

Porém, o legado da banda foi muito bem retratado com a exposição na parede do corredor, os uniformes, prêmios, o chapéu de Salvame, fotos e alguns instrumentos. O mural, além de ser um bom incentivo para os alunos e validar o prestígio da banda para o Elite Way, é de longe o momento mais nostálgico e sentimental para todos os fãs.

Reprodução Twitter @rebelde_netflix

Pensando no público alvo, a atuação de maneira geral é mediana e nada surpreendente ou inovadora. Até mesmo Esteban (Sérgio Mayer) que possui  um plot importante,  tornou-se o menos interessante, devido a falta de expressão em quase todas as cenas. Mayer acabou se envolvendo em polêmicas dizendo que não gostava de RBD, o que causou certo aborrecimento com os fãs.

A Netflix também pecou ao não colocar uma interação entre Pilar e Celina. É  de conhecimento dos fãs  o trauma que Gandía tem em relação ao EWS, mas uma conversa de velhas amigas ou até mesmo um telefonema sobre Jana, que compareceu diversas vezes na diretoria, seria ainda mais nostálgico, mas quem sabe fique para a próxima temporada?


Ainda sem data de estreia, a segunda temporada foi gravada simultaneamente e com novos covers, como Besame Sin Miedo, novos personagens e a confirmação de todos os principais. Por mais que não tenha tido um gancho no último episódio, ainda é esperado que a história se aprofunde assim como o desenvolvimento de cada um, dos casais e também das amizades. A Netflix precisa sair da mesmice do roteiro de séries adolescentes e procurar inovar sem medo, RBN já conquistou o seu espaço e não é preciso forçar Rebelde México em seu enredo.

[CRÍTICA] Encanto, o 60º filme da Disney é completamente latino

A nova animação da Disney acaba de chegar às telinhas do cinema. Encanto (2021) é um musical da Walt Disney Animation Studios, dirigido por Byron Howard (Zootopia, 2016, e Bolt: O Supercão, 2001) e Jared Bush (Penn Zero: Quase Zero, 2014, e Moana, 2016). O elenco de peso chama atenção pelos nomes, sendo composto dentre eles pela Stephanie Beatriz (Brooklyn Nine Nine, 2013), Carolina Gaitan (Sin Senos Si Hay Paraíso 2016), Wilmer Valderrama (That’s 70’s Show, 1998), Diane Guerrero (Orange Is The New Black, 2013), e John Leguizamo (O Justiceiro das Trevas, 1997).

A história emocionante e que abraça o telespectador, acontece em uma pequena vila escondida nas montanhas da Colômbia. É apresentado a história da família Madrigal, liderados pela Abuela Alma (voz da María Cecilia Botero, El que se enamora pierde de 2019) e todos vivem juntos em uma casa mágica. Cada membro foi concedido a um dom diferente, exceto a protagonista Mirabel, por conta disso, todo dia ela quer provar a sua prestabilidade dando o seu melhor a qualquer custo, isso para não se sentir tão excluída, por ser a única da família sem poder.

Mirabel ganha o público adulto a partir desse ponto, de uma forma muito leve, tratando o assunto de como não se comparar a outras pessoas e não se diminuir por ser diferente. Principalmente na relação familiar, onde tende-se a comparar os irmãos e a nossa protagonista passa por isso, por exemplo sua irmã Luísa (voz dada por Jessica Darrow) que tem como dom a superforça ou a Isabela (Diane Guerrero) denominada a “Senhorita Perfeita” com seu poder de fazer as flores surgirem, remetendo as princesas clássicas da Disney, como a Branca de Neve.

Suas duas irmãs apresentam características totalmente diferentes entre elas, tanto na feminilidade, poderes, gostos, como na forma de se vestir e Mirabel luta para não se comparar ou deixar que a comparação feita pelo resto de sua família a afete de uma forma negativa. 

É a primeira vez que a Disney coloca 12 personagens principais a serem trabalhados no mesmo filme, no caso toda a Família Madrigal, entretanto, não foram todos que receberam uma música exclusiva ou tiveram um bom desenvolvimento, o que acaba sendo um grande descaso por parte da empresa do rato. Ainda sim, representa bem uma família latina, o convívio, multigeracional e as brigas entre eles. Assim como Voldemort de Harry Potter, o Tio Bruno também não pode ser nomeado ou lembrado, isso porque foi banido da casa.

O filme é uma das primeiras narrativas ambientada na América Latina e Mirabel é a primeira princesa latina (vale lembrar que a Elena de Avalor é considerada princesa apenas do Disney Channel, porém não foi oficializada). Esse é o principal diferencial de Encanto, a expansão do universo latino que a Disney está abraçando em seus projetos. Em entrevista a Splash, John Leguizamo que dá voz ao Tio Bruno, comenta: “Não é apenas um filme que representa a comunidade latina, mas que conversa com toda a gama de cores que nós temos. (…) Tudo está representado no filme e, especificamente, os elementos colombianos. Sabe, temos arepas con queso, o vallenato. Está tudo ali.”

Com seu próximo recurso Encanto, Disney troca pura fantasia por realismo  mágico - TEG6
Foto reprodução: Disney +

A trilha sonora também é de origem latina, o porto-riquenho indicado ao Oscar, Lin Manuel Miranda, autor de grandes peças da Broadway como Hamilton (2015), o novo musical da Netflix Tick Tick… Bom (2021) e encarregado da trilha sonora de Moana, foi responsável pelas oito músicas originais do longa. Diferente de Frozen (2013) que emplacou Let It Go nos charts e marcou o filme, em Encanto a trilha sonora acaba sendo pessoal, a canção principal, que é a de Mirabel, Waiting on a Miracle pode ser comparada a clássica Part Of Your World de A Pequena Sereia (1989).

Mesmo seguindo o ritmo colombiano em suas músicas, quem conhece e escuta a trilha do filme, já percebe o dedo de Lin Manuel, a conexão das letras com os acontecimentos do filme, de uma forma bem descritiva, contextualizada e teatral, além da mistura de pop, rock e as influências do rap, sempre puxando para a raíz colombiana.

Seria uma possível referência a Hamilton? No musical as irmãs Schuyler tem o seu destaque com The Schuyler Sisters além de suas próprias músicas e, não foi diferente com Mirabel, Isabela e Luisa. As três tiveram os melhores números de todo o filme, seja na música ou seja no cenário, chamando a atenção do público e com certeza, tornando-se uma das melhores cenas.

Pôster reprodução Disney +
Pôster reprodução Disney +

Quando o assunto é cenário, ainda mais em animação, a Disney sabe muito bem como reproduzir. A casa mágica que acaba se assemelhando aos objetos mágicos de A Bela e a Fera (1991), tem muitas cores e detalhes, todos relacionados a cultura, fauna e flora, tradições, no povo, em toda raiz colombiana. 

A casa é a protagonista principal, o filme é centrado nos cômodos, quartos, salas, cozinha ou do quintal, mas é o lugar principal onde é ambientado a história. Por conta disso, cada espaço mostra um pouco da personalidade de cada membro da família, a caracterização do cenário é muito única, peculiar e mágica, não só agradando como também traz conforto para os telespectadores. 

Diretores de 'Encanto' falam sobre princesa brasileira
Foto reprodução: Disney +

Para alguns o figurino pode ser considerado o típico estereótipo latino, com as saias longas e estampadas, poncho, muitas cores e blusas ombro a ombro. Pelo filme não ter um contexto histórico definido, é possível ver nas roupas a busca e a preocupação que os diretores e a Disney tiveram em trazer ao público as tradições colombianas, vestindo cada personagem com peças mais clássicas da cultura.

Encanto, como diz o próprio nome, encanta quem assiste. O longa ensina uma moral, como uma típica animação e te mantém atento a todo segundo, fora os Madrigal que acolhem e fazem sentir parte da família, como um dos primos. O 60º filme da Disney provou ser totalmente latino, não só pela história mas pelos próprios dubladores, o que promete abrir portas para uma nova etapa, agora a espera são novas produções com heranças latinas ganhando o devido destaque na indústria.

Assista o trailer do filme a seguir:

[Resenha] O retorno de Selena Gomez para a televisão com Only Murders in the Building

Tomates frescos para Only Murders in the Building (2021). A nova série da Hulu e disponibilizada pelo Star + no Brasil, atingiu 100% de aprovação baseada em 70 críticas pelo Rotten Tomatoes Update. Criada por Steve Martin, Doze é Demais (2003) e A Pantera Cor de Rosa (2006), e John Hoffman, Grace and Franklin (2015), a produção com seu ar cômico difere das demais séries de investigação criminal.

Ao invés de chamar a polícia para resolver o assassinato que aconteceu no prédio ou mudar de apartamento, os três vizinhos: Mabel Mora (Selena Gomez), Oliver Putnam (Martin Short) e Charles Savage (Steve Martin) — que viram amigos pela paixão em comum do podcast criminal All is Not OK in Oklahoma, de Cinda Canning —, decidem criar um Podcast e investigar quem matou Tim Kono (Julian Cihi).

A trama tem uma história instigante e que envolve o passar dos episódios, sendo a 1ª temporada composta por 10 episódios com a média de 30 minutos. Mesmo em busca de um assassino, a narrativa da série continua leve com uma comédia peculiar. 

Steve Martin, Martin Short e Selena Gomez em cena de OMITB / Foto via Hulu

O elenco de peso funciona bem e, apesar da diferença de idade, a química do trio cativa os espectadores. A série marca a volta de Selena Gomez para a televisão, que prova sua evolução desde Os Feiticeiros de Waverly Place (2007). Sua personagem tem um humor ácido e personalidade singular, além de ter seus mistérios sendo descobertos junto com o público.

A dupla, Steve Martin e Martin Short, é veterana na comédia americana e garante o humor na dose certa. Antes de Only Murders, os amigos de longa data já colaboraram juntos em diversos projetos, dentre eles: Três Amigos (1986) e o próprio show Steve Martin and Martin Short: An Evening You Will Forget for the Rest of Your Life (2018). 

Oliver, interpretado por Short, é a alma da série. Sua personalidade única, um tanto mentiroso e sempre preparado para gravar o podcast, seja o momento apropriado ou não, o que garante a graça genuína dos episódios. Charles, o personagem de Steve, é um ator que fez sucesso no passado e atualmente está aposentado. Ele tem aquele típico humor de fazer graça com a própria dor ou até mesmo piadas inteligentes que só é hilário para si mesmo, é isso que deixa os episódios engraçados.

Não basta ter um assassino morando no Arconia (nome do prédio onde se passa a história), eles também são vizinhos do Sting, vocalista do grupo The Police. O cantor fez participação especial sendo um dos moradores e chegou a ser uma das opções de quem cometeu o crime. A comediante Tina Fey também aparece como Cida Canning, host do podcast true crime All is Not OK in Oklahoma, e ainda dá o furo com o plot twist na cena final.

Steve Martin, Martin Short, Selena Gomez e Tina Fey em cena de OMITB / Foto via Hulu

A série surpreende em outros aspectos além dos plot twists sobre a investigação da morte de Tim Kono. O sétimo episódio O Garoto do Apartamento 6B tem a narração  sob o ponto de vista de Theo, um personagem surdo. Quase inteiro sem falas, as cenas guiam a história pelas imagens junto dos efeitos sonoros, os poucos diálogos são propostos através de legendas. Além de ser um capítulo emocionante, ter um personagem importante e a história ser mostrada na sua visão é totalmente inclusivo, isso pode servir de inspiração para futuras produções.

As movimentações das câmeras fluem suavemente, os enquadramentos revelam a cidade de Nova York como a verdadeira protagonista do enredo, como é possível ver logo no primeiro episódio onde o trio é apresentado e o telespectador já está inserido no caos novaiorquino.

O desfecho é um tanto surpreendente e quando retoma a primeira cena do primeiro episódio há uma reviravolta chocante. A série prova que nem tudo é o que parece ser. Para quem gosta de mistério, comédia e investigação criminal, Only Murders In The Building é perfeita e garante um bom entretenimento. A segunda temporada já está confirmada e os fãs garantem o pézinho no Emmy.

A trajetória das bruxas do cinema: A evolução e os clássicos da feitiçaria nos filmes e séries ao longo dos anos

As bruxas são as protagonistas do Halloween e no cinema não é diferente. O Mágico de Oz (1939), A Feiticeira (1964),  Elvira: A Rainha das Trevas (1988), Convenção das Bruxas (1990) e Abracadabra (1993) são alguns exemplos de filmes e séries em que as personagens foram retratadas de diferentes formas – tanto na sua aparência e modo de se vestir como na personalidade e no estereótipo de bruxa boa ou má.

A Bruxa Má do Oeste, em O Mágico de Oz, foi desenvolvida com o típico estereótipo ocidental: pele verde, verruga, nariz pontudo e jeito maldoso. Os contos de fadas da Disney sempre apresentavam tais personagens como pessoas feias, ou seja: fora do padrão; Além dos elementos de composição como o gato preto e o caldeirão. 

A princípio, o cinema enxergava as feiticeiras sob uma perspectiva negativa, por isso a representação dessas mulheres era feita de uma forma horrorosa. Temos por exemplo a Bruxa do 71 em Chaves (1971), que por ser caracterizada como feia e medonha, era associada como bruxa pelas crianças da vila (mesmo não sendo uma).

A Bruxa Má do Oeste em cena em ‘O Mágico de Oz’ (Foto: Reprodução)

Já Samantha Stephens, protagonista de A Feiticeira (1964), quebrou tais paradigmas sendo uma típica garota americana, como é citado no primeiro episódio, não seguindo essa construção em sua personagem.

Ao longo da série há um desenrolar de uma narrativa paralela a da imagem pejorativa que a mídia passa. Em especial o capítulo ‘As bruxas estão à solta’, quando o marido de Samantha, James Stephens, é contratado para produzir uma campanha para o Halloween. O cliente de Stephens quer utilizar o típico estereótipo norte americano de bruxas como seres ruins, mas Samantha aconselha e pede ajuda a James para promover a ideia de que elas também podem ser pessoas bonitas e gentis.

A Feiticeira – “As Bruxas estão à solta” (Foto: ABC Photo Archives/Disney General Entertainment Content via Getty Images)

A Idade Média e a Santa Inquisição foram épocas que influenciaram nesse modelo de caracterização de que as mulheres são sedutoras e mensageiras do Diabo, ideal seguido pela indústria cinematográfica até hoje – são diversas  as histórias de perseguição às mulheres. Muitas eram taxadas de feiticeiras por seus conhecimentos em medicina natural, considerados encantamentos contra a Igreja Católica e suas preces da época. 

É possível ver essa relação em As bruxas de Eastwick (1987) e Elvira: A rainha das trevas (1988), que já seguem a linha cativante e bela: com roupas mais sexy, decotes e pautas sobre a liberdade sexual em uma sociedade conservadora, as bruxas passam a transmitir outro olhar ao telespectador, que agora já tinha como maioria o público jovem.

Susan Sarandon, Cher e Michelle Pfeiffer em cena de As Bruxas de Eastwick (1987) (Foto: Reprodução)

Salém é outro grande exemplo. A pequena cidade no estado de Massachusetts, Estados Unidos, ficou conhecida pelo maior julgamento e caça às bruxas da história, que resultou na prisão e condenação à morte de mais de 200 pessoas – dentre elas, três mulheres pobres consideradas as “Bruxas de Salém”, que foram enforcadas em público. Em 1692 a cidade era uma colônia inglesa puritana comandada pela Igreja Católica que comandava a inquisição e utilizou trechos da Bíblia fora de contexto para provar o pecado. A cidade também teve grande influência no cinema, sendo sempre considerada o lar das feiticeiras.

Os anos 90 trouxeram a essência cômica e infantilizada para o universo das bruxas, apaziguando o terror, como é visto no clássico filme da Disney, Abracadabra, que conta a história das irmãs Sanderson: Sarah, Winifred e Mary, que foram banidas de Salém pela prática da magia. Com roupas medievais, chapéus pontudos e vassouras, além dos encantos  que são feitos com músicas e danças, o longa mostra mais uma versão das bruxas em filmes.

Sabrina Spellman, Sabrina a bruxinha adolescente e O mundo sombrio de Sabrina (Esquerda, fonte: Viacom Productions/Paramount Television; Direita, fonte: Warner Bros. Television/Netflix)

O fim dos anos 1990 também trouxe a série, filme e desenho animado, Sabrina, a bruxinha adolescente (1996), que manteve a essência de A Feiticeira, sendo Sabrina uma jovem com vida dupla e sem o estereótipo ocidental do que seria uma bruxa. Posteriormente o reboot, O mundo sombrio de Sabrina (2018), trouxe, novamente, uma versão mais macabra com elementos de terror, opostos à série de 96.

Por mais que ao longo dos anos, o cinema tenha alterado a caracterização das bruxas, o estereótipo norte americano foi se quebrando conforme o contexto histórico e  o momento em que vivia o movimento feminista – que desempenhou grande influência na caracterização dessas personagens. O filme A Bruxa (2015) mostra essa relação sobre as mulheres do século 17 que eram retratadas como feiticeiras por não se encaixarem no padrão da época.

Seja em filmes cômicos, infantis ou de terror, as bruxas más não são mais representadas como feias, dentro do padrão de beleza ocidental,  com pele verde e nariz longo, igual era a Bruxa Má do Oeste em O Mágico de Oz. Os elementos de caracterização: chapéus pontudos, roupas medievais e vassouras continuam, porém não mais são utilizados como distinção entre as boas e más, tendo, por fim, a busca por quebrar esse padrão que as desvaloriza

Hollywood e a maldição das estrelas mirins

A Hollywood dos sonhos é composta pelo glamour, fama, dinheiro e tapete vermelho, mas existe a parte que ninguém comenta: a grande pressão estética e mental, a pedofilia, abusos sexuais, os transtornos alimentares e outras tantas polêmicas e problemáticas que já vieram à tona. São tantos os traumas que vivem os artistas, que em muitos casos acabam até mesmo duvidando da própria capacidade profissional. E é ainda pior para aqueles que deram início à sua carreira quando crianças. 

Há uma lista enorme de atores que começaram muito cedo a trabalhar nesse ramo – boa parte para as emissoras infantis como Disney e Nickelodeon, e outros para grandes produtoras como a Warner Bros e a 20th Century Studios. Entre os gigantes da indústria temos Drew Barrymore, Lindsay Lohan, Macaulay Culkin, Mary-Kate e Ashley Olsen, Amanda Bynes… É uma lista interminável.

Aos moldes da Disney & Nickelodeon

Quando se cresce assistindo Disney Channel e Nickelodeon, o sonho de atuar em um dos programas é imenso e compartilhado por grande parte da audiência – ainda mais ao pensar em conviver com nomes como Selena Gomez, Ariana Grande, Miley Cyrus, Miranda Cosgrove e outras celebridades que levavam crianças ao delírio. Entretanto, assim que seus contratos acabam, relatos dos ex-atores começam a ser contados e o mundo se depara com histórias absurdas  e jamais imaginadas. 

Selena Gomez, Demi Lovato e Miley Cyrus TCA 2008 / Foto: Getty

O arrependimento de começar tão cedo e perder sua infância e adolescência é sempre pautado. Certa vez, em entrevista a Now Magazine, Nick Jonas disse que “a Disney não cria modelos de comportamento, cria apenas personagens”. A infantilização por parte da emissora já foi reclamação de Selena Gomez, Miley Cyrus e até mesmo de Dove Cameron. Manter a imagem de “boa garota” fazia parte do personagem que as atrizes eram obrigadas a interpretar dentro e fora dos holofotes. 

O pensamento de “por que este artista não sai da casinha e sempre interpreta os mesmos personagens?”, pode ser explicado pelo seguinte raciocínio: ao fazer grande sucesso em um filme ou série, os produtores de Hollywood decidem focar apenas nesse estilo. Vanessa Hudgens também revelou ao The Guardian que esse foi um dos fatores para ter participado apenas de projetos semelhantes, tendo em vista o sucesso de sua protagonista Gabriela no filme ‘High School Musical’.

Zendaya e Bella Thorne confessaram que quando se trabalha para a Disney, é preciso escolher bem seus futuros projetos, já que não se é levado a sério em outros estúdios. “Os diretores nem me ofereciam testes. Eles diziam coisas do tipo ‘ela é tão Disney’. Eu tive que implorar por uma audição”, afirmou Bella Thorne em uma entrevista à Harper ‘s Bazaar.

Outra atriz que se arrepende dos papéis que fez é Jennette McCurdy, conhecida por ser a Sam em iCarly. “Eu me arrependo da minha carreira de várias formas”, declarou durante o episódio Fish Out of Water (Peixe Fora D’água) do podcast Empty Inside que é apresentado pela ex-atriz. “Meus amigos aos 15 anos nunca foram ‘ah, que legal, você está numa série da Nickelodeon’. Era vergonhoso. E eu acredito que existe uma diferença muito grande na experiência de atuar em papéis que você tem orgulho e se sente realizada”. 

Diferentemente da Disney, a Nickelodeon teve rumores mais sérios relacionados a sexualização infantil e fetiches. Dan Schneider, criador de séries como iCarly (2007  – 2012), Zoey 101 (2005 – 2008), Drake & Josh (2004 – 2007), Victorious (2010 – 2013), O show da Amanda (1999 – 2002) e muitos outros programas conhecidos pelo público infantojuvenil, foi afastado da emissora em 2018, anunciado pelo Deadline, após a intensificação dos rumores de abuso verbal e infantil com os atores das séries.

Dan Schneider e Erin Sanders / Foto: ErinSanders.com

Durante o movimento #MeToo, a tag #DanSchneiderIsOver também marcou grande presença nas redes sociais e principalmente no Twitter. Dessa forma usuários passaram a frisar falas, poses e situações de cunho sexual nos programas criados por ele. Vale lembrar que o público alvo é infantil e que, na época, os atores também eram menores de idade.

 Um ponto extremamente discutido é o fetiche por pés que Schneider teria – há inúmeras cenas em que o foco se dá a essa parte do corpo, muitas vezes de forma mal intencionada. É possível, inclusive, encontrar diversos compilados no Youtube, de tão recorrentes que eram tais momentos em seus programas.

Colagem com cenas de iCarly e Victorious  / Foto: divulgação

Outros boatos relacionados ao produtor seriam sobre os abusos sexuais sofridos por Amanda Bynes e Erin Sanders, e o costume de chamar as atrizes menores de idade para as festas na piscina que costumava dar.

Relatos 

Várias estrelas mirins que protagonizaram filmes que marcaram a infância de muitos, de alguma maneira sofreram na mão de Hollywood. A atriz Lindsay Lohan foi o rosto do fim dos anos 90, quando estrelou Operação Cupido (1998), e teve destaque até mais ou menos 2010, protagonizando diversos filmes. Por conta do envolvimento com drogas e álcool, além de várias passagens pela polícia, Lohan contou em entrevista para o programa Oprah’s Next Chapter, apresentado pela Oprah Winfrey. De acordo com um anúncio da Netflix, Lindsay irá protagonizar um novo filme natalino para a plataforma, finalmente voltando às telas após longos hiatos. 

Amanda Bynes, estrela de grandes comédias românticas dos anos 2000, como S.O.S do Amor (2005) e Ela e os caras (2007), também teve muitos traumas causados pela indústria cinematográfica. Drogas, dirigir alcoolizada, ser presa e atear fogo na garagem de um estranho foram algumas das polêmicas que causaram seu afastamento das câmeras, além do diagnóstico de bipolaridade. Desde 2014, está sob um regime de curatela administrado pelos seus pais que cuidam das decisões médicas, legais e financeiras da ex-atriz.

Macaulay Culkin começou sua carreira aos 4 anos de idade, tanto nos palcos como na televisão nos anos 1980. Com o lançamento de Esqueceram de Mim (1990), seu nome ficou nas alturas, sendo considerado na época o ator mais bem pago e requisitado de toda Hollywood. 

Foto: GETTY

Devido ao ambiente de agressões e o instável relacionamento de seus pais, Culkin conseguiu que o juiz proibisse o acesso deles a sua fortuna. “Meu pai era um homem abusivo”, declarou à Time anos depois, “Eu lhe pedia um descanso, queria sair de férias pela primeira vez na vida, e ele não parava de assinar contratos para mais filmes. Ninguém me ouvia. Meu pai tinha uma cama tamanho gigante e uma televisão enorme e me fazia dormir com meu irmão no sofá. Fazia isso para quebrar meu espírito”. 

O vício em drogas, bebidas e a compulsão para gastar seu dinheiro como se não houvesse o amanhã, veio logo em seguida, como uma forma de distração e fuga do ambiente tóxico em que vivia.

Assim como Culkin, Drew Barrymore também começou a carreira muito nova, estrelando em filmes como ET (1982), e até hoje pode ser considerada uma das maiores atrizes mirins de Hollywood.  A fama precoce e a família conturbada, fez com que Drew, aos 12 anos, já fosse viciada em cocaína e álcool, e posteriormente fosse internada em uma clínica de reabilitação aos 13 anos, como conta em sua autobiografia Wildflower e para o The Guardian.

O trágico mundo de Oz 

A atriz Judy Garland, conhecida mundialmente pelo seu papel em O Mágico de Oz como Dorothy em 1939, foi uma das personalidades que mais sofreu. O sucesso de Judy foi durante a Era de Ouro de Hollywood, uma época em que as coisas não eram fáceis e temas como saúde mental nem sequer eram discutidos. A pressão dos produtores e grandes estúdios era ainda mais desumana e desrespeitosa do que nos dias atuais. 

Garland sofreu muito, não só com a indústria hollywoodiana mas, principalmente, com sua mãe. Assim como outros artistas já citados, também começou sua carreira ainda criança, e ter perdido sua infância é de longe o menos pior que lhe passou durante a sua vida e carreira. 

Judy Garland como Dorothy em o Mágico de Oz / Foto: Shutterstock 

Sua mãe, ou melhor, a verdadeira bruxa má do oeste, como a chamava, garantiu sua estrela em Hollywood a base de ensaios contínuos, mesmo quando Judy estava extremamente cansada. Tudo piorou quando começou as gravações de O Mágico de Oz, Judy seguia dietas nada saudáveis, a ponto de ficar sem comer (lembrando que a mesma tinha meros 16 anos na época), além de fumar cigarro, consumir café exageradamente e utilizar drogas estimulantes para as gravações não serem interrompidas.

Devido a sua longa e dolorosa trajetória que envolveu diversas polêmicas, por ser exposta a drogas muito cedo e não ter um apoio saudável de sua família, Judy Garland faleceu em 22 de junho de 1969, justamente de overdose.

A infância roubada

O estresse pós-traumático por começar a trabalhar desde cedo na Disney ou Nickelodeon ou estrelando grandes filmes de Hollywood, não é frescura ou de fato uma maldição. O que leva os artistas a terem uma grande desestabilidade mental quando começam a carreira jovem é devido a alguns fatores, como explica a psicóloga especializada em psicologia da infância pela UNIFESP, Carolina Santilli, ao site Viva Bem da Uol.

A psicóloga explica que a infância é uma fase em que as crianças estão começando a desenvolver sua personalidade, partindo disso, ao viverem uma vida em cena podem ter problemas para diferenciar uma realidade da outra  “A infância é o período da vida em que a estrutura psicológica é constituída, sua identidade, personalidade, é o momento de formação do aparelho psíquico. Por isso, todas as vivências têm um impacto fundamental”.

Ter muito dinheiro e poder ainda jovem tem como consequência a má administração, viver em um ambiente cheio de festas, bebidas, cocaína, uma terra sem lei, é um cenário vulnerável, para quem é propício a desenvolver algum vício e não compreende o que é certo ou errado, pelo simples fato de ser de muito jovem.

Quando a criança começa a atuar é preciso ter acompanhamento psicológico e moderar suas funções para não sobrecarregar com as responsabilidades das  gravações, já que é um trabalho infantil. A família deve dar um apoio positivo e respeitar as escolhas, mantendo um equilíbrio, para preservar a infância o quanto for preciso.

 A indústria cinematográfica americana está começando a mudar, tópicos como esses, que antes eram abafados, passaram a ganhar grande força e visibilidade. Atualmente, ex-artistas mirins se sentem confortáveis e seguros para contar a própria história e revelar as situações que passaram no início da carreira, como foi o caso, já citado, de Drew Barrymore e Bella Thorne.

Embora os traumas não possam ser desfeitos, a lenta evolução de Hollywood pode permitir que o ambiente do trabalho mirim, aos poucos, se torne mais saudável, prevenindo que a história se repita e protegendo a vida e a consciência da criança.