‘Aos prantos no mercado’: luto, memória, cultura e comida

O luto é uma experiência universal, mas pode ser encarado das mais diversas maneiras. Isso não varia apenas pela proximidade que se tem da pessoa que partiu, mas também por milhares de fatores que influenciam em qual será a maneira de lidar para cada um. Para Michelle Zauner, vocalista da banda Japanese Breakfast, foi por meio da comida, das memórias, da escrita e da conexão com a cultura que herdou da mãe, que encontrou a própria forma de encarar a perda. Em Aos prantos no mercado (Fósforo, 2022), narra com sensibilidade e crueza desde as mais distantes lembranças da infância na cidade de Eugene com os pais, até os dias atuais, já a mais de cinco anos desde que precisou dar adeus à mãe.

Originalmente publicado como um ensaio homônimo na revista The New Yorker, nele Michelle Zauner traz um vislumbre da ponderação do luto que viveu — e ainda vive — após a perda da mãe para o câncer terminal. Em paralelo, narra as próprias experiências, de modo a dar voz a filhos de imigrantes e àqueles que não encontram asilo em nenhuma das nacionalidades às quais pertencem — enquanto reflete sobre a própria condição de artista e mulher coreano-americana. O sucesso do ensaio foi tão avassalador, que Michelle mergulhou na própria trajetória de vida para escrever o livro, traçando o que antecede seu nascimento, com o casamento dos pais, até o momento em que se dedicou à tentativa de aprender a viver neste novo mundo no qual a mãe já não faz parte em matéria, somente em memória.

A obra receberá uma adaptação cinematográfica dirigida por Will Sharpe.

Zauner viu a mãe, Chongmi, perder a irmã e a mãe, ambas abatidas pelo câncer, e a si mesma perder a tia e a avó. Anos depois, precisou reviver o trauma quando a própria mãe foi vítima da doença. Diz que escrever a memória em honra à mãe faz parte de sua maneira de lidar com o luto, mas que nada jamais seria capaz de amenizá-lo.

“Às vezes, meu luto é igual a ter sido deixada sozinha em uma sala sem porta nenhuma. Toda vez que eu me lembro que a minha mãe morreu, parece que estou batendo contra uma parede que se recusa a ceder. Não há escapatória, só uma superfície dura contra a qual me choco vez após outra, um lembrete da realidade imutável de que eu nunca mais vou voltar a vê-la.” (p. 13)

Chongmi nasceu na Coreia do Sul, mas se mudou para os Estados Unidos após se casar com Joel Zauner, um vendedor de carros que viajava pela Ásia na época. Ainda em Seul, tiveram uma menina e a chamaram de Michelle. A filha cresceu em uma casa na cidade de Eugene, no Oregon, onde decidiram se firmar quando ela tinha apenas nove meses. A garota estudou em escolas regulares ao longo da vida, mas nunca conseguiu se sentir parte integrante daquela comunidade, porque apesar de ter sido criada nos Estados Unidos, nunca foi abraçada pelas pessoas como parte norte-americana por ser “coreana demais”; por outro lado, quando Michelle viajava a Seul para ver a família, as vezes sentia ser vista como “americana demais” para ser coreana. Viveu, então, em um limbo por muito tempo, sem ter firmeza quanto à própria identidade e a qual cultura recorrer como espaço de conforto. Por isso, levou a vida de modo a se distanciar da cultura coreana e deslocada da norte-americana. Não falava coreano tão bem, mas foi alimentada pela culinária asiática, entre tteokbokki, acompanhamentos banchan, kimchi, jjamppong, tteokguk, que a nutriram até a fase adulta.

Michelle não tinha uma relação perfeita com a mãe e deixa isso claro. Muitas vezes, o luto pode apagar as memórias desagradáveis e deixar que apenas as boas tomem destaque, canonizando aquele que se foi. Mas na narrativa, Zauner não esconde a verdadeira natureza da relação que tinha com Chongmi, pautada em uma troca consideravelmente equilibrada de amor incondicional e desavenças irremediáveis. Com uma obsessão pela beleza herdada pela própria relação com a mãe, perpassada entre as gerações, Chongmi inconscientemente replicava o que recebeu da criação enquanto filha. Michelle não atendia às expectativas que a mãe tinha dela, mas, ainda assim, tentava. Formou-se na faculdade, porém depois passou por uma série empregos que a desagradavam e morou em lugares nada confortáveis. O que Michelle realmente queria era ter uma banda e fazer música, na qual sempre encontrou refúgio desde a adolescência. Não via muitas mulheres como ela nos holofotes, e se inspirava em nomes como Karen O e Mitski — para quem abriu um show anos mais tarde. A infeliz percepção a qual foi forçada era a de que “se já tem uma garota asiática fazendo isso, então não há mais espaço para mim”, massacrada pela realidade de uma indústria que não inclui pessoas não-brancas.

Quando descobriu a doença da mãe, mal sabia como lidar com a informação. A esperança a acompanhou desde o momento em que partiu de volta à Eugene, até a manhã em que soube da morte. Nem por um momento, Michelle e Joel pouparam esforços para fazer com que Chongmi vivesse — ou, ao menos, que tivesse um fim digno e feliz. Viajaram para Seul para que ela visitasse os familiares e sentisse a brisa familiar do primeiro solo que pisou na vida; planejaram uma ida à Ilha de Jeju — que terminou impossibilitada pelo estado dela; e, ainda, Michelle fez questão de dar à mãe a oportunidade de vê-la se casar. No jardim da casa de infância, Michelle subiu ao altar para se unir a Peter Bradley em 2014, sob a benção da mãe. Chongmi faleceu duas semanas depois.

Em vida, ela criou laços, repassou seu legado, deixou devotos e uma extensão de si: a filha. Deixou arte, que Michelle eternizou na própria arte ao estampá-la no álbum American Sound and Where is My Great Big Feeling?, e lembranças que o tempo não é capaz de apagar. Uma delas é de quando Michelle disse: “Não é legal ver que agora a gente realmente goste de conversar uma com a outra?”, e a mãe respondeu: “É, sim. Sabe o que eu percebi? Que eu simplesmente nunca conheci ninguém igual a você”. Ou das vezes que cozinharam comidas típicas da Coreia juntas e construíram o elo que deu vida a uma formas mais significativas de enfrentamento do luto para Michelle.

Na memória, Zauner traz outro tópico delicado: o que acontece quando o membro que unifica a família se vai? A família se vai junto? A relação dela com o pai também não era a mais pacífica, mas seus atritos eram silenciosos, e não ruidosos como os dela com a mãe. Chongmi era a ponte entre Joel e Michelle; aquilo que os mantinha unidos. Quando morresse, o que aconteceria com eles? Ela pensava incansavelmente sobre “a possibilidade que de ela [a mãe] não fosse superar aquilo, de que seria possível existir um nós sem ela”.

Nos Estados Unidos, há um mercado chamado H Mart — o mesmo citado no título original da obra, Crying In H Mart [Chorando no H Mart, em tradução livre] —, que vende ingredientes para a preparação de comidas de berço asiático. Todas as vezes que Michelle ia até lá desde a morte da mãe, chorava. Além de escrever essa memória delicada e real, cozinhar se tornou o ponto de encontro dela com a mãe e consigo mesma. Diz que Chongmi não a ensinou a cozinhar, mas que a nutriu com a culinária que, anos depois, seria seu refúgio.

“Ninguém fala sobre isso. Não há nem uma troca de olhares de cumplicidade. Todo mundo fica lá sentado em silêncio, saboreando o almoço. Mas eu sei que estamos todos aqui pelo mesmo motivo. Estamos todos em busca de um pedacinho do nosso lar, de um pedacinho de nós mesmos. Procuramos um gostinho disso nos pedidos de comida que fazemos e nos ingredientes que compramos. Então nos separamos; Levamos as compras para o alojamento da faculdade ou para uma cozinha suburbana e recriamos o prato que não poderia ser preparado sem essa viagem. (…) O H Mart é onde nossa gente se reúne sob um teto cheio de aromas, com a fé de que vai encontrar algo que não pode ser achado em nenhum outro lugar.” (p. 17)

As páginas finais da obra são preenchidas com descrições ricas da preparação de pratos como tonkatsu, kalguksu e vários tipos de kimchi; cria retratos tão palpáveis que você quase consegue sentir o aroma e aquele quentinho pós-refeição na barriga. São preenchidas, também, pelas conquistas que Michelle teve, como vencer o concurso de ensaios da revista Glamour pelo texto Real Life: Love, Loss and Kimchi, ser indicada duas vezes ao Grammy com sua banda pela excelência na música alternativa, e ter Aos prantos no mercado como um best-seller do New York Times. Michelle também foi convidada a voltar à universidade em que se formou, a Bryan Mwar, para uma leitura de sua obra.

Aos prantos no mercado é agridoce, honesto e, apesar de toda a angústia, reconfortante. A voz compassiva e intensa de Michelle Zauner, que já era clara em sua música enquanto compositora, toma nova forma na estreia dela na literatura. Esta é uma ode à comida afetiva, à superação gradual do luto, e à memória como instrumento de preservação de uma vida que não se perde com a morte, seja ela fortalecida pela arte ou pela crença de que vivemos até que o último dos nossos se vá.

[RESENHA] ‘Um lugar bem longe daqui’ é uma ode à solidão e à sobrevivência

Com mais de 15 milhões de cópias vendidas mundialmente, Um lugar bem longe daqui (2018) é o romance de estreia de Delia Owens. Recentemente adaptado para o cinema e protagonizado por Daisy Edgar-Jones, foi produzido por Reese Witherspoon — que o deu destaque em seu clube de leitura, Reese’s Book Club. Além disso, recebeu trilha sonora escrita e interpretada por ninguém menos que Taylor Swift, a canção original Carolina.

Capa brasileira [Imagem: Intrínseca]

Lançado originalmente em 2018, chegou ao Brasil pela editora Intrínseca logo em 2019. É uma coming-of-age — romance de formação que atravessa o processo de amadurecimento do personagem central da trama — que se mistura com um suspense. O real mistério se intensifica a partir de uma narração de capítulos intercalados entre passado e presente. No passado, acompanha a pequena Kya Clark que, com apenas seis anos, começa a ser abandonada aos poucos pela família. Inicialmente pela mãe, depois pelos dois irmãos e, por fim, pelo pai, que some quando a menina já tem sete anos. Alcoólatra e abusivo, ele foi o responsável pela fuga de todos, deixando Kya sozinha no mundo. É diante dessa solidão que precisa aprender a enfrentar a natureza e interagir com a sociedade enquanto sobrevive, a ficar pela própria sorte.

No presente, quando já na casa dos vinte anos, um crime acontece e desola a cidade: o corpo de Chase Andrews é encontrado sem vida nos arredores torre de incêndio, perto do pântano. Ele era aquele tipo de garoto que todos amavam; um astro popular e exaltado por onde passava desde criança. As investigações da polícia sempre levam até Kya, mas será que ela realmente matou Chase ou tudo o que aponta para ela foi formulado com base em preconceitos criados pelas pessoas da cidade conforme a garota crescia?

A alternância temporal é uma forma de se aprofundar nisso e criar expectativa pela incerteza quanto à verdade. Ao começar pela infância de Kya, por morar em um cabana no pântano, na parte mais remota e considerada inabitável da cidade, sofre um afastamento social intenso. O contexto é o início dos anos 1950, com um cenário limitado de pessoas com hábitos limitados. Por isso, chamavam Kya de “menina do brejo” e a renegavam. Ela foi apenas acolhida por Mabel e Pulinho, um casal que tinha uma loja no canal, e que comprava os peixes que a garotinha pescava para vender e conseguir dinheiro para alimentação e sobrevivência ao longo dos anos.

Em meio a isso, conhece Tate, antigo amigo de um de seus irmãos. Ambos experimentam o amor juntos, ainda enquanto Kya administra seu medo das pessoas pelos traumas passados. O que os une é a paixão que cultivaram pela natureza, que se amplia a um amor que têm um pelo outro. Em uma narrativa rica e detalhada, as descrições sobre o ambiente e os animais dão um toque único às paisagens, que se fixam na mente com clareza. Rios límpidos, céus coloridos, mares cristalinos, animais em sua mais pura diversidade e belas árvores locais… todas essas pequenas coisas se tornam a família da garota, acolhendo-a com o carinho que ela nunca havia recebido antes. De certa forma, Tate também se identifica com essa relação, o que fortalece a conexão entre eles.

Com o preconceito enraizado durante anos por grande parte dos moradores daquela pequena cidade localizada na Carolina do Norte, Kya ficou isolada em seu canto, escondida entre a coleção de penas e os desenhos deslumbrantes que faz da beleza ao redor. Anos mais tarde, já no fim dos anos 1960, ela ainda é algo espectral, como um fantasma que assombra as “pessoas boas” da cidade com a “selvageria” de quem não cresceu adequadamente em sociedade — apesar de ter tentado. Foi à escola algumas vezes, tentou fazer amigos, buscou um pouco de exílio do vazio que era viver escondida na natureza após ser abandonada pela família e rejeitada por todo o restante — com ilustre exceção de Mabel e Pulinho.

Conforme a investigação sobre a morte de Chase é intensificada no presente, o passado de Kya enquanto cresce é revelado gradativamente. O paralelo deixa a resolução do homicídio incerta e é aí que está a parte instigante da leitura: é curioso não ter certeza sobre nada e desfrutar do amadurecimento da garota Clark enquanto luta pela própria sobrevivência e contraria todas as fatalidades.

Com uma escrita minuciosa, paisagens vibrantes, uma construção narrativa de personagens muito bem criada e um suspense que se estende até os últimos segundos sem deixar de prender a atenção, Um lugar bem longe daqui é um abraço quente aos apartados. É um consolo àqueles que atravessaram a vida apesar dos pesares e um mergulho no transcorrer dos dias e no conhecimento das novas versões de Kya enquanto se desenvolve, amadurece, entende mais sobre si e sobre o mundo. Enfrenta tantas coisas e desafia tantas probabilidades que, ao mesmo tempo que é uma jornada triste e solitária, a possibilidade de um final agradável oferece uma gota de esperança indispensável depois de tantas batalhas.

Para aqueles que gostam de leituras melancólicas com um tom de mistério, mas sem um quê policial ou psicológico acentuado, e que também buscam por uma escrita detalhista e poética sem grandes enfeites, esse drama é uma boa escolha. Com uma protagonista solitária, Kya abraça o vazio ao qual se acostumou como sua principal forma de sobrevivência, ressaltando que, por grande parte da vida só tem a si, mesma e aos segredos perdidos na natureza da própria existência. A resolução do crime é apenas um gancho narrativo que impulsiona a curiosidade, mas é acompanhar como espectador a vida dessa jovem em sua jornada de formação que torna essa uma leitura tão singular.

Apesar de ser uma leitura impressionante que se mostrou capaz de atingir milhões de pessoas, é importante destacar que, com a popularização da obra através do filme, diversas denúncias foram direcionadas à autora, Delia Owens, que ressaltam seu envolvimento em uma acusação de homicídio durante a época na qual viveu na Zâmbia, em 1996. Veículos como o jornal The New York Times e The Atlantic, além da revista Time redigiram reportagens recentes sobre o assunto . Para a leitura em português, há um texto na íntegra anexado, pelo site Terra. O caso não foi muito noticiado pela mídia brasileira. Antes de ler o livro, é indispensável estar ciente das polêmicas nas quais a autora está envolvida para que, caso prossiga com a leitura, essa seja crítica e consciente.

Female rage: conheça a fúria feminina na literatura

Ao parar para pensar em todo o contexto de misoginia que atravessa a construção das sociedades desde muito tempo, não dá para negar: não estarmos tão longe assim deste passado desperta uma sensação de fúria bastante plausível. Mas esse ódio intrínseco foi renegado e banalizado sob adjetivos pejorativos. Histéricas, loucas, mentirosas, excessivas, desagradáveis, descontroladas. A lista não tem fim, afinal, todo o descontentamento que vai contrário à norma, é desmotivado. Com mulheres, especialmente, ele é menosprezado.

O crescimento do consumo de arte que retrata a fúria feminina tomou enormes proporções. Hoje, mais do que nunca. No cinema, recentes lançamentos são Bela Vingança (2020) e Garota Exemplar (2014). Ainda assim, Kill Bill (2003), Carrie (1973) e Garota Infernal (2009) nunca foram tão aclamados, tornando-se potências. Carrie e Garota Exemplar são adaptações da literatura que fizeram enorme sucesso e colaboraram para uma maior abertura da pauta. No teatro, há Eurípedes com Medéia — além de Chico Buarque e Paulo Pontes com Gota D’água, adaptando a tragédia grega a um formato abrasileirado. Ambas narram peças que jogam enormes holofotes sobre o ódio de mulheres trocadas e abandonadas, cada uma por sua versão de Jasão. O roteiro brasileiro contou, a exemplo, com a incomparável interpretação de Bibi Ferreira, que traduziu toda a urgência do furor de Joana especialmente por meio do famoso monólogo.

Pensando nisso, para as novas gerações de mulheres raivosas que acreditam na importância de falar sobre aquilo que incomoda e gera ódio, separamos quatro livros de autoras contemporâneas que não poderiam representar melhor a essência do que é female rage. Narrativas que reiteram que o desgosto, a irritação, a decepção, a vingança, a brutalidade e a fúria podem muito bem resumir a sensação de uma vida inteira de violências suportadas em silêncio.

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Animal, de Lisa Taddeo (2021)

Lisa Taddeo ficou conhecida pela obra Três Mulheres, que a tornou best-seller do New York Times. Em Animal, narra a trajetória de Joan, mulher que enfrentou diversos tipos de abusos de homens durante a vida. As coisas se reviram quando vê um deles cometer um crime brutal bem à sua frente. Em busca de abrigo, encontra Alice, pessoa que melhor poderia ajudá-la a processar a torrente de traumas.

Mordaz, violento e agridoce, Taddeo convida o leitor a mergulhar nos traumas de Joan majoritariamente causados e potencializados por homens hostis e degenerados. Deixando de ser a vítima, imobilizada e desamparada, essa é a história de como se torna a aniquiladora, a permitir que o ódio seja sentido e manifestado.

Meu nome era Eileen, de Ottessa Moshfegh

Você provavelmente conhece Ottessa Moshfegh por meio de Meu ano de descanso e relaxamento, seu best-seller mais amado, mas ela se supera com Meu nome era Eileen. Começa, aqui, a partir dos anos 1960, em uma cidadezinha da Nova Inglaterra onde a protagonista nasceu e cresceu. Essa é uma imersão no passado, na qual as memórias da Eileen de cinquenta anos atravessam a juventude e a vida adulta em meio a uma narrativa incômoda, sufocante, perturbadora e… extraordinária.

Publicada pela editora Todavia, Moshfegh é uma das mais amadas autoras contemporâneas, cujas personagens femininas são tão grandiosas e cruas, que provocam o efeito inevitável de identificação.

Dias de abandono, de Elena Ferrante

Elena Ferrante é uma das autoras que melhor traduz o ódio intrínseco de uma mulher. Em Dias de abandono, desenrolou uma narrativa intensa, absurda e genial. Originalmente publicada em 2002, segue a infelicidade de Olga ao se deparar com a realidade de um casamento desintegrado. Sem aviso prévio, é deixada pelo marido a quem dedicou mais de uma década da própria vida para cuidar dele e dos filhos que tiveram, sendo substituída por uma mulher mais jovem e bastante familiar.

Os conflitos internos que encara quando perde o rumo são incoerentes como a inconsistência dos próprios sentimentos. Ferrante dá voz à dor, à aflição e ao caos enfrentado por Olga, completamente perdida, sem nem mesmo a capacidade de cuidar de si, dos filhos ou de Otto, o cão da família.

Minha irmã, a serial killer, de Oyinkan Braithwaite

A estreia de Oyinkan Braithwaite na literatura traz uma mistura de terror e humor em medidas que equilibram uma leitura irrefreável. Korede e Ayoola são o exemplo perfeito de irmãs completamente opostas quanto à personalidade. Enquanto Korede é amarga e cética, Ayoola é vivaz e bela. Mas o encanto de Ayoola esconde muitos segredos sombrios. Estranhamente, seus três últimos namorados foram assassinados.

Em Minha irmã, a serial killer, o trama psicológico introduz uma crítica à sociedade nigeriana enquanto tece uma narrativa de humor ácido e complexo, inserindo o leitor na mente de um verdadeiro sociopata.

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Agora que está com a lista de leitura atualizada, que tal experimentar o female rage em outro tipo de arte? Preparamos uma playlist para ouvir enquanto lê essas obras de arte – ou então para gritar em seu quarto e ter um momento de extravasar a fúria.

[CRÍTICA] Harry Styles mostra estabilidade ao acertar mais uma vez com Harry’s House

De uma coisa, todos que estão por dentro do mundo fervoroso das celebridades sabem: Harry Styles esbanja carisma. Como se tivesse nascido para estar nos maiores palcos do mundo com suas roupas brilhantes e nenhuma preocupação além de falar o que sente e pensa através das músicas, ele se tornou um dos membros de maior sucesso desde o fim da boy band One Direction, da qual fez parte entre 2010 e 2015.

Na terceira semana de maio (20), Styles lançou Harry’s House, seu terceiro álbum de estúdio, com a proposta de convidar à sua casa quem quiser conhecê-lo.

Desde o hiato do grupo, ele se consolidou na indústria pop, começando por seu álbum de estreia self-titled carregado de pop rock, Harry Styles (2017), responsável pelo single de sucesso Signal Of The Times. Como uma prova de sua consistência e ousadia, lançou-se à criatividade e à experimentação com Fine Line (2019), um estouro pop por todo o globo com singles como Watermelon Sugar, Adore You e Golden.

Apesar da última era de Harry ter sido marcante, a mais nova trazida pelo artista promete muito, mas será que cumpre? Produzido por Kid Harpoon, Tyler Johnson e Samuel Witte, o álbum apresenta uma gama de canções acústicas interessantes, mas é dominado por um pop oitentista que, ainda que não tenha sido feito de maneira original, tem uma sonoridade interessante juntamente às composições do cantor.

Ao fugir, em grande parte, do escopo do que trouxe anteriormente, o artista inovou dentro de sua discografia e ganhou aclamação da crítica, com nota 84 pela média de 25 críticas no Metacritic. A relevante New Music Express (NME), ainda, destaca esse como o melhor álbum de Styles. Dentre as críticas positivas, estão comentários de Rolling Stones, The Guardian e Los Angeles Times, apesar da avaliação mediana do New York Times.

Como uma espécie de convite, o lead single escolhido foi As It Was, faixa quatro do disco. Ela exprime alguma angústia em relação ao passado e traz aquela coisa íntima de cuidado com os detalhes. De todas as canções, essa é a que melhor introduz o propósito de Harry’s House como um álbum intimista — uma possibilidade de conhecer o mundo do astro. Um artifício que pontua com ainda mais ênfase a pessoalidade da composição é a introdução marcada pela voz de Ruby Winston, filha de cinco anos do produtor Ben Winston e afilhada de Harry, com quem confessou falar todas as noites.

A faixa de abertura é um eletropop cheio de energia: Music For a Sushi Restaurant. Utilizando até mesmo o recurso auditivo da estereofonia  — uma produção sonora que possibilita, por exemplo, ouvir um instrumento em apenas um lado do fone — para criar a imersão do ouvinte na atmosfera envolvente do álbum. É dançante e divertida, exatamente como a música seguinte, Late Night Talking — já performada no Coachella 2022. Ambas não têm uma riqueza lírica na composição e, por serem até um pouco superficiais nesse sentido, podem frustrar a princípio ao considerar que o single de promoção do álbum é contrário nesse ponto, pois revela uma face real de Harry. De qualquer forma, elas não deixam de fortalecer um clima aconchegante que remete a estar numa festa em casa, dançando com os amigos.

Grapejuice, por outro lado, é receptiva. É envolvente, instigante e soa como uma ponte, em relação à sonoridade, entre seu disco de estreia e Harry’s House com a combinação de sua fase new wave e o pop rock de músicas como Two Ghosts (2019). O uso das banalidades — de momentos pequenos e rotineiros — demarcam a inserção nesse ambiente hospitaleiro de amor e recordação a partir de um narrador e seus devaneios ao longo da letra.

Como as duas primeiras canções, Daylight tem uma batida envolvente e que facilmente fixa na cabeça. A seguir, o ritmo começa a desacelerar e se tornar consideravelmente menos dançante com a presença dupla mais melancólica do álbum: Little Freak e Matilda. Na primeira, o artista utiliza um artifício de enriquecimento à música a partir da adição de camadas com instrumentos a mais a cada vez que o refrão se repete. Assim, esse crescimento eleva a sensação do público quando vai evoluindo juntamente à construção desse cenário de conforto.

Matilda segue a mesma linha de sua antecessora e tem como inspiração o livro infantil homônimo de Roald Dahl, como comentou Harry em entrevista à Apple Music. A história da obra ganhou maior notoriedade com a adaptação cinematográfica de 1997, também homônima, responsável por marcar gerações como as que mais ouvem o cantor britânico. Ainda, comentou sobre como seu objetivo era se mostrar como alguém disposto a ouvir, o que parece ter sido muito bem realizado ao considerar a comoção gerada pela música nas redes.

Sem tempo para respirar após o baque, Cinema chega com mais eletropop dançante para levantar a poeira. A faixa, apesar de trazer versos mais repetitivos, tem um enorme potencial para single pela simplicidade de sua composição e a energia de um sucesso digno de Harry Styles, assim como Daydreaming, faixa nove. Divertida e romântica, essa se mostra a com o maior potencial comercial pelas batidas marcadas, os versos também simplórios e suas confissões amorosas. Ela segue a mesma linha de alguns dos principais singles da carreira — Adore You, Lights Up

Keep Driving com sua ponte alucinante que certamente conta uma intensa história antecede uma nova descida que já encaminha para as faixas finais. Satellite começa com aquela mesma sonoridade apresentada pelo disco, mas no minuto final toma um formato robusto mais aprofundado que a torna ainda mais interessante, dinâmica e cheia de personalidade.

Boyfriends, também já performada no Coachella 2022 juntamente a Late Night Talking na apresentação de Styles como headliner, é um acústico sereno. Uma espécie de carta aberta sobre relacionamentos disfuncionais cujas tensões são ocasionadas pela parte masculina, é como se sentar diante de Harry na sala de sua casa e ouvi-lo, apenas voz e violão, dar conselhos indispensáveis.

[Imagem: Divulgação]

Para encerrar, a atmosfera é serena e doce com Love Of My Life, uma genuína declaração amorosa carregada de angústia e recordações dolorosas. No verso “eu me me lembro lá na casa do Jonny, nada mais é como era”, encerra-se o ciclo aberto pelo lançamento de As It Was como o lead single que serviu como o convite à sua casa. A faixa finaliza fazendo jus à aventura proposta pelo álbum e ameniza esse labirinto de emoções.

Harry Styles se mostrou mais experimental e ousado em Fine Line, quando saiu consideravelmente da zona de conforto que criou com seu álbum de estreia – que, apesar de bom, é tímido quando se compreende a potência da voz artística do cantor. Com muita personalidade e audácia, usou o segundo para explorar sua mais recente liberdade criativa. Com Harry’s House, para a indústria, não há nenhuma revolução significativa e a gama de canções com composições previsíveis pode até mesmo soar menos original que o que já foi produzido por ele em tempos remotos, quando pareceu se mostrar mais como artista e indivíduo que agora, quando formalizou tal convite.

Apesar de todas as oposições, Harry’s House pode ser melhor definido como o álbum mais divertido e dançante de Harry, ao mesmo que traz canções desoladoras e inesquecíveis. A experiência geral baseada na premissa também pode variar conforme o grau de proximidade com a arte do cantor, mas o que não pode deixar de ser dito é: esse é um ótimo disco que mantém o lugar do britânico no pódio da música mundial e demarca como seu talento e criatividade são grandes ganhos para as novas gerações.

[RESENHA] “Conversa Entre Amigos” e os romances modernos

Apesar de Sally Rooney ter ganhado maior notoriedade com Pessoas Normais (2018), especialmente diante da premiada minissérie homônima de 2020, seu primeiro romance foi, na verdade, Conversa Entre Amigos (2017). Com ele, a autora irlandesa iniciou seu processo para o firmamento na literatura jovem moderna ao discutir vínculos interpessoais atravessados por interferências, como as relações de poder e falhas na comunicação. Chegou a ser considerada o fenômeno literário da (última) década pelo jornal britânico The Guardian e se tornou um sucesso editorial por todo o mundo.

Pôster da adaptação de Conversa Entre Amigos para uma minissérie pela Hulu.

O romance de lançamento na ficção de Rooney seleciona um fragmento da vida da jovem Frances, universitária da Trinity College, e recém introduzida na casa dos vinte anos. A obra é narrada em primeira pessoa, o que já mostra sua divergência em relação a Pessoas Normais e a mais recente obra, Belo Mundo, Onde Você Está (2021). A escolha dos narradores, fundamentalmente, influencia na imagem que o leitor constrói dos personagens dos três livros, que nos dois últimos de Rooney podem ser semelhantes, mas que com Conversa Entre Amigos, não.

Publicada no Brasil pela editora Alfaguara e traduzida por Débora Landsberg, a obra recebeu adaptação pela Hulu como uma minissérie de doze episódios — mesmo formato de Normal People. Com direção de Lenny Abrahamson, será protagonizada por Alison Oliver como Frances, Joe Alwyn como Nicki, Sasha Lane como Bobbi, e Jemima Kirke como Melissa. 

Sob os céus de Dublin, a jovem Frances vive sua vida consideravelmente tediosa. Não possui nada que a faça ser extraordinária, muito menos aspirações que a destaquem em relação às outras pessoas. Quando ao lado de Bobbi, sua melhor amiga e ex-namorada, sente-se apagada por sua personalidade subversiva, enérgica e vigorosa em manifestação. São uma espécie não tão característica de opostos, mais ligado à forma como se relacionam consigo mesmas, como indivíduos, e com o restante do mundo.

Após um namoro que não muito se desenvolveu com o fim do ensino médio, as duas terminam, mas continuam amigas. Passam a frequentar a mesma faculdade e dividir o mesmo ofício com apresentações de declamações poéticas juntas em eventos pela cidade. Enquanto Frances se dedica à escrita, Bobbi traz sua presença dramática para as elevar o tom das performances.

É dessa forma que a dupla conhece a fotógrafa e jornalista de 37 anos, Melissa. Uma daquelas mulheres que se evidencia com espontaneidade, sem muito esforço. Tem como aliados apenas seu carisma, talento, elegância e, é claro, um marido troféu, que, nesse caso, é o ator de média fama, Nick Conway, com 32. 

Melissa tem interesse em escrever uma matéria sobre as jovens poetas, então as leva a jantares e comparece às suas apresentações para que possam se conhecer melhor. Frances não gosta tanto de Melissa e sente que é imune aos encantos de seu perfil imponente, apesar de ser o contrário com Bobbi, que é encantada pela mulher. Enquanto isso, por detrás do emparelhamento decorrente dos traços comuns entre as duas e seus flertes, a protagonista se encontra no caráter tímido, com uma nuance de covardia, do marido da jornalista.

Ante um casamento em ruínas, Frances surge quase como o ser celestial pronto para resgatar Nick de si mesmo, de seu passado e da vida infeliz que tem vivido, através da relação extraconjugal construída às escondidas. De certa forma, é uma via de mão dupla, pois a universitária carrega tantos traumas e devaneios melancólicos quanto o ator.

O quarteto protagoniza uma narrativa que isola esse pedaço de suas vidas, ou seja, não se enquadra tão bem no modelo de início-meio-fim clássico. Esse é um padrão de Rooney e não agrada a todos os leitores pela constância em finais considerados “em aberto”. O objetivo não é dar finais amarrados e sim deixar clara a existência de uma vida acontecendo depois da última página. 

Uma coisa sobre a estreia da autora é que ela traz os personagens mais amargos, irritantes, irreverentes e contraditórios, mas que isso ainda não significa que sejam pessoas ruins — apesar do adultério, das mentiras e todo o restante. 

Também é preciso considerar que todos são vistos sob a perspectiva de Frances — que é denunciada como alguém que enxerga aqueles que ama como especiais —, logo, existe uma tendência a se apegar mais aos personagens com os quais ela tem um envolvimento mais harmônico, como Nick e Bobbi. E, por outro lado, desenvolver alguma aspereza ligada à Melissa. Porém, outras coisas colaboram com a ideia de que talvez o perspectivismo de Frances não seja de grande relevância à narrativa, como o fato de ela fantasiar Bobbi com alguma devoção, já que implora para ser desejada e amada por ela, mas a parceira ainda ser uma personagem egocentrada e não tão engajada como imagina.

Ou seja, mesmo que a percepção de Frances sobre Bobbi seja preenchida por idealizações românticas de quem gostaria que ela fosse — e de quem Frances gostaria de ser —, nem por isso ela se torna tragável. Ainda, a carência de simpatia com Melissa, que possui uma personalidade intensamente semelhante a da dupla da protagonista, não é bem recebida pela narradora. Há o envolvimento de diversos fatores, mas além de ser casada com o homem por quem Frances está apaixonada, há, igualmente, o desejo de ter sua estabilidade econômica.

Alison Oliver como Frances em Conversa Entre Amigos (2022) [Imagem: Divulgação]

Os pais de Frances são separados e vivem numa área remota da cidade. O pai a marcou eternamente com o alcoolismo invasivo à sua infância, enquanto a mãe se torna colaboradora até os dias atuais com os pedidos incisivos de que a jovem perdoe o pai. Para a filha, até o uso dessa palavra que remete a algum tipo de afeição exprime um valor que não pode ser atribuído nesse caso. E, não obstante, essa atribulação familiar é fortalecida pela situação financeira delicada, cujo entendimento não alcança nenhuma figura do trio central da obra. A condição de assimilação sobre a classe socioeconômica deixa Frances sempre à margem dos outros, independentemente de qual seja o grau de intimidade pairando entre eles no momento.

Os personagens da autora, adicionando os protagonistas de seus dois outros romances, trazem debates semelhantes sobre o capitalismo e como ele é corrosivo, mas que soam consideravelmente superficiais ao serem usualmente pautadas pelos personagens ricos que são diretamente beneficiados pelo sistema e não buscam mover as engrenagens noutra direção, a não ser deixar que as palavras críticas morram nas conversas de bar. Bobbi é uma delas, mas ainda que Melissa não seja tão sugestiva quando os tópicos surgem, Frances permanece cultivando um ressentimento acumulado à porção de questões externas interferentes nesse todo — pois ela ainda faz parte disso, mesmo que não tome partido. A própria manifesta sua alegação de que talvez o que faça com que Frances realmente não goste dela seja, na verdade, a identificação por serem mulheres que buscam algum poder para suprir a imponência a qual foram infringidas durante a fase de amadurecimento, mas que tal busca por isso em Nick, como um homem que se mostra omisso, vulnerável e conformado, era infundada.

A relação tempestuosa de Nick e Frances é repleta de oscilações. Todo o contexto no qual estão inseridos e a maneira como iniciaram sua história já, objetivamente, mostrava que ela jamais poderia ser linear. A verdade é que, nesse caso, parece que Nick encontra em Frances muito do que passou a sentir falta em Melissa e que Frances encontra em Nick muito do que passou a sentir falta em Bobbi, porém essa falta é reflexo de suas perspectivas pessoais sobre o que querem de alguém, e não necessariamente o que realmente “faltava” em suas parceiras. Mas, por mais que eles deem vida a um amor nascido daquela paixão, prosseguem preservando o mesmo sentimento pelas pessoas com quem estiveram antes. Dessa forma, acabam num impasse que não deveria ser um, pois a narrativa faz o que promete e os guia à pergunta principal: é preciso amar só uma pessoa e se dedicar isoladamente a ela?

Ao todo, Rooney busca abordar os relacionamentos modernos que não se encaixam no modelo tradicional de que o amor deve funcionar de modo restritivo, de caráter possessivo e limitante; no qual esse amor só pode ser depositado numa só pessoa, o que não é o caso, porque Frances ama Nick, mas também ama Bobbi. E, na mesma linha, Nick ama Frances, mas ele também ama Melissa. Os sentimentos existentes entre eles não são enfraquecidos por terem mais de um direcionamento, mas são reanimados e reforçados. Porém, há um caminho para que Nick e Frances compreendam isso; que possam ter alguma percepção ampliada de quem eles podem ser um para o outro e quem podem ser para aqueles que já estavam em suas vidas antes de se conhecerem.

Conversa Entre Amigos, no panorama geral de um romance de estreia, tem a potência necessária para apresentar a voz de Sally Rooney na literatura atual, como foi feito. Embora não supere o ilustre Pessoas Normais — e nem mesmo Belo Mundo, Onde Você Está consegue esse feito —, deixa clara a habilidade da autora em escrever jovens mulheres modernas passíveis de identificação: elas têm tendências autodestrutivas, desvios de caráter e estão completamente perdidas em si mesmas e no mundo, especialmente porque que não sabem como comunicar seus sentimentos — já que raramente conseguem reconhecê-los ou dar nome a eles.

Direitos autorais e a propriedade intelectual na indústria musical

Embora várias discussões online permaneçam apenas nessa esfera, muitas outras são plausíveis do lado de fora da tela e carregam uma seriedade densa. Com os crescentes debates sobre plágio e direitos autorais preenchendo timelines, é preciso estar atento a como esse tipo de coisa é identificado e qual seu funcionamento na vida prática.

Ao considerar que a indústria musical é composta por uma gama de nuances indispensáveis a sua movimentação, pode-se compreender que cada camada é responsável pela administração de um setor — como as engrenagens de uma máquina que trabalha com obstinação a fim de produzir. É dentro de uma delas que surgem as discussões legais sobre direitos autorais de tudo aquilo que remete à criação e produção de uma música; aquela que, antes de chegar às festas, aos festivais ou aos fones de ouvido, precisa passar por uma série de registros e uma intensa preparação para que seus criadores tenham segurança sobre suas obras.

O copyright podem ser complicados de entender e variam bastante de caso em caso. Tal variação usualmente é responsável por guiar os envolvidos a incansáveis idas aos tribunais, seja por conta do uso indevido no ambiente virtual, nas acusações de plágio entre os próprios artistas ou quaisquer outros tipos de inadequações da reprodução dessas obras.

O que são os direitos autorais e como funcionam?

De forma mais objetiva, os direitos autorais são as diretrizes legais que buscam proteger determinada propriedade intelectual e dar aos seus proprietários amparo quanto à difusão de suas criações. No cenário musical, ajudam a administrar o alcance — que raramente consegue ser totalitário — das canções e garantir a justa remuneração aos criadores.

Ao ouvir uma música na rádio, em um festival, nas novelas ou séries e até em espaços virtuais como o Youtube, excepcionalmente se houver comercialização no meio, tenha certeza: os produtores daquela música devem estar recebendo algum lucro da reprodução e essa garantia é prevista por lei. Esse tipo de coisa é regulado por agências especializadas no assunto — cujos nomes e especificidades variam entre os países — responsáveis pela cobrança e arrecadação.

No Brasil, existe a entidade privada Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, também conhecido como ECAD, realizador dessa atividade. Caso não sejam acionados pelo veículo que busca o uso de canções protegidas por direitos autorais, os utilizadores estarão, consequentemente, agindo ilegalmente ao ferir a legislação nacional.

[Imagem: Reprodução/ECAD]

Na primeira semana de abril (4) de 2022, o deputado Ubiratan Sanderson, do partido Partido Liberal (PL/RS), apresentou um projeto de lei que solicita o pagamento dos direitos autorais ao ECAD como optativo por parte das instituições que utilizarem as canções. Em justificativa, comenta que “da mesma forma que devemos proteger os autores das obras artísticas, científicas e culturais, também devemos fomentar o investimento em sua difusão (…)”. A aprovação ainda está pendente.

Caso o projeto seja deliberado e a alteração no artigo de 1998 ocorra, a arrecadação facultativa poderá desestimular a produção cultural musical e, ainda, prejudicar artistas independentes. O objetivo da aplicação da lei é proteger a propriedade intelectual dos produtores culturais e garantir que eles sejam devidamente compensados a partir da elaboração de suas obras. 

Existem outras maneiras de violar as normas, como o que ocorre em caso de plágio. Em território nacional, o plágio é considerado crime, mas ainda acontece em grande quantidade. Quando é realizada uma cópia de trabalho sem autorização e esta é propagada como original pelo plagiador, é julgada a passividade de plágio. Diversos nomes de peso no mainstream mundial como Katy Perry, Adele, Ed Sheeran e Pharrell Williams já foram acusados de copiar produções de outros artistas e levados a julgamento.

Além de constantes acusações de plágio rondando a indústria, existe o obstáculo da pirataria, totalmente contrária à noção de direitos autorais. Como o plágio e qualquer outra violação de copyright, é igualmente suscetível a punição prevista na lei.

Anteriormente à internet, esse modelo já era uma problemática significante, porém com o advento do digital, as informações são propagadas numa velocidade incalculável, logo, os conteúdos se disseminam em massa por todo o globo, a todo tempo. Assim, o controle foi limitado e novas maneiras de buscar a preservação do tão valioso copyright precisaram ser desenvolvidas. E, apesar dos serviços de streaming de música terem um papel fundamental na democratização das canções, os artistas e empresas proprietários ainda desempenham formas variadas de combater esse tipo de infração.

Casos recentes relacionados a direitos autorais na música

Não apenas na internet, mas com gigantes da indústria, as complicações com direitos autorais são ilimitadas. Veja alguns dos casos mais recentes das variadas violações desses direitos.

Olivia Rodrigo X Paramore: samples e plágios

Em 2021, a artista norte-americana Olivia Rodrigo se tornou a it-girl da música pop. Com o álbum de estreia Sour (2021), a jovem alcançou um público expressivo com suas canções envolventes e a linguagem adolescente.

O lançamento de Olívia incentivou a ascensão de discussões sobre plágio e apropriações recorrentes de samples. Existe um contraste importante no significado de cada, que se baseia essencialmente nas autorizações legais. Enquanto os samples são o uso de fragmentos de outras canções — seja em melodia, seja em composição lírica — com aval, o plágio não. Dessa forma, há uma espécie de usurpação da propriedade criativa-intelectual, o que, ao recordar o fato de que plágio é um crime, gera potenciais punições judiciais.

A princípio, foram identificadas duas canções sampleadas: 1 step forward 3 steps back, com sample de New Year’s Day (2016), de Taylor Swift, e deja vu, com sample de Cruel Summer (2019), também de Swift. Nos dois casos, Taylor e todos os compositores das canções foram creditados nas respectivas faixas do disco, além de movimentações legais não explicitadas objetivamente ao público.Por outro lado, no single good 4 u (2021), destacou-se internamente nas redes semelhança com Misery Business (2007), sucesso estrondoso da banda de rock Paramore. Rodrigo foi acionada pela vocalista Hayley Williams, e por Josh Farro, ex-guitarrista do grupo. Como meio de não haver acusações formais por plágio, a decisão tomada pela equipe da artista foi a inclusão dos compositores de Misery Business nos créditos do hit e a repartição dos lucros. 50% dos ganhos de good 4 u são dirigidos aos dois compositores.

Anavitória X Tiago Iorc: composição e regravação

Vencedora do Grammy Latino, Trevo (Tu) (2016) foi uma das canções que deu visibilidade ao duo feminino Anavitória composto por Ana Caetano e Vitória Falcão. A música, co-escrita por Ana e pelo também intérprete Tiago Iorc, é vista como um marco em seu ano de lançamento e foi responsável por alavancar consideravelmente a carreira dos envolvidos.

Em uma live durante 2020, a dupla confessou o transtorno que passava no momento relacionado a uma discordância com a tentativa de regravação do hit quatro anos após seu lançamento. Ana se mostrou especialmente frustrada com a impossibilidade de seguir adiante com os planos tendo em vista que Tiago, como co-autor, não autorizou a regravação.

Nesse caso, a lei dos direitos autorais perdura ao seu lado quando considera necessária concessão mútua. Logo, enquanto não houver a aprovação de Iorc, apesar de uma das compositoras desejar a regravação, nada pode ser feito além do debate judicial.

Taylor Swift X Big Machine Records: masters e direitos de composição

Um exemplo interessante sobre o funcionamento dos direitos autorais permeia o conflito entre Taylor Swift e a dupla Scooter Braun, empresário, e Scott Borchetta, antigo dono da gravadora Big Machine Records. Essa é uma batalha que se arrasta desde 2017, quando o contrato de Taylor Swift com sua gravadora desde seu álbum de estreia em 2006 foi finalizado.

A história completa e com maiores detalhes foi esclarecida em um fio no nosso Twitter, mas o panorama geral atravessa a luta da artista pela recuperação dos masters — o produto final pronto para ser comercializado de distintas maneiras — de seus seis primeiros álbuns de estúdio. Eles se tornaram propriedade da empresa Ithaca Holdings, de Braun, que comprou a Big Machine Records e, consequentemente, todo o seu catálogo.

Com a venda da discografia, Swift perdeu os direitos autorais sobre suas obras em 2019, o que serviu de incentivo para que tomasse a decisão de regravar os discos antecessores do álbum Lover (2019). A possibilidade de regravações redireciona os holofotes às questões legais, pois a BMR era a detentora inicial dos masters da cantora durante seu contrato, entretanto, diante do fato de que ela era, igualmente, a compositora de todas as faixas, possuía os direitos de composição. Apesar da artista não poder agir sobre como os masters originais serão utilizados e para quem serão vendidos, a partir de seus direitos de composição, surge a viabilidade por ela escolhida: regravações. O projeto teve início em 2021 com Fearless (Taylor’s Version) e foi seguido pelo Red (Taylor’s Version).

Luiz Bonfá X Gotye: plágio premiado

O fenômeno Somebody That I Used to Know (2011), de Gotye em parceria com Kimbra, recebeu dois dos principais Grammy’s e conquistou uma legião de ouvintes. Porém, a canção foi acusada de plágio pela família do músico brasileiro Luiz Bonfá por sua semelhança com a composição Seville (1967).

Gotye assumiu o plágio e, além de indenizar mais de um milhão de dólares à família Bonfá, direciona 50% dos lucros pela canção e a co-autoria ao violinista já falecido.

O valor da propriedade intelectual para a arte

O mundo polarizado e integrado permite que muita coisa seja produzida, consumida e descartada. Ainda assim, existem coisas cuja relevância não pode ser perdida, pois elas atravessam o tamanho da fama, o poder aquisitivo e as promessas de lealdade nesse mercado competitivo e instável. Isso visto que a criatividade no mundo artístico é uma moeda valiosa e importante, capaz de abrir portas e oferecer prestígio — mais motivos para serem protegidas.

Além de sua valorização econômica, a arte é preservada pelo seu simbolismo cultural, pessoal e político, que independente da mensagem, sempre terá um significado particular para alguém, especialmente para quem a criou. Na música, os compositores, intérpretes ou produtores comunicam a dimensão do que é entregue ao mundo, mas que ainda precisa ter determinada garantia de pertencimento, além de justa remuneração e atribuição de mérito.

Álbuns conceituais: narrativas para as novas gerações

A música é uma das mais conhecidas formas de contar histórias através da arte. Pode ser mediante canções isoladas que contenham início, meio e fim de uma breve história, ou igualmente a partir de álbuns inteiros dedicados a versar narrativas de modo particular.

Álbuns cujas faixas trazem um sentido passível de interpretações mais completas quando baseadas em uma narrativa tecida por cada uma das canções em conjunto são chamados de álbuns conceituais. Eles excedem a individualidade das composições unitárias e oferecem uma experiência distinta.

As gerações mais recentes, por sua vez, não foram habituadas culturalmente a ouvir todas as faixas de um disco. Com a quantidade massiva de informações diárias, especialmente transmitidas pelo meio digital, a produção cultural foi intensificada nas últimas duas décadas e a indústria musical recebeu uma nova forma de ser consumida: cada vez mais hits e cada vez menos álbuns ouvidos inteiramente. Assim, os álbuns conceituais perderam o brilho.

Porém, alguns artistas que fazem parte da produção cultural das novas gerações optaram pela criação de discos que possuem algo a dizer com a união de suas faixas. Conheça alguns deles:

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After Hours, The Weeknd

Para o lançamento de seu quarto álbum de estúdio, After Hours (2020), The Weeknd realizou a promoção com uma série de videoclipes que abordam a história das entrelinhas do disco. Tudo se inicia em uma noite, a envolver um terno vermelho, um carro e uma paixão. O personagem —  que pode não ser realmente apenas um personagem — é inserido em uma atmosfera densa e solitária.

Apesar de todo esplendor, toda pompa e toda atenção que culmina numa ausência, a jornada do narrador desse álbum é a de uma pessoa isolada e infeliz. Seu conceito pode ser traduzido na realidade por detrás de um indivíduo que está num ambiente nocivo e destrutivo, mas que não consegue escapar. No decorrer da narrativa visual dos singles, é esclarecida sua relação com o que é ofuscado pela incandescência do glamour de uma vida melancólica e como o personagem é igualmente cegado pelo brilho.

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American Idiot, Green Day

As novas gerações foram embaladas pelas canções ambiciosas e revolucionárias dos Green Day. O álbum American Idiot (2004) se tornou um marco atemporal na carreira da banda e conquista cada vez mais públicos por sua temática atual.

O protagonista da obra é nomeado St. Jimmy. Destaca-se, ainda, a persona de Whatsername, com quem viveu uma espécie de relacionamento conturbado e adverso, pois as personalidades de ambos se repelem, porém o foco está no desenvolvimento do personagem principal.

No videoclipe de Jesus Of Suburbia (2004) e na composição, Jimmy é caracterizado como uma figura subversiva e irreverente, mas nem sempre de uma maneira positivamente revolucionária. Ser fruto de um lar desfeito reflete diretamente em sua maneira de lidar com as emoções e o levam à indisciplina.

Ao fim do clipe, como também em trechos de outras canções do álbum, é reforçado que St. Jimmy se torna um anti-herói seguido por discípulos.

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Cleopatra, The Lumineers

Os The Lumineers fizeram sucesso em 2016 com a canção Sleep On The Floor, single do álbum Cleopatra (2016). A música, apesar de contar uma história consistente no clipe, faz parte de algo maior, como as outras faixas do álbum, que são interligadas no curta The Ballad Of Cleopatra (2017), dirigido por Isaac Ravishankara.

Protagonizada pela personagem Cleopatra, uma motorista de táxi já na faixa dos ciquenta anos, a narrativa é desenrolada a partir dos estranhos passageiros que ela carrega em seu táxi durante o trabalho. Eles são memórias materializadas que levam o espectador a conhecer a vida da protagonista e como ela se desdobra através do tempo, e isso inclui os fatos concretos baseados nas decisões tomadas e os seus arrependimentos.

A narrativa se inicia ao versar sobre sua vida adulta ainda prematura, a morte do pai e sua paixão da juventude, contadas em Sleep On The Floor, logo após Cleopatra ser apresentada em sua canção homônima. Em seguida, há a introdução sua versão mais velha, na casa dos trinta, que enfrenta uma gravidez e realiza uma fuga em meio à canção Angela. Por último, o espectador é guiado à jornada final da personagem ao som de My Eyes, quando já na terceira idade, passa a residir em um asilo para idosos.

Durante a balada, são externadas todas as feridas e as lamentações da protagonista, com ênfase na carga de um remorso irremediável sobre todas as coisas que poderia ter feito, mas não fez. Ao ouvir apenas Sleep On The Floor como o principal sucesso, a história de Cleopatra é soterrada e, consigo, todas as reflexões indispensáveis.

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Electra Heart, Marina and The Diamonds

Com Electra Heart (2012), Marina criou um universo narrativo que busca criticar a representação feminina na cultura estadunidense. Para isso, a artista se utilizou de referências literárias, cinematográficas e fotográficas para apresentar Electra ao mundo.

Um dos pontos que melhor esclarece a personagem é o uso de referências que trazem, igualmente, outras personagens cuja personalidade se desvanece em detrimento de certas questões, independente de quais sejam. Elas se apegam a determinadas coisas e se moldam a elas. Muito do contexto que Marina busca inserir na construção de sua protagonista é incutido pelos arquétipos de mulher perfeita ou da tentativa de uma.

Os estereótipos são ironizados e exibem a perda da subjetividade demarcada pela massificação cultural de personalidades femininas. Uma produção desenfreada pelo mesmo modelo pré-fabricado de mulheres que abdicam de sua individualidade em prol do que é construído para parecer o ideal.

A mídia possui um papel potente e hostil na fabricação interminável dessas personalidades e, de modo cíclico, cria novos arquétipos datados que devem ser padronizados até a exaustão e, posteriormente, serão substituídos por outros.

Electra, nos clipes de Marina, se manifesta como a destruidora de lares, o ícone adolescente, o exemplo da beleza americana e a dona de casa estadunidense.

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folklore, Taylor Swift

Houve determinado costume sobre as composições de Taylor Swift quanto à narrativa autobiográfica. Com folklore (2020), a artista quebrou a sequência de álbuns estritamente particulares e se inseriu no universo de Betty, Augustine e James, jovens fictícios.

Os álbuns anteriores de Taylor, como Red (Taylor ‘s Version) (2021) e Speak Now (2010), por exemplo, decerto narram crônicas sobre sua vida, mas o interessante sobre folklore é a criação de personagens. Para apresentar a narrativa, são utilizadas três canções principais que introduzem os pontos de vista de cada indivíduo desse triângulo amoroso: o single cardigan, da perspectiva de Betty, a canção august, da perspectiva de Augustine, e, por fim, a faixa betty, da perspectiva de James.

A partir das canções, é esclarecida a trama de traição que se desenvolveu no verão. James, namorado de Betty, se envolve romanticamente com Augustine em uma noite que evolui para muitas outras. Através de Inez, uma colega de classe de Betty, a jovem descobre sobre o envolvimento de James e Augustine durante o mês de agosto, momentos antes da volta às aulas.

Em betty, James pede perdão à namorada. Clarifica o caso com Augustine durante o verão e garante que tem apenas dezessete anos e não sabe de nada. Em cardigan, por sua vez, Betty narra sua inconformidade acerca da traição de James. A canção é repleta de informações sobre seu relacionamento e enfatiza como a jovem, apesar de muito nova, sabia de tudo quando tinha a mesma idade de James a fim de ressaltar que a questão não é sua idade. Apartada, por outro lado, Augustine comunica seus sentimentos através de august, que apresenta sua paixão por James e a brevidade de seus momentos juntos, que é marcada com fatos repetitivos, ao contrário de cardigan, que se mostra rica em detalhes. 

Swift articulou a estrutura e a composição das duas canções como ferramentas de colaborar com o esclarecimento dos fatos. No álbum também residem faixas que contam histórias particulares, como the last great american dinasty, e outras que podem ser articuladas em união à narrativa do triângulo, como the 1.

Uma crônica sobre amores adolescentes que elucida os arrependimentos e as visões de um passado repleto de caminhos que não foram seguidos, mas poderiam.

Os álbuns conceituais têm mensagens que, muitas vezes, não podem ser transmitidas através de canções singulares. Esse estilo possibilita a criação de capítulos ou ramificações para o desenvolvimento mais consistente das temáticas escolhidas para debate. Dessa forma, questões podem ser ampliadas e, ainda, melhor estruturadas para trazerem reflexões com caráter aprimorado de completude a quem ouve. E, apesar dos álbuns não conceituais terem um papel fundamental sobre a fabricação de análises interessantes, os álbuns conceituais produzidos pelas novas gerações e para as novas gerações possuem o potencial de gerar o amadurecimento de perspectivas e a expressão do que há de novo nos contextos contemporâneos de modo envolvente.

Seja quando a busca é pela abordagem de tópicos políticos e sobre a vida em sociedade ou quando deseja aprofundar concepções relacionadas ao amor, à solidão ou à existência sob um panorama geral, a construção feita pelas faixas têm o potencial de contar histórias que irão gerar o fator de identificação em ouvintes, além de uma relação reflexiva essencial para seu consumo consciente e esclarecedor.

21 de março: mulheres que marcaram a poesia

Em A Hora da Estrela (1977), Clarice Lispector escreveu: “enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever”. Apesar do cenário literário ter sido, por muito tempo, monopolizado pela figura masculina, é inegável que a arte deve ser democratizada sem fronteiras ou limitações, e isso inclui a escrita.

Lispector não se dedicou à poesia, mas muitas outras mulheres enxergaram a si mesmas diante de pontos de interrogação que as levaram à mesma conclusão: existem perguntas e escrever é o que dará as respostas. Ou ao menos tentará. Essas mulheres reformularam as regras do mundo e lutaram pelo seu direito de dizer o que precisava ser dito; de apresentar reflexões multifacetadas fundamentais que talvez não tivessem sido introduzidas senão através de suas perspectivas.

As autoras que hoje são pilares à literatura e representam sonhos e concepções anteriormente renegadas, de certa forma, ao seu gênero, buscaram transformar sua poesia — não apenas — em algo tão sublime, que deixou de ser vista como um subproduto do que a arte deveria ser — produzida por homens.

Conheça nomes da poesia mundial que não se amedrontam diante de suas perguntas, mas continuaram a escrever por uma espécie de necessidade irremediável por respostas.

Nomes de destaque na literatura poética

Audre Lorde

[Imagem: Ute Weller/Bazar do Tempo/Divulgação]

Nascida em 1934, nos Estados Unidos, Audre Lorde foi escritora, poeta e ativista. Suas obras se destacaram na área teórica relacionado aos seus estudos feministas, porém sua atuação na poesia foi consistente e marcante. Sua primeira obra publicada foi The First Cities (1968), repleto de poemas sobre suas origens, sua identidade e suas experiências como mulher negra e mãe.

Ao traçar um panorama por toda a obra poética produzida por Lorde, é possível observar que, em sua poesia, manifestam-se questões relacionadas à homossexualidade, raça, gênero, amor de modo amplo, entre outros. Por sua excelência, Audre foi laureada como poeta pela cidade de Nova York em 1991.

No Brasil, grande parte de suas obras, incluindo coletâneas de poemas, são publicadas pela Relicário Edições, mas podem ser lidas em sua língua original (inglês) na Poetry Foundation.

Cecília Meireles

[Imagem: Reprodução]

A aclamada e inesquecível Cecília Meireles marcou a literatura brasileira. Contabilizou mais de cinquenta obras publicadas que a expuseram como a gloriosa autora que foi. Meireles é estudada em escolas de todo o país e elevou a imagem feminina na literatura nacional.

Sua poesia completa foi publicada pela Global Editora em dois volumes densos que contemplam um fragmento de sua história com a escrita.  

Emily Dickinson

[Imagem: Reprodução]

Emily Dickinson foi uma poeta estadunidense do século XIX. Seus poemas, quase que inteiramente, tiveram publicação póstuma, pois em vida estava inserida num ambiente social de domínio masculino.

Foco de estudo literário por todo o globo com mais de mil poemas escritos, Dickinson é considerada uma das mais importantes poetisas da história. No Brasil, tem publicação por diversas editoras. Na língua original (inglês), todos estão disponíveis na Poetry Foundation.

Hilda Hilst

[Imagem: Gal Oppido/Divulgação]

A brasileira Hilda Hilst se tornou patrimônio da literatura nacional através de obras intensas e essenciais. Além da poesia, também se dedicou à escrita de peças de teatro e ficção, com êxito.

Alguns de seus poemas podem ser lidos no site de Hilst. Sua obra está disponível em diversas editoras, mas grande parte reside na Companhia das Letras.

Louise Glück

[Imagem: Gasper Tringale]

Louise Glück apresenta uma genialidade inigualável responsável por lhe garantir a gama de láureas de alguns dos mais visados prêmios literários, como o Prêmio Pulitzer de Poesia (1993) e o Nobel da Literatura (2020). Segundo a banca do Prêmio Nobel, Glück possui “inconfundível voz poética, que, com uma beleza austera, torna universal a existência individual”.

Na infância, em quem se é no mundo, na família, no trauma e na natureza residem as temáticas utilizadas pela poetisa para desenvolver suas obras. Foi publicada no Brasil pela primeira vez em 2021 através de uma coletânea de seus poemas entre 2006 e 2014, pela Companhia das Letras, em edição bilíngue.

Maya Angelou

[Imagem: Chester Higgins]

Maya Angelou se tornou um dos maiores nomes da literatura contemporânea diante de todo o trabalho impecável que produziu. Com Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola (1969), sua primeira e de maior notoriedade obra, e outras seis autobiografias, apresentou uma história de luta. No decorrer de sua vida, publicou 23 livros de poesia que a consagraram como uma dos nomes de maior peso na poesia.

Pela excelência, foi indicada ao Prêmio Pulitzer de Poesia em 1971 e, ainda, honrada com a Medalha Nacional de Artes, em 2000, e a Medalha Presidencial da Liberdade, em 2011, também recebida por artistas como Toni Morrison e Aretha Franklin.

No geral, a obra de Angelou é atemporal ao abordar questões como raça, família, luta de classes e gênero, além de muitos outros tópicos. Nacionalmente, tem exemplares em diversas editoras, mas é possível encontrar sua poesia completa publicada pela editora Astral Cultura. Na língua original, alguns deles estão disponíveis na Poetry Foundation.

Sophia de Mello Breyner Andresen

[Imagem: José Gageiro]

Vencedora do Prêmio Camões (1999), a maior honraria da literatura em língua portuguesa, a poetisa é de origem portuguesa, nascida na cidade do Porto. Versou, em sua obra poética, através de uma grande diversidade de temas que, de tão bem desenvolvidos e aprofundados, a distinguiram em relação à maioria dos outros produtores literários. Além disso, teve relação com a resistência ao cenário político português durante a ditadura salazarista, que também foi abordada em seus poemas.

Atualmente, é considerada um nome de peso da literatura portuguesa e foi publicada, no Brasil, pela Companhia das Letras nas edições Coral e Outros Poemas (2018) e Poemas Escolhidos (2004).

Sylvia Plath

[Imagem: Reprodução/Lilly Library]

A história de vida de Sylvia Plath transcendeu sua obra e intensificou, de certo modo, a busca pela sua obra. A Redoma de Vidro (1963) foi seu único romance publicado, ao considerar que sua escrita era direcionada à poesia. Apesar do livro ter se tornado um clássico contemporâneo, o trabalho poético de Plath foi igualmente aclamado pela crítica e lhe rendeu um póstumo prêmio Pulitzer de Poesia por The Collected Poems (1981), igualmente publicado postumamente.

Em vida, a poetisa lutou contra a depressão, que pôde ser externada com clareza na arte que produziu. Aos 30 anos, Plath tirou sua própria vida e deixou sobre a escrivaninha Ariel, cuja publicação ocorreu de modo diferente do desejado. Posteriormente, em 2004, a obra restaurada, organizada como originalmente requerido pela poetisa, foi publicada em respeito à memória de Sylvia.

Seus contos, diários e o romance unitário foram publicados no Brasil pela Biblioteca Azul, selo da Globo Livros, enquanto os poemas podem ser encontrados através de edições da Verus Editora, selo do Grupo Editorial Record, e da Editora Iluminuras. Na língua original (inglês), estão disponíveis para leitura na Poetry Foundation.

Wislawa Szymborska

[Imagem: Joanna Helander]

A polonesa Wislawa Szymborska ganhou reconhecimento mundial após vencer o Prêmio Nobel da Literatura em 1966. Chegou a ter seus poemas censurados no país, porém não foi desencorajada pela ocorrência.

Com uma obra poética considerada de linguagem coloquial, objetiva e irônica, distribuída em onze livros, Szymborska foi publicada no Brasil pela Companhia das Letras em três edições bilíngues: Poemas (2011), Um amor feliz (2016) e, mais recentemente, Para o meu coração num domingo (2020).

Poesia e exclusão

Há, nos dias atuais, uma maior variedade de vivências na literatura. Decerto, a tendência é que muitas pessoas, com experiências particulares que por muito tempo foram apagadas, encontrem seu espaço para falar através do ambiente literário.

As mulheres demonstraram um furor determinante capaz de moldar a cultura à sua aceitação, mas isso precisará de tempo. Ainda que as nove poetas acima tenham alterado o curso e abandonado o marasmo do protagonismo masculino, sua participação ainda precisa ser reconhecida com coerência.

Para incentivar a literatura feita por mulheres, é necessário uma disponibilidade para ler o que elas têm a oferecer, seja um leitor ordinário que apenas lê por diversão, seja um grande crítico que está condicionado a oferecer holofotes ao mesmo arquétipo masculino sempre. A ausência de inserção feminina pode ser exemplificada através do próprio Nobel da Literatura, recebido por Szymborska e Glück, mas também por apenas outras 14 mulheres desde 1901. Ou seja, dentre os 118 prêmios entregues na categoria, um século inteiro foi usado para destacar a literatura produzida por homens.

Esses são alguns dos trabalhos de autoras com produções literárias que devem ser reconhecidas:

Para que a literatura feminina cresça e alcance gerações de meninas que vejam a si mesmas no que estão lendo, é necessário incentivar tal produção de modo intenso. Isso é feito através do consumo consciente das obras. Dessa forma, ao mesmo tempo que mais perguntas surgirão, mais respostas virão como consequência e, ao considerar a natureza feminina como desumanizada por um processo social arrastado, muitas mulheres ainda não conhecem a si mesmas como seres reais no mundo. A arte, em conceito amplo, entra em cena com o papel de colaborar com o autoconhecimento, seja no consumo, seja na construção.

As poetisas apresentam versos que são capazes de comportar a densidade de questões, sentimentos e existências inteiras que não poderiam ser melhor descritas; que servem como um abraço quente ou um choque de realidade. Confortável ou não, sua maneira de produzir literatura colabora pontos sobre a natureza feminina e humana, no geral, difundidas por todo globo e, cada dia mais, são responsáveis por oferecer a mulheres — ainda que não apenas — concepções sobre quem são, quem querem ser e quem podem ser.

O destaque das mulheres na música

A história das artes envolve uma breve participação feminina. Ofuscadas pelo forçado protagonismo masculino, sua integração na música ainda nos dias atuais é pequena quando considerada a dimensão da indústria musical e as áreas de atuação que uma mulher, potencialmente, poderia ocupar.

Quando nos palcos, as que detém os holofotes ainda precisam suportar as pressões externas e internas em constante busca de atingi-las por todos os lados, enquanto aquelas que preferem os bastidores mal são estimadas para qualquer vestígio de participação. De uma maneira ou de outra, a indústria musical se mostra carregada de um sexismo prejudicial à integralização feminina no cenário.

Mulheres e (quase) um século de música

Como processo de industrialização, o acúmulo de pessoas responsável pela urbanização transformou a maneira de difusão da cultura, ou seja, também da música. É nesse cenário do século XX, que os principais gêneros musicais surgem e começam a se propagar. Acompanhe os destaques femininos entre os anos de 1930 e 2020 e a evolução musical.

1930 a 1949

Billie Holiday, na época, se consolidava como uma das vozes do jazz. Com um timbre inigualável, Holiday é um inspiração até os dias de hoje e sua arte, atemporal.

Na mesma década, Carmem Miranda, símbolo da música brasileira, lançava a famosa canção O que é que a baiana tem? (1939), perpassada por gerações.

Com a virada da década, o jazz recebeu mais uma lenda com o nascimento da memorável Ella Fitzgerald, premiada e condecorada. Aretha Franklin igualmente desempenhou um papel de suma importância através da música, o que acarretou em honrarias à sua arte e um lugar definitivo na narrativa do R&B e do jazz, além de, é claro, na música Gospel.

1960 a 1979

A carreira de Maria Bethânia, tesouro nacional da Música Popular Brasileira (MPB), iniciou em 1965. Um selo de sua consagração veio com as obras musicais Cheiro de Amor (1979), e com As Canções Que Você Fez Para Mim (1993).

No Brasil dos anos 60, com o surgimento da Tropicália, um movimento cultural importante para a arte nacional, Gal Costa surgiu como mais um patrimônio da MPB. Sua canção de maior visibilidade, Baby, foi lançada em 1969. Posteriormente, deu vida ao embalo Lágrimas Negras, de 1974.

Os Mutantes, banda com destaque de Rita Lee, considerada rainha do rock nacional, se formou em 1966 e, mais tarde, Lee optou pela carreira solo. Hoje, a artista também faz parte da história da música brasileira.

Janis Joplin surgiu no cenário no rock nos anos 60 e, após uma década intensa de trajetória próspera no sucesso, faleceu. Joplin deixou o álbum Pearl (1971), lançado postumamente, que, até hoje, é um fenômeno em nome de seu legado.

A genial e insuperável Elis Regina se consagrava, na era, com Águas de Março, ao lado de Tom Jobim. Em 1976, eterniza sua voz na obra musical Como Nossos Pais.

O grupo suéco ABBA, cujas vocalistas eram Agnetha Fältskog e Anni-Frid Lyngstad, se preparava para lançar músicas que jamais saíram de moda e, no presente, transcenderam à validade do tempo e conquistaram uma nova geração sob o efeito das vozes únicas da dupla feminina.

1980 a 1999

Uma enorme efervescência tomava conta da indústria musical da época. A gloriosa canção Girls Just Wanna Have Fun (1983) ofereceu a Cindy Lauper um lugar na memória do pop, bem como com Total Eclipse Of The Heart, do mesmo ano, de Bonnie Tyler.

Madonna, a rainha do pop, nascia na música com seu álbum homônimo de estreia (1983). No ano seguinte, lançou Like a Virgin (1984), um dos maiores feitos de sua carreira. A artista liderou o gênero pop e revolucionou a indústria ao apresentar uma percepção da feminilidade atrelada à liberdade sexual.

No Brasil, Daniela Mercury lançava O Canto Dessa Cidade (1992), cuja canção que dá nome ao álbum foi transformada em um fragmento histórico da cultura brasileira, e parte integral do carnaval nacional. Em 1994, Cássia Eller, em seu terceiro álbum de estúdio, com seu próprio nome, soltou a voz na canção originalmente de Cazuza, Malandragem, e conquistou a nação. Em 1999, um pedaço de sua genialidade, a canção O Segundo Sol, nasceu e foi herdada pelas gerações que se seguiram.

Nos anos 90, Mariah Carey fez seu debute com um álbum homônimo, mas alcançaria sucesso apenas mais tarde. Dentre suas canções de maior relevância, está All I Want For Christmas (1994), que se tornou um clássico do natal e alcança o topo das paradas anualmente no mês de dezembro.

As Spice Girls, em 1996, lançaram Wannabe, trilha sonora da vida de adolescentes da entrada do século. Os anos 90 foi responsável por uma alteração no cenário da música que inseriu, em maior grau, as mulheres, com ênfase no contexto da cultura pop. Alguns exemplos são Vogue (1990), da Madonna, My Heart Will Go On (1997), de Celine Dion, If You Had My Love (1999), de Jennifer Lopez, e Genie In a Bottle (1999), de Christina Aguilera.

As Destiny’s Child, grupo composto por Beyoncé, Kelly Rowland e Michelle Williams, alcançaram o sucesso com as canções Say My Name (1999) e Bills, Bills, Bills (1999). Britney Spears, com suas músicas voltadas para o público adolescente, foi um fenômeno entre os jovens. A junção entre os sucessos …Baby One More Time (1999) e Oops!… I Did It Again (2000), seu estilo característico e uma atitude única, Britney fez história.

2000 a 2009

A virada do século, com um mundo ainda mais integrado e a ascensão definitiva da internet, a cultura iniciou o processo de adoção uma difusão com alcance global. Houve o surgimento de nomes atualmente familiares, como Avril Lavigne, Pink, Pitty, Fergie, Kelly Clarkson e Alicia Keys. As mulheres, agora com um espaço maior, dominavam, principalmente, a cultura pop.

Rihanna debutou com um álbum de estúdio, Music of the Sun, em 2005, no qual explorava uma junção de diversos gêneros de sua influência pessoal como artista. O dance-pop produzido por ela reforçou um espaço no novo cenário cultural.

Lady Gaga, com seu estilo excêntrico, conquistou admiradores pela originalidade. O álbum de estúdio, The Fame (2008), foi o bastante para servir como indicador do símbolo que Gaga se tornaria para a música global.

Uma das vozes mais potentes da geração, Adele debutou com o disco 19 (2008). As incontáveis quebras de recordes, canções emocionantes e voz inigualável levaram-na com consistência por mais de uma década de carreira inabalável.

Fora das Destiny’s Child, Beyoncé iniciou a carreira solo sem conhecimento do poder que teria no futuro. A lista de canções marcantes é interminável, porém ela se destaca pela nova abordagem artística na década seguinte, ao tornar sua arte diretamente política. Com letras carregadas de significado, a artista introduziu questões indispensáveis sobre gênero e raça em suas canções, com ênfase na obra Lemonade (2016). Ainda, se tornou a artista geral com maior quantidade de Grammys vencidos (28).

2010 a 2020

Se os anos 2000 funcionaram como uma adaptação ao conceito virtual, a década dos anos 10 marcaram a transformação do digital como uma extensão da realidade. Logo, uma integralização ainda mais agressiva e uma facilidade abrupta de difundir informações e culturas. Os nomes de destaque foram Nicki Minaj, Katy Perry, Ariana Grande, Miley Cyrus e Demi Lovato, com ênfase, ainda, na cultura pop. No Brasil, Paula Fernandes, Anavitória, Ludmilla e Iza embalaram a década com suas músicas.

Anitta, hoje lançada internacionalmente, iniciou a carreira em 2010. O primeiro sucesso veio com Meiga e Abusada (2012), seguido por Show das Poderosas (2013). Atualmente, Anitta possui canções em outras duas línguas e é requisitada por premiações pelo mundo.

Com o segundo álbum de estúdio, Fearless (2008), no gênero country, Taylor Swift conquistou o prêmio de Álbum do Ano no Grammy de 2009. Ao transitar para o pop, venceu novamente a categoria em 2015 com 1989 (2014). Mais tarde, em 2021, conquistou pela terceira vez um gramofone na categoria, novamente em um estilo musical distinto, com o álbum alternativo folklore (2020). Dessa forma, Swift se consagrou como a única artista feminina a obter a honraria três vezes, além de em três gêneros divergentes. Seu impacto cultural na década a rendeu o prêmio Woman of the Decade pela Billboard.

Outro destaque foi a artista Lana Del Rey, que dominou a música indie alternativa no início da década e colaborou com uma popularização do gênero ao um público mais extenso. Seus grandes sucessos Summertime Sadness, Video Games e Born To Die, dos disco Born To Die (2012), a tornaram uma das maiores cantoras do gênero. Del Rey recebeu seis nominações ao Grammy por seus trabalhos impecáveis.

A produção do espetáculo: mulheres dos bastidores

A indústria musical possui sua grandeza externada pelo glamour dos rostos bonitos, de vestidos de grife, as premiações marcantes e as festas intermináveis. Na superfície, é simples concentrar o olhar a esse fragmento raso e ainda mais comum que todo o brilho dos trajes debaixo dos holofotes de palcos em estádios esgotados ofusque a história de resistência carregada por todas as responsáveis por erguer esses cenários incandescentes.

Apesar de haver uma quantidade expressiva de artistas femininas que, hoje, dominam as principais paradas mundiais e que saem das cerimônias de premiação com os braços preenchidos por troféus, existe, igualmente, uma estrutura de inúmeras outras mulheres dentro do esquema que entregou o resultado final responsável pela estatueta. Ou ao menos deveria haver.

Professoras de música, compositoras, musicistas, maestrinas, pesquisadoras da música, críticas musicais, engenheiras de som, produtoras musicais, técnicas de som, backing vocals e muitas outras profissionais fazem parte do corpo responsável pelo produto final. A trilha sonora de um filme ou a canção ecoando nos fones de ouvido passam pelas mãos de colaboradoras que, incansavelmente, moldam desde as músicas menos conhecidas até as que entram para a história.

Conheça algumas das mulheres que não se abateram pelos números limitantes e ocuparam seus espaços na história:

Profissionais femininas e a exclusão da indústria

Dotadas de conhecimento na área, sua participação não está nem mesmo perto de ser majoritária no espaço. Divulgada em 2020, a pesquisa Inclusion in the Recording Studio realizada pela plataforma de streaming Spotify e pela USC Annenberg, da Universidade do Sul da Califórnia, apresentou dados entre 2012 e 2020 relacionados à atuação feminina na indústria musical.

Dentre os números, destacam-se as artistas como compreendidas pela parcela de 21.6% do todo, compositoras como 12,6% e as produtoras como surpreendentes 2,6%. Isso significa que 79,4% dos artistas, 87,4% dos compositores e 97,4% dos produtores são homens. Ainda, ao realizar intersecções que permitem expandir o entendimento dessa problemática, mulheres racializadas encontram ainda mais dificuldade de inserção nesse espaço, independentemente de em qual segmento escolham atuar.

Após avanços significativos sobre a compreensão do papel social da mulher e a série de revoluções que têm marcado seu pensamento em relação à posição no coletivo, é possível ainda enxergar com clareza as disparidades de gênero na indústria musical. 

A história continua

No documentário Miss Americana (2018), Taylor Swift disse: “As artistas femininas que eu conheço se reinventaram vinte vezes mais que os artistas masculinos. Elas precisam ou perdem seus empregos. Constantemente tendo que reinventar. Constantemente encontrando novas facetas de si mesmas que as pessoas achem brilhantes”. As profissionais que se desdobram para conseguirem algum lugar ao sol exemplificam o esforço para não serem descartadas nesse ambiente. 

Nociva, excludente e seletiva, toda a estrutura cultural demonstra sem sutileza sua predileção pela figura masculina para a ocupação de cargos de autoridade. A indústria musical apresenta vigorosamente como, seja sobre o palco, seja nos bastidores, as mulheres não são permitidas ou como devem ser apagadas da narrativa da história. Felizmente, esse contexto tem sido desfeito e, cada vez mais, as mulheres da música recorrem àquelas que as antecederam para compreenderem como reafirmar seu espaço. Dessa forma, a história fará parte do presente e do futuro como referência para recuperar o vigor necessário para continuar a produzir arte acima de tudo.

12 livros para 2022

Um dos eventos mais empolgantes do ano para um amante de livros é organizar a lista de leitura para o ano seguinte. Parar para analisar todos os futuros livros que serão lidos é uma tarefa e tanto, bem como aquela de marcar um check ao fim do ano depois de tantas leituras incríveis. É emocionante.

Com indicações das editorias, separamos uma lista de doze livros que podem – e devem – fazer parte da sua To Be Read List do ano. Se seu gênero favorito é romance, thriller, autobiografia, suspense ou qualquer outro, não precisa se preocupar porque tem o bastante para agradar a todos!

A Metade Perdida, Brit Bennett

Indicação da Editoria de Moda

Escrita pela autora estadunidense Brit Bennet, a narrativa se desenvolve ao redor de duas irmãs gêmeas a viver em uma pequena cidade majoritariamente negra no interior dos Estados Unidos. Traçando um paralelo entre questões raciais e familiares que marcam as irmãs de maneiras distintas, com ênfase nos opostos vivenciados quanto ao preconceito tão intrínseco à sociedade.

Descrito como intenso e envolvente do início ao final, o Best-Seller apresenta uma perspectiva indispensável para a compreensão dos efeitos do preconceito racial. A obra teve seus direitos comprados pela HBO para a produção de uma série acerca da vida das irmãs VIgnes.

Pequena Coreografia do Adeus, Aline Bei

Indicação da Editoria de Música

Imagem: Companhia das Letras

O segundo livro da brasileira Aline Bei insere o leitor em uma dinâmica familiar altamente ostensiva. A jovem Julia Terra, protagonista da narrativa, é submetida a uma série de violências físicas e psicológicas no ambiente doméstico quando ainda era menina. A forma de expressar a dor e o desconforto, seguiu vivendo em busca de encontrar coisas que dessem sentido à vida que sua mente, ainda imatura conforme a idade precoce, não conseguia entender. Ao crescer, Júlia busca espaço para ir atrás de algum conforto com as novas perspectivas que recebe, apesar de carregar marcas latentes e frescas de um passado doloroso.

Vencedora do prêmio São Paulo de Literatura, a obra tem o poder de ser sufocante e libertadora ao mesmo tempo. Um alento aos filhos de lares partidos.

O Estrangeiro, Albert Camus

Indicação da Editoria de Cultura

Imagem: Grupo Editorial Record

Na obra do autor francês, é apresentada a história de um homem simplório que comete um crime sem se dar conta. O protagonista, Meursault, é completamente apático e não esboça interesse algum por coisa alguma. É diante da ação criminosa que inicia uma jornada à tomada de consciência sobre si, o mundo e, primordialmente, sua liberdade.

Descrito como irremediavelmente reflexivo, a leitura sugere a possibilidade de encarar a vida de maneira diferente.

É importante estar atento à saúde mental antes de embarcar nessa leitura, pois a densidade do conteúdo talvez não seja ideal para aqueles que precisam de uma literatura um pouco mais receptiva e suave.

E Não Sobrou Nenhum, Agatha Christie

Indicação da Editora Chefe

Imagem: Globo Livros

A rainha do crime, Agatha Christie, não falha em fazer leitores fiéis. Essa indicação é de um dos títulos mais relevantes da autora consagrada na literatura de suspense.

Dez pessoas são misteriosamente convidadas a uma ilha. Logo, o terror toma conta quando um deles é assassinado. Milhares de perguntas começam a surgir a deixá-los cada vez mais intrigados e… suspeitos. Cativante e detentora de uma reviravolta surpreendente, a obra de Agatha Christie reforça o talento inigualável que a rendeu a alcunha de rainha do crime.

Aprendizados, Gisele Bündchen

Indicação da Editoria de Moda

Imagem: Grupo Editorial Record

Parte da cultura brasileira, Gisele Bündchen pôde compartilhar um pouco de sua vida com o público através de sua autobiografia. Infância, carreira, casamento, maternidade. A maneira singular de encarar as coisas é uma lição importante. Não há meio de sair dessa leitura o mesmo que foi antes. Leitura leve, simples e transformadora

Frankenstein, Mary Shelley

Indicação da Editoria de Moda

Imagem: Penguin Companhia/Companhia das Letras

Um clássico da literatura mundial, o romance gótico conta a história do Dr. Viktor Frankenstein e o seu monstro, criatura peculiar desenvolvida pelo cientista: Frankenstein. Ao tecer uma narrativa atemporal, a grandiosa Mary Shelley apresenta uma metáfora sobre os sentimentos humanos, principalmente a solidão.

A Vida Não É Útil, Ailton Krenak

Indicação da Editoria de Cultura

Imagem: Companhia das Letras

Ailton Krenak, ambientalista e escritor indígena ganhou notoriedade em suas observações indispensáveis para tempos como o atual. Em A Vida Não É Útil, elabora uma reflexão acerca da relação do ser humano e natureza, bem como aprofunda questões do coletivo: funcionamento do sistema capitalista e sentimentos sobre a pandemia. 

Descrito como transformador e inteligente, Krenak é responsável por apresentar um debate elementar de maneira sucinta e esclarecedora.

Duna, Frank Herbert

Indicação da Editoria de Cultura

Imagem: Editora Aleph

Para quem gosta de uma saga de ficção científica envolvente e construída com riqueza, Duna é perfeito! O clássico de Frank Herbert contém seis livros ao todo e narra a trajetória de Paul Atreides. O protagonista possui uma missão em Arrakis,  planeta das dunas onde a água é escassa e o povo anseia por um novo messias.

Recentemente, a obra foi adaptada para o cinema estrelando ninguém menos que Timothée Chalamet e indicada a dez categorias no Oscar 2022. Um sucesso de bilheteria e de venda de exemplares, independente do formato na qual esteja sendo contada, a criação de Herbert é um sucesso

O Alquimista, de Paulo Coelho

Indicação da Editoria de Música

Imagem: Paralela/Companhia das Letras

Paulo Coelho é um dos componentes da Academia Brasileira de Letras e autor de um fenômeno literário mundial com O Alquimista. Na história, há o protagonismo de Santiago, um pastor que abandona suas obrigações para viajar para o Egito em busca de tesouros. No caminho, se depara com várias pessoas que trazem consigo diversas mensagens importantes. Uma cigana, um homem que se diz rei e um alquimista são responsáveis por alterar a narrativa principal de Santiago e oferecer novas perspectivas.

Foi descrito como detentor de uma bela filosofia ao abordar as sincronicidades e o destino com delicadeza.

Verity, Colleen Hoover

Indicação da Editoria de Música

Imagem: Grupo Editorial Record

Colleen Hoover é uma das autoras de maior sucesso editorial atualmente. Em busca de destoar de seu gênero de conforto, embarcou na criação de um thriller de arrepiar sobre uma escritora de sucesso, Verity, que sofre um acidente e fica incapacitada de escrever. Sua equipe acaba por contratar uma jornalista e escritora, Lowen, para terminar sua série de livros cujo êxito tem alcance astronômico.

Em uma temporada na casa da família de Verity para investigar as anotações da autora para a continuação do projeto, Lowen encontra um manuscrito de uma autobiografia contraditória e reveladora, que a coloca em uma situação de indecisão e… medo.

Escrever livros que prendem o leitor do início ao final é o super-poder de Hoover, e com Verity não poderia ser diferente.

Visão noturna, Tobias Carvalho

Indicação da Editoria de Moda

Imagem: Editora Todavia

Tobias Carvalho, uma das principais novas vozes da literatura brasileira, explora os limites e as composições subjetivas acerca dos sonhos em 4 contos que circulam pelos mais diferentes gêneros e prendem o leitor do início ao fim. Envolvente, ritmada e de escrita extraordinária. Sua maneira de resgatar temáticas insistentes como o sono ao lhes dar uma nova vestimenta muito mais interessante é o que caracteriza sua genialidade como autor.

Quarto de Despejo, Maria Carolina de Jesus

Indicação da Editoria de Música

Imagem: Editora Ática

Clássico e atemporal é o que melhor pode apresentar a obra de Maria Carolina de Jesus ao mundo. Quarto de Despejo é o diário de uma catadora de papel, cujos relatos aprofundam sua realidade enquanto moradora da comunidade do Canindé, na cidade de São Paulo, com os filhos. Comovente, realista e indispensável. As palavras de Maria Carolina penetram todas as novas visões que surgirão após a leitura dessa obra quanto ao mundo e tudo aquilo que não é visto, mas existe fora da bolha da cada um.

Com essas indicações extraordinárias, o ano de 2022 irá ser preenchido por perspectivas alteradas, arrepios dos pés à cabeça, muitas noites em claro lendo e, é claro, exemplares novinhos na estante para fazer parte da sua história como leitor e como pessoa.