‘Aos prantos no mercado’: luto, memória, cultura e comida

O luto é uma experiência universal, mas pode ser encarado das mais diversas maneiras. Isso não varia apenas pela proximidade que se tem da pessoa que partiu, mas também por milhares de fatores que influenciam em qual será a maneira de lidar para cada um. Para Michelle Zauner, vocalista da banda Japanese Breakfast, foi por meio da comida, das memórias, da escrita e da conexão com a cultura que herdou da mãe, que encontrou a própria forma de encarar a perda. Em Aos prantos no mercado (Fósforo, 2022), narra com sensibilidade e crueza desde as mais distantes lembranças da infância na cidade de Eugene com os pais, até os dias atuais, já a mais de cinco anos desde que precisou dar adeus à mãe.

Originalmente publicado como um ensaio homônimo na revista The New Yorker, nele Michelle Zauner traz um vislumbre da ponderação do luto que viveu — e ainda vive — após a perda da mãe para o câncer terminal. Em paralelo, narra as próprias experiências, de modo a dar voz a filhos de imigrantes e àqueles que não encontram asilo em nenhuma das nacionalidades às quais pertencem — enquanto reflete sobre a própria condição de artista e mulher coreano-americana. O sucesso do ensaio foi tão avassalador, que Michelle mergulhou na própria trajetória de vida para escrever o livro, traçando o que antecede seu nascimento, com o casamento dos pais, até o momento em que se dedicou à tentativa de aprender a viver neste novo mundo no qual a mãe já não faz parte em matéria, somente em memória.

A obra receberá uma adaptação cinematográfica dirigida por Will Sharpe.

Zauner viu a mãe, Chongmi, perder a irmã e a mãe, ambas abatidas pelo câncer, e a si mesma perder a tia e a avó. Anos depois, precisou reviver o trauma quando a própria mãe foi vítima da doença. Diz que escrever a memória em honra à mãe faz parte de sua maneira de lidar com o luto, mas que nada jamais seria capaz de amenizá-lo.

“Às vezes, meu luto é igual a ter sido deixada sozinha em uma sala sem porta nenhuma. Toda vez que eu me lembro que a minha mãe morreu, parece que estou batendo contra uma parede que se recusa a ceder. Não há escapatória, só uma superfície dura contra a qual me choco vez após outra, um lembrete da realidade imutável de que eu nunca mais vou voltar a vê-la.” (p. 13)

Chongmi nasceu na Coreia do Sul, mas se mudou para os Estados Unidos após se casar com Joel Zauner, um vendedor de carros que viajava pela Ásia na época. Ainda em Seul, tiveram uma menina e a chamaram de Michelle. A filha cresceu em uma casa na cidade de Eugene, no Oregon, onde decidiram se firmar quando ela tinha apenas nove meses. A garota estudou em escolas regulares ao longo da vida, mas nunca conseguiu se sentir parte integrante daquela comunidade, porque apesar de ter sido criada nos Estados Unidos, nunca foi abraçada pelas pessoas como parte norte-americana por ser “coreana demais”; por outro lado, quando Michelle viajava a Seul para ver a família, as vezes sentia ser vista como “americana demais” para ser coreana. Viveu, então, em um limbo por muito tempo, sem ter firmeza quanto à própria identidade e a qual cultura recorrer como espaço de conforto. Por isso, levou a vida de modo a se distanciar da cultura coreana e deslocada da norte-americana. Não falava coreano tão bem, mas foi alimentada pela culinária asiática, entre tteokbokki, acompanhamentos banchan, kimchi, jjamppong, tteokguk, que a nutriram até a fase adulta.

Michelle não tinha uma relação perfeita com a mãe e deixa isso claro. Muitas vezes, o luto pode apagar as memórias desagradáveis e deixar que apenas as boas tomem destaque, canonizando aquele que se foi. Mas na narrativa, Zauner não esconde a verdadeira natureza da relação que tinha com Chongmi, pautada em uma troca consideravelmente equilibrada de amor incondicional e desavenças irremediáveis. Com uma obsessão pela beleza herdada pela própria relação com a mãe, perpassada entre as gerações, Chongmi inconscientemente replicava o que recebeu da criação enquanto filha. Michelle não atendia às expectativas que a mãe tinha dela, mas, ainda assim, tentava. Formou-se na faculdade, porém depois passou por uma série empregos que a desagradavam e morou em lugares nada confortáveis. O que Michelle realmente queria era ter uma banda e fazer música, na qual sempre encontrou refúgio desde a adolescência. Não via muitas mulheres como ela nos holofotes, e se inspirava em nomes como Karen O e Mitski — para quem abriu um show anos mais tarde. A infeliz percepção a qual foi forçada era a de que “se já tem uma garota asiática fazendo isso, então não há mais espaço para mim”, massacrada pela realidade de uma indústria que não inclui pessoas não-brancas.

Quando descobriu a doença da mãe, mal sabia como lidar com a informação. A esperança a acompanhou desde o momento em que partiu de volta à Eugene, até a manhã em que soube da morte. Nem por um momento, Michelle e Joel pouparam esforços para fazer com que Chongmi vivesse — ou, ao menos, que tivesse um fim digno e feliz. Viajaram para Seul para que ela visitasse os familiares e sentisse a brisa familiar do primeiro solo que pisou na vida; planejaram uma ida à Ilha de Jeju — que terminou impossibilitada pelo estado dela; e, ainda, Michelle fez questão de dar à mãe a oportunidade de vê-la se casar. No jardim da casa de infância, Michelle subiu ao altar para se unir a Peter Bradley em 2014, sob a benção da mãe. Chongmi faleceu duas semanas depois.

Em vida, ela criou laços, repassou seu legado, deixou devotos e uma extensão de si: a filha. Deixou arte, que Michelle eternizou na própria arte ao estampá-la no álbum American Sound and Where is My Great Big Feeling?, e lembranças que o tempo não é capaz de apagar. Uma delas é de quando Michelle disse: “Não é legal ver que agora a gente realmente goste de conversar uma com a outra?”, e a mãe respondeu: “É, sim. Sabe o que eu percebi? Que eu simplesmente nunca conheci ninguém igual a você”. Ou das vezes que cozinharam comidas típicas da Coreia juntas e construíram o elo que deu vida a uma formas mais significativas de enfrentamento do luto para Michelle.

Na memória, Zauner traz outro tópico delicado: o que acontece quando o membro que unifica a família se vai? A família se vai junto? A relação dela com o pai também não era a mais pacífica, mas seus atritos eram silenciosos, e não ruidosos como os dela com a mãe. Chongmi era a ponte entre Joel e Michelle; aquilo que os mantinha unidos. Quando morresse, o que aconteceria com eles? Ela pensava incansavelmente sobre “a possibilidade que de ela [a mãe] não fosse superar aquilo, de que seria possível existir um nós sem ela”.

Nos Estados Unidos, há um mercado chamado H Mart — o mesmo citado no título original da obra, Crying In H Mart [Chorando no H Mart, em tradução livre] —, que vende ingredientes para a preparação de comidas de berço asiático. Todas as vezes que Michelle ia até lá desde a morte da mãe, chorava. Além de escrever essa memória delicada e real, cozinhar se tornou o ponto de encontro dela com a mãe e consigo mesma. Diz que Chongmi não a ensinou a cozinhar, mas que a nutriu com a culinária que, anos depois, seria seu refúgio.

“Ninguém fala sobre isso. Não há nem uma troca de olhares de cumplicidade. Todo mundo fica lá sentado em silêncio, saboreando o almoço. Mas eu sei que estamos todos aqui pelo mesmo motivo. Estamos todos em busca de um pedacinho do nosso lar, de um pedacinho de nós mesmos. Procuramos um gostinho disso nos pedidos de comida que fazemos e nos ingredientes que compramos. Então nos separamos; Levamos as compras para o alojamento da faculdade ou para uma cozinha suburbana e recriamos o prato que não poderia ser preparado sem essa viagem. (…) O H Mart é onde nossa gente se reúne sob um teto cheio de aromas, com a fé de que vai encontrar algo que não pode ser achado em nenhum outro lugar.” (p. 17)

As páginas finais da obra são preenchidas com descrições ricas da preparação de pratos como tonkatsu, kalguksu e vários tipos de kimchi; cria retratos tão palpáveis que você quase consegue sentir o aroma e aquele quentinho pós-refeição na barriga. São preenchidas, também, pelas conquistas que Michelle teve, como vencer o concurso de ensaios da revista Glamour pelo texto Real Life: Love, Loss and Kimchi, ser indicada duas vezes ao Grammy com sua banda pela excelência na música alternativa, e ter Aos prantos no mercado como um best-seller do New York Times. Michelle também foi convidada a voltar à universidade em que se formou, a Bryan Mwar, para uma leitura de sua obra.

Aos prantos no mercado é agridoce, honesto e, apesar de toda a angústia, reconfortante. A voz compassiva e intensa de Michelle Zauner, que já era clara em sua música enquanto compositora, toma nova forma na estreia dela na literatura. Esta é uma ode à comida afetiva, à superação gradual do luto, e à memória como instrumento de preservação de uma vida que não se perde com a morte, seja ela fortalecida pela arte ou pela crença de que vivemos até que o último dos nossos se vá.

Watchmen: O quadrinho que entrou no mundo real

Como o mundo seria com o aparecimento de justiceiros fantasiados e um ser que transcende os limites do possível? 

Essa é a premissa do quadrinho Watchmen, uma série limitada da DC Comics, que começou a ser publicada em 1986, escrita por Alan Moore (autor de V de Vingança e A Liga Extraordinária) e ilustrada por Dave Gibbons, que também ilustrou Juíz Dredd, Lanterna Verde, Superman e The Secret Service de Mark Millar – adaptado para o cinema como Kingsman: Serviço secreto.

Watchmen se passa nos Estados Unidos no período da Guerra Fria, mas com algumas diferenças do mundo real, alterando a realidade, os Estados Unidos vencem a Guerra do Vietnã, as baterias substituíram o petróleo e o mundo aparenta estar mais próximo de uma possível aniquilação mútua, tudo isso por conta de Dr. Manhattan, um ser humano que foi exposto a um experimento de remoção de campo intrínseco, que o tornou um ser além da compreensão, tendo entendimento de diversos eventos físicos e poderes sobre-humanos. Por conta de sua existência, os Estados Unidos viraram a balança da guerra fria a seu favor, mas isso é só o plano de fundo de Watchmen.

A história do quadrinho  começa mesmo com a morte de Edward Blake, o Comediante, um justiceiro fantasiado que participou dos dois grupos de heróis que existiram na história, os Homens-Minutos que atuaram na década de 40  e os Vigilantes que atuaram até 1977, quando o governo americano proibiu ações de vigilantismo após uma greve geral da polícia que levou a uma revolta civil. Com a morte de Blake, o único vigilante que continua na ativa, Rorschach, investiga o caso e entra em contato com os antigos companheiros por pensar que a morte de Comediante faz parte de uma grande conspiração para eliminar os antigos vigilantes.

Da esquerda para a direita: Ozymandias, Espectral, Dr. Manhattan, Coruja e Rorschach Foto: Reprodução

Os personagens de Watchmen, são muito inspirados nos personagens da Charlton comics, editora que na época tinha sido comprada pela DC Comics e no começo do projeto eram os personagens com quem os autores queriam trabalhar. O Dr. Manhattan por exemplo é inspirado no Capitão Átomo e o Comediante no personagem Pacificador, que aparece no filme Esquadrão Suicida e tem sua própria série, ambos dirigidos por James Gunn.

Por terem que criar personagens do zero, a história de cada um deles é densa e muito bem explorada, suas motivações, ideais e visões movimentam e geram vida para o mundo, mas ao mesmo tempo a realidade do mundo valida a formação deles. O quadrinho também explora a visão de mundo de pessoas que estão fora da realidade dos vigilantes, como por exemplo os dois Bernards, um sendo um jornaleiro e o outro um menino que vai a banca e passa o dia lendo um quadrinho sobre um náufrago, a partir da ótica do jornaleiro e de Bernie é possível ver como é a realidade daquela Nova Iorque e ter uma visão geral da situação mundial, já que Bernard sempre está falando sobre o que está acontecendo no mundo.

Apesar da leitura complexa, Watchmen é uma obra-prima dos quadrinhos, pois consegue criar algo único, um mundo que mostra as consequências internacionais, psíquicas e sociais de seres que ultrapassam a humanidade, além de revirar a ideia e o conceito de o que são os heróis e ter levado os quadrinhos para uma direção mais adulta junto com outros quadrinhos como Batman: O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller e Maus de Art Spiegelman.  Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons com certeza é uma leitura obrigatória para qualquer pessoa que se interesse pela nona arte.  

“AURORA: O despertar da mulher exausta” é uma leitura para se identificar e refletir

Na última quarta-feira, 8 de março, celebramos a luta feminina através do Dia Internacional das Mulheres e por isso, nada mais justo do que trazer uma indicação de um livro escrito por uma mulher e para mulheres. O título AURORA: o despertar da mulher exausta tem autoria de Marcela Ceribelli, eleita pela Bloomberg Línea uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina.

Marcela Ceribelli em evento de divulgação de seu livro (Reprodução|Instagram)

Dona do podcast “Bom Dia, Obvious” que, recentemente, alcançou a marca de 10 milhões de iniciações em uma plataforma de streaming, a autora mostra que uma de suas premissas é: “O que você vai fazer pela sua felicidade hoje?

Com episódios que vão ao ar toda segunda-feira pela manhã, Marcela procura abordar temas pertinentes à mulher moderna como: saúde mental, autocuidado, carreira, relacionamentos e autoestima. Ao mesclar seu humor ácido com os comentários de convidadas especialistas em diversas áreas, Ceribelli objetiva “acordar” as ouvintes para o caminho do empoderamento. O livro nasce como ramificação desse projeto.

O título da obra faz referência à deusa Aurora que, segundo a cultura grego-romana, é responsável por abrir caminho para o sol, mostrando os primeiros raios de luz na escuridão. Essa história traduz exatamente o propósito do livro, que é, em outras palavras, o de revelar a possibilidade de mudança e renovação mas, principalmente, o avivamento feminino.

Seguindo a pegada do podcast, Marcela compartilha, ao longo dos capítulos, situações experienciadas por ela durante toda sua vida, tornando praticamente impossível que o leitor não veja o escrito como forma de “espelho” de sua própria vivência. Mas, como o objetivo é também elucidar, ela escolhe incluir as análises das especialistas convidadas no podcast, igualmente no livro.

A experiência da leitura do AURORA é completamente ajustável à rotina e à vontade de quem vai consumi-lo. Os capítulos não necessariamente precisam ser lidos na ordem na qual estão dispostos e, em sua maioria, são curtos.

A sensação é de estar em uma “terapia em conjunto” pois, mais do que um livro de “autoajuda”, pode ser considerado de “co-ajuda”. Isso porque no decorrer do texto, Ceribelli conta que por muito tempo teve medo de escrever. Ela acredita que tomar a decisão de finalmente produzir e publicar o livro, foi uma forma de enfrentar o “fantasma da impostora” (que é fruto da subestimação, desvalorização, submissão e desacreditação feminina, impostas pelo machismo). Ou seja, ao mesmo tempo que ela procura libertar a mulher das amarras sociais, ela mesma se liberta disso. Quase que em uma “metaliberdade”, que culmina no despertar da mulher exausta.

E, se a premissa é “O que você vai fazer pela sua felicidade hoje?”, por que não começar a ler o AURORA: o despertar da mulher exausta agora?

Fórmula 1 começa quente com vitória de Max Verstappen: veja o que aconteceu na pré-temporada

A espera acabou, depois de quatro meses a fórmula 1 voltou neste domingo. Com o fim da pré temporada de 2023 é bom revisar o que aconteceu na sessão de treino na pista internacional do Bahrein, em Sakhir e no lançamento dos carros para 2023.

Lançamento dos Carro 2023 

Entre o dia 31 de janeiro e 16 de fevereiro, as 10 equipes revelaram seus carros para esse ano, as duas maiores diferenças entre os modelos do ano passado e os atuais está no preto como cor secundária do carro, isso porque a FIA, federação internacional de automobilismo, queria diminuir o peso máximo dos carros de  798 kg para 785 kg, porém por conta de pressões das equipes esse peso não foi alterado, contudo, diversos carros não tiveram suas partes de fibra de carbono pintadas para reduzir o peso, a outra mudança o aumento de 15 mm no assoalho do carro para evitar “bounces” que ocorreram em carros como o da Mercedes no ano passado.

foto: divulgação

A primeira a lançar seu carro foi a Haas, que apostou no preto e branco como cores principais, além de tirar as cores da Rússia do bico de seu monoposto VF-23.

foto: divulgação

O segundo lançamento foi da Red Bull que anunciou o carro deste ano praticamente igual ao modelo anterior.

foto: divulgação

A Williams seguiu o mesmo estilo do ano passado em seu FW-45, utilizando triângulos e tons de azul.   

foto: divulgação

A Alfa Romeo trocou o branco pelo preto como uma das cores principais no seu carro deste ano, o C43.  

foto: divulgação

A AlphaTauri inverteu a sequência de cores de seu carro mas manteve a ideia geral do ano passado.

foto: divulgação

Com a MCL 60, carro que comemora os 60 anos do time, a Mclaren mantém a mesma proposta de pintura do ano passado, mas com um redução de peso.

foto: divulgação

No carro deste ano, o AMR23, a Aston Martin manteve o padrão e formato da pintura do ano passado, mas aumentou as regiões de fibra de carbono exposta, o que diminui o peso do carro.  

A Ferrari manteve a clássica cor vermelha do seu carro, mas tirou a tinta de algumas regiões do carro, deixando a fibra de carbono exposta em boa parte do chassi. 

foto: divulgação

Depois de voltar a cor prata, um clássico da Mercedes, o time decidiu voltar ao preto usado na penúltima e antepenúltima temporada, porém diferente dessas vezes, onde a cor era parte de uma campanha anti-racismo, a Mercedes foca em diminuir o peso, reduzindo em muito as áreas pintadas de seu carro, o W14. 

foto: divulgação

Por fim, a Alpine anunciou que irá correr com duas cores, um todo rosa e um que tem o azul e preto como cores principais.

Treino de pré-temporada em Bahrein

Por fim para encerrar o período de pré-temporada de 2023, o treino do circuito de Bahrein, ocorreu do dia 23 ao dia 25 de fevereiro e contou com a primeira real aparição dos carros desse ano, além de dar uma ideia de como será o começo da temporada mais longa da história da fórmula 1, contando com 23 corridas.

O brasileiro Felipe Drugovich, vencedor da Fórmula 2 e piloto suplente da Aston Martin, correu no lugar de Lance Stroll, já que o corredor canadense quebrou ambos pulsos em um acidente de bicicleta, além disso a Aston Martin teve um desempenho surpreendente com Fernando Alonso, que conseguiu ter o segundo melhor tempo do treino, ficando atrás apenas do bicampeão, Max Verstappen, mostrando que a equipe pode correr com qualidade contra os carros do topo da tabela.

Das grandes Scuderias, a Ferrari ainda mantém a segunda posição, caçando a Red Bull com Leclerc e Carlos Sainz, que ficaram em terceiro e quarto lugar no treino, a Mercedes teve um treino singelo, tendo Hamilton terminando em sexto e George Russell terminando em nono. 

Grande Prêmio de Bahrein

Na corrida deste domingo (5), a Red Bull conseguiu se impor e garantiu os dois primeiros lugares no pódio, com Verstappen em primeiro e Perez em segundo, logo atrás ficou Fernando Alonso, piloto da Aston Martin que provou as expectativas do carro deste ano, em quarto e quinto lugar ficaram Carlos Sainz da Ferrari e Lewis Hamilton da Mercedes. 

[RESENHA] ‘Um lugar bem longe daqui’ é uma ode à solidão e à sobrevivência

Com mais de 15 milhões de cópias vendidas mundialmente, Um lugar bem longe daqui (2018) é o romance de estreia de Delia Owens. Recentemente adaptado para o cinema e protagonizado por Daisy Edgar-Jones, foi produzido por Reese Witherspoon — que o deu destaque em seu clube de leitura, Reese’s Book Club. Além disso, recebeu trilha sonora escrita e interpretada por ninguém menos que Taylor Swift, a canção original Carolina.

Capa brasileira [Imagem: Intrínseca]

Lançado originalmente em 2018, chegou ao Brasil pela editora Intrínseca logo em 2019. É uma coming-of-age — romance de formação que atravessa o processo de amadurecimento do personagem central da trama — que se mistura com um suspense. O real mistério se intensifica a partir de uma narração de capítulos intercalados entre passado e presente. No passado, acompanha a pequena Kya Clark que, com apenas seis anos, começa a ser abandonada aos poucos pela família. Inicialmente pela mãe, depois pelos dois irmãos e, por fim, pelo pai, que some quando a menina já tem sete anos. Alcoólatra e abusivo, ele foi o responsável pela fuga de todos, deixando Kya sozinha no mundo. É diante dessa solidão que precisa aprender a enfrentar a natureza e interagir com a sociedade enquanto sobrevive, a ficar pela própria sorte.

No presente, quando já na casa dos vinte anos, um crime acontece e desola a cidade: o corpo de Chase Andrews é encontrado sem vida nos arredores torre de incêndio, perto do pântano. Ele era aquele tipo de garoto que todos amavam; um astro popular e exaltado por onde passava desde criança. As investigações da polícia sempre levam até Kya, mas será que ela realmente matou Chase ou tudo o que aponta para ela foi formulado com base em preconceitos criados pelas pessoas da cidade conforme a garota crescia?

A alternância temporal é uma forma de se aprofundar nisso e criar expectativa pela incerteza quanto à verdade. Ao começar pela infância de Kya, por morar em um cabana no pântano, na parte mais remota e considerada inabitável da cidade, sofre um afastamento social intenso. O contexto é o início dos anos 1950, com um cenário limitado de pessoas com hábitos limitados. Por isso, chamavam Kya de “menina do brejo” e a renegavam. Ela foi apenas acolhida por Mabel e Pulinho, um casal que tinha uma loja no canal, e que comprava os peixes que a garotinha pescava para vender e conseguir dinheiro para alimentação e sobrevivência ao longo dos anos.

Em meio a isso, conhece Tate, antigo amigo de um de seus irmãos. Ambos experimentam o amor juntos, ainda enquanto Kya administra seu medo das pessoas pelos traumas passados. O que os une é a paixão que cultivaram pela natureza, que se amplia a um amor que têm um pelo outro. Em uma narrativa rica e detalhada, as descrições sobre o ambiente e os animais dão um toque único às paisagens, que se fixam na mente com clareza. Rios límpidos, céus coloridos, mares cristalinos, animais em sua mais pura diversidade e belas árvores locais… todas essas pequenas coisas se tornam a família da garota, acolhendo-a com o carinho que ela nunca havia recebido antes. De certa forma, Tate também se identifica com essa relação, o que fortalece a conexão entre eles.

Com o preconceito enraizado durante anos por grande parte dos moradores daquela pequena cidade localizada na Carolina do Norte, Kya ficou isolada em seu canto, escondida entre a coleção de penas e os desenhos deslumbrantes que faz da beleza ao redor. Anos mais tarde, já no fim dos anos 1960, ela ainda é algo espectral, como um fantasma que assombra as “pessoas boas” da cidade com a “selvageria” de quem não cresceu adequadamente em sociedade — apesar de ter tentado. Foi à escola algumas vezes, tentou fazer amigos, buscou um pouco de exílio do vazio que era viver escondida na natureza após ser abandonada pela família e rejeitada por todo o restante — com ilustre exceção de Mabel e Pulinho.

Conforme a investigação sobre a morte de Chase é intensificada no presente, o passado de Kya enquanto cresce é revelado gradativamente. O paralelo deixa a resolução do homicídio incerta e é aí que está a parte instigante da leitura: é curioso não ter certeza sobre nada e desfrutar do amadurecimento da garota Clark enquanto luta pela própria sobrevivência e contraria todas as fatalidades.

Com uma escrita minuciosa, paisagens vibrantes, uma construção narrativa de personagens muito bem criada e um suspense que se estende até os últimos segundos sem deixar de prender a atenção, Um lugar bem longe daqui é um abraço quente aos apartados. É um consolo àqueles que atravessaram a vida apesar dos pesares e um mergulho no transcorrer dos dias e no conhecimento das novas versões de Kya enquanto se desenvolve, amadurece, entende mais sobre si e sobre o mundo. Enfrenta tantas coisas e desafia tantas probabilidades que, ao mesmo tempo que é uma jornada triste e solitária, a possibilidade de um final agradável oferece uma gota de esperança indispensável depois de tantas batalhas.

Para aqueles que gostam de leituras melancólicas com um tom de mistério, mas sem um quê policial ou psicológico acentuado, e que também buscam por uma escrita detalhista e poética sem grandes enfeites, esse drama é uma boa escolha. Com uma protagonista solitária, Kya abraça o vazio ao qual se acostumou como sua principal forma de sobrevivência, ressaltando que, por grande parte da vida só tem a si, mesma e aos segredos perdidos na natureza da própria existência. A resolução do crime é apenas um gancho narrativo que impulsiona a curiosidade, mas é acompanhar como espectador a vida dessa jovem em sua jornada de formação que torna essa uma leitura tão singular.

Apesar de ser uma leitura impressionante que se mostrou capaz de atingir milhões de pessoas, é importante destacar que, com a popularização da obra através do filme, diversas denúncias foram direcionadas à autora, Delia Owens, que ressaltam seu envolvimento em uma acusação de homicídio durante a época na qual viveu na Zâmbia, em 1996. Veículos como o jornal The New York Times e The Atlantic, além da revista Time redigiram reportagens recentes sobre o assunto . Para a leitura em português, há um texto na íntegra anexado, pelo site Terra. O caso não foi muito noticiado pela mídia brasileira. Antes de ler o livro, é indispensável estar ciente das polêmicas nas quais a autora está envolvida para que, caso prossiga com a leitura, essa seja crítica e consciente.

Female rage: conheça a fúria feminina na literatura

Ao parar para pensar em todo o contexto de misoginia que atravessa a construção das sociedades desde muito tempo, não dá para negar: não estarmos tão longe assim deste passado desperta uma sensação de fúria bastante plausível. Mas esse ódio intrínseco foi renegado e banalizado sob adjetivos pejorativos. Histéricas, loucas, mentirosas, excessivas, desagradáveis, descontroladas. A lista não tem fim, afinal, todo o descontentamento que vai contrário à norma, é desmotivado. Com mulheres, especialmente, ele é menosprezado.

O crescimento do consumo de arte que retrata a fúria feminina tomou enormes proporções. Hoje, mais do que nunca. No cinema, recentes lançamentos são Bela Vingança (2020) e Garota Exemplar (2014). Ainda assim, Kill Bill (2003), Carrie (1973) e Garota Infernal (2009) nunca foram tão aclamados, tornando-se potências. Carrie e Garota Exemplar são adaptações da literatura que fizeram enorme sucesso e colaboraram para uma maior abertura da pauta. No teatro, há Eurípedes com Medéia — além de Chico Buarque e Paulo Pontes com Gota D’água, adaptando a tragédia grega a um formato abrasileirado. Ambas narram peças que jogam enormes holofotes sobre o ódio de mulheres trocadas e abandonadas, cada uma por sua versão de Jasão. O roteiro brasileiro contou, a exemplo, com a incomparável interpretação de Bibi Ferreira, que traduziu toda a urgência do furor de Joana especialmente por meio do famoso monólogo.

Pensando nisso, para as novas gerações de mulheres raivosas que acreditam na importância de falar sobre aquilo que incomoda e gera ódio, separamos quatro livros de autoras contemporâneas que não poderiam representar melhor a essência do que é female rage. Narrativas que reiteram que o desgosto, a irritação, a decepção, a vingança, a brutalidade e a fúria podem muito bem resumir a sensação de uma vida inteira de violências suportadas em silêncio.

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Animal, de Lisa Taddeo (2021)

Lisa Taddeo ficou conhecida pela obra Três Mulheres, que a tornou best-seller do New York Times. Em Animal, narra a trajetória de Joan, mulher que enfrentou diversos tipos de abusos de homens durante a vida. As coisas se reviram quando vê um deles cometer um crime brutal bem à sua frente. Em busca de abrigo, encontra Alice, pessoa que melhor poderia ajudá-la a processar a torrente de traumas.

Mordaz, violento e agridoce, Taddeo convida o leitor a mergulhar nos traumas de Joan majoritariamente causados e potencializados por homens hostis e degenerados. Deixando de ser a vítima, imobilizada e desamparada, essa é a história de como se torna a aniquiladora, a permitir que o ódio seja sentido e manifestado.

Meu nome era Eileen, de Ottessa Moshfegh

Você provavelmente conhece Ottessa Moshfegh por meio de Meu ano de descanso e relaxamento, seu best-seller mais amado, mas ela se supera com Meu nome era Eileen. Começa, aqui, a partir dos anos 1960, em uma cidadezinha da Nova Inglaterra onde a protagonista nasceu e cresceu. Essa é uma imersão no passado, na qual as memórias da Eileen de cinquenta anos atravessam a juventude e a vida adulta em meio a uma narrativa incômoda, sufocante, perturbadora e… extraordinária.

Publicada pela editora Todavia, Moshfegh é uma das mais amadas autoras contemporâneas, cujas personagens femininas são tão grandiosas e cruas, que provocam o efeito inevitável de identificação.

Dias de abandono, de Elena Ferrante

Elena Ferrante é uma das autoras que melhor traduz o ódio intrínseco de uma mulher. Em Dias de abandono, desenrolou uma narrativa intensa, absurda e genial. Originalmente publicada em 2002, segue a infelicidade de Olga ao se deparar com a realidade de um casamento desintegrado. Sem aviso prévio, é deixada pelo marido a quem dedicou mais de uma década da própria vida para cuidar dele e dos filhos que tiveram, sendo substituída por uma mulher mais jovem e bastante familiar.

Os conflitos internos que encara quando perde o rumo são incoerentes como a inconsistência dos próprios sentimentos. Ferrante dá voz à dor, à aflição e ao caos enfrentado por Olga, completamente perdida, sem nem mesmo a capacidade de cuidar de si, dos filhos ou de Otto, o cão da família.

Minha irmã, a serial killer, de Oyinkan Braithwaite

A estreia de Oyinkan Braithwaite na literatura traz uma mistura de terror e humor em medidas que equilibram uma leitura irrefreável. Korede e Ayoola são o exemplo perfeito de irmãs completamente opostas quanto à personalidade. Enquanto Korede é amarga e cética, Ayoola é vivaz e bela. Mas o encanto de Ayoola esconde muitos segredos sombrios. Estranhamente, seus três últimos namorados foram assassinados.

Em Minha irmã, a serial killer, o trama psicológico introduz uma crítica à sociedade nigeriana enquanto tece uma narrativa de humor ácido e complexo, inserindo o leitor na mente de um verdadeiro sociopata.

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Agora que está com a lista de leitura atualizada, que tal experimentar o female rage em outro tipo de arte? Preparamos uma playlist para ouvir enquanto lê essas obras de arte – ou então para gritar em seu quarto e ter um momento de extravasar a fúria.

O Homem, o Bruxo, o Defunto

Texto por Felipe P. Marcondes

Por que ler Machado de Assis?

Inquieto leitor, pediram-me que tratasse contigo do porquê deverias ler a obra de Joaquim Maria Machado de Assis. Ao final dessas mal traçadas linhas, verás (ao menos é este o meu intento) que a pergunta é bem outra: Como não ler Machado de Assis!? Este espaço, apesar de muito estreito para tamanha matéria, e essas garatujas, embora fugazes demais para dar conta dela satisfatoriamente, podem proporcionar-te não menos que um vislumbre desse autor-abismo e da importância de seus escritos, pois, como diria um efêmero poeta nosso, uma folha bem escrita, ainda que pequena, tem muito valor [1].

I – O Homem

            A vinte um de junho de mil oitocentos e trinta e nove, nascia, no pobre morro do Livramento, em casa de agregados anexa à chácara do cônego Felipe, o franzino, doentio, tímido e gago Joaquim. Era filho de Francisco José de Assis, pintor e dourador, e de Maria Leopoldina Machado de Assis, lavadeira na casa do senhorio. Aquele, na realidade, à inclinação literária do filho não via com bons olhos, supondo que o ofício de homem das letras conservá-lo-ia na miséria. Sua infância, parte mais nebulosa de sua recatada existência, transcorreu no arruar traquinas com os companheiros de mesma idade. Foi quando começou a ter os primeiros sinais do mal que acompanhá-lo-ia e atormentaria por toda a vida, a epilepsia.

            Ainda bem pequeno, morreu-lhe a mãe. Viúvo, Francisco de Assis casou-se com uma mulata, Maria Inês. Esta, com as poucas letras que possuía, assistia aos estudos do enteado, ensinando-lhe todas as noites, às escondidas de Francisco, aquilo que sabia. Parece ter sido ela quem arranjou que o forneiro imigrante da Madame Gallot (dona de padaria na rua S. Luiz Gonzaga) ensinasse o francês a Joaquim – posteriormente, aprenderia ainda o inglês e o alemão. Frequentou a escola primária, mas após esses parcos primeiros estudos, será autodidata, recorrendo a centros literários e relações ilustradas para lograr conhecimento e livros – tome-se, como exemplo, o Gabinete Português de Leitura e a loja de livros do mulato Francisco de Paula Brito que frequentava assiduamente. Sem empregos fixos, e necessitando conquistar o pão diário após a morte do pai, foi vendedor de balas e sacristão na igreja da Lampadosa (o que é convenção, pois não encontrou-se seu nome nos registros da igreja) até que, aos dezessete anos, tornou-se aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional. Lá permaneceu dois anos (1856-1858), sempre lendo pelos cantos, com os bolsos recheados de livros – conduta que, aliás, garantiu-lhe a simpatia e proteção do então diretor da Imprensa, Manoel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um sargento de milícias.

            Trabalhador dedicado, foi também caixeiro e revisor de provas da Livraria de Paula Brito (responsável pela publicação de alguns dos primeiros versos de Machado, lançados em sua revista bimensal, a Marmota Fluminense); colaborador e revisor no Correio Mercantil; redator, aos 21 anos (1860), do jornal de seu amigo, Quintino Bocaiúva, Diário do Rio de Janeiro. Neste, passou a produzir crônicas semanais e crítica literária (valendo-se sempre de pseudônimos como Manassés, Eleazar, Dr. Semana, Jó, Gil, etc.) , antes de ser destacado da redação para atuar como representante da folha junto ao Senado – talvez sua produção mais larga seja essa, a das colaborações em jornais e revistas,  e um dos principais motivos da vulgarização de sua obra, haja visto que, levando em conta só o período de sua mocidade, escreveu para quase todos os veículos impressos de então: O Futuro, A Marmota, Diário do Rio, Correio Mercantil, Jornal das Famílias, Semana Ilustrada, Cruzeiro, O Globo, Almanaque Garnier e paro por aqui, pois a lista é extensa. Foi ainda diretor de publicação no Diário Oficial (a partir de abril de 1867), primeiro oficial nomeado para a reformada Secretaria de Agricultura(dezembro de 1873), tornando-se, nesta, Chefe de Seção, por decreto da Princesa Isabel, em dezembro de 1876; oficial de gabinete do Ministro da Agricultura, Buarque de Macedo, em 1880; diretor da Diretoria de Comércio em 1889 (seria dispensado desta em fins de 1897); presidente da Academia Brasileira de Letras em 1896; secretário do Ministro da Viação, S. Vieira, em 1898 e Diretor Geral da Contabilidade do Ministério da Viação em 1902.

            Como se vê, labutou, sem nunca descuidar de sua vocação literária, galgando a melhora de suas condições materiais e os degraus socioeconômicos da sociedade brasileira oitocentista – auxiliado, sem dúvidas, pelo círculo de relações e amizades que cultivou ao longo de toda a vida: dentre vários, citemos Francisco Otaviano, Casimiro de Abreu, José de Alencar, Joaquim Nabuco e Graça Aranha. Apesar disso, foi modesta sua existência, como modesto era seu temperamento. Repudiando toda publicidade que não dissesse respeito aos seus textos, era avesso à confidências (tomemos sua correspondência como prova: sucinta e objetiva, atenuado um pouco esse modo de escrita ao fim da vida, quando inicia alguma revelação, interrompe-a, ora justificando que não deseja enfadar seu interlocutor, ora suspendendo-a simplesmente) e jamais almejou, quem o diz é o amigo José Veríssimo, que suas humildes condições de origem servissem para realçar-lhe a estima com o público. Exteriormente, como acertadamente pondera Antonio Candido, sua vida não excedeu em sofrimentos aos de toda gente (aos 29 anos já tinha feito um nome como jornalista e havia recebido o Título de cavaleiro da Ordem Rosa), nem aos de seus semelhantes mestiços (que, levadas em consideração as condições dessa realidade histórica, no Império Liberal alcançaram postos representativos). Sua verdadeira luta não era exterior ou estrepitosa, como as polêmicas que lidava com altivez: ela era silenciosa, invisível, interior. Era metido consigo mesmo, com seus livros, refletindo e esculpindo sua arte, com vagarosa paciência, mas continuadamente – Um sonho… As vezes cuido conter cá dentro mais do que a minha vida e o meu século… Sonhos… Sonhos [2].  

II – Bruxo ou Defunto?

            É verdade, sua biografia eram os seus livros, a sua arte era a sua prosápia [3].   A primeira publicação de Machado de que temos notícia, foi o soneto à Dona Petronilha, lançado em 1854 no Periódico dos Pobres, interrompendo-se sua atividade intelectual apenas com a eventualidade de sua morte, em 29 de setembro de 1908. Cinquenta e quatro anos de uma carreira multifacetada que trabalhou a poesia (Crisálidas, 1864; Falenas, 1864; Americanas, 1875; Ocidentais, 1901; Outras Relíquias, 1920; Novas Relíquias, 1932), a crônica, a crítica literária, a dramaturgia (Hoje Avental, Amanhã Luva, 1860; Desencantos, 1861; O Caminho da Porta, 1863; O Protocolo, 1863; Quase Ministro, 1864; As Forcas Caudinas, 1865/1956; Os Deuses de Casaca, 1866; O bote de rapé, 1878; Tu, só Tu, Puro Amor, 1880; Não Consultes Médico, 1896; Lição de Botânica, 1906), a tradução, a arte do conto (Contos Fluminenses, 1870; Histórias da meia-noite, 1873; Papéis Avulsos, 1882; Histórias sem data, 1884; Várias histórias, 1896; Páginas Recolhidas, 1899; Relíquias da Casa Velha, 1906; Outras Relíquias, 1920; Novas Relíquias, 1932) e o romance (Ressurreição, 1872; A mão e a Luva, 1874; Helena, 1876; Iaiá Garcia, 1878; Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881; Casa Velha, 1885; Quincas Borba, 1891; Dom Casmurro, 1899; Esaú e Jacó, 1904; Memorial de Aires, 1908).  

            Não é só multifacetada sua produção, é polissêmica também. Ler Machado de Assis é como jogar uma partida de xadrez (no que, diga-se de passagem, ele era exímio: além de ser o primeiro brasileiro a publicar um problema de xadrez, no primeiro torneio de xadrez disputado em nossa terra, 1880, obteve ele o terceiro lugar): quando parece que essa seguirá um curso natural e esperado, um movimento muda todo o cenário, tornando-se imprevisível. Mestre do humor, narrador que conversa com o leitor, colocando-se entre este e a narrativa, tratou de uma miríade de temas: da graciosidade romântica à vaidade; da traição, da crueldade, da tolice, do cinismo, da insânia, do pessimismo benevolente, do ceticismo e da irônica falta de sentido de nossa existência, da doença que corrói o corpo e subjuga o espírito, dos tipos, costumes e idiossincrasias brasileiras do oitocentos, porém, e sobretudo, tratou da alma humana. Trata a dor e a ilusão com gracejos, ensinando-nos a não levar a vida muito a sério. Nele, a fantasia torna-se verossímil e a realidade é retratada com a acuidade e penetração de observador atento, meticuloso. Tudo isso com uma linguagem prosaica, insinuativa e desabusada; é vernácula e artificiosa sem ser pedante, como que falando ao pé do ouvido do leitor, provocando-o, zombando-o, dissecando-o.

            Quando sua esposa, a portuguesa Carolina, morreu em outubro de 1904, sentia, atesta-o o Soneto à Carolina (1906), que a melhor parte de sua vida acabara, que já era meio defunto – era irmã do editor da revista O Futuro, Xavier de Novaes, que se opôs ao relacionamento dos dois por ser Machado mulato. Companheira fiel, lia para ele jornais e livros quando este teve uma enfermidade nos olhos e passou-lhe para o papel uma narrativa que este ditou à ela durante sua convalescença, eram as Memórias Póstumas. A frágil saúde de Machado foi debilitando-se cada vez mais, ainda assim escreveu e viu seu último livro sair a prelo, o comovente Memorial de Aires – sabia e dizia que seria o derradeiro, estava cansado. Foi, além da epilepsia e da doença dos olhos, acometido por um câncer na língua que atacava também a garganta; sentia dores reumáticas – contudo, não gemia de dor, pois não queria incomodar quem o cercava. Era cuidado com muito zelo pelas amigas da esposa e pelos companheiros que assistiram-no até o leito de morte. Na noite em que expirou, conta Euclides da Cunha em artigo lançado no Jornal do Comércio logo no dia seguinte, que estando reunidos ele e outros amigos do autor na sua casa em Laranjeiras, um garoto desconhecido de cerca de 18 anos bateu, cauteloso, à porta. Não conhecia o mestre, mas havia lido-o, queria vê-lo, pois sabia pelos jornais que seu estado era grave. Foi conduzido ao quarto do doente, e, sem dizer uma palavra sequer, ajoelhou-se, tomou-lhe a mão, beijou-a e aconchegou-o brevemente ao peito. Saiu sem dizer palavra. Veríssimo perguntou-lhe o nome, era Astrojildo Pereira. No entanto, tem uma segunda e representativa identidade esse garoto, soube-a entrever o próprio Euclides: somos nós, a posteridade.  Machado morreu às 3:45 a.m. do dia 29 de setembro de 1908. Tornara-se autor-defunto. Morreu o homem, vive a obra. Oh, aflito leitor, uma vida e obra inteiras resumidas à essas poucas e pobres palavras… Sinto que cometi um crime! Faça-me um favor, sim? Apanhe essa folha e queime-a.  


[1] Carta de Álvares de Azevedo a Domingos Jacy Monteiro, Rio, 09 de setembro de 1850. In: Álvares de Azevedo – Obra Completa. Editora Nova Aguilar S.A., Rio de Janeiro, 2000.

[2] Tu, só Tu, Puro Amor, 1880, Machado de Assis.

[3] J. Veríssimio, História da Literatura Brasileira, p. 182 (1915).

Destaque

Conheça o artista: Thamires Ribeiro

Texto por: Alexandre Araujo.

Nesta semana, o quadro ‘Conheça o Artista – FRENEZI X Projeto Orgulharte’ chega ao fim e apresenta a última artista do projeto universitário carioca em parceria com a revista: Thamires Ribeiro, de 21 anos. 

Nascida em Minas Gerais e atual moradora de São Paulo, a artista é formada em maquiagem profissional. Contudo, as práticas e habilidades não se resumem apenas nisso. Conheça mais sobre a mineira. 

O interesse e admiração por maquiagem vem desde muito cedo, quando ainda era apenas uma criança. Thamires conta que sempre foi fã da cantora Lady Gaga e admirava a forma em que a artista se expressava de forma autêntica e segura de si mesma. “Eu amava todas as suas maquiagens excêntricas e chamativas”. Já atualmente, a inspiração vem de mulheres empoderadas, além de Tom Savini, um famoso maquiador, técnico em efeitos especiais de cinema, ator e cineasta norte-americano.

Como nem tudo são flores, a maquiadora enfrentou diversos desafios ao longo desses anos como profissional. Ela conta que o maior desafio foi no começo da pandemia, em 2020. “Foi um momento muito complexo onde eu enfrentei a síndrome do pânico e recebi meu diagnóstico de transtorno bipolar. Eu não conseguia clientes por não ter condições de trabalhar e, além disso, as clientes não tinham razões para me contratar, já que não tinham eventos durante a pandemia”, contou. 

Em contrapartida a isso, a jovem relatou que mesmo diante às barreiras e dificuldades, percebeu que é capaz de ser uma grande maquiadora. “A maquiagem, pra mim, é a minha forma de me expressar”, completou.

Confira a entrevista com Thamires Ribeiro:

  1. Quem é Thamires Ribeiro?

Sou formada em maquiagem profissional, mas também faço maquiagens artísticas, como a criação de personagens, Drag Queens, maquiagem de terror e sfx (próteses cênicas e efeitos especiais).

  1. Acha que a sua sexualidade interfere ou pode interferir futuramente nos seus planos/carreira? 

Acredito que minha sexualidade interfira em algumas questões. Por ser bissexual, a sociedade leva em conta de que sou apenas uma pessoa “confusa”. Alguns clientes já cancelaram comigo assim que souberam da minha sexualidade. Segundo eles, eu iria dar em cima.

  1. A indústria brasileira da sua área, na sua concepção, vem acolhendo a diversidade?

Acredito que, por ser um trabalho na área da beleza, o acolhimento da diversidade seja um pouco “aceito”, já que existem muitas pessoas LGBTQIAP+ trabalhando na área.

  1. Apesar de todas as circunstâncias, você pretende seguir com a carreira de maquiadora ou existe um plano B profissional?

Eu pretendo continuar com a carreira e tenho objetivos de trabalhar fora do país.

  1. Quer deixar uma mensagem para os nossos leitores?

Não tenha receio de continuar a fazer algo que gosta por medo de não ser aceito. Lembre-se, você se aceitar é um ótimo começo.

  1. Onde podemos conhecer mais sobre o seu trabalho?

No meu instagram, @succubgirl.

Virada Cultural: a importância de ocupar espaços públicos

Nesta última sexta- feira (20), a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo divulgou a programação oficial da Virada Cultural que ocorre neste final de semana, nos dias 28 e 29 de maio. O evento anual é oferecido pela prefeitura do município de São Paulo desde 2005, sendo inspirado no festival parisiense Nuit blanche que ocorre também anualmente desde 2002. A Virada Cultural tem o propósito de promover diversas áreas da arte 24h pela cidade: música, dança, peças teatrais, manifestações populares, exposições de arte e história.

Este ano, o objetivo também é descentralizar o evento, levando-o para outras regiões espalhadas pela cidade que não apenas o Centro Histórico e Centro Novo. Com isso, discute-se a importância da acessibilidade cultural para além da gratuidade do evento, a proximidade com o público se dá, sobretudo, com a ocupação de espaços próximos a ele. A descentralização do evento vem sendo recente, considerando também a realização de forma online nos últimos dois anos devido à pandemia da COVID-19. 

Ocupar esses espaços públicos é essencial para a manutenção da democracia, uma vez que, atinge uma maior diversidade de audiência quando é facilitado o acesso aos palcos que estão em todas as regiões da cidade e também com o consequente aumento da variedade de gêneros musicais e atividades para todos os gostos.

Além disso, há como questão econômica uma grande movimentação para pequenos empreendedores que se locomovem para atender ao público, assim como o comércio em volta dos espetáculos. A democratização da arte e a utilização desses espaços públicos como meio de promoção cultural são de extrema importância para que a cidade se mantenha viva e com propósito. Apesar da crescente violência metropolitana, a manifestação artística não deixa de ser um ato de resistência popular que deve ser mantido, possibilitando a esperança de transformação social.

 Serão sediadas mais de 300 apresentações com grandes nomes, como Ludmilla, Luiza Sonza, Criolo e Glória Groove. Oficinas literárias e saraus serão também grandes atrativos pelas bibliotecas da cidade. Os palcos estarão espalhados por todas as Zonas da cidade e receberam nome indicativo da região:

Zona Sul: 

  • Palco Campo Limpo | LIBRAS
  • Palco Rio Diniz
  • Palco M’Boi Mirim LIBRAS
  • Palco Piraporinha
  • CC Grajaú. Rua Prof. Oscar Barreto Filho, 252.

 Zona Leste:

  • Palco Itaquera | LIBRAS
  • Palco Ribeirão. Av. Nagib Farah Maluf, s/n (Conjunto Habitacional José Bonifácio)
  • Palco São Miguel Paulista | LIBRAS
  • Palco Itaqueruna
  • CC Cidade Tiradentes | LIBRAS
  • Palco Penha

Zona Norte:

  • Palco Parada Inglesa | LIBRAS
  • Palco  Luiz Dumont Villares
  • Palco Freguesia do Ó | LIBRAS
  • Palco Rio das Pedras

Zona Oeste:

  • Palco Butantã | LIBRAS
  • Palco Pirajussara
  • CC Butantã

Centro:

  • Palco Viaduto do Chá | LIBRAS
  • Palco Praça das Artes
  • Festa Praça das Artes. Boulevard São João, 281
  • Palco Praça Ramos
  • Arena Vale, em frente ao Prédio dos Correios

A programação completa com todos os endereços e horários pode ser encontrada no site oficial da Virada Cultural (link). Para mais informações em tempo real acesse o Instagram da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (link).

Conheça o Artista: Kaio Michel

Nesta semana, o quadro ‘Conheça o Artista – FRENEZI X Projeto Orgulharte’ apresenta o penúltimo artista do projeto universitário carioca em parceria com a revista. 

Kaio Michel, de 24 anos, nascido no estado do Ceará e carioca de coração, é ator de teatro e foi indicado ao prêmio de melhor ator coadjuvante, além de já ter conquistado um prêmio de melhor ator.

A admiração e aspiração à carreira de artista começou quando ainda era criança. Kaio conta que era apaixonado por novelas e se imaginava atuando como os personagens que assistia. No entanto, o contato com o mundo da encenação só aconteceu em 2014, quando foi fazer uma aula experimentou e realmente viu que queria aquilo para a vida. ‘’A partir desse dia, nunca mais larguei! Um ano depois desse curso, eu já comecei a estudar o teatro profissional’’, concluiu. 

O ator se inspira nos grandes nomes das telas de cinema, TV e dos palcos de teatro, como a atriz e escritora Fernanda Montenegro. No Festival Monovídeo, em 2018, foi premiado na categoria de melhor ator. Já na peça ‘Nós, Idiotas’, no Teatro Grande Atores, em 2019, recebeu indicação para o prêmio de melhor ator coadjuvante. 
O intérprete que atualmente também trabalha como vendedor, pretende seguir com a carreira de ator e aprimorar ainda as técnicas de dramatização, focando também nos estudos de TV e cinema. Para ele, tudo isso apesar de desafiador, é acima de tudo, transformador. ‘’O teatro me transformou em um ser humano melhor, me mostrou que todo mundo pode ser quem quiser.  Ele me deu uma expectativa de vida e me transformou em uma pessoa mais determinada e segura’’, ressaltou.

Confira a entrevista com Kaio Michel: 

  1. Pode nos contar mais um pouco quem é o Kaio?

O Kaio é uma pessoa extremamente louca por viver a vida da maneira mais leve. Ama estar em contato com a natureza, com as pessoas que ama e conquistar os seus objetivos.

  1. Acha que sua sexualidade interfere na carreira?

Acredito que a minha sexualidade não interfere na minha carreira, mas é muito particular. Algumas pessoas já sofrem muito com essa questão, por existir ainda um preconceito em alguns trabalhos específicos.

  1. A indústria brasileira de filmes/telenovelas vem acolhendo a diversidade?

Atualmente eu acredito sim. Cada vez mais pessoas LGBTQIAP+ vem ganhando espaços, mas ainda uma grande parte sofre com a falta de oportunidade.

  1. Quais foram os maiores desafios enfrentados nesses anos como um artista de teatro?

Meu maior desafio foi me manter financeiramente. É um espaço pouco valorizado e as oportunidades, infelizmente, são poucas. Então eu nunca podia ficar dependendo só dele, tinha que ter uma outra opção com renda. Ficar longe do teatro é muito doloroso pra mim!

  1. Quer deixar uma mensagem para os nossos leitores?

Façam aquilo que ame, independente do retorno financeiro. Não tem nada mais prazeroso do que fazer o que realmente ama! 

  1. Onde podemos te encontrar?

No meu Instagram, @omichel__