A transição da estética Tom Ford da moda para o cinema

Tom Ford começou a construir sua estética nos anos de 1970. Nascido em 1961, no Texas (EUA), o estilista e diretor se mudou para Nova Iorque em 1979 para estudar história da arte na NYU. Durante essa época, Ford participava ativamente do cenário social nova-iorquino — basicamente estava na localidade certa e no momento certo para conhecer a vida noturna que se tornou histórica quando se trata de festas.

Mais precisamente, o artista frequentava o icônico Studio 54; clube que ficou conhecido por seus convidados extremamente famosos. Todo mundo que era alguém nos anos de 1970 e 1980 frequentou a boate. Tom se encontrava com os mais conhecidos nomes do momento: Andy Warhol, Bianca Jagger, Halston e Jerry Hall. Foi ali, sob as luzes pulsantes, o chão suado, a multidão da pista de dança e a névoa de fumaça dos cigarros dos convidados que surgiu a base da estética Tom Ford: algo sexy, ousado, com silhuetas dos anos de 1960, 1970 e até mesmo 1980 (vide sua coleção mais recente de Primavera/Verão 2022).

Mas ele nunca foi apenas um designer. Em 1980 Ford largou a faculdade em Nova Iorque para focar na sua carreira como ator em Los Angeles. Seus anos atuando em comerciais fizeram com que sua paixão por cinematografia se desenvolvesse.

GUCCI DE TOM FORD

Campanha publicitária da coleção Primavera/Verão 2003 da Gucci. [Imagem: Mario Testino/ Reprodução]

Os aficionados por moda sabem que foi Tom Ford que reviveu a grande casa Gucci. Nos anos de 1990 a marca passava por crises: o nome estava manchado pelos dramas familiares, o assassinato de Maurizio Gucci, e o desmantelamento da dinastia ao passo que os integrantes da família vendiam suas partes da empresa.

Ford assumiu o volante com pouquíssima experiência. Foi chamado para sua primeira coleção de moda feminina na maison em 1990, e antes disso havia atuado apenas como assistente de design para a estilista norte-americana Cathy Hardwick. Parte do motivo por trás de sua contratação foi, sem dúvidas, que ninguém queria trabalhar na marca. Até 1994 já tinha quase todo o controle criativo em mãos — desde a criação das roupas até o marketing e o design de lojas (ele cursou arquitetura por alguns anos na Parsons School of Design em Nova Iorque).

Tom Ford revolucionou não só a grife como também a moda da década. Deixa clara a sua visão criativa na coleção de Outono/Inverno 1995 com silhuetas acentuadas, diferentes das sem forma comuns na época; decotes fundos; cortes que remetem aos anos de 1970; cores ousadas e ricas; texturas e veludo — isso sem esquecer a identidade da marca. Basicamente: a sensualidade dominava a passarela. As modelos usavam olhos esfumados, cabelos selvagens à la pós sexo e até o caminhar era sexy e provocativo.

Sem surpresa alguma, a coleção levou ao apoio de um dos maiores sex symbols da década (e talvez da história): Madonna. A cantora usou a camisa de seda azul, peça icônica trajada por Kate Moss no desfile, para o VMAs daquele ano.

Esquerda: Madonna usando Gucci no VMAs, 1995. Direita: Kate Moss desfilando para a Gucci FW95. [Imagens: Reprodução/ Pinterest]

O sucesso da Gucci de Tom Ford se deu justamente no apelo sexual, algo extremamente ousado e pouco visto no cenário da moda até então. Tudo em sua era gritava “sexo”, desde as roupas até a trilha sonora dos desfiles e as campanhas publicitárias — afinal, foi ele quem colocou modelos na passarela com calcinhas e cuecas fio dentais na coleção de Primavera/Verão 1997.

As campanhas de marketing carregam tanto peso quanto suas coleções e são até hoje lembradas por profissionais e amantes da moda como uma das melhores da história da casa. Em sua maioria carregam, novamente, o teor sexual pesado e marcante da época. Mas além disso, carregam um fator que se repete também em inúmeras coleções do designer: uma coloração azulada, saturada e escura. Uma paleta que remete o consumidor instantaneamente a algo selvagem.

Campanhas publicitárias da Gucci na era Tom Ford. [Imagens: Reprodução/ Pinterest]

Seu estilo ficou marcado pelo seu tempo de festa no Studio 54 e todas as coisas que vieram com ele. A estética hipersexualizada, no entanto, é hoje questionada por profissionais e amantes de moda ao mesmo tempo que sua importância é reconhecida para o crescimento e estabelecimento da marca e do designer no mercado. Os questionamentos vêm em uma perspectiva da mensagem passada pelas roupas e campanhas: a hiperssexualização sem fundamento e sem mensagem é o jeito mais prudente de vender roupas, principalmente quando o objeto de desejo em tais campanhas são, em sua maioria, mulheres?

O assunto de hiperssexualidade vem crescendo com a pandemia: depois de anos trancados em casa, o retorno das estética ligadas à exposição e glorificação do corpo se mostrou forte na temporada de Primavera/Verão 2022 no hemisfério norte. A conversa levanta também o ponto de inclusão de diferentes tipos de corpos na criação da fantasia, coisa que jamais seria pensada nos anos de 1990 quando Tom Ford estava na Gucci.

TOM FORD NA YSL

Looks de desfiles da Saint Laurent assinados por Tom Ford. [Imagem: Arquivos Vogue]

Durante seu tempo na gigante italiana, o Gucci Group adquiriu a maison francesa Yves Saint Laurent (atualmente apenas Saint Laurent). Em 1999, nomeou Tom Ford como diretor criativo da casa. A posição se deu, em grande parte, por motivos financeiros já que entre 1995 e 1996 Gucci, sob a direção criativa do designer, aumentou suas vendas em 90%. A esperança para YSL era a mesma.

No entanto, com seu fundador ainda vivo e parte da empresa, a meta se tornou um pouco mais complicada. Ford levou a sensualidade para a maison francesa, um toque risqué tendo em vista o estilo parisiense e o antigo trabalho de Saint Laurent para a marca.

Seu legado, porém, prevaleceu e mudou o rumo da estética YSL para sempre. As peças com transparência, decotes profundos e campanhas provocadoras não foram esquecidas ou ignoradas por seus sucessores Hedi Slimane ou Anthony Vaccarello que hoje a interpretam (junto ao próprio DNA estabelecido pelo fundador) a partir de suas próprias perspectivas.

O romantismo da casa nunca foi esquecido pelo estilista. Ford tinha a capacidade incontestável de mesclar a sua própria visão com elementos típicos da marca, e apesar do seu tempo (ele atuou como diretor criativo até 2004) na maison ser por vezes esquecido, também colaborou na formação e estabelecimento da sua forte estética.

TOM FORD, A MARCA AUTORAL

Campanha publicitária para Tom Ford. [Imagem: Reprodução/ Pinterest]

De toda forma, essa estética sexual e ousada foi levada para sua marca homônima, fundada em 2005. O designer deixou a gigante italiana em 2004 por conta de supostas desavenças como conglomerado Kering (antiga PPR) que possuía uma quantidade de ações significativa do Gucci Group.

Sua primeira coleção, Primavera/Verão 2011, carregou muitos dos elementos já vistos na Gucci, mas desta vez ainda mais fortes: as silhuetas, o glamour e estilo dos anos de 1970, as cores ricas, as estampas sensuais — tudo que faz parte do esperado DNA Tom Ford.

Nos 16 anos de marca, o sex appeal se manteve presente em cada corte, textura, cor, decote, tecido, acessório, maquiagem e até fragrância. O designer fez com que ao ser ouvido o nome “Tom Ford”, “sensualidade” seja a primeira coisa que vem à mente. Construiu uma identidade forte que liga suas criações com essa estética particular que o define.

Desfiles da marca Tom Ford. [Imagens: Vogue Runway]

Seu tempo em festas no Studio 54 junto à todas as suas outras paixões inevitavelmente resultaram em algo brilhante, particular e identificável. Não são apenas as roupas sensuais com traços dos anos de 1970 que remetem à festa. É Tom Ford.

Mais uma vez leva essa característica marcante para o lado publicitário da marca, ainda flertando com o estilo de paleta apresentado em seu tempo na Gucci: o azul, o saturado, o escuro. Por conta da década, as insinuações sexuais não tão explícitas ou pesadas, mas continuam presente. 

Campanhas publicitárias para Tom Ford. [Imagens: Reprodução/ Pinterest]

TOM FORD NO CINEMA: DIREITO DE AMAR

Sua saída da marca italiana significou o começo de grandes coisas, inclusive a sua concretização da sua paixão pelo audiovisual. Em 2005 anunciou o lançamento da sua produtora, a ‘Fade to Black’.

Não levou muito tempo até a estreia de seu primeiro filme Direito de Amar (2009) que conta com os nomes de Colin Firth, Julianne Moore e Nicholas Hoult. O primeiro longa de Ford obteve certo sucesso entre críticos e o público em geral. No Rotten Tomatoes — site de avaliação de cinema —, a produção recebe 86% dos críticos e 81% da audiência.

Não surpreendentemente, muitas das críticas (boas ou ruins) giram em torno do visual do filme. Seja a avaliação de Matthew Lucas do site The Dispatch, que diz “Pode muito bem marcar o debut de um ótimo stylist visual, mesmo que o filme, no final das contas, não alcance as expectativas” até a crítica de Simon Miraudo, que afirma que “O filme debut de Tom Ford como diretor, Direito de Amar, é simplesmente deslumbrante. Desde a gloriosa cinematografia até os atores e atrizes incrivelmente belos; nenhuma cena é gasta em nada remotamente feio”.

A cinematografia encantadora logo evidencia o talento do diretor para as artes visuais, no entanto sua estética típica não é tão marcante. Ford apresenta um filme com uma coloração apaixonante e romântica, cores quentes, suaves e delicadas que refletem a melancolia marcada pelo roteiro. Não há nada menos do que o belo na tela de Tom Ford.

Direito de Amar carrega uma fotografia digna de pastas no Pinterest e publicações virais em redes sociais — coisa que de fato ocorre com certa frequência. O fato é que a beleza no cinema Tom Ford não é vazia: tudo em tela (ângulos, colorações, luzes, ambientes, roupas, atores) reforça a história passada. A melancolia é transmitida não só por palavras e expressões como também por enquadramentos e cores.

Cenas de Direito de Amar. [Imagens: Reprodução]

O SUCESSO DE ANIMAIS NOTURNOS

Depois de quase uma década, Tom Ford retorna às telonas com um filme de também grande sucesso: Animais Noturnos (2016). A trama segue o mesmo ar de melancolia e drama do primeiro, com visuais que complementam a narrativa estabelecida pelo roteiro de forma envolvente.

Um dos elementos chaves do filme que marcou a estética Tom Ford no cinema foram as cores, tons que marcaram seu tempo na Gucci e marcam até hoje sua marca autoral: tons ricos e profundos de verde, azul, vermelho e branco. 

A intimidade em Animais Noturnos, no entanto, não vem por meio da sexualidade presente tão constantemente nas campanhas publicitárias do diretor, mas por um jogo de coloração e iluminação capaz de transparecer os sentimentos dos personagens. O filme é, sem dúvidas, belo — desde os atores até os figurinos e a cinematografia.

Mais uma vez, ao observar as críticas do longa no Rotten Tomatoes, o visual é unanimemente elogiado, seja a avaliação boa ou ruim. O que certifica, mais uma vez, Ford como um diretor fundamentalmente visual, acompanhado de ótimas performances e roteiro igualmente envolvente, mas marcado pelas cores e luzes.

Cenas de Animais Noturnos. [Imagens: Reprodução]

Diferente de seus contemporâneos como Wes Anderson, que tem seu estilo marcado por cores alegres e vibrantes, Ford é lembrado pelos tons fechados, íntimos, ainda vibrantes mas de forma mais profunda, cores capazes de contar toda a narrativa sem nenhuma outra palavra.

A capacidade de narrar a história pelo visual marca Tom Ford como um verdadeiro artista. Seu trabalho na moda, sua paixão pelo cinema e seu passado em publicidade se combinam em uma receita formidável que resulta nos fins comerciais e artísticos de tudo criado por Ford.

O complexo do “branco salvador” nos filmes

Após o assassinato de George Floyd e protestos subsequentes, Histórias Cruzadas, o filme de 2011 sobre empregadas domésticas negras, começou a fazer sucesso na Netflix. Em Histórias Cruzadas, Skeeter (Emma Stone) é uma jovem branca da alta sociedade sulista que vive nos conturbados anos 60, no Mississippi, no decorrer do movimento dos direitos civis. Skeeter, recém-formada na universidade, está determinada a ser uma escritora. Para isso, decide entrevistar mulheres negras que passaram a vida como empregadas de famílias brancas e surpreende sua cidade.

Octavia Spencer, Viola Davis e Emma Stone em Histórias Cruzadas (2011) [Imagem: Reprodução/The Sun]

O aumento na popularidade de Histórias Cruzadas motivou muitos usuários do Twitter a discutirem sobre o chamado “complexo do branco salvador” do filme, sugerindo que o longa-metragem não é apropriado para quem busca se educar sobre o racismo.

Viola Davis, ativista do movimento antirracista e intérprete de Aibileen Clark em Histórias Cruzadas, disse em uma entrevista para a revista The New York Times em 2018 que se arrepende de ter participado da produção. “Eu só senti que, no fim do dia, as vozes das empregadas não foram ouvidas. Eu conheço Aibileen [sua personagem no filme]. Conheço Minny [personagem de Octavia Spencer]. Elas são minha mãe, elas são minha avó. E eu sei que se você quer fazer um filme cuja premissa é entender como é trabalhar para pessoas brancas e criar seus filhos em 1963, eu quero ouvir como você realmente se sente. E eu nunca ouvi isso no filme”, confessou Davis.

Em 2020, Viola relembrou o assunto em uma entrevista para a revista Vanity Fair. “Não há ninguém que não fique entretido com Histórias Cruzadas“, afirmou a atriz. “Mas há uma parte de mim que parece ter me traído e traído meu povo, porque eu estava em um filme que não estava pronto para contar toda a verdade”. Em seu desabafo, Davis disse que o público branco pode, no máximo, sentar e receber uma lição acadêmica sobre quem é o público negro, mas não são movidos por isso.

Octavia Spencer e Viola Davis em Histórias Cruzadas (2011) [Imagem: Reprodução/The Sun]

Histórias Cruzadas é um filme sobre racismo a partir de uma perspectiva de personagens brancas, dirigido por um homem branco, Tate Taylor, a partir de um livro de uma autora branca, Kathryn Stockett. Desse modo, deduzimos que investiram na ideia do que significa ser negro, porém servindo ao público branco.

No cinema, o conceito de branco salvador é uma narrativa na qual um personagem branco resolve os problemas de um personagem não-branco. O personagem branco tem a intenção de “resgatar” o personagem não-branco de um cenário de vulnerabilidade e, assim, o branco é visto como um herói porque conseguiu salvar o não-branco de um destino tido como impossível de ser resolvido.

Esse conceito é extremamente perigoso, mas usado em muitos filmes populares que são conhecidos como exemplo para se educar sobre o racismo quando, na verdade, só enfatizam a questão do branco desfrutar do destaque em uma luta que não é dele.

Em Estrelas Além do Tempo, uma equipe de cientistas formada por mulheres negras mostrou ser o elemento que faltava para que o Estados Unidos ganhasse a corrida espacial em combate com a Rússia durante a Guerra Fria. O filme de 2016, dirigido por Theodore Melfi, é baseado na história real de Katherine Johnson (Taraji Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe).

Contudo, mesmo que a produção tenha tido boas intenções, a narrativa também traz consigo o infame complexo do branco salvador. Por exemplo, quando Al Harrison (Kevin Costner) derruba a placa que indica a divisão de mulheres brancas e negras nos banheiros da NASA. Na história real, Katherine Johnson se recusou a usar o banheiro “colorido”, desafiadoramente usando o banheiro “apenas para brancos”. A conquista foi somente de Johnson, mas Theodore Melfi defendeu a reescrita histórica para a revista Vice. “É preciso haver brancos que façam a coisa certa, é preciso haver negros que façam a coisa certa. E alguém faz a coisa certa. E então quem se importa com quem faz a coisa certa, desde que a coisa certa seja alcançada?”, manifestou Melfi.

[Imagem: Reprodução/Pinterest]

No Oscar de 2019, Green Book: O Guia foi o grande vencedor, consagrado como o melhor filme da temporada. O filme ganhou três estatuetas, incluindo a de melhor ator coadjuvante para Mahershala Ali e o prêmio mais importante da premiação. Green Book: O Guia acompanha a amizade real entre o talentoso pianista negro Don Shirley (Mahershala Ali) e seu motorista branco Frank Vallelonga (Viggo Mortensen).

A escolha do longa-metragem de 2018 dirigido por Peter Farrelly como melhor filme pela Academia, no entanto, causou incômodo. A revista The Root, que fornece conteúdos instigantes de uma variedade de perspectivas negras, disse que o filme ignora a maior parte do perigo e o racismo agressivo que um homem negro viajando pelo Sul dos Estados Unidos teria mesmo sofrido. A família de Shirley, em uma entrevista para revista Time, afirmou que isso manchou seu legado, e também os criadores da produção, no tempo em que promoveram o filme, foram acusados de racismo.

Mahershala Ali e Viggo Mortensen em Green Book: O Guia (2018) [Imagem: Reprodução/Vogue]

Hoje, nós vivemos em uma realidade onde os criadores negros são desprezados, onde os atores negros raramente são indicados em premiações e a maioria das pessoas não consegue nem mesmo citar um roteirista negro. Filmes com o complexo de salvador branco produzidos por homens brancos são insustentáveis.

Desde 2015, quando a hashtag #OscarsSoWhite (#OscarMuitoBranco, em inglês) surgiu nas redes sociais exigindo mais diversidade na premiação de Hollywood, a Academia prometeu mudanças para melhorar a representatividade de seus membros. No Oscar de 2017, pela primeira vez na história, ao todo, negros receberam 20 indicações e todas as seis principais categorias possuíram um negro na disputa. Em 2015 e 2016, entre os 20 indicados nas quatro categorias de atuação, todos eram brancos.

Segundo o estudo da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), somente 27,6% dos protagonistas dos filmes que estrearam em 2019 nos Estados Unidos foram negros. A discrepância foi ainda maior ao analisar a participação de diretores negros nas 146 produções de maior bilheteria do país, somente 5,5%.

Em 2020, atores não-brancos interpretaram 40% dos papéis principais. Em 2019 e 2018, a média foi de 27% e a participação feminina nesses papéis chegou perto de 50%. Desde 2011, a porcentagem de negros como personagens principais passou de 10,5% para 27,6%. Entretanto, para especialistas, essas mudanças apenas ganharão peso quando cargos de prestígio na indústria também forem preenchidos por mais negros, como os de diretores, roteiristas e executivos, considerando que 93% são brancos.

É mais que necessário analisar a natureza problemática desse complexo. Filmes que reproduzem narrativas a partir disso deslegitimam a luta da comunidade negra e só fazem pessoas brancas se sentirem bem por contribuir com o mínimo. O que precisamos disseminar como público e realizadores são histórias em que um personagem negro não precise intrinsecamente do auxílio de um personagem branco. Da mesma forma que é na luta antirracista, o branco é capaz de ser simpatizante, de apoiar as vozes da minoria, mas não ser o protagonista.

Trilhas sonoras em filmes de terror

Todos sabemos que uma ótima trilha sonora pode mexer com o público e fazer toda a diferença. E em filmes de suspense e terror, música é o que não pode faltar.

Quando bem feita, ela pode se tornar tão marcante que mesmo após décadas, ainda a associamos automaticamente a situações de perigo e medo. Um exemplo disso é a do filme Tubarão (1975), composta por John Williams. Sua icônica trilha é referência até hoje, instantaneamente reconhecível e sem ela, a cena perderia todo seu impacto. Confira a diferença:

O que torna uma trilha sonora assustadora?

Vários elementos contribuem para causar o sentimento de medo, desde os instrumentos utilizados até o timing do filme. Entretanto, existem certas músicas, acordes e técnicas que são comumente usadas e adaptadas em filmes de terror.

Alguns dos casos mais comuns são sons não lineares, que desencadeiam o medo de ser perseguido por predadores; o trítono, também conhecido como “Som do Diabo”, é o intervalo de três tons inteiros entre duas notas, que gera um som dissonante e resulta na sensação de tensão; instrumentos intensos como violinos, pianos e waterphones; vozes e gritos. Um dos casos mais memoráveis é o da música Dies Irae.

A música é um hino em latim do século XIII sobre o Juízo Final, tocada em Missas Réquiem, homenagem aos mortos. Com uma variedade de versões, que incluem até Mozart e Giuseppi Verdi, esteve sempre relacionada à morte. Assim, muitos compositores a utilizam com essa função.

Ela pode ser encontrada em centenas de filmes de todos os tipos e épocas, porém nos filmes de terror o impacto é totalmente diferente. Laranja Mecânica (1971), Alien (1979), O Iluminado (1980), Sexta-Feira 13 (1985, 1986 e 1988) e Rua do Medo: 1994 e 1666 (2021) são apenas alguns exemplos famosos do uso nesse gênero de filme. Uma vez que você identifica a música, é possível reconhecê-la em todo lugar.

Além disso, como visto anteriormente, a música de um filme é o que move o público e intensifica e aprimora a experiência do espectador. O terror é sobre emoção crua e visceral, tem como foco os medos humanos primordiais ou atuais.

Muitos outros filmes de terror têm trilhas marcantes, sejam eles Halloween (1978), filme de sustos, com uma música agitada, que lembra batimentos cardíacos e te faz ficar cada vez mais nervoso; o terror psicológico Corra (2017) com um coral em suaíli, onde você não consegue entender o que é dito, o que deixa espaço para imaginação; ou o alto som dos violinos estridentes de Psicose (1960) incomodam e deixam o telespectador tenso com o que está por vir.

A música se sincroniza com as facadas da cena e o que a faz ficar ainda mais envolvente e assustadora. O compositor Bernard Herrmann fez uma trilha sonora única – só de escutá-la é possível reviver a cena e trazer todos esses sentimentos à tona. Logo, todos realizam a sua proposta: o medo.

Trilha Sonora de Psicose (1960)

A trajetória das bruxas do cinema: A evolução e os clássicos da feitiçaria nos filmes e séries ao longo dos anos

As bruxas são as protagonistas do Halloween e no cinema não é diferente. O Mágico de Oz (1939), A Feiticeira (1964),  Elvira: A Rainha das Trevas (1988), Convenção das Bruxas (1990) e Abracadabra (1993) são alguns exemplos de filmes e séries em que as personagens foram retratadas de diferentes formas – tanto na sua aparência e modo de se vestir como na personalidade e no estereótipo de bruxa boa ou má.

A Bruxa Má do Oeste, em O Mágico de Oz, foi desenvolvida com o típico estereótipo ocidental: pele verde, verruga, nariz pontudo e jeito maldoso. Os contos de fadas da Disney sempre apresentavam tais personagens como pessoas feias, ou seja: fora do padrão; Além dos elementos de composição como o gato preto e o caldeirão. 

A princípio, o cinema enxergava as feiticeiras sob uma perspectiva negativa, por isso a representação dessas mulheres era feita de uma forma horrorosa. Temos por exemplo a Bruxa do 71 em Chaves (1971), que por ser caracterizada como feia e medonha, era associada como bruxa pelas crianças da vila (mesmo não sendo uma).

A Bruxa Má do Oeste em cena em ‘O Mágico de Oz’ (Foto: Reprodução)

Já Samantha Stephens, protagonista de A Feiticeira (1964), quebrou tais paradigmas sendo uma típica garota americana, como é citado no primeiro episódio, não seguindo essa construção em sua personagem.

Ao longo da série há um desenrolar de uma narrativa paralela a da imagem pejorativa que a mídia passa. Em especial o capítulo ‘As bruxas estão à solta’, quando o marido de Samantha, James Stephens, é contratado para produzir uma campanha para o Halloween. O cliente de Stephens quer utilizar o típico estereótipo norte americano de bruxas como seres ruins, mas Samantha aconselha e pede ajuda a James para promover a ideia de que elas também podem ser pessoas bonitas e gentis.

A Feiticeira – “As Bruxas estão à solta” (Foto: ABC Photo Archives/Disney General Entertainment Content via Getty Images)

A Idade Média e a Santa Inquisição foram épocas que influenciaram nesse modelo de caracterização de que as mulheres são sedutoras e mensageiras do Diabo, ideal seguido pela indústria cinematográfica até hoje – são diversas  as histórias de perseguição às mulheres. Muitas eram taxadas de feiticeiras por seus conhecimentos em medicina natural, considerados encantamentos contra a Igreja Católica e suas preces da época. 

É possível ver essa relação em As bruxas de Eastwick (1987) e Elvira: A rainha das trevas (1988), que já seguem a linha cativante e bela: com roupas mais sexy, decotes e pautas sobre a liberdade sexual em uma sociedade conservadora, as bruxas passam a transmitir outro olhar ao telespectador, que agora já tinha como maioria o público jovem.

Susan Sarandon, Cher e Michelle Pfeiffer em cena de As Bruxas de Eastwick (1987) (Foto: Reprodução)

Salém é outro grande exemplo. A pequena cidade no estado de Massachusetts, Estados Unidos, ficou conhecida pelo maior julgamento e caça às bruxas da história, que resultou na prisão e condenação à morte de mais de 200 pessoas – dentre elas, três mulheres pobres consideradas as “Bruxas de Salém”, que foram enforcadas em público. Em 1692 a cidade era uma colônia inglesa puritana comandada pela Igreja Católica que comandava a inquisição e utilizou trechos da Bíblia fora de contexto para provar o pecado. A cidade também teve grande influência no cinema, sendo sempre considerada o lar das feiticeiras.

Os anos 90 trouxeram a essência cômica e infantilizada para o universo das bruxas, apaziguando o terror, como é visto no clássico filme da Disney, Abracadabra, que conta a história das irmãs Sanderson: Sarah, Winifred e Mary, que foram banidas de Salém pela prática da magia. Com roupas medievais, chapéus pontudos e vassouras, além dos encantos  que são feitos com músicas e danças, o longa mostra mais uma versão das bruxas em filmes.

Sabrina Spellman, Sabrina a bruxinha adolescente e O mundo sombrio de Sabrina (Esquerda, fonte: Viacom Productions/Paramount Television; Direita, fonte: Warner Bros. Television/Netflix)

O fim dos anos 1990 também trouxe a série, filme e desenho animado, Sabrina, a bruxinha adolescente (1996), que manteve a essência de A Feiticeira, sendo Sabrina uma jovem com vida dupla e sem o estereótipo ocidental do que seria uma bruxa. Posteriormente o reboot, O mundo sombrio de Sabrina (2018), trouxe, novamente, uma versão mais macabra com elementos de terror, opostos à série de 96.

Por mais que ao longo dos anos, o cinema tenha alterado a caracterização das bruxas, o estereótipo norte americano foi se quebrando conforme o contexto histórico e  o momento em que vivia o movimento feminista – que desempenhou grande influência na caracterização dessas personagens. O filme A Bruxa (2015) mostra essa relação sobre as mulheres do século 17 que eram retratadas como feiticeiras por não se encaixarem no padrão da época.

Seja em filmes cômicos, infantis ou de terror, as bruxas más não são mais representadas como feias, dentro do padrão de beleza ocidental,  com pele verde e nariz longo, igual era a Bruxa Má do Oeste em O Mágico de Oz. Os elementos de caracterização: chapéus pontudos, roupas medievais e vassouras continuam, porém não mais são utilizados como distinção entre as boas e más, tendo, por fim, a busca por quebrar esse padrão que as desvaloriza

Fenômeno Anitta: de Honório Gurgel para o mundo

Não é de hoje que Anitta chama a atenção para promover a carreira. Através da criatividade, ela desenvolve grandes estratégias de comunicação e marketing, e conquista a cada ano, pessoas com idades e gostos musicais diferentes.

No mês de setembro, a cantora foi assunto por participar de dois grandes eventos: a premiação do Video Music Awards, sendo a primeira brasileira a se apresentar no palco do VMA, e o baile anual do Metropolitan Museum of Art, mais conhecido por Met Gala.

Mas como ela começou?

Em 2011, a artista foi convidada por Renato Azevedo, produtor independente da Furacão 2000, para realizar alguns testes após ter visto alguns de seus vídeos. Depois de ser aprovada, assinou com a produtora, passando a ser conhecida no Rio de Janeiro. E a partir dos bailes funks, sua carreira foi crescendo.

No ano seguinte (2012), começou a ser empresariada por Kamilla Fialho, que investiu na gravação de Meiga e Abusada, a qual atualmente possui mais de 111 mil visualizações no YouTube. Por mais que não seja a composição de maior destaque, essa canção entrou no top 10 das músicas mais pedidas nas rádios brasileiras e abriu portas para que a cantora assinasse contrato com a Warner Music.

Um tempo depois, ganhou destaque por todo o Brasil através do lançamento de Show das Poderosas, principalmente devido ao novo estilo, indicando que seu foco seria mais voltado para o pop. Na época, se tornou o vídeo mais visto do YouTube Brasil, com mais de 10 milhões de streams.

Se tornou a primeira brasileira a ganhar o Europe Music Awards em 2015 da MTV, na categoria de Worldwide Act Latin America. Depois de algumas músicas de sucesso, como Menina Má e Fica Só Olhando, divulgou o terceiro disco Bang, onde a canção de mesmo nome, foi tão reconhecida quanto a de 2013. A partir disso, Anitta ganhou cada vez mais destaque na mídia, principalmente com estratégias para se manter presente no cotidiano do consumidor com redes sociais, parcerias musicais e novos lançamentos.

Anitta e a visão de mercado

Em 2017, a cantora passou a investir em colaborações, com cantores como Wesley Safadão e Nego do Borel. Também lançou o primeiro single em inglês com a rapper Iggy Azalea, Switch. Meados do mesmo ano, se reuniu ao grupo estadunidense Major Lazer e a cantora Pabllo Vittar para o lançamento da música Sua Cara, e assim conquistou mais um sucesso.

Depois disso, começou a focar em uma carreira internacional com o projeto CheckMate, xeque-mate em português. O trabalho possui duas músicas em inglês, Is That For Me, parceria com o DJ Alesso e outra com o produtor Poo Bear, Will I See You. Já Downtown, feat com o cantor J Balvin, é em espanhol, e não poderia faltar também o clássico funk, Vai Malandra. A série documental Vai Anitta, na plataforma de streaming Netflix, exibe um pouco desse trabalho, além de detalhar todo o início da carreira da artista.

Para promover o projeto, Anitta espalhou peças de xadrez pelas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Todas os itens traziam o nome da cantora e quem buscasse saber sobre, descobria sobre o CheckMate. Esse método é conhecido por live marketing – marketing ao vivo – e proporciona uma interação com o público, o que ocasiona diálogo entre marcas e pessoas, promove engajamento. É a compreensão completa e diferenciada de serviços, produtos e branding em uma só experiência. Além disso, outra estratégia usada foi o surgimento da artista em algumas lojas da C&A.

Anitta fortaleceu seu networking – rede de contatos – através de portais, como o Hugo Gloss, e influenciadores. Também, esteve presente em colaborações com outros cantores de diferentes gêneros, e por muito tempo, cobrou mais baratos nos shows para poder se apresentar em outros lugares do país, como exemplifica no documentário.

Em uma estratégia para alcançar o público infantil, a artista lançou o desenho Clube da Anittinha, e chegou até a apresentar uma versão colecionável da personagem. Também produziu o Show das Poderosinhas com cenários, figurinos, coreografias e repertórios desenvolvidos para os fãs mirins.

Com o tempo, passou a ser um ícone da cultura pop LGBTQIA+. Em 2018, se apresentou na Parada LGBT, onde até se vestiu estampada com as cores da bandeira do movimento.

[Imagem: Divulgação/AG News]

No mesmo ano, aconteciam as eleições para Presidente, e com isso, acabou sendo criticada após se recusar a se manifestar sobre Jair Bolsonaro. Praticamente dois anos depois, se uniu a Gabriela Prioli em uma live no Instagram para falar sobre política, mas demonstrou não entender muito sobre o assunto.

No último Rock In Rio (2019), Anitta levou o funk pela primeira vez ao Palco Mundo, rebolando em um cenário inspirado no Furacão 2000. “Se eu fosse contar tudo que passei até chegar aqui, talvez vocês não acreditassem. Por isso, hoje, quero agradecer a mim, porque eu não desisti” afirma a cantora em um dos momentos do show. Depois, recriou o espetáculo gratuitamente em Honório Gurgel, cidade onde cresceu, e mostrou os bastidores na série Anitta Made in Honório, na Netflix.

Em meio a tanto destaque, ficou em alta no mercado publicitário e fechou parceria com diversas marcas. Além da Anitta usar da influência para conectar seu público com a empresa parceira, ela não se prende apenas a grandes negócios, mas também, a influenciadores e celebridades. O exemplo mais recente é com a ex-BBB Juliette, que chegou a se hospedar na casa da cantora para trabalhar no primeiro álbum.

As duas grandes colaborações da artista são com as empresas Samsung e a Skol Beats. Foi anunciada head de criatividade da bebida alcóolica mista em meados de 2019 e desde então, ajuda com os lançamentos, como 150 BPM e Beats Zodiac. Também já esteve estampada em produtos como Rexona e Coca-Cola. Recentemente, fez presença em uma campanha da Magalu, onde lançou uma coreografia no TikTok e agora, é parte do time administrativo do banco digital Nubank.

É possível enxergar um movimento da cantora nos últimos tempos focado na indústria internacional. Além das colaborações musicais com artistas como Cardi B, Madonna e Saweetie, ela desenvolveu uma parceria com o Burger King para a criação do combo Larissa Machado, nome próprio da cantora. O intuito dessa estratégia é mostrar que os produtos da franquia são tão reais, que os famosos usam nomes de batismo, e não os artísticos.

Em decorrência dessa colaboração, Anitta foi convidada a se apresentar no Video Music Awards, sendo a primeira brasileira a conseguir esse marco em uma das maiores premiações norte-americana. No evento, performou Girl From Rio, um dos últimos sucessos nas paradas, porém o canal da MTV Brasil não exibiu a apresentação por ter ocorrido durante os comerciais.

A música com o sample de Garota de Ipanema, clássica bossa-nova, foi parar no Top 40 das rádios americanas. Durante entrevista ao Profissão Repórter, ela fala sobre a dificuldade de manter uma carreira internacional: “É uma coisa que é muito difícil, que você não vê assim. Só é possível até alguém conseguir”. Além disso, Anitta passou a investir em novos mercados, recentemente emplacou Mon Soleil, feat com o cantor francês Dadju, que permaneceu por quase três meses no Top 50 do Spotify França.

A artista também foi convidada a comparecer pela primeira vez no Met Gala, uma festa beneficente organizada pelo museu de arte Metropolitan de Nova York. A presença foi convite de Alexandre Birman, diretor executivo do grupo Arezzo & Co, que representa o Brasil no baile há três anos. O look de Anitta foi escolhido por Anna Wintour, editora-chefe da Vogue americana e diretora de conteúdo global da Condé Nast.

Se consolidar mundialmente e ser reconhecida pela revista Forbes como um dos maiores nomes da indústria fonográfica, é de fato uma grande conquista, principalmente por muitos artistas brasileiros que não conseguirem chegar até onde ‘Anira’ está. Ela é um ótimo exemplo de profissional, que possui muito foco para realizar os seus trabalhos e merece ser reconhecida.

A nostalgia e os anos 2000 (re)conquistando as passarelas

Calças cintura baixa, tops, flip phones, óculos com lentes coloridas, sandálias plataformas e a ilustre (ou não tão ilustre assim) presença dos jeans são alguns dos elementos mais significativos e mais remanescentes da estética Y2K, cada vez mais ganhando — novamente — espaço no cenário atual do mundo da Moda, além de fisgar o coração dos diretores criativos e trazê-los, mais uma vez, para dentro das passarelas.  

Para quem não considera-se familiarizado com o termo ou está vendo-o pela primeira vez, o uso da hashtag #Y2K, ou somente a sigla ‘Y2K’ em si, trata-se de uma ”nova’’ tendência das redes sociais em que os usuários buscam compartilhar — ou reviver — tendências dos anos 2000, dando assim, o significado de Year 2000, ou em tradução livre, simplesmente anos 2000. 

A trend popularizou-se especialmente após internautas do mundo todo compartilharem em suas contas no TikTok suas recriações dos looks de personalidades como Paris Hilton, Britney Spears (especialmente a icônica aparição de Spears ao lado de Justin Timberlake no red carpet do VMA de 2001, em um look all-jeans), Christina Aguilera, Beyoncé, Spice Girls, até mesmo os uniformes e looks do seriado mexicano Rebelde (2004 – 2006), em especial os looks de Mia Colucci, que contribuiram bastante à popularização do termo, trazendo à tona tendências que a maioria de nós já possui total conhecimento sobre, e como filhos da década — ou seja, nascidos entre o período de transição entre a década de 1990 e dos anos 2000 —, cresceu sobre os cuidados da moda desta época. 

Britney Spears e Justin Timberlake no Red Carpet do Video Music Awars (VMA), no Metropolitan Opera House, Nova York, em 6 de setembro 2001. [Imagem: Jeffrey Mayer/ Getty Images]

Christina Aguilera (X-Tina) posando no Red Carpet do Video Music Awards (VMA), no Radio City Music Wall, Nova York, em 29 de agosto de 2002. [imagem: Michel Bourquard/ Alamy]

Assim, ao ter em mente a importância e o poder das redes sociais — em especial o Instagram, e agora o TikTok — no cotidiano de diversos setores industriais, incluindo o setor modista, é claro dizer que a popularização de tendências na internet contribui, e muito, para que esta veiculação também ocorra dentro da moda e acabe se tornando parte dela. 

A volta da estética dos anos 2000 ao mundo contemporâneo marca o retorno de uma das eras mais plurais da moda em termos de estilos, expressos por uma variedade de tendências em uma mesma década, além de sua longevidade que foi comprovada por sua relevância e fama nos dias atuais. 

Se a estética mais comentada na década passada — compreendida entre 2010 e 2020 — era a dos anos de 1990 e sua melancólica fase exemplificada especialmente pela estética ‘Heroin Chic’, esta caracterizada por pele clara ou pálida, olheiras, cheekbones, cabelos com aspectos de oleosos, valorização da extrema magreza, uso de drogas e cocaína e representada especialmente pela supermodelo britânic Kate Moss no início da década, além de muito comentada entre os fashionistas como uma fase ”bizarra” da moda. 

Ao que parece, os diretores criativos do mundo moderno ouviram os pedidos de ”Bring that back again!’’ dos amantes internautas dos anos 2000 e, a partir disso, a década atual tem buscado reviver as principais tendências da época pode ser considerada bastante sucessiva quanto a tal. 

Ao observar os editoriais de moda nas edições de Setembro deste ano (a edição de Setembro é sempre a mais importante do ano), principalmente das revistas Vogue US e Vogue Rússia é possível observar como a tendência já saiu das passarelas e migrou até mesmo para o mercado editorial. 

Alguns desfiles particulares da temporada anterior deixam claro o quanto a estética das criações têm tomado inspiração da tendência nascida nas redes sociais, a presença de referenciais a década de 2000 é inquestionável, como por exemplo na marca italiana Blumarine na diretoria criativa de Nicola Brognano desde sua coleção de Outono/Inverno 2021 ele mostrou com excelência como trazer uma tendência nascida do digital para a moda de luxo. Suas coleções seguem com a estética como a Resort 2022 e a mais nova coleção de Primavera Verão 2022 que foi apresentada no dia 24 de Setembro, durante a Semana de Moda de Milão. 

Alguns dos looks expostos por Nicola Brognano para a coleção de Primavera/Verão 2022. [Imagem: Alessandro Lucioni / Gorunway.com]
Diferentes reproduções do ‘top de borboleta’, da esquerda para a direita: Mariah Carey no red carpet de um show dedicado à Diana Ross em 2000 (design por Emanuel Ungaro); Olivia Rodrigo utilizando uma recriação da ‘Depop’ e Saweetie utilizando uma criação da Sequin em seu aniversário.

Entre minissaias e blusas cortadas, outra marca que demonstra  o poder do fenômeno digital é na mais recente coleção da Miu Miu de Primavera/Verão 2022, que foi apresentada no dia 05 de outubro durante a Semana de Moda de Paris. 

A coleção que foi assinada por Miuccia Prada foi aclamada pelos amantes de moda e marcada pelo renascer de uma das características mais fortes do Y2K — minissaias com comprimentos mínimos e cinturas baixas — mas não foi a única a abusar dos comprimentos minis em sua coleção, muitas grandes marcas seguiram a mesma linha como Acne Studios (Paris Fashion Week), Calvin Luo (Paris Fashion Week), Missoni (Milan Fashion Week) e Chopova Lowena (Milan Fashion Week) que direta ou indiretamente olharam para o sentimento nostálgico da década de 2000.

Alguns dos looks apresentados por Miuccia Prada para a Miu Miu, para a coleção de Primavera/Verão 2022. [Imagem: Filippo Fior / Gorunway.com

Fora das passarelas o cenário não é tão diferente. Personalidades como a modelo Bella Hadid e a cantora Dua Lipa (que são grandes influenciadoras contemporâneas no quesito ”tudo o que eu uso vira moda”), já adotaram diversas tendências do decênio compreendido entre  2000 e 2010, especialmente os trends bastante populares entre a metade da década. 

É corriqueiro que, a cada saída às ruas, elas entregam um novo outfit nostálgico que logo vira o assunto (ou looks) mais comentado e repostado nas redes sociais por um longo período de tempo. As cantoras Meghan Thee Stallion e Lizzo também são outras personalidades que parecem ter adorado reviver a década e, sempre que podem, usam e abusam do glamour dos anos 2000 em suas aparições. 

Bella Hadid e Dua Lipa fotografadas em NoHo, Nova York, em 19 de setembro de 2021. [Imagem: Gotham/Getty Images]
Bella Hadid nas ruas de Nova York. Aqui ela revive a tendência da saia midi jeans em uma lavagem mais clara. [Imagem: Gotham/Getty Images]
Em uma postagem em seu instagram, Dua desbloqueou diversas memórias dos anos 2000: o cropped rosa, a cintura à mostra, cinto combinado com peça superior e acessórios coloridos. [Imagem: Dua Lipa/ Reprodução Instagram]

No entanto, apesar de ser uma década que contém tendências e peças bem marcantes, uma das razões pela qual as marcas tendem a adotar a referência a década em suas criações pode estar atribuída à forte necessidade de fazer com que suas marcas sejam mais exploradas e adquiridas pelo público mais jovem, o que garantiria lucros e asseguraria o hype de suas casas criativas. 

É perceptível que algumas casas busquem preservar sua identidade criativa com tendências voltadas ao público mais maduro, porém, como qualquer outro nicho, a indústria da Moda passa por processos de rotações de caminhos, ou seja, para manter-se, é necessário que a mesma se adapte ao mundo ”moderno’’ e, convenhamos, as novas perspectivas buscam atentar-se mais ao mundo do marketing do que à realidade vívida, de fato.

Você provavelmente já deve ter ouvido por aí que ‘tempo é dinheiro’, mas quando o assunto é o mundo fashion, o mais correto a se dizer é: marketing é dinheiro; o que implica em dizer que se a estratégia de marketing de uma marca for bem produzida e executada, assim será a marca, também bem sucedida e lucrativa. Ou seja, o que significaria adotar as tendências que estão na ‘’moda’’ – seja entre influenciadores digitais, ou seja entre a comunidade da moda das redes sociais — como forma de dar continuidade à sua relevância, bem como uma maneira eficaz de garantir e assegurar seus fins lucrativos. 

Um outro ponto a ser relacionado pelo fortíssimo comeback da moda dos anos 2000 aos editoriais e passarelas também pode ser atribuído à presença de designers e diretores criativos mais ‘’jovens’’ frente às marcas e produções editoriais, que acabam por trazer suas raízes e referências estéticas às suas criações, especialmente, para dentro das passarelas. 

O retorno das tendências dos anos 2000 ainda rompe com as barreiras ‘’instauradas’’ pela influência dos anos de 1990. Se a década de 1990 era marcadas por peças mais confortáveis, minimalistas, e de fato ”reclusas’’ — representada pelo uso de calças mom e da estética grunge, por exemplo — a estética dos anos 2000 quebra totalmente estes paradigmas, expressado pela forte referência à extravagância, ao glamour e principalmente ao maximalismo — marcado pelo princípio de ”quanto mais, melhor”, adicionando mais personalidade e vida à composição de algum look, contrariando totalmente a estética passada. 

O momento nostálgico no qual nos encontramos atualmente não reflete somente nas peças de roupas ou acessórios. Acontece que, assim como o início da década de 2020, marcado por um período de recessões e, acima de tudo, pela pandemia do coronavírus deflagrada mundialmente, que provocou e agravou crises políticas e econômicas em diversas nações, além de crises sanitárias. 

Os anos 2000 não foram tão diferentes. Tiveram diversos altos e baixos, como a ”grande depressão“ ou crise financeira compreendida entre 2007 e 2008, que chegou ao fim somente em 2009 — mas que continua influenciando a economia de vários países até hoje — além da pandemia causada pelo H1N1 que afetou mais de 200 países entre 2009 e 2010 que, inclusive, ainda estavam saindo ou se recuperando da grave crise monetária desencadeada nos anos anteriores. Semelhanças? 

Há uma interessante explicação para tudo isso: a influência da conjuntura social no estilo. Ou melhor dizendo, a moda anda conforme a sociedade atual esteja caminhando, ou seja, a volta das tendências dos anos 2000 pode estar diretamente associada ao período — praticamente de semelhanças — no qual estamos vivendo atualmente.

Se por um lado as décadas de 1970 e 1980 valorizavam o uso de sapatos e saltos mais baixos, que pudessem representar a estabilidade e o momento vanguardista, em que a situação parecia estar andando em direção ao progresso, as décadas de 2000 e 2020 parecem buscar o lado contrário e reproduzir sua passagem marcada por instabilidades e índices inflacionários em seus sapatos altíssimos em plataformas. 

Dentro dessa teoria sociológica, parece que seremos contemplados pela glamourização, plataformas e maximalismo dos anos 2000 por um bom tempo, uma vez que, apesar do fim da pandemia, as problemáticas recorrentes e deixadas por ela perdurarão por um longo período, especialmente pelo decréscimo do mercado financeiro e crises políticas, que acabam por influenciar diretamente todos os setores econômicos, inclusive as indústria têxtil e da moda. 

Além disso, as antigas previsões de que ao longo de 2021 a moda estaria optando por tendências mais futuristas terão que se retardar um pouco e aguardar para que quando ocorra o otimismo de ser a ”estrela do show“, de fato, a moda possa novamente deliberar sobre um conceito vanguardista e de avanços, assim como a estética futurista. 

Se você alguma vez já se encantou por algum look usado pelo quarteto de Sex and the City (1998 – 2004) e por sua protagonista Carrie Bradshaw, ou por algum dos looks utilizados por Paris Hilton, Britney Spears, Jennifer Lopez, X-Tina, Fergie, Ashley Tisdale, Victoria Beckham, ou qualquer look inusitado que tenha saído diretamente do ”forninho’’ dos anos 2000 e já quis reproduzi-los, mas deixou de fazê-lo por achar que estaria ”fora de moda” ou vestindo-se de maneira ”estranha’’, talvez este seja o momento perfeito para tirar as peças do seu guarda-roupa e arriscar pelas ruas!

O reconhecimento de ‘Garota Infernal’ como um clássico cult feminista

Em 2007, Megan Fox protagonizou Transformers ao lado de Shia LaBeouf e, graças à popularidade da franquia, foi considerada símbolo sexual na época. Em 2009, Garota Infernal, dirigido por Karyn Kusama e roteirizado por Diablo Cody, chegou aos cinemas e, apesar de não ser um sucesso de bilheteria, foi um marco na carreira de Megan. Garota Infernal não foi bem recebido no início, porém, após anos, conquistou seu reconhecimento e foi do fracasso à um clássico cult feminista.

O longa-metragem conta a história de Jennifer (Megan Fox), uma líder de torcida que é sacrificada por membros de uma banda e, ao ser possuída por um demônio, começa a matar garotos. Enquanto a maldosa Jennifer está satisfazendo seu apetite com carne humana para sobreviver, sua amiga nerd Needy (Amanda Seyfried) descobre o que está acontecendo e promete acabar com o massacre.

Recentemente, discussões que buscam analisar o motivo desse reconhecimento tardio surgiram nas redes sociais e, em 2018, Kusama e Cody revelaram ao BuzzFeed que a campanha de marketing sexista do estúdio de cinema 20th Century Fox fez com que o lançamento do filme tenha sido desastroso. O problema que se sobressai nunca foi a crueldade de Megan Fox devorando homens brutalmente, mas a hipersexualização e objetificação feminina produzida a partir do male gaze.

Megan Fox em Garota Infernal (2009) [Imagem: Reprodução/Tumblr]

Kusama e Cody produziram Garota Infernal para atrair mulheres da mesma idade que as personagens principais Jennifer e Needy, mas perceberam na pós-produção que o estúdio só tinha interesse em vender o filme com base no status de símbolo sexual emergente de Megan Fox. “Eu acho que houve uma percepção generalizada de mim como um súcubo raso, se isso faz algum sentido, por pelo menos durante a primeira década da minha carreira”, desabafou Megan em entrevista ao jornal norte-americano The Washington Post.

Ademais, em entrevista ao podcast History of Horror: Uncut, a atriz também revelou como acredita que a “fama de egoísta”, da qual ficou conhecida na época, fez Garota Infernal ser um fracasso. “Por causa da minha imagem e quem eu era para a mídia na época, o filme nunca teve chance. Eu tive uma desavença com uma pessoa que trabalhava na indústria. Isso aconteceu quando eu estava na turnê de imprensa para divulgar o filme. Acho que tudo explodiu de vez”, comentou Fox sobre quando, durante as filmagens de Transformers, foi desrespeitada por parte da produção.

Em 2009, em uma entrevista com a revista Wonderland, Megan chamou o diretor de Transformers, Michael Bay, de tirano e o comparou com Hitler. Em compensação ao comentário da atriz, uma carta anônima foi publicada no site do diretor, chamando Fox de “vadia hostil”, “sem graça”, “sem classe” e, além disso, afirmando que a atriz deveria ser “estrela pornô”.

Megan Fox em Garota Infernal (2009) [Imagem: Reprodução/Tumblr]

Porém, de acordo com Megan, essa percepção começou a mudar nos últimos anos, principalmente com o surgimento de movimentos em prol das mulheres como o Me Too, que ganhou força em 2017. O movimento Me Too encorajou as mulheres a compartilharem histórias de abuso verbal e físico, assim como assédio e violação sexual, após a forte acusação contra o produtor de Hollywood, Harvey Weinstein, que foi desmascarado como um predador em série.

Tragicamente, a história de Fox não é um caso singular, uma vez que, ao longo da história, a indústria do entretenimento rotineiramente persegue muitas mulheres famosas a fim de derrubá-las sem nenhuma delicadeza. Em fevereiro, por exemplo, o documentário Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela foi lançado e o caso de Spears ganhou mais espaço na mídia – o pai de Britney Spears, Jamie Spears, tinha a princesa do pop sob tutela há 13 anos, desde que a imprensa revelou indesejadamente problemas conjugais e familiares de Britney entre 2007 e 2008, que fez com que a saúde mental da cantora fosse seriamente afetada.

Britney Spears e Megan Fox comandam uma extensa lista de mulheres que foram injustamente destruídas pela imprensa e, consequentemente, pelo público. “Eu estava tão perdida e tentando entender, tipo, como eu deveria sentir valor ou encontrar um propósito neste inferno horrendo, patriarcal e misógino que era Hollywood na época? Porque eu já havia me manifestado contra isso e todos, inclusive outras mulheres, me receberam de uma forma muito negativa”, relembrou Fox na entrevista ao The Washington Post. Hoje, a atriz diz estar orgulhosa de desabafar contra os maus-tratos às mulheres “uma década antes de se tornar popular”.

Em maio, mais de uma década após o lançamento de Garota Infernal, Olivia Rodrigo homenageou a comédia de terror com o clipe de seu single de sucesso good 4 u. Em julho, em entrevista ao Who What Wear, Megan afirmou que acredita que Garota Infernal estava à frente de seu tempo e comentou sobre a mudança de percepção do público sobre o filme ao dizer que o longa-metragem continua a ter um novo ressurgimento e renascimento. “As adolescentes agora estão recém descobrindo e estão apaixonadas pelo filme. É mais relevante agora, eu acho, do que era quando foi lançado”, disse Fox.

O consenso entre os fãs de Garota Infernal – incluindo quem já difamou a produção – é que o filme foi vítima do tempo. O mundo, assim como a cultura, está constantemente mudando, portanto, Hollywood e o público também se tornaram mais receptivos às flexões de gênero, às “mulheres difíceis” e aos temas feministas que Kusama e Cody quiseram mostrar em 2009. Nesse período, a mentalidade do público, infelizmente, prejudicou a percepção sobre o longa-metragem.

Há 12 anos, Diablo Cody quis escrever papéis que conseguissem oferecer algo às mulheres e contar histórias a partir de uma perspectiva feminina. Karyn Kusama ficou interessada na ideia de Cody, porque percebeu que a história, em sua essência, era um filme de terror feminista. Desse modo, elas quiseram subverter o modelo clássico da mulher sendo aterrorizada e fugir corajosamente de costumes misóginos.

“Se um homem escrevesse um filme com a frase ‘o inferno é uma adolescente’, eu rejeitaria isso, mas eu tenho permissão para dizer isso porque eu era uma. Acho que o fato de sermos uma equipe criativa feminina nos deu permissão para fazer observações sobre alguns dos aspectos mais tóxicos da amizade feminina”, disse a roteirista Cody ao BuzzFeed.

Megan Fox e Amanda Seyfried em Garota Infernal (2009) [Imagem: Reprodução/Tumblr]

Hoje, a obra cinematográfica de Kusama e Cody está sendo redescoberta como um clássico cult feminista e recebendo o carinho que merecia ter ganhado desde o início. Jennifer é mais que uma personagem fictícia sexualizada, mas o pensamento heteronormativo da crítica na época e o apagamento do público-alvo (o cis-feminino e LGBT) contribuíram com a má interpretação que fizeram em 2009.

“O filme estava à frente de seu tempo e, embora eu ache que há um argumento de que não o comercializaram de forma adequada, eu genuinamente não acredito que as pessoas estavam prontas para um filme como aquele naquela época em nossa sociedade e cultura”, confessou Megan também ao BuzzFeed. “Eu também acho que o filme pode ter sido ofuscado pela relação implacável de natureza vampírica que a mídia tinha comigo naquela época. Estou feliz por termos visto uma mudança na consciência coletiva e que agora as pessoas são capazes de apreciar o filme retroativamente.”

Garota Infernal é, com certeza, um filme sobre uma líder de torcida “devoradora de homens”, contudo também é assumidamente uma representação sobre a figura feminina, centrado nos perigos de ser uma mulher em um mundo machista, sobre a toxicidade da codependência e o significado de amar e se libertar de alguém que é ruim para você.

A Influência da Bossa Nova no mundo

Desde versões em inglês de canções de sucesso como Garota de Ipanema de Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes por Norman Gimbel, até influências diretas nos artistas mais famosos do momento como Billie Eilish em Billie Bossa Nova, a Bossa Nova é um dos estilos musicais brasileiros mais populares internacionalmente.

No começo, seu nome era um termo em relação a um modo diferente de tocar samba, mas com o passar do tempo, com grandes compositores e a mistura do jazz americano com o samba brasileiro, a Bossa Nova se desenvolveu e se tornou um dos maiores movimentos da música popular brasileira, além de referência mundial.

Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes [Foto: Reprodução]

Contexto Histórico

Esse gênero musical teve sua origem na zona sul do Rio de Janeiro, em reuniões de grupos de músicos da classe média carioca que se encontravam para experimentar e fazer música no final da década de 50.

Os artistas de Bossa Nova tinham a intenção de romper padrões e inovar a música brasileira, queriam um ritmo novo e mais moderno. Criaram um modo de cantar com a voz mais suave e baixa, letras mais intimistas e detalhadas sobre o dia a dia, mas com uma linguagem coloquial.

Com o lançamento dos discos Canção Do Amor Demais de Elizeth Cardoso e Chega de Saudade de João Gilberto, ambos com participações de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, 1958 é considerado o marco inicial desse novo ritmo.

Vinícius de Moraes, Elizeth Cardoso e Tom Jobim no disco “Canção De Amor Demais”
[Foto: Reprodução]

Desde o início o gênero fez sucesso, apesar das várias críticas devido à forte relação com estilos norte-americanos, foi um fenômeno comercial e levou a música brasileira a novos patamares, ao ser admirada por outros países.

Bossa Nova mundo afora

Em 1962, apenas alguns anos após o começo oficial da Bossa Nova no Brasil, foi sua estreia internacional em um festival no Carnegie Hall em Nova York. A partir daí, artistas brasileiros passaram a gravar parcerias com músicos estadunidenses, como por exemplo Stan Getz, que ganhou um Grammy em 1963 com a música Desafinado, escrita por Tom Jobim e Newton Mendonça, e também versões em inglês de músicas já existentes.

Capa do LP Bossa Nova at Carnegie Hall, Audio Fidelity, 1962. [Foto: Reprodução]

Norman Gimbel, o letrista norte-americano, traduziu para o inglês as letras das músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Garota de Ipanema, Insensatez e Meditação de Tom Jobim e Newton Mendonça. Desde então, muitas faixas foram regravadas, mas Garota de Impanema é uma das mais gravadas da história e sua lista conta com cantores renomados como Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Amy Winehouse, Andrea Bocelli, Cher, Madonna e muitos outros. 

A música é um marco na indústria musical brasileira. Ganhou grammys, apareceu em diversos filmes, foi colocada no Hall da Fama do Grammy Latino, incluída no Registro Nacional de Gravações pela Biblioteca do Congresso dos EUA, ficou 96 semanas no Top 100 da Billboard e quase todas suas variações fizeram sucesso. Até hoje, serve de referência para artistas contemporâneos estrangeiros como Rosalía, Shakira e mais recentemente Alessia Cara.

Onde em seu terceiro álbum de estúdio In The Meantime leva claramente a influência do estilo, além da menção à canção de Jobim na letra de Find My Boy: “Skating down the block, down in Ipanema” (em portugues “Andando de skate no quarteirão em Ipanema”). E ainda revelou em entrevista ao G1 que a Bossa Nova é um dos seus gêneros musicais favoritos e só escutou isso durante o verão que compôs seu álbum.

No Brasil, um exemplo da continuação do legado de Garota de Ipanema é com Anitta, a artista brasileira com maior sucesso internacional atualmente. Seu single Girl From Rio é um sample, faz alusão a estética da época em seu clipe e traz à tona novamente esse ritmo para o público nacional e de fora.

A música Arrastão cantada por Elis Regina e composta por Vinícius de Moraes e Edu Lobo marca o fim do movimento da Bossa Nova e o início da Música Popular Brasileira. Após o golpe da ditadura militar, as músicas passaram a ser formas protestos e a junção da Bossa Nova com Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes, foi parte da evolução e desenvolvimento da MPB. 

Apesar do movimento não ter durado muito oficialmente, artistas ainda criaram e fizeram Bossa e continuam até hoje. Sua contribuição para a cultura brasileira e mundial é atemporal. 

[Resenha] Sex Education: A relevância da série para uma geração

A terceira temporada de Sex Education chegou à Netflix em setembro e pode ser considerada como uma das melhores séries da atualidade, já que praticamente um mês após o lançamento, permanece no Top 10 da plataforma. 

Uma inovadora representação da adolescência, tratando de tabus em torno do sexo, como orgasmos e métodos contraceptivos, culminou para tanto reconhecimento. Sem filtros, a obra inglesa desenvolveu três excelentes temporadas, que fazem os espectadores se envolverem com cada história apresentada no seriado.

O início da primeira fase não é só sobre educação sexual, mas as barreiras da descoberta da homossexualidade e as diferentes formas de bullying. Em sequência, trazem para o debate a assexualidade, fetiches, vaginismo e assédio sexual, mas de modo que o tema central da série seja leve, mesclando aprendizado com toques de humor britânico. 

O terceiro ano de Sex Education explicita a problemática do conservadorismo, como o preconceito com a gravidez tardia, relação sexual com pessoas com deficiência, relacionamento com indivíduos mais novos, resistência contra a linguagem neutra, homofobia como crime e a sexualidade como sinônimo de perversão. Os novos episódios são os mais sexuais e maduros, desmistificando possíveis achismos de que falar sobre sexo é algo banal.

O diferencial

Diferente da série britânica, os debates acerca da sexualidade sempre foram mais negligenciados nas séries, como em Skins. Uma exemplificação disso ocorre quando a personagem Cassie, interpretada por Hannah Murray, desenvolve uma anorexia, distúrbio alimentar, e essa temática não é bem aprofundada, ocasionando uma romantização. Já as obras mais recentes, como Elite e Gossip Girl, também podem ser consideradas como exemplos da banalização existente e que perduram dentro de produções audiovisuais envolvendo a juventude. 

A Netflix encomendou uma pesquisa em 2020 com a empresa NetQuest, e como resposta obteve que sete em cada dez brasileiros – participantes do estudo – optam por assistir filmes e séries que apareçam personagens semelhantes a eles. Esse resultado indica a busca por representação no cinema, como um meio de enxergar a vida através das telas. Além disso, conclui-se também que os jovens buscam por conselhos para solucionar algumas situações, principalmente as que envolvem relacionamento, futuro e amizade.

Portanto, Sex Education se torna uma produção que ultrapassa as expectativas, transformando ficção em uma realidade pré-existente, e acaba sendo coerente com o mercado, mesmo que haja uma certa “adultização”, já que a adolescência é de fato uma transição para a fase adulta.

Essa abordagem só foi possível devido a Laurie Nunn, criadora da série. Em entrevista ao jornal The Washington Post, afirmou que já ouviu espectadores adultos declararem que o programa ajudou a entender questões que lhe foram ensinadas de modo errado. A roteirista também falou em entrevista ao The New York Times, sobre fazer parte do esforço da produção a importância das interações, de modo que seja prático e detalhado: “Não é apenas representação, é ter o máximo possível dentro do escopo do show”. 

Além disso, os produtores da série procuraram por coordenadores de intimidade, para que as cenas mais íntimas fossem de uma forma autêntica. David Thackeray, por exemplo, trabalhou em todos os oito episódios da nova temporada, coreografando cada cena como se fossem passos da dança ou movimentos de uma luta. A consultora Jodie Mitchell, conhecida por aconselhar produções em como representar personagens e temas não-binários, também foi solicitada pela equipe de Sex Education

Dua Saleh, que interpreta Cal na série inglesa e que também é uma pessoa não-binária, declarou que foi surpreendente como os assessores eram atenciosos e cuidadosos com os corpos dos atores, e também sobre a importância do programa: “Quando eu era adolescente, se tivesse visto esse programa, não teria conservado todos os sentimentos nojentos sobre mim, apenas por ser eu mesmo. Eu não teria vergonha de apenas existir”.

Imagem: Reprodução/Netflix

Como a temática exibida na série chega a realidade brasileira

Há quem considera que falar sobre sexo com jovens é problemático e até mesmo errado, mas não tem nada a ver com promiscuidade e pornografia, e sim sobre conhecer o próprio corpo e limitações. O atual Presidente, Jair Bolsonaro, demonstrou esse pensamento desde quando era Deputado, onde criticou o livro Aparelho Sexual e Cia, afirmando fazer parte de um suposto “kit gay” criado por Fernando Haddad, quando foi Ministro da Educação, de 2005 a 2012, nos governos Lula e Dilma. Esse projeto nunca existiu, mas a obra possui o intuito de explicar o sexo de forma didática e divertida.

Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, lançou uma campanha em fevereiro de 2020, para prevenção da gravidez na adolescência através da abstinência sexual. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, estima-se que pelo menos 13 milhões de garotas tenham engravidado entre 10 e 20 anos nas últimas duas décadas. Um dos maiores problemas é a evasão escolar e, consequentemente, a falta de oportunidades no mercado de trabalho, mas a abstinência não é um método eficaz de prevenção.

O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de casamentos infantis, sendo o primeiro da América Latina, segundo a Unicef. Além disso, as infecções sexualmente transmissíveis também são um problema, já que uma menina entre 15 a 19 anos é infectada com o vírus HIV, causador da AIDS, a cada três minutos. Já entre os meninos na faixa de 20 a 24 anos com AIDS, a estimativa cresceu em 133% entre 2007 e 2017.

Imagem: Reprodução/Netflix

Educar crianças e adolescentes para que conheçam sua sexualidade é de extrema importância, visto que o país também possui um alto índice de estupro, entre 2017 e 2018 foram registrados um total de 127.585 casos. Portanto, se as escolas e famílias adquirissem a educação sexual, as situações de assédio poderiam diminuir junto a outros problemas, como gravidez precoce e IST. Além disso, os jovens iriam aprender a respeitar o próprio corpo e das outras pessoas a sua volta, o que possibilita uma maior aceitação da diversidade.

Sex Education se passa em outra cultura, mas com os mesmos problemas, e mostra como o assunto pode ser trabalhado entre pais e filhos e alunos e colégios. Indo além de histórias ficcionais, o público pode aproveitar todos os ensinamentos de forma objetiva e descontraída, resultando em uma série aclamada por todo o seu desenvolvimento. 

Vale a pena aguardar a próxima temporada que já foi confirmada pela plataforma de streaming Netflix. Mas enquanto isso, já assistiu à terceira fase?

O easy-chic com flertes criativos da beleza da PFW

Chegou ao fim nesta terça-feira (05) a temporada SS/2022 parisiense, que trouxe consigo momentos emocionantes e referências que refletem as expectativas e interpretações que a indústria tem para o futuro. Fechando o chamado “mês da moda” com chave de ouro, a semana de moda de Paris foi marcada por momentos paralelos: uma beleza básica, marcada pela leveza, sem perder a elegância inseparável que acompanha os ares franceses; com momentos de ousadia, affair com as cores e emoção. Talvez possamos arriscar dizer que foi uma miscelânea entre o “no make-up make-up” apresentado em Milão com relances das belezas “escapistas” de Nova York.

Seguindo, majoritariamente, uma linha com características easy-chic, o que mais se viu na fashion week parisiense foi uma beleza leve que parece ser fácil, despretensiosa e sem muito esforço para ser elaborada. Essa beleza é bem visível passarela da Loewe, assinada pela requisitadíssima dupla Pat McGrath e Guido Palau. A delicadeza e quase ausência de maquiagem e o cabelo moderno, desconectado, mas adornados pela cor representou o tributo da marca à sua expectativa para o cenário pós-pandêmico, livre de ansiedades e preocupações excessivas, deixando que nós sejamos nossa própria casa, nosso próprio padrão e nossa própria referência de beleza e conforto.

Loewe SS22 RTW.
[Imagem: Alessandro Viero]

Em meio a uma mensagem que parece trazer nuances de uma volta ao básico, houveram picos de ousadia que nos remeteram um pouco à estética colorida, alegre e disruptiva vista em NY. Os delineados, antes tão simétricos e quase milimetricamente calculados, apareceram em novos formatos, posições e um pouco menos próximos dos ideais de perfeição. Ao menos, foi isso o que vimos nas belezas propostas por Courréges e Rick Owens (de autoria de Anthony Preel & Joseph Pujalte e Daniel Sallstrom & Duffy, respectivamente) que levaram às passarelas a mistura perfeita entre a sutileza e força, quase como (re)apresentando tendências antigas de maneira reinventada. Bem parisiense, não? 

Este mesmo delineado ligado aos novos ideais de despretensão, trouxe junto uma nova provocação por meio do trabalho de Lucia Pieroni & Anthony Turner na grife Rochas, que ao nos incitar a traçar as famosas linhas abaixo dos olhos, também nos inspira a tentar enxergar o mundo de forma diferente e virar nossos planos de cabeça pra baixo, depois de sermos surpreendidos com uma pausa forçada e levados a refletir sobre a fugacidade da vida. Nesse mesmo sentido seguiram Kenneth Ize, embelezado por Fara Homidi & Yann Turch, responsável por iluminar os olhares com traços dourados que, filosoficamente, podem representar um olhar ambicioso e reluzente para o futuro, e Chloé – pelas mãos de Hannah Murray & James Pecis, que, em meio à onda de “no make-up make-up” looks, apresentou alguns olhares enfeitados com delineados extensos e coloridos, nos fazendo pensar em um futuro divertido e multifacetado. 

Pelo universo das cores e do drama também passaram Weinsanto e Dries Van Noten. A primeira casa – Weinsanto – de forma muito mais artística por meio do trabalho de Axelle Jérina & Kevin Jacotot, ilustrou um discurso que mostra que ainda existe espaço para um escapismo dramático em um futuro com ares etéreos. Já a segunda, – Dries – produzida por Lucy Bridge & Sam McKnight, instigou uma explosão à primeira vista; com tons vivos, olhos que carregam uma intensidade eletrizante, lábios pintados com as cores que irradiam alegria e cabelos que combinam assimetria e degradê, fazendo um paralelo aos tempos incertos há pouco vivenciados por todos nós. 

Na contramão das belezas que focaram no olhar dramático, se apresentaram as maisons que colocaram na boca toda sua emoção. A mesma pele leve e fresh foi combinada à rastros de cores em batons mais vivos, que ornamentaram os visuais propostos por Karin Westerlund & Duffy e vistos nas passarelas de Saint Laurent, que fez do batom vermelho a marca de força e sofisticação do desejo de imagem idealizado por Vaccarello; e a estética criada por Pat McGrath e Guido Palau para a Valentino que, assim como Chloé fez ao trazer destaque aos olhos, mesclou lábios contrastantes à beleza despojada.

Sendo assim, como dito no início desse texto, Paris refletiu a junção das visões de futuro apresentadas em Nova York e em Milão em uma bela e instigante miscelânea que demonstram as interpretações do futuro externadas na beleza, sem, contudo, deixar de lado sua distinção e requinte que, ao longo dos anos, tornaram-se sua marca registrada e fizeram da cidade das luzes a responsável pelo apagar das luzes do mês da moda.