Por trás do DNA: Charles de Vilmorin

O estilista francês Charles de Vilmorin, recém graduando da notória La Chambre Syndicale de la Couture Parisienne, foi indicado para ocupar o cargo de diretor criativo da maison Rochas no início deste ano. 

É especulado que a escolha foi, em parte, por conta de sua herança. O jovem é sobrinho-neto de Louise de Vilmorin — romancista, escreveu Madame de… (1951), livro que foi adaptado para as telonas em 1953 com o filme Desejos Proibidos (Madame de… em francês) de Max Ophüls; poetisa e jornalista francesa; herdeira da empresa de agricultura Vilmorin, fundada há mais de 200 anos. Louise era amiga de Hélène Rochas, esposa e grande musa do couturier Marcel Rochas — fundador da casa. No entanto, segundo o Financial Times, tal ligação era desconhecida até então.

Em entrevista ao jornal, o estilista fala sobre a sua herança artística passada por meio da sua família — sua mãe trabalha como professora de arte — e nega que foi indicado para a posição na Rochas por conta das ligações de Louise de Vilmorin com Hélène Rochas.

Ao invés disso, o designer acredita que a escolha tenha se dado por conta da sua ousadia, criatividade e a coragem de experimentar coisas arriscadas ainda seguindo as normas e tradições da alta costura francesa.

Charles de Vilmorin para Rochas. [Imagem: Charles de Vilmorin/ Reprodução Instagram]

Logo quando foi apontado para o cargo, Vilmorin contou à Vogue que a sua relação com a marca começou ainda qundo pequeno. Na infância, a maison estava presente em sua vida no formato de roupas e perfumes. Em fevereiro, o designer afirmou que a via como um símbolo de pureza e elegância, e que planejava unir o legado de cores e criatividade com o seu próprio toque.

Charles de Vilmorin apresenta a jovial esperança e ansiedade para o futuro. Em entrevista para a Fédération de la Haute Couture et de la Mode, fala sobre o significado e importância do futuro para a indústria: “É importante usar o passado, viver o presente e pensar sobre o futuro. É o papel de um designer pensar sobre o futuro”. Tal esperança é refletida no seu “DNA”.

Ao fazer um mergulho em seu instagram, é possível notar sua assinatura artística de forma prepotente. Seu feed é coberto por desenhos (que lembram os utilizados em seus designs), cores vibrantes no formato de fotografia, arte ou inspiração. Já pelas redes sociais, percebe-se que Charles de Vilmorin é — no sentido mais nú e cru da palavra — um artista.

Charles de Vilmorin: a marca

Ilustrações por Charles de Vilmorin. [Imagens: Charles de Vilmorin/ Reprodução Instagram]

O DNA de Vilmorin é vibrante, colorido, artístico e humano. Com elementos do Cubismo, Pop Art e até mesmo do Modernismo; o estilista cobre suas obras com verdadeiros elementos artísticos muitas vezes negligenciados pelo público geral quando se fala de moda.

A maison Charles de Vilmorin foi fundada em 2020, bem no meio da pandemia do COVID-19. Com o papel do estilista na Rochas, sua marca terá o propósito de se basear em Haute Couture — mais uma vez reforçando o lado artístico de seu criador — com pequenas cápsulas de pronto-a-vestir de tempos em tempos. A primeira coleção lançada foi a de Outono/Inverno 2020.

Segundo o próprio criador, a mulher de Charles de Vilmorin é ”um pouco tímida, um pouco trash. Ela não sabe para onde quer ir mas vai. Ela é tímida e um pouco… Desajeitada”, conta ao Financial Times.

As estrelas do momento foram as jaquetas puffer de poliéster impermeável super coloridas que relembravam uma silhueta dos anos de 1980 com ombreiras super marcadas. Todas as peças são feitas a mão. A coleção de lançamento foi um sucesso, com suas criações usadas em editoriais por grandes revistas como Numéro China.

Desde o início, o designer apresenta sua visão extremamente criativa de forma ousada e direta. A identidade do que será a maison Charles de Vilmorin se deixou clara desde o princípio: cortes ousados e grandiosos, elementos artísticos (seja em cores, texturas ou cortes) e o ponto humano — todos os ítens são feitos a mão por um time pequeno de pessoas.

Mesmo com pouco tempo no mercado, o estilista foi convidado pela Fédération de La Haute Couture et de la Mode para participar da Semana de Alta Costura.

Ele traduziu sua visão criativa repleta de cores, formas e arte para o couture de forma extremamente natural. Para a coleção, Vilmorin pintou todos os tecidos à mão antes de serem costurados em suas formas finais. Tal técnica pode ser notada ao se aproximar das fotografias da coleção. As imperfeições, ou melhor, detalhes de uma tela pintada a mão são evidentes. A falta de simetria e pequenas manchas não contam como defeitos para a visão artística e proposta apresentada. O designer afirma que tira inspiração do familiar — de seus amigos. As linhas e traços menos que perfeitos passam a impressão do conhecido, confortável. O humano que se torna belo por ser único. 

A técnica demorada e delicada de Vilmorin está em tudo da coleção. As cores vibrantes e chamativas são combinadas com silhuetas igualmente espalhafatosas e dramáticas. Charles busca também inspiração na moda dos anos de 1960 com silhuetas familiares. Em uma coleção, Vilmorin carrega a mensagem mais constante em sua geração, a geração Z: a necessidade de encontrar beleza em tempos caóticos, ou ao menos esperar pelo belo e brilhante na linha de chegada. No fashion film, os modelos (amigos de Charles) são apresentados como verdadeiras obras de arte em movimento.

No início deste ano, o estilista apresentou sua terceira coleção — segunda de alta costura. Esta, no entanto, veio como uma grande surpresa por ter um enorme contraste com suas coleções passadas. Em uma coleção inteiramente preta, Charles de Vilmorin descreve a surpresa como apenas um mood.

As peças parecem terem sido tomadas por corvos e imaginadas pela mente de Tim Burton. O estilista, no entanto, mantém o caráter artístico com o uso de penas, cortes complicados (que por vezes lembram tentáculos) e grandes brincos dourados. A coleção de Outono/Inverno Couture parece, em sua maioria, extremamente teatral, com silhuetas pomposas e gigantes. O mood aqui se apresenta como oposto da coleção anterior, uma desesperança e medo do que o futuro aguarda.

Depois dela, o designer volta para sua visão colorida com a coleção cápsula exclusiva para 24 Sèvres — portal de compras de luxo online, pertencente ao conglomerado LVMH.

A perspectiva econômica por trás da indicação ao cargo na Rochas

A introdução de um jovem designer é, mais do que tudo, a tentativa de alcançar um novo público no mercado. As peças da coleção de Primavera/Verão 2022 serão vendidas por um preço mais “acessível” (com a variação de preços para vestidos entre €700 e €3000).

Hoje, a Inter Parfums é a proprietária da maison. O mercado de perfumaria gera para a marca cerca de €40 milhões — número que cresceu desde a compra em 2015. Segundo Philippe Benacin, CEO da Inter Parfums, o crescimento é creditado à introdução de perfumes voltados para o público jovem como Eau de Rochas, Mademoiselle de Rochas e Rochas Girl. 

A licença de todas as coisas fashion, no entanto, são administradas pelo grupo HIM. Esse mercado gera para a casa francesa cerca de €8 milhões, e a proposta é alcançar €20 milhões nos próximos três anos, a fim de equilibrar com o mercado de perfumes.

Para alcançar o objetivo, a marca planeja expandir seu espectro de vendas e apostar também no setor de sapatos e acessórios — segmento da indústria da moda que mais movimenta o mercado.

Rochas de Charles de Vilmorin

Fotos da nova visão artística da Rochas, divulgadas no instagram oficial da marca. [Montagem por Marina Bittencourt]

Para entender a nova Rochas é preciso entender a antiga. Marcel Rochas tinha apenas 23 anos quando fundou a maison, somente um ano mais novo que Charles de Vilmorin quando assumiu a direção criativa da casa. Na época, Rochas foi considerado o estilista da juventude. Indo contrário à grandes personalidades da época como Coco Chanel, ele apresentava silhuetas realmente revolucionárias para o tempo: vestidos bem estruturados com mangas bufantes, saias robustas e arquitetura impecável em suas criações.

Responsável pela criação de saias com bolsos e do casaco ⅔, Rochas tirava suas inspirações do feminino e da emancipação feminina. Suas roupas eram idealizadas com o corpo da mulher em mente. No pós Segunda Guerra, o estilista usou e abusou de peças e silhuetas que buscavam a liberdade e independência feminina. O designer faleceu em 1955 aos 53 anos.

Desde então, a maison passou por diversos diretores criativos. Obteve um breve retorno à glória com a direção criativa de Olivier Theyskens de 2003 até 2006. Na sua coleção de estreia e ao longo do seu tempo na marca, Theyskens apresentou uma visão um tanto parecida com a atual de Vilmorin, isto é, silhuetas grandiosas, dramáticas e inovadoras. Uma ousadia que remete ao fundador.

A Rochas de Vilmorin é, além de tudo, uma tentativa de rejuvenescimento da marca. Mas, também, é um retorno para as bases criativas e espalhafatosas da maison.

O debut do designer na casa francesa ocorreu com a coleção Resort 2022. Embora mais amenas, as silhuetas bufantes e peças estampadas já estavam presentes na chegada do novo diretor criativo. A mudança entre a Rochas de um ano atrás e a atual é gritante. A maison abandonou cortes simples e bem estruturados por silhuetas chamativas e arriscadas. Deixou os tons pastéis e neutros por cores chamativas e estampas psicodélicas.

É jovial, livre, despojada, chamativa, artística e ousada. O designer se preocupa em mesclar o passado e o presente, assim como o seu DNA e a herança da casa. Executa, com certo sucesso, o equilíbrio do jovem com o sofisticado.

Para a coleção de Primavera/Verão 2022 apresentada na Semana de Moda de Paris, Charles de Vilmorin trabalha em suas silhuetas espalhafatosas e complicadas, que são elevadas ao extremo com a escolha de estampas e tecidos igualmente dramáticos. Vilmorin quebra os padrões da marca e traz para a passarela estampas intrigantes com pinceladas do gótico e do punk. A abordagem jovial e chamativa carrega com peso o nome e proposta do novo diretor criativo.

O designer se preocupa com os detalhes. Exibe vestidos, calças e blusas trabalhadas com desenhos e recortes na passarela. Mesmo em looks sem toda a grandiosidade, Vilmorin se preocupa em deixar sua assinatura por meio dos sapatos — botas com franjas, metalizadas ou desenhadas em formato de chamas; tamancos metalizados; sapatos de salto alto cheios de cortes e cores —, brincos e outros acessórios.

O caminho traçado pelo estilista parece levar ao sucesso se conseguir manter e consolidar a identidade da casa. A coleção foi um primeiro gosto da nova era emergente. 

Tudo o que você precisa saber sobre a LFW

Como parte do Big Four — as quatro grandes fashion weeks internacionais — Londres têm uma grande importância para o mercado internacional, mas é principalmente reconhecida por suas inovações criativas e designers fora da curva.

The British Fashion Council, uma organização sem fins lucrativos com a intenção de impulsionar a moda britânica, foi criado em 1983 e a London Fashion Week oficialmente abriu suas portas em 1984.

A cidade é o berço das revoluções contracultura: Mary Quant levantou as bainhas das saias em seus vestidos coloridos e retos para vestir os Mods em 1960; já na década de 1970 a BIBA se tornou um ícone entre lojas de departamento do mundo inteiro; no primeiro ano de LFW, em 1984, um jovem e recém-formado John Galliano faz seu desfile de inauguração; Alexander McQueen faz sua estreia em 1992 e segue em ser um dos estilistas mais importantes na história da moda moderna.

O impacto cultural que a moda da cidade tem é indiscutível. Existem duas Londres dependendo do seu ponto de vista: a Londres fechada e com títulos, que leva extremamente a sério seu legado em uma alfaiataria precisa, com cortes e silhuetas praticados a perfeição; e a Londres experimental e artística, a qual abraça os seus recém formados alunos de moda e impulsiona as tentativas e ideias diferentes. Apesar de grandes perdas devido a pandemia na cidade, um dos maiores valores do evento são justamente os novos jovens criativos, que fizeram parte desta temporada.

A semana começa com um dia cheio de comemorações — afinal, estamos no tão esperado pós-pandemia no hemisfério norte — como a festa de Onitsuka Tiger com a revista Dazed e o evento de graduação da Condé Nast College. A maioria dos eventos foi privado para convidados e por isso começamos a cobertura da Frenezi, a qual você também pode acompanhar em tempo real em nosso Instagram, com o segundo dia onde tiveram início de fato a apresentação de coleções.

Imagens dos desfiles comentados da LFW, todas as fotos retiradas do Vogue Runway.

DIA 2 – 17 De Setembro

Começamos o primeiro dia de coleções com uma emocionante apresentação em Halpern, onde o designer Michael Halpern relembra momentos emocionantes de sua infância quando conseguia observar de perto os ensaios do Centro de Artes de sua cidade. Ele conta para o jornalista Anders Christian Madsen uma memória de sua mãe vendo ele entrar por baixo dos tutus ainda pequeno para entender como eram feitos.

A apresentação da coleção foi feita por meio de um emocionante e belo número de ballet filmado no Royal Opera House com bailarinos-estrelas da companhia como Fumi Kaneko, Sumina Sasaki, Sae Maeda e Leticia Dias, para citar alguns nomes. Uma rara colaboração entre o ballet e a moda elaborada da melhor forma possível, apesar de algumas silhuetas opulentas que é costume por parte da Halpern, como o vestido globo e o macacão de paetês que fizeram sucesso nas últimas temporadas. 

Talvez o verdadeiro triunfo desta coleção sejam as roupas que parecem ser feitas para serem apreciadas em movimento, de vestidos em seda com cores e padronagens pensadas para a apresentação, franjas bem posicionadas, fendas que acompanham os corpos das dançarinas, saias rodadas e tecidos que parecem quase flutuantes… É uma coleção que definitivamente desafiou o ateliê da marca, a confecção da vestimenta em si foi muito bem executada.

Quando se fala do legado de Londres como uma das semanas que apoia jovens criativos, experimentais e irreverentes, o nome que vem à mente é Matty Bovan. Essa coleção leva o título de Hypercraft e começou com arquivos de imagens da família do designer nos anos de 1970. De crochês da vovó a papel de parede retrô, até uma inspiração clara do cenário usado no filme O iluminado (1980). 

Entre silhuetas desconexas e tecidos diferentes, até a forma que a coleção é filmada e fotografada realmente faz uma imersão total do trabalho de Bovan, e talvez por isso ele ainda prefira os meios digitais para apresentar suas coleções — uma aproximação maior entre o público e o conceito da coleção.

Falar de LFW sem Vivienne Westwood é quase imoral. Durante os últimos anos houve uma redescoberta da trajetória de Westwood pelo público jovem, principalmente pelos amantes de peças vintage. Durante suas últimas coleções, ela também percebeu essa nova preferência nascente do seu próprio público e tornou sua linha principal uma forma de reviver essas coleções, se ajustando a iniciativas sustentáveis para sua marca.

Nesta coleção há, principalmente, referência a sua temporada histórica de Primavera/Verão de 1998 Tied to the Mast (Amarrados ao Mastro, em português), uma coleção quase de fantasia que olha para a história dos piratas ingleses no século XIX e todos os contos e conceitos entre essa estética marinha punk, a qual foi traduzida para um consumidor contemporâneo com modelagens famosas principalmente entre a nova geração: plataformas, jeans largos, corsets repensados, os famosos colares de pérolas e bolsas mini.

Nensi Dojaka é uma nova e emergente designer que na temporada passada estava nas plataformas da LFW em intermediação com o coletivo do Fashion East. Com a sua iminente vitória no prêmio da LVMH — um dos mais ansiados por novos designers na indústria hoje — ela escolheu uma coleção segura, e mostrou exatamente o ponto forte de seu trabalho, afinal é sua primeira semana do evento com seu nome, de fato.

O look de Dojaka já conquistou celebridades e amantes durante a última temporada, com sua silhueta sexy, transparências e recortes que modelam o corpo em formas e sentidos diferentes do comum. Porém, após o lançamento de sua coleção, muitos críticos e comentaristas de moda em geral se perguntaram se as roupas da designer seriam bem traduzidas para pessoas com corpos diferentes do padrão de modelos — essa é uma dúvida que entra na questão do próprio potencial de comercialização da nova marca.

David Koma teve uma ascensão grande durante o último ano também, vestiu celebridades como Beyoncé, Jennifer Lopez, Cardi B e em eventos mais recentes Madison Beer. Suas roupas party-friendly com fendas sexys, aplicações em glitter e proporções mini conquistaram uma boa base de clientes, fazendo seu negócio crescer exponencialmente.

Mas essa coleção é no mínimo uma confusão dentro de estéticas e modelagens trabalhadas pela marca anteriormente. Koma disse em sua apresentação que era como casar a moda praia e o Old Hollywood glamour e, sinceramente, seria um conceito mais claro e conciso entregar glamour Hollywoodiano de uma forma que se aproximasse da sua estética própria dentro do conceito por inteiro.

Imagens dos desfiles da esquerda para a direita: Halpern, Matty Bovan, Vivienne Westwood, Nensi Dojaka e David Koma retiradas do site oficial das marcas ou da plataforma Vogue Runway.

Dia 3 – 18 De Setembro

O caso de Sarah Everard foi um momento decisivo para discussões de feminicídio e direitos da mulher no Reino Unido. No mesmo mês do assassinato, num evento na House Of Commons, o ministro britânico do trabalho Jess Phillips leu uma lista surpreendentemente longa de casos ocorridos no último ano e o nome de Sarah apareceu como um símbolo de luta.

A designer Yuhan Wang sentiu uma forte ligação com os movimentos da causa sociopolítica, que a inspiraram na criação de sua coleção de Primavera/Verão a tomar o termo “feminilidade” como sinônimo de força misturando vestidos que são o espelho do feminino ideal em seus babados, tecidos fluidos e estampas florais com cores pastéis com o peso dos acessórios de couro, passados por cima das peças parecendo um boldrié. A coleção da designer é uma carta aberta para uma discussão sobre a força feminina.

Palmer Harding também fez sua aparição na data, apresentou sua temporada de Primavera/Verão por meio de uma sessão de fotos disponibilizadas online. É uma coleção segura e atraente para seus clientes, o que não é possível criticar depois de um ano conturbado para pequenas marcas. 

A qualidade de sua alfaiataria nunca fica velha, a valorização do corpo por meio de modelagens precisas. É o que ele deixa claro para quem está desenhando suas roupas, apesar de que as vestimentas em tecido metálico são uma boa nova adição para uma coleção clássica e minimalista.

Charlotte Knowles e Alexander Arsenault agora assinam juntos a direção criativa da KNWLS, e nesta coleção decidem explorar o termo “adrenalina” com a ansiedade e felicidade dos desfiles presenciais estarem voltando para a cidade de Londres. O desfile foi descrito como uma experiência amplificada ao vivo, com luzes, som alto e um parque de carros perto da estação de metrô Oxford Circus como uma atmosfera industrial e longa para o desfile.

Grandes marcas registradas da casa — como bustiers que marcam a cintura, calças de tecido quase transparente com recortes e a mistura de roupas de baixo com roupas de sair — seguem como tradições, mas o verdadeiro triunfo acontece na harmonia de diferentes referências e inspirações dentro de uma coleção.

Molly Goddard passou por uma grande mudança desde sua última coleção, agora é mãe e isso é claramente uma nova inspiração em seu trabalho criativo. Sempre foi possível perceber uma apreciação por símbolos denominadamente infantis no trabalho de Goddard (seu vestido assinatura é uma versão de um que tinha quando era pequena). Agora é possível ver referências principalmente a roupas de bebês, em tons brancos e rosas pálidos, em conjunto com um apelo mais utilitário e versátil que não é possível enxergar nas últimas coleções.

Imagens dos desfiles da esquerda para a direita: Yuhan Wang, Palmer Harding, KNWLS, Molly Goddard retiradas do site oficial das marcas ou da plataforma Vogue Runway.

Dia 4 – 19 de Setembro

Rejina Pyo é também do time de novas mães da London Fashion Week, mas ao contrário de Goddard, a designer se encontra confortável em silhuetas mais sensuais e descoladas. Pyo citou para a jornalista Sarah Harris: Não acho que as mulheres precisam fingir que são fisicamente tão fortes quanto os homens;  tudo bem ser gentil às vezes e aceitar isso. Eu não sei… talvez seja porque eu vou ter uma menina.”

Algo memorável do trabalho de Pyo é como ela compreende tendências fortes de hoje, mas seu trabalho não depende delas. Consegue captar a essência mas ainda assim entende como a mesma pode morrer a qualquer minuto. É quase como uma balança, difícil de utilizar: um pouco é bom para aproveitar o momento, mas não exageradamente para não ser dada como uma coleção datada. Normalmente o trabalho da designer é reconhecido por tecidos, estruturas e silhuetas mais rígidas, nessa coleção vemos uma suavidade — muito bem-vinda.

Erdem é uma das marcas londrinas que reverencia seu legado e trajetória em qualidade dos processos manuais de vestimenta e alfaiataria clássica por associações claras de tradições da casa, como a estamparia floral e maxi vestidos. A coleção também pontua o aniversário de 15 anos da casa. Erdem Moralioglu agora olha para a história da marca para mais do que os bordados de flores: é uma mulher que vive e trabalha além de seu tempo presente, misturando a história do vestuário inglês para ressignificá-lo.

Richard Malone entrega uma incrível e criativa coleção nesta temporada, com diferentes formas, silhuetas e trabalhos com tecidos bordados e plissados por toda a coleção. Deixa claro o esforço em conjunto do trabalho manual de seu time com o uso de diferentes materiais, como restos de couro providenciados em colaboração com a Mulberry. 

O desfile foi uma verdadeira obra de arte, em conjunto com sua atmosfera geral, apresentado no museu Victoria e Albert — reconhecido pelo seu instituto de figurinos — as formas circulares em formas de rosas no meio das roupas é homenagem a sua avó, que fazia essa técnica com tecidos para comemorar as vitórias da Associação da Atlética Gaélica.

Imagens dos desfiles da esquerda para a direita: Rejina Pyo, Erdem, Richard Malone, retiradas do site oficial das marcas ou da plataforma Vogue Runway.

Dia 5 – 20 de Setembro

Simone Rocha é um dos nomes mais esperados da LFW atualmente. Ela conquistou um público fiel com seus vestidos volumosos de tule entre jaquetas de alfaiataria reconstruídas. Na última temporada, foi possível ver um pouco do aspecto romântico e a suavidade feminina de Rocha se mesclando com o peso de peças de couro e acessórios em tons fortes. Esse inteligente balanço se mantém firme durante a coleção, somado a outro novo estímulo: o início de sua maternidade.

Não é de hoje que designers usam movimentos em suas vidas como inspiração. Num trabalho majoritariamente criativo, as referências e inspirações pessoais de cada artista sempre aparecem. Vestidos de tule, jaquetas de couro, bolsas de pérola, sutiãs de maternidade bordados em cristais e pendentes surgem para homenagear tarefas diárias de novas mães.

É uma homenagem à sua nova perspectiva, o olhar por outros olhos enquanto ainda entende a essência principal de seus designs anteriores que fizeram o nome da marca crescer e se tornar indispensável para a semana de moda londrina.

Supriya Lele é a última da semana que nos promete uma releitura do que é sexy, com tecidos quase transparentes em conjunto com um tipo de trama em rede e strass por cima de maiôs e tops.

E falando em previsões que nasceram nessa semana, Roksanda — assim como Richard Malone — se aventura em diferentes formas e tecidos para criar roupas que se assemelham a verdadeiras obras de arte. Similar a Halpern, suas roupas foram apresentadas numa imersão entre vestimenta e movimento, utiliza formas criativas e cores vibrantes para amplificar a experiência como um todo.

O Fashion East sempre apresenta incríveis novos designers para a LFW. Nensi Dojaka foi participante do projeto até uma temporada atrás, antes de ganhar o prêmio LVMH. Outro grande designer independente da plataforma é Maximilian, com criações que já foram utilizadas por personalidades importantes na indústria como a modelo Naomi Campbell. 

Ele realmente se inspirou em aproveitar o verão da melhor forma possível, com roupas que lembram a água e o oceano — muitos tecidos molhados cintilantes e macacões que se assemelham a maiôs. Maximiliam também entende a necessidade comercial, mistura técnicas de alfaiataria clássica em vestidos com recortes precisos, tecidos semi-transparentes e blazers bem cortados como terceira peça em vários looks. Deixa claro que não há limitações para os seus talentos e que consegue transitar entre uma vasta categoria de consumidores.

Imagens dos desfiles da esquerda para a direita: Simone Rocha, Supriya Lele, Roksanda, Fashion east, retiradas do site oficial das marcas ou da plataforma Vogue Runway.

Dia 6 – 21 de Setembro

Quando os desfiles digitais começaram durante o ano passado, muitas questões foram levantadas sobre as apresentações digitais por meio de fotos. Lookbooks parados em fundos brancos se tornaram um técnica batida e com ajuda da estética da marca em conjunto com um bom time criativo, há inúmeras versões de diferentes fotografias de coleções hoje.

No último dia do evento, Ashlyn foi uma das marcas a apresentar uma coleção que junta em perfeito balanço as formas geométricas e o estudo da costura contemporânea e moderna, pensada para uma mulher minimalista que também gosta de tomar riscos, tudo fotografado de uma forma criativa e inteligente para apresentar. 

Richard Quinn apresentou há pouco o que foi possivelmente o melhor fashion film que a indústria viu em muito tempo, com um ritmo musical, figuras de látex e uma construção de atmosfera sem precedentes. Essa coleção parece a irmã conservadora comparada à apresentada no filme de trinta minutos.

O designer se emocionou ao voltar a apresentar seus desfiles presencialmente na cidade de Londres. Não só seu otimismo com o futuro é notável entre a coleção, mas também um esforço de voltar às raízes de sua marca. Das estampas florais às silhuetas quase que de estátuas góticas, a coleção emana o nome de Richard Quinn.

Não tivemos a rigidez de suas segundas peles de látex preto ou muitas menções a seu estilo beirando o dominatrix, que deram lugar a looks cobertos da cabeça aos pés em enormes vestidos florais e sobretudos de spikes e couro. Essa coleção é a sua volta ao formato presencial de uma maneira quase reconfortante.

Por mais que não se pense na palavra conforto para explicar os designs de Quinn, há algo de aconchegante em ver um designer em sua cidade de origem depois de tempos conturbados, com estilos que são claramente assinaturas breves de sua marca e trajetória.

Desde os bordados maximalistas as silhuetas que não fazem muito sentido para um olho despreparado é, possível fazer uma observação sobre a temporada na capital britânica como um todo: todos estão emocionados e animados, com teorias transbordando de otimismo por estarem de volta aos desfiles presenciais, quase um grito de “não voltamos os mesmos dessa experiência traumática, mas estamos aqui e ainda fazendo roupas incríveis”.

Imagens dos desfiles da esquerda para a direita: Richard Quinn, Ashlyn, retiradas do site oficial das marcas ou da plataforma Vogue Runway.

A nova Blumarine é uma carta de amor para os anos 2000

Ontem (23), Blumarine apresentou sua coleção de primavera/verão 2022 e definitivamente não é destinada aos amantes do minimalismo clássico.

Mais uma vez, Nicola Brognano busca inspiração na moda dos anos 2000 e faz referência a ícones da moda da época: o vestido jeans usado por Britney Spears, o estilo de Paris Hilton, Victoria Beckham, Beyoncé, Fergie e outras grandes estrelas da década.

O maximalismo, drama, exagero e sensualidade são apenas alguns dos adjetivos cabíveis para a fantasia colorida Blumarine.

Blumarine X moda dos anos 2000.

Desde bandanas amarradas na cabeça até modelos cobertas de glitter, sapatos de bicos extra finos e peças carregadas de transparência; Brognano traz elementos chaves que fizeram o estilo Y2K. Desde sua estreia na marca, o designer se preocupa com a relação com as novas gerações, em representar não só o ontem como também o agora.

Desde o início da pandemia, o estilo foi adotado por jovens ao redor do mundo e popularizado por meio de redes sociais — principalmente pelo TikTok. A nostalgia pelos anos de infância e a volta de tendências de décadas passadas não é novidade, na década de 2010, com as crianças da década de 1990 chegando à idade adulta, pôde-se observar a volta de muitos elementos da década — desde séries e filmes até elementos no vestuário.

O padrão cíclico da moda é esperado e previsto, no entanto, as tendências devem se adaptar tendo em mente o contexto atual e o público do momento. Nicola Brognano e sua principal colaboradora, a stylist Lotta Volkova — fazem isso com maestria, fato que se comprova com a grande popularidade de suas coleções nas redes sociais. 

Para esta coleção, o designer apostou em peças em jeans, cintura baixa, vestidos com transparência e borboletas. Broganano reuniu uma paleta colorida e vibrante que abre portas para o mundo pós-pandemia e as esperanças de um futuro melhor e mais vivo. Blumarine representa a mulher jovial e ousada, o mini é extremamente mini e o maxi ainda é sexy por decotes ou transparência.

E, de acordo com as palavras de Lotta Volkova para Vogue, a nova Blumarine é sobre “Fadas militares. Garotas borboletas sensuais. Frívolo e divertido mood Y2K quando as redes sociais não estavam no horizonte. Rainhas de patchwork em jeans. Garotas trippy, psicodélicas e neons. Estampas jeans no tapete vermelho, bandanas no tapete vermelho. Sereias de cintura baixa.”

No momento, Brognano se preocupa em definir a identidade da marca, reutiliza algumas das cores da coleção Resort e silhuetas similares. No momento, as peças Blumarine sob o comando do estilista são facilmente identificáveis. Prova que o seu objetivo está sendo alcançado.

A borboleta — em cintos acessórios ou estampas — segue como mascote da marca, ícone prometido e protegido pelo diretor criativo da marca.

Confira os looks favoritos:

Assista o desfile (começa em 15:20):

A Era da Nostalgia: O “Boom” Dos Remakes, Revivals e Reboots Em Hollywood

Reboot, remake, revival. Palavras cada vez mais comuns no universo cinematográfico, e que apesar das definições distintas, têm o mesmo propósito: nomear séries, filmes ou novelas que recriam e derivam de alguma outra já existente. 

Mesmo que tais produções sempre tenham existido na trajetória do cinema – os incríveis quatro remakes de Nasce Uma Estrela são a prova –  é inegável que, atualmente, há um grande número de conteúdos desse tipo sendo lançados. Hollywood está vivendo a era da nostalgia, mas qual seria a razão por trás disso? Por que mesmo com histórias já conhecidas pelo público esses lançamentos tornam-se sucesso de audiência? Essas talvez sejam aqueles tipos de perguntas que não tem uma única resposta,

Seguro e Lucrativo

Quando se trata do ponto de vista de Hollywood, a razão por trás dos investimentos em reboots, revivals ou remakes pode ser simples: é um investimento certeiro e seguro, que demanda pouco esforço de marketing por ter um público já formado e personagens já conhecidos, e que gera retorno financeiro significativo. Apesar do audiovisual ser uma forma de arte e proporcionar grandes momentos de genialidade (tanto de atores como daqueles que estão no backstage) há algo sobre a indústria do cinema que não pode ser deixado de lado: o dinheiro.

Mesmo que seja bom, um roteiro precisa se mostrar vendável – ou será engavetado. E, certamente, produções que relembram ou abordam outras de sucesso são vendáveis. Enquanto continuarem assim, serão repetidas diversas vezes pelos estúdios que visam o lucro por trás delas. Em Hollywood, fazer investimentos seguros e não errar é mais desejado do que investir em algo novo e acertar.

Essa postura regida pelo medo se intensifica ainda mais conforme as cifras vão crescendo: os filmes e séries encarecem cada vez mais a cada ano. Por essa razão, não é difícil imaginar que nenhum estúdio tem a intenção de investir milhões de dólares em um filme que não vá gerar o mínimo retorno. As sequências, franquias, remakes, prequels e outros diversos modos de se resgatar obras já conhecidas são a aposta perfeita nesse cenário. 

A Disney, por exemplo, tem colocado seus esforços e dinheiro em produções live-actions de suas animações clássicas, e pouco tem se arriscado em novos projetos (apesar das excelentes novas animações Soul e Luca). O estúdio tornou-se, hoje, um símbolo da era nostálgica que vivemos, já tendo lançado vários live-actions nos últimos anos.

Emma Stone como Cruella, em live action de mesmo nome da Disney. Estúdio tornou-se 
grande símbolo do “boom” dos remakes, reboots e prequels  atualmente.
(Divulgação: Disney,)

No entanto, essa lógica empresarial e industrial de escolher investimentos em projetos que sejam comerciais e com retorno certeiro não faria sentido se não houvesse reação positiva do público, uma vez que todas as decisões são tomadas pensando nela: a audiência.

O ponto de vista do telespectador é mais subjetivo e demanda explicações que ultrapassam a lógica de mercado que os estúdios seguem; essa subjetividade vem de sentimentos como a nostalgia e de características como a memória afetiva, emoções tão poderosas e reconfortantes que fazem as pessoas pagarem o ingresso do cinema ou assinarem um novo serviço de streaming para ver a mesma história.  

O cinema e a televisão como meios de comunicação massificados têm o poder de retratar a sociedade naquele momento. Em todas as gerações sempre haverá filmes e séries que as definirão e irão pautar seus comportamentos. É natural, portanto, que se crie uma memória afetiva por eles e os relacione aos tempos de infância, adolescência ou juventude… O que posteriormente, fará surgir um sentimento de nostalgia ao assistir tais obras novamente, anos depois. 

É esse o ponto que os reboots e remakes  buscam atingir: a volta ao passado. E a sétima arte é a escolha perfeita, já que pode transportar alguém de volta a um certo período como nenhuma outra poderia. 

Afinal, não é sobre isso a nostalgia? O sentimento e a vontade de voltar a um momento do passado onde tudo parecia mais simples, controlável e previsível? As frases “eu era feliz e não sabia” e “tempo bom que não volta mais” utilizadas pelos nostálgicos assumidos elucidam exatamente esse significado. Quando o presente é doloroso a volta a um passado aparentemente mais fácil parece uma ótima saída. Ainda mais em meio a uma pandemia recheada de incertezas políticas e de um iminente caos climático se aproximando. 

Humanos são controladores e pouco adaptáveis a mudanças em um primeiro momento. Um personagem já conhecido, uma história já contada, todos esses são terrenos muito seguros para momentos tão incertos.

Ao mesmo tempo, não se pode esquecer da série de memórias afetivas que rever tais histórias trazem à tona. Não se revê o mesmo filme buscando apreciar a história, se revê buscando resgatar aquelas mesmas memórias de momentos de pipoca, chuva e Sessão da Tarde ou de risadas no cinema com os amigos da escola. Mesmo que de forma inconsciente. 

Não só, a memória afetiva também está ligada diretamente aos personagens da trama, principalmente quando se tratam de séries televisivas. Elas costumam gerar mais memória afetiva em seus espectadores, pois os prendem por anos a fio contando as histórias dos mesmos personagens. Cria-se um laço com eles, uma boa memória, uma relação de proximidade com suas trajetórias e personalidades. É esse um dos componentes da receita de sucesso de Greys Anatomy (2005 – atualmente), por exemplo. Todos se sentem próximos de Meredith Grey.

A carismática protagonista de ‘Grey’s Anatomy’ (2005 – atualmente), Meredith Grey (Ellen Pompeo)
 (Divulgação: ABC)

Tal recurso é algo que pode a vir ser bem explorado para futuros revivals de outras produções que desejam voltar às telas: trazer de volta os sentimentos e as boas memórias que aqueles personagens proporcionaram. 

O uso de símbolos presentes nas produções que buscam o sentimento de nostalgia e memória afetiva também é muito presente. Aquela característica singular daquela produção específica que viria a definir uma geração. Símbolos são ferramentas poderosas de nostalgia, e não é só o cinema que os usam para tal. Quem não se lembra da famosa corneta azul de How I Met Your Mother (2005-2014), do sofá laranja de Friends (1994-2004), da livraria em Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) ou da dança final de Dirty Dancing (1987)?

Cena de ‘Friends’ (1994-2004) na famosa cafeteria Central Perk, local que abriga o icônico sofá laranja. 
(Divulgaçao: Warner Bros)

Quando se pensa em tais sentimentos pode-se perceber que diversos filmes e séries têm feito sucesso utilizando-se dessa receita. O novo reboot de ‘Gossip Girl’(2021) traz todo o clima do antigo seriado e resgata vários símbolos bem marcantes da série original:  a personagem Audrey que lembra Blair (e pasmem tem o mesmo nome da ídola de Blair Waldorf; Audrey Hepburn), os uniformes com saias repaginados  e os personagens sentados na escadaria do MET. Símbolos que despertam memórias e sentimentos nostálgicos nos jovens adultos de hoje, então adolescentes quando assistiram ao original. 

Personagens do reboot de ‘Gossip Girl’ (2021)  nas escadarias do MET (The Metropolitan Museum Of Art). Parece familiar? 
(Divulgação: HBO)

O revival de Sex and The City (1998 – 2004), que estreia esse ano, é precedido por dois filmes:  Sex and The City (2008) e Sex and The City 2 (2010).  Longas que souberam sabiamente adaptar suas tramas as vivências de seu público, já que nos dois casos as fases da vida das quatro amigas e suas problemáticas mudaram sem alterar a essência das mesmas, a modo de fortificar a memória afetiva do espectador e sua relação com as personagens que sempre fora de identificação com seus dilemas. Um outro bom exemplo de como usar a memória afetiva e a nostalgia em um comeback. 

Apesar de todas as produções citadas tratarem-se de filmes e séries que surgiram de outros já existentes, é possível vender nostalgia e mesmo assim apresentar um conteúdo original. É o que faz Stranger Things(2016 – atualmente), o produto mais nostálgico possível. Tudo no seriado da Netflix apela para a nostalgia daqueles que viveram sua infância e adolescência nos anos de 1980: os elementos de cena, a homenagem a produções famosas do período, os figurinos, as músicas…A série é um verdadeiro caldeirão de referências, que, mesmo assim,  mantêm sua trama original, sempre com a presença dos elementos oitentistas para contextos condizentes com o século XXI.

‘Stranger Things’ (2016- atualmente): elementos oitentistas fizeram a série tornar-se fenômeno. 
(Divulgação: Netflix)

Vale ressaltar e concluir que não é ruim sentir nostalgia, e que a reciclagem de filmes visando conquistar o público por essas vias também não. Basta que a produção não traga apenas a nostalgia pela nostalgia, o que vem sendo o caso de muitos desses lançamentos, como alguns live actions da Disney. Espera-se que essas obras tragam, também, o entendimento de que é bom valorizar o passado, sem deixar de reconhecer as melhoras e as mudanças do presente. 

Nesse ponto, a ideia por trás dos reboots e dos revivals bem elaborados parecem acertadas: trazer a mesma história, porém com novos personagens e/ou novas tramas que conversem melhor com os dias atuais. Reviver histórias sob outros pontos de vista, consertando passagens anacrônicas parece um bom jeito de trazer o passado de forma mais saudável e consciente. 

[Resenha] Lil Nas X: A desconstrução do Hip-Hop

O mainstream não esperava que um homem negro assumidamente gay no hip-hop roubaria a cena e seria um grande sucesso entre o público!

MONTERO, primeiro álbum de estúdio do Lil Nas X, acredite se quiser, chegou em todas as plataformas de streaming ontem, sexta-feira (17), e já pode ser considerado um fenômeno. Com 15 músicas muito bem produzidas e executadas, o disco vai do rap ao pop abordando questões importantes de sua vida, como a solidão de crescer gay, sua aceitação e também sobre o amor. 

Instagram Lil Nas X

A obra contém grandes participações como Doja Cat, Miley Cyrus, Megan Thee Stallion, Elton John e Jack Harlow. E além disso, todas as faixas ganharam um visualizer no Youtube.  A aclamação pelo público foi tanta que, debutou com uma média de 90 no Metacritic e em veículos especializados, como o The Gardian e The Independent, ganhou nota máxima.

Mas o que faz de Lil Nas tão especial?

O rapper vem chamando atenção desde que lançou o remix de Old Town Road, com Billy Ray Cyrus, pai da Miley. A canção disparou em todas as paradas, e ficou como número 1 na Billboard por muito tempo e também conquistando o marco de música com mais certificados de platina na história dos Estados Unidos, sendo 14 milhões de certificações de acordo com a Associação Americana da Indústria de Gravação. Além disso, em 2019, a dupla levou o Grammy de Melhor Duo Pop/Performance de Grupo e Melhor Vídeo Musical.

Logo depois, lançou o EP 7, que além de OTR, emplacou os hits Rodeo, feat com Cardi B, e Panini, que garantiu o segundo top 10 na principal parada americana. Os videoclipes também chamaram a atenção, o primeiro faz referência a Michael Jackson, com Thriller, e aos filmes Matrix e Um Vampiro no Brooklyn. Já o outro, possui uma pegada futurista, e isso se torna uma grande característica de Nas, com muito reconhecimento e expectativas em cima dele.

O primeiro single do álbum, MONTERO (Call Me By Your Name), foi um grande destaque, que além de retratar abertamente sobre sua orientação sexual, trouxe um marco de conquistas para o rapper. LNX ganhou as estatuetas de Vídeo do Ano, Melhor Direção, Melhor Direção de Arte e Melhores Efeitos Visuais na última edição do Video Music Awards, em 2021. Esses feitos com certeza só foram possíveis devido a constância nas primeiras posições nos charts.

Sun Goes Down, segundo single do disco, que já vem com uma pegada mais R&B, pode ser considerada uma das faixas mais vulneráveis, com um Lil Nas meditativo que reflete sobre sua vida e ascensão. O artista adulto revisita o passado, uma versão de si adolescente, que enfrentava problemas de aceitação devido ao racismo e à homofobia, e ele adulto mostra uma luz de esperança no fim do túnel.

O mais polêmico e terceiro single, Industry Baby, feat com Jack Harlow, aborda a temática do encarceramento racista. No clipe ele é preso por ser gay e responde aos críticos que esperavam sua carreira acabar com Old Town Road. Com direção de Kanye West, retrata o empoderamento dentro da cadeia, e até dança nu no vestiário. Também faz referências ao beijo famoso em que protagoniza com um bailarino durante sua apresentação no BET Awards de 2021; os Grammys que recebeu; e uma provocação ao 50 Cent, já que Lil Nas aparece de cabeça para baixo igual ao clipe In Da Club, e o próprio 50 Cent já fez comentários homofóbicos, até mesmo sobre o LNX.

No Video Music Awards em 2021, fez uma performance impecável de Industry Baby e Call Me By Your Name. Abriu sua apresentação guiando uma banda marcial, e em seguida, recriou a prisão do clipe, mas dessa vez utilizando uma sunga rosa cintilante!

O artista elaborou o The Montero Show, onde é um entrevistado grávido, plateia entusiasmada e entrevistador sem filtro. De modo cômico, Nas passou por todas as suas obras, como uma meio de retrospectiva para introduzir a nova era. Ainda dentro do quadro, ele foi para o “hospital dar luz ao seu filho”, vulgo álbum.

Após o talk show, lançou mais um videoclipe, Thats What I Want, com uma mistura de futebol americano e Brokeback Mountain. Lil Nas X representa um jogador que se envolve com um outro atleta, mas tudo termina quando ele descobre que o pretendente possui mulher e filho. Essa situação caracteriza cenas comuns vividas pela comunidade gay, que infelizmente não são representadas no mainstream. Com 24 horas de estreia, o clipe acumula mais de 11 milhões de visualizações no YouTube e permanece em #6 nos vídeos em alta da plataforma.

Sexualidade e moda como forma de expressão

Junho é conhecido pelo Mês do Orgulho LGBTQIA+, e LNX em 2019, aproveitou o último dia do mês, 30, para assumir sua sexualidade no Twitter. Talvez, fosse óbvio para muitas pessoas, até pela indireta do arco-íris na capa do seu EP, mas o público do rap e do country ainda é preconceituoso, e poderia ser decretado o fim de sua carreira.

Em entrevista ao programa CBS This Morning, o rapper revelou que já tinha conhecimento sobre sua orientação sexual desde a infância, mas que ter revelado ao mundo foi para inspirar outras pessoas a se assumirem: “Para mim, agora é fácil mas, para alguns meninos que moram bem longe daqui, isso vai ser bom pra eles”.

Desde então, Nas utilizou sua visibilidade para se expressar através das músicas, e isso fica explícito quando ouvimos algumas canções de MONTERO, como Call Me By Your Name e Thats What I Want. A moda também é uma forma de comunicação por parte do artista, por mostrar de fato quem é, e isso se torna significativo para a comunidade LGBTQIA+. Ele sempre comparece aos tapetes vermelhos das premiações usando trajes que chamam atenção de todos, como no Video Music Awards e Met Gala, que usou criações da Versace e foi destaque por ser “extravagante”.

Marketing em cima de polêmicas

Além de toda a construção do álbum, Lil Nas gerou um bom buzz marketing em cima das polêmicas envolvendo o seu nome. Começa pelo lançamento do clipe MONTERO (Call Me By Your Name), em que explora sua orientação sexual, ao criar um storytelling através de passagens bíblicas, como o Jardim do Éden, e as antiguidades gregas e romanas, como Zeus e Ganimedes.

Fazer pole dance até o inferno e um lap dance no colo do diabo foi mais que o suficiente para os conservadores reclamarem e até atacarem o rapper. A grande verdade por trás do videoclipe, é a história do preconceito que homens gays enfrentam: ter ódio de si mesmo e se esconder de todos. Mas pasmem, estamos em 2021 e isso não vai mais acontecer

Ainda sobre Call Me By Your Name, o coletivo de arte MSCHF, especializado em produtos de coleção limitada, em parceria com o Lil Nas X, fizeram o “Sapato do Satanás”. Foram lançados 666 (número da besta) pares customizados do Nike Air Max 97 com símbolos que fazem referência ao Diabo, como uma estrela de cinco pontas invertida, e também gotas de sangue humano na sola. 

No clipe da música, Montero Hill escorrega por um poste de stripper do céu ao inferno usando o par de tênis. Essa cena faz referência ao versículo bíblico Lucas 10:18 – que também vem gravado no sapato – em que diz “Então ele lhes disse: ‘Vi Satanás cair do céu como um raio’ ”.

A Nike processou a MSCHF alegando violação da marca registrada, já que não autorizou e nem aprovou o tênis, podendo gerar uma imagem negativa sobre a empresa de calçados. Algumas pessoas, incluindo a Governadora da Dakota do Sul, reclamaram do design nas redes sociais.

O meio do hip-hop é majoritariamente um ambiente machista e homofóbico, e o próprio Nas já sentiu isso vindo de outros rappers, como o T.I. e o 6ix9ine. Em entrevista à Revista Variety, ele revelou que só anda com seguranças devido ao preconceito, e assim que foi liberado a tracklist do seu novo álbum, no dia 01 de setembro, o público levantou a falta de colaborações com homens negros, mas o rapper respondeu um usuário afirmando que alguns músicos não gostariam de trabalhar com ele.

Lil Nas também foi acusado pela Antra Brasil de transfobia por fazer uma alusão à gravidez ao promover o lançamento de MONTERO. O rapper fez toda a propaganda do álbum como se estivesse “grávido” do seu primeiro disco, usando até uma barriga de gravidez falsa, compartilhando fotos e vídeos, com direito a chá de bebê e o momento do nascimento.

Através do Twitter, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais afirmou que ele não teve responsabilidade em torno dos problemas da gestação que atingem mulheres, homens trans e pessoas não binárias. Mas outras pessoas, acreditam que essa “gravidez” é uma forma de quebrar padrões de gênero, principalmente por ser um homem cis, e até por ter desenvolvido um link com doações para organizações LGBTQIA+, em que cada faixa representa uma instituição.

Lil Nas X é a verdadeira revolução de uma indústria fonográfica misógina, machista, patriarcal e racista! Apenas com três anos de carreira, se mostra um verdadeiro artista que veio para transformar o modo de fazer música, sendo o pacote completo de ‘diva pop’: entregando looks icônicos, passagens marcantes nos tapetes vermelhos, apresentações de altíssimo nível e novos modos de promoção musical através da internet. É impressionante e até emocionante pensar em como a geração atual pode se inspirar e se conectar com o trabalho dele.

A volta do rock ao mainstream da música

Se você é uma pessoa que ama música e acompanha essa indústria, então sabe que ela tem fases, e que gêneros musicais vão e voltam da moda o tempo todo. E desde 2020 é possível notar a nova tendência: o rock. Um estilo clássico, com muitas vertentes, mas que infelizmente desde os anos 2000, perdeu força. E ritmos como pop e rap têm ocupado seu lugar, contagiado o grande público e liderado as paradas desde então.

Contexto Histórico

O rock, originalmente chamado de Rock n’ Roll, foi criado nos Estados Unidos no final da década de 40, por afro-americanos a partir do desenvolvimento da fusão de gêneros musicais americanos como o Blues, Jazz, Country, Gospel, R&B e a influência de ritmos europeus.

Ainda que criado por artistas negros, o estilo foi bem recebido pelo público jovem branco e também incorporado por artistas brancos. Em meados de 1950, o estilo começa a ganhar força e destaque nacional. Little Richard; Fats Domino; Bo Didley; Jerry Lee Lewis; Buddy Holly; Gene Vincent; Johnny Cash; Chuck Berry, que introduziu e consolidou o uso da guitarra no rock; e Elvis Presley, um dos cantores mais conhecidos até hoje, que se tornou um fenômeno com a variante Rockabilly; são apenas alguns dos nomes dos pioneiros desse ritmo que definiram o padrão do que ainda estava por vir.

Apesar do rock ter sido um grande sucesso comercial, essa cultura incluía diferentes grupos sociais e raciais, o que gerava desconforto e preocupação por parte dos conservadores. Além de que as músicas falavam sobre temas considerados tabus, como sexo, drogas, questões raciais e revoltas no geral. Ao longo do tempo, o rock, mesmo com diferentes problemas e crises, manteve essa característica de ousadia e rebeldia ao falar sobre assuntos difíceis e controversos.

Entretanto, como sabemos, a partir dos anos 60 até o final dos anos 90, início dos anos 2000, o rock continuou a crescer e se ramificar em subgêneros como pop rock, que utiliza os mesmos instrumentos do rock, mas com o padrão de refrão do pop; punk, tem letras mais fortes, sons, toda uma estética e estilo de vida mais intenso; new wave, vem do punk, mas é mais eletrônica e pop e menos agressivo; grunge, possui letras mais introspectivas e também deriva do punk; alternativo, tem a estrutura do rock, mas influências diversas, dependendo do artista; e muitos outros. Assim dominaram por décadas e revolucionaram a indústria musical e o mundo todo.

O Revival

Os padrões de música mainstream estão em constante mudança. O que resulta em artistas e gêneros musicais perderem relevância eventualmente. Mas como toda tendência, o rock voltou. E existem várias razões para o porquê de isso ter acontecido.

O rock desde o começo, passou mensagens de rebeldia, refletiu mudanças sociais e culturais, influenciou comportamentos, a moda, lifestyle, linguagens, danças e aprimorou a ideia de ídolos, principalmente entre jovens adolescentes. Tudo isso, se conecta às razões desse revival. O fato de estarmos em um período muito difícil em relação à política, saúde, clima e economia, também contribui. Pois, não só incita sentimentos de revolta, como também provoca a volta de hábitos conhecidos e “seguros”, no caso, o rock.

Assim, cada vez mais artistas têm explorado o ritmo. Um dos grandes nomes que contribuiu para essa recente popularização, é Travis Barker. O ex-baterista da banda Blink-182, atualmente, além das próprias músicas, possui uma gravadora chamada DTA Records, onde já assinou com muitos novos artistas e faz diversas parcerias, produz e toca com quem deseja trazer o elemento do rock em suas músicas.

Sua discografia é composta por álbuns e faixas que migram do rock ao rap, trap, emo e pop-punk. Alguns de seus sucessos incluem: Machine Gun Kelly, com o álbum de 2020 Tickets to my downfall e seguintes trabalhos; mais recentemente, Willow Smith, com as faixas t r a n s p a r e n t s o u l, Gaslight e Grow (que conta também com a participação da “Rainha Pop-Punk” dos anos 2000, Avril Lavigne); e outros artistas como Yungblud, Maggie Lindemann, Lil Nas X, KennyHoopla, Halsey, Jxdn e muitos mais.

Willow, Travis Barker e Avril Lavigne
[Imagem: Reprodução/ Twitter]

Além deles, há cantores também, na maioria das vezes do pop ou indie, que experimentaram desse estilo, fizeram valer a pena. Como foi com Miley Cyrus, Post Malone e Olivia Rodrigo. Miley, em seu último álbum Plastic Hearts, conta com covers de clássicos, participações de lendas do rock como Stevie Nicks, Joan Jett e Billy Idol, vocais que combinaram perfeitamente com o estilo e músicas originais de qualidade. Dessa maneira, ela consegue fazer essa retomada da melhor forma possível.

No entanto, nos últimos anos, houve também um comeback de bandas antigas como Mötley Crüe e My Chemical Romance e um aumento da ascensão de novas bandas e artistas como Meet me @ the Altar, Dirty Honey, Blind Channel, Sueco, Spyres, entre outros. Mas, um dos mais populares no momento é Måneskin.

A banda Italiana que ganhou o Eurovision Song Contest 2021, viralizou no Tiktok com seu cover de Beggin’ de Frankie Valli & The Four Seasons e surpreendeu o mundo com seu talento. Eles passam a essência do rock, desde músicas com vocais fortes, muita guitarra, baixo e bateria; até o jeito que se comportam e vestem. E têm chamado atenção de grandes artistas do rock clássico como Iggy Pop, que recentemente fez uma parceria com a banda para uma nova versão do hit I WANNA BE YOUR SLAVE.

Måneskin e Iggy Pop
[Imagem: Reprodução/ Instagram]

O Que Esperar Para o Futuro

Um dos pontos positivos desse revival é que o rock hoje está mais diverso do que nunca, em todos os aspectos. O mundo mudou e com ele fatores que uma vez foram considerados exigências e barreiras já não funcionam mais. Fato que favorece a conquista das gerações mais jovens, que dominam a indústria e definem o que está na moda ou não.

Há uma onda de interesse crescente no rock clássico ao mesmo tempo em que há em bandas emergentes. O Tiktok contibui para isso, pois ele tem grande influência sobre a indústria musical, e como músicas de rock e suas vertentes tem feito cada vez mais sucesso na plataforma, com artistas novos e bandas mais antigas como Paramore, Simple Plan, Aerosmith, Nirvana, Green Day e Mother Mother, é possível dizer que esse ritmo está bem consolidado e não vai mais embora tão rápido.

Donda e o retorno de Kanye West

Depois de muita espera, finalmente temos o 10º álbum solo do rapper Kanye West. Lançado no último domingo de agosto, Donda é o maior trabalho do artista até hoje: ao todo são 27 músicas, dando a obra praticamente 2 horas de duração.

O nome é em homenagem a Donda West, mãe de Kanye, que faleceu em 2007. Além do título, algumas faixas trazem a voz dela. O rapper também retrata temas como a ex-esposa, Kim Kardashian, a constante ideia de ser perseguido, e claro, Deus. É válido ressaltar as influências dos trabalhos passados, desde 808s & Heartbreak até The Life of Pablo, já que possuía alguns traps. Outras faixas apresentam uma temática mais gospel, relembrando os dois últimos álbuns de West, Jesus Is King e Jesus Is Born. O novo disco também é um destaque por contar com participações especiais como Jay-Z, com o qual possui um álbum colaborativo, Watch The Throne; Stalone; Travis Scott; The Weeknd; Roddy Ricch e muitos outros.

6 das 27 faixas de Donda obtiveram um maior destaque por parte do público, consagrando-as aos primeiros lugares do Top 10 no Spotify Global. Jail ficou em segundo lugar e pode ser considerada o início da narrativa. Nela, West se encontra no meio de uma crise, ficando fora de controle enquanto seu casamento se desintegra e sua imagem pública desmorona mais uma vez. Além disso, Jay-Z e Francis and the Lights fazem parte da canção.

Em seguida estão as músicas Hurricane, Off The Grid e Ok Ok pt 2, com as participações (respectivamente) de The Weeknd e Lil Baby; Fivio Foreing e Playboi Carti; e Rooga e Shenseea. No quinto lugar, God Breathed, feat com o Vory, Kanye implora aos ouvintes para que depositem sua confiança em Deus, e seu título possivelmente faz referência a passagem da bíblia 2 Timóteo 3:16 – 17 em que diz: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, repreender, corrigir e treinar na justiça”.

A última canção, Praise God, ficou em sexto lugar e foi criada em colaboração com Travis Scott e Baby Keem. O disco também dominou o Top 10 do Spotify USA, e de acordo com o Chart Data, em apenas 24 horas de lançamento obteve 100 milhões de streams, sendo considerado a segunda maior estreia de um álbum no Spotify, ficando atrás apenas de Drake com Scorpion.

Mas o que está fazendo de Donda um sucesso para além de um ótimo disco?

Imagem da primeira Listening Party de Donda.
Reprodução/Instagram

Para divulgar o álbum, Kanye organizou três eventos – as chamadas “listening parties” (shows para divulgar as faixas do álbum) que movimentaram a internet desde o fim de julho. O primeiro show ocorreu em Atlanta, Georgia, e deu o que falar: assim que Kanye entrou no campo vazio – de balaclava e vestido de vermelho da cabeça aos pés – os fãs notaram que o rapper não performaria as músicas da forma tradicional. Todas as canções apresentadas (o álbum não foi tocado na íntegra na data) foram emitidas por caixas de som, não cantadas, com Kanye sendo também um espectador do show que dançava e se emocionava no meio do estádio. Para muitos, o primeiro evento seria uma metáfora para partes difíceis de sua vida, a quebra de sua reputação e os momentos baixos e solitários de sua carreira.

Na segunda apresentação, os temas foram as frustrações, a raiva e o medo. Seus problemas com a política, os paparazzis e o público foram colocados por meio da moda – coletes a prova de balas com recortes semelhantes a espinhos, mais balaclavas e um comportamento que por vezes parecia paranóico. A estética se assemelhava muito a uma prisão, trazendo a ideia do confinamento mental pelo qual West passou durante um longo período. Por isso, o cantor se mostra mais próximo de Deus e da religião, sendo carregado ao céu no fim do show.

Para o terceiro e último show, Ye concentrou seu foco no que parece ser seu norte de vida: sua família, Deus e o amor, colocando-os acima de seu ego. Sendo considerada a listening party mais importante, o evento tinha como cenário uma casa semelhante a uma igreja (e também a sua casa de infância) no centro do palco. Ao longo da apresentação e com o passar das músicas, novos elementos foram surgindo: os polêmicos artistas DaBaby e Marilyn Manson, colocados como pecadores assim como Kanye; um incêndio que mata o rapper e queima a casa, fazendo-o se desprender de sua infância, de sua mãe e de seu passado de pecado; e seu renascimento como um novo homem, no qual West retira a balaclava que usou durante todos os momentos e se encontra com sua ex-esposa Kim Kardashian – vestida de noiva da última alta costura da Balenciaga, a tão misteriosa noiva fantasma – para simbolizar uma nova vida.

O encontro entre Kim e Kanye ao fim do show
Reprodução/Apple Music

Para muitos, a trajetória se assemelha a famosa Divina Comédia de Dante Alighieri, passando pelo Inferno e pelo Purgatório para finalmente chegar ao Paraíso. A primeira fase nos entregou um álbum não finalizado e um Kanye West solitário, perdido e escondido por trás de sua máscara. A segunda nos apresentava um purgatório mental, com músicas mais pesadas e o rapper batalhando contra seu ego, ódio e a paranóia que o perseguiu durante anos para no fim ascender ao Paraíso, no qual renasce como um novo homem sem pecados, retira sua máscara social e encontra Deus, representado por sua ex-exposa.

A participação polêmica de DaBaby e Marilyn Manson

Além de um longo storytelling, a atmosfera que envolve o álbum também tem gerado polêmica pelo envolvimento de Kanye com alguns artistas já fortemente criticados pelo público como Marilyn Manson, cantor acusado por diversas mulheres por agressões sexuais e abuso e o rapper DaBaby, que recentemente teve falas homofóbicas. Além deles, há no álbum participações como a do rapper Chris Brown, condenado por agredir a cantora e sua ex-namorada Rihanna em 2009 e acusado de violência contra diversas outras mulheres.

Kanye, DaBaby e Marilyn Manson
Reprodução/Twitter

Ainda na questão das polêmicas, West teve um desentendimento com sua gravadora, que lançou o álbum sem sua autorização na madrugada do dia 29. O cantor utilizou sua conta no Instagram para se pronunciar, com uma mensagem que dizia “A Universal soltou meu álbum sem a minha aprovação e eles bloquearam Jail pt 2 de estar no álbum”. A música referida seria uma parceria com DaBaby e Manson e mesmo sem ser lançada, recebeu críticas do público. “Um predador sexual e um homofóbico? Por que ele está se associando com essas pessoas ?! A única razão que posso pensar é que Kanye é um lixo absoluto também”, diziam algumas das mensagens dos seguidores.

Não bastasse os eventos e as polêmicas envolvidas, Kanye também desenvolveu através da sua empresa Yeezy Tech em parceria com a Kano, empresa britânica de eletrônicos, o Donda Stem Player, um dispositivo que custa 200 dólares (aproximadamente R$1.050,00). O aparelho possibilita que os fãs personalizem as músicas do rapper em tempo real, ou seja: você pode controlar os vocais, a bateria, o baixo e os samples, isolar as peças, adicionar efeitos e dividir as músicas em partes. Além disso, mesmo que seja um artefato promocional lançado em paralelo ao álbum Donda, o Stem Player pode receber e remixar outras músicas já que possui 8GB de armazenamento.

São diversas as opiniões sobre Donda. Para alguns, o lançamento já tem o posto de melhor trabalho da carreira de Kanye West, enquanto para outros é mais um dos que deveriam acabar no limbo das obras anunciadas mas não publicadas do artista. Ainda assim, é inegável e quase consenso geral que o álbum vai além de seu papel como homenagem fúnebre – é também uma profunda análise do imaginário e da mente de um homem excêntrico. Gostando ou não, Kanye permanece no hall de gênios da indústria musical. 

Viúva Negra e a sexualização das adaptações de quadrinhos no cinema

No dia 8 de julho, aconteceu o lançamento do filme Viúva Negra, filme solo da personagem protagonizada por Scarlett Johansson. O longa já atraiu polêmicas com o processo da atriz alegando quebra de contrato por parte da Disney, mas, outro aspecto do filme também merece atenção: o figurino. 

Desde sua primeira aparição no cinemas em 2010, no filme Homem de Ferro 2, Natasha Romanoff virou uma personagem querida pelos fãs de quadrinhos e filmes de super-heróis. A Viúva Negra permaneceu sendo a única integrante mulher da formação original dos Vingadores no Universo Cinemático Marvel até sua morte em Vingadores: o Ultimato (2018). A falta de representação feminina nesse meio foi notada pela Disney, que começou a tentar corrigir nos últimos anos. A mudança foi perceptível ao observar o tratamento da personagem nos últimos onze anos. 

Em seu primeiro filme, ela é vista apenas como algo a ser desejado, como o próprio Tony Stark diz depois de a ver pela primeira vez: “Eu quero uma”. Essa visão objetificada é totalmente refletida em seu figurino. Um macacão extremamente apertado certamente não é a opção mais óbvia para lutar, muito menos com o decote à mostra. O cabelo perfeitamente solto e cacheado e a bota de salto também não. 

Imagem de Divulgação / Marvel Studios

Apesar de grande parte da personalidade da heroína ser baseada no uso da sensualidade para manipulação, Scarlett Johansson contou esse ano, em entrevista para o site Collider: “Ela é tratada como um pedaço de algo, uma posse – como um pedaço do seu traseiro, na verdade”. A atriz também disse que seu pensamento era diferente na época do filme e que sua autoestima provavelmente era mensurada por esse tipo de comentário.

Ao longo de onze anos, Natasha passou por diversas mudanças de cabelo e algumas de figurino, mas nunca recebeu o desenvolvimento de personagem que merecia. Sua história nunca tinha sido aprofundada e ela era usada apenas como ponto de apoio nos enredos dos outros personagens masculinos, como em Capitão América 2: o Soldado Invernal. Agora, em 2021, com o seu filme solo esperado por muito tempo pelos fãs, a Viúva Negra pode, finalmente, ter o holofote que tanto precisava. 

Com Johansson na produção e Cate Shortland na direção, há uma narrativa focada na evolução da personagem de forma mais humanizada. Essa nova perspectiva é vista na mudança do macacão clássico da Viúva Negra por um branco com mais ênfase no conforto, assim como seu cabelo amarrado longe do rosto em tranças. 

Imagem de Divulgação / Marvel Studios

Para a Collider, Scarlett disse: “Eu tenho um entendimento muito mais evoluído de mim mesma hoje. Eu sou mais compreensiva comigo como mulher – provavelmente não o suficiente, mas me aceito melhor e tudo isso está relacionado ao afastamento dessa sexualização”.

Porém, infelizmente, não é apenas Natasha Romanoff que sofreu com a sexualização e falta de aprofundamento no cinema. A Mulher Maravilha, a Mulher Gato e a Arlequina também passaram por algumas representações carregadas por male gaze e, com o tempo, evoluíram conforme a indústria foi reconhecendo os danos dessa prática. Figurinos totalmente desconfortáveis e nem um pouco apropriado para lutas, peles à mostra vulneráveis, cabelos ao vento e botas de salto alto são parte do combo personagem-feminina-de-quadrinhos que, apesar de poder funcionar no papel, no cinema acaba parecendo absurdo e quase cômico. 

Perto da profundidade e cuidado com qual os homens no mundo dos quadrinhos recebem nas adaptações, é nítido o tratamento injusto e sexualizado que a Viúva Negra e outras heroínas receberam todos esses anos e que, só agora, começaram a ser notadas e discutidas. Quando o constante male gaze é presente no material original da adaptação (HQ’s com personagens – não só femininos – hiperssexualizados), fazer a cópia fiel nas telonas parece lógico para algumas pessoas.

 Porém, é preciso saber entender o que faz sentido manter e o que mudar. Grandes histórias, como essas escritas nos quadrinhos, por vezes precisam  ser ajustadas para conversar com o mundo atual, alcançar novos públicos e sobreviver.

Confira o trailer: