Por trás do DNA: Charles de Vilmorin

O estilista francês Charles de Vilmorin, recém graduando da notória La Chambre Syndicale de la Couture Parisienne, foi indicado para ocupar o cargo de diretor criativo da maison Rochas no início deste ano. 

É especulado que a escolha foi, em parte, por conta de sua herança. O jovem é sobrinho-neto de Louise de Vilmorin — romancista, escreveu Madame de… (1951), livro que foi adaptado para as telonas em 1953 com o filme Desejos Proibidos (Madame de… em francês) de Max Ophüls; poetisa e jornalista francesa; herdeira da empresa de agricultura Vilmorin, fundada há mais de 200 anos. Louise era amiga de Hélène Rochas, esposa e grande musa do couturier Marcel Rochas — fundador da casa. No entanto, segundo o Financial Times, tal ligação era desconhecida até então.

Em entrevista ao jornal, o estilista fala sobre a sua herança artística passada por meio da sua família — sua mãe trabalha como professora de arte — e nega que foi indicado para a posição na Rochas por conta das ligações de Louise de Vilmorin com Hélène Rochas.

Ao invés disso, o designer acredita que a escolha tenha se dado por conta da sua ousadia, criatividade e a coragem de experimentar coisas arriscadas ainda seguindo as normas e tradições da alta costura francesa.

Charles de Vilmorin para Rochas. [Imagem: Charles de Vilmorin/ Reprodução Instagram]

Logo quando foi apontado para o cargo, Vilmorin contou à Vogue que a sua relação com a marca começou ainda qundo pequeno. Na infância, a maison estava presente em sua vida no formato de roupas e perfumes. Em fevereiro, o designer afirmou que a via como um símbolo de pureza e elegância, e que planejava unir o legado de cores e criatividade com o seu próprio toque.

Charles de Vilmorin apresenta a jovial esperança e ansiedade para o futuro. Em entrevista para a Fédération de la Haute Couture et de la Mode, fala sobre o significado e importância do futuro para a indústria: “É importante usar o passado, viver o presente e pensar sobre o futuro. É o papel de um designer pensar sobre o futuro”. Tal esperança é refletida no seu “DNA”.

Ao fazer um mergulho em seu instagram, é possível notar sua assinatura artística de forma prepotente. Seu feed é coberto por desenhos (que lembram os utilizados em seus designs), cores vibrantes no formato de fotografia, arte ou inspiração. Já pelas redes sociais, percebe-se que Charles de Vilmorin é — no sentido mais nú e cru da palavra — um artista.

Charles de Vilmorin: a marca

Ilustrações por Charles de Vilmorin. [Imagens: Charles de Vilmorin/ Reprodução Instagram]

O DNA de Vilmorin é vibrante, colorido, artístico e humano. Com elementos do Cubismo, Pop Art e até mesmo do Modernismo; o estilista cobre suas obras com verdadeiros elementos artísticos muitas vezes negligenciados pelo público geral quando se fala de moda.

A maison Charles de Vilmorin foi fundada em 2020, bem no meio da pandemia do COVID-19. Com o papel do estilista na Rochas, sua marca terá o propósito de se basear em Haute Couture — mais uma vez reforçando o lado artístico de seu criador — com pequenas cápsulas de pronto-a-vestir de tempos em tempos. A primeira coleção lançada foi a de Outono/Inverno 2020.

Segundo o próprio criador, a mulher de Charles de Vilmorin é ”um pouco tímida, um pouco trash. Ela não sabe para onde quer ir mas vai. Ela é tímida e um pouco… Desajeitada”, conta ao Financial Times.

As estrelas do momento foram as jaquetas puffer de poliéster impermeável super coloridas que relembravam uma silhueta dos anos de 1980 com ombreiras super marcadas. Todas as peças são feitas a mão. A coleção de lançamento foi um sucesso, com suas criações usadas em editoriais por grandes revistas como Numéro China.

Desde o início, o designer apresenta sua visão extremamente criativa de forma ousada e direta. A identidade do que será a maison Charles de Vilmorin se deixou clara desde o princípio: cortes ousados e grandiosos, elementos artísticos (seja em cores, texturas ou cortes) e o ponto humano — todos os ítens são feitos a mão por um time pequeno de pessoas.

Mesmo com pouco tempo no mercado, o estilista foi convidado pela Fédération de La Haute Couture et de la Mode para participar da Semana de Alta Costura.

Ele traduziu sua visão criativa repleta de cores, formas e arte para o couture de forma extremamente natural. Para a coleção, Vilmorin pintou todos os tecidos à mão antes de serem costurados em suas formas finais. Tal técnica pode ser notada ao se aproximar das fotografias da coleção. As imperfeições, ou melhor, detalhes de uma tela pintada a mão são evidentes. A falta de simetria e pequenas manchas não contam como defeitos para a visão artística e proposta apresentada. O designer afirma que tira inspiração do familiar — de seus amigos. As linhas e traços menos que perfeitos passam a impressão do conhecido, confortável. O humano que se torna belo por ser único. 

A técnica demorada e delicada de Vilmorin está em tudo da coleção. As cores vibrantes e chamativas são combinadas com silhuetas igualmente espalhafatosas e dramáticas. Charles busca também inspiração na moda dos anos de 1960 com silhuetas familiares. Em uma coleção, Vilmorin carrega a mensagem mais constante em sua geração, a geração Z: a necessidade de encontrar beleza em tempos caóticos, ou ao menos esperar pelo belo e brilhante na linha de chegada. No fashion film, os modelos (amigos de Charles) são apresentados como verdadeiras obras de arte em movimento.

No início deste ano, o estilista apresentou sua terceira coleção — segunda de alta costura. Esta, no entanto, veio como uma grande surpresa por ter um enorme contraste com suas coleções passadas. Em uma coleção inteiramente preta, Charles de Vilmorin descreve a surpresa como apenas um mood.

As peças parecem terem sido tomadas por corvos e imaginadas pela mente de Tim Burton. O estilista, no entanto, mantém o caráter artístico com o uso de penas, cortes complicados (que por vezes lembram tentáculos) e grandes brincos dourados. A coleção de Outono/Inverno Couture parece, em sua maioria, extremamente teatral, com silhuetas pomposas e gigantes. O mood aqui se apresenta como oposto da coleção anterior, uma desesperança e medo do que o futuro aguarda.

Depois dela, o designer volta para sua visão colorida com a coleção cápsula exclusiva para 24 Sèvres — portal de compras de luxo online, pertencente ao conglomerado LVMH.

A perspectiva econômica por trás da indicação ao cargo na Rochas

A introdução de um jovem designer é, mais do que tudo, a tentativa de alcançar um novo público no mercado. As peças da coleção de Primavera/Verão 2022 serão vendidas por um preço mais “acessível” (com a variação de preços para vestidos entre €700 e €3000).

Hoje, a Inter Parfums é a proprietária da maison. O mercado de perfumaria gera para a marca cerca de €40 milhões — número que cresceu desde a compra em 2015. Segundo Philippe Benacin, CEO da Inter Parfums, o crescimento é creditado à introdução de perfumes voltados para o público jovem como Eau de Rochas, Mademoiselle de Rochas e Rochas Girl. 

A licença de todas as coisas fashion, no entanto, são administradas pelo grupo HIM. Esse mercado gera para a casa francesa cerca de €8 milhões, e a proposta é alcançar €20 milhões nos próximos três anos, a fim de equilibrar com o mercado de perfumes.

Para alcançar o objetivo, a marca planeja expandir seu espectro de vendas e apostar também no setor de sapatos e acessórios — segmento da indústria da moda que mais movimenta o mercado.

Rochas de Charles de Vilmorin

Fotos da nova visão artística da Rochas, divulgadas no instagram oficial da marca. [Montagem por Marina Bittencourt]

Para entender a nova Rochas é preciso entender a antiga. Marcel Rochas tinha apenas 23 anos quando fundou a maison, somente um ano mais novo que Charles de Vilmorin quando assumiu a direção criativa da casa. Na época, Rochas foi considerado o estilista da juventude. Indo contrário à grandes personalidades da época como Coco Chanel, ele apresentava silhuetas realmente revolucionárias para o tempo: vestidos bem estruturados com mangas bufantes, saias robustas e arquitetura impecável em suas criações.

Responsável pela criação de saias com bolsos e do casaco ⅔, Rochas tirava suas inspirações do feminino e da emancipação feminina. Suas roupas eram idealizadas com o corpo da mulher em mente. No pós Segunda Guerra, o estilista usou e abusou de peças e silhuetas que buscavam a liberdade e independência feminina. O designer faleceu em 1955 aos 53 anos.

Desde então, a maison passou por diversos diretores criativos. Obteve um breve retorno à glória com a direção criativa de Olivier Theyskens de 2003 até 2006. Na sua coleção de estreia e ao longo do seu tempo na marca, Theyskens apresentou uma visão um tanto parecida com a atual de Vilmorin, isto é, silhuetas grandiosas, dramáticas e inovadoras. Uma ousadia que remete ao fundador.

A Rochas de Vilmorin é, além de tudo, uma tentativa de rejuvenescimento da marca. Mas, também, é um retorno para as bases criativas e espalhafatosas da maison.

O debut do designer na casa francesa ocorreu com a coleção Resort 2022. Embora mais amenas, as silhuetas bufantes e peças estampadas já estavam presentes na chegada do novo diretor criativo. A mudança entre a Rochas de um ano atrás e a atual é gritante. A maison abandonou cortes simples e bem estruturados por silhuetas chamativas e arriscadas. Deixou os tons pastéis e neutros por cores chamativas e estampas psicodélicas.

É jovial, livre, despojada, chamativa, artística e ousada. O designer se preocupa em mesclar o passado e o presente, assim como o seu DNA e a herança da casa. Executa, com certo sucesso, o equilíbrio do jovem com o sofisticado.

Para a coleção de Primavera/Verão 2022 apresentada na Semana de Moda de Paris, Charles de Vilmorin trabalha em suas silhuetas espalhafatosas e complicadas, que são elevadas ao extremo com a escolha de estampas e tecidos igualmente dramáticos. Vilmorin quebra os padrões da marca e traz para a passarela estampas intrigantes com pinceladas do gótico e do punk. A abordagem jovial e chamativa carrega com peso o nome e proposta do novo diretor criativo.

O designer se preocupa com os detalhes. Exibe vestidos, calças e blusas trabalhadas com desenhos e recortes na passarela. Mesmo em looks sem toda a grandiosidade, Vilmorin se preocupa em deixar sua assinatura por meio dos sapatos — botas com franjas, metalizadas ou desenhadas em formato de chamas; tamancos metalizados; sapatos de salto alto cheios de cortes e cores —, brincos e outros acessórios.

O caminho traçado pelo estilista parece levar ao sucesso se conseguir manter e consolidar a identidade da casa. A coleção foi um primeiro gosto da nova era emergente.