“Jackman”: a verdadeira essência de Jack Harlow

O rapper Jack Harlow lançou, no dia 28 de abril, seu terceiro álbum produzido em estúdio, Jackman. O disco leva o primeiro nome do cantor e foi feito em parceria com a Atlantic Records e Generation Now. O anúncio do novo álbum foi feito pelo seu Instagram, apenas alguns dias antes do lançamento, pegando seus fãs de surpresa. 

Capa do álbum Jackman [Imagem: Reprodução/Instagram]

Com aproximadamente 25 minutos e 10 faixas no total, Harlow trouxe músicas que não passam de três minutos, com exceção de uma, além de cantá-las sozinho, sem nenhum featuring; algo que, até então, não tinha sido visto em seus dois últimos trabalhos: Thats What They All Say e Come Home The Kids Miss You. Ambos contaram com a presença de artistas de peso, como Drake, Justin Timberlake, Adam Levine e Lil Wayne. 

O disco começa com Common Ground, uma canção que, ao mesmo tempo que traz as rimas de Jack com um arranjo melódico ao fundo, tornando a faixa uma bela maneira de abrir o álbum. O assunto abordado é a realidade de jovens negros e brancos que crescem nos subúrbios, cercados por uma certa ‘’divisão’’ e por arrogância. 

They Dont Love It vem em seguida, com um beat animado e com uma pegada que lembra um pouco os raps do início dos anos 2000. Ao longo da canção, Harlow refere-se a si mesmo na terceira pessoa, além de deixar claro que está tentando mudar quem ele é; ou melhor, mostrar o seu ‘’verdadeiro eu’’ e parar de se importar com a opinião alheia. ‘’Eu fui suave por tanto tempo, estou tentando ficar forte. F*da-se polir minhas unhas, cara, estou tentando me polir. F*da-se modelar minha barba, estou gostando dela assim’’, canta Harlow na primeira estrofe da faixa. 

Ambitious é a terceira canção. O cantor relembra de todos os seus sonhos quando era mais jovem, focando, principalmente, em sua realidade quando tinha 14 e 19 anos. Ele conta, também, que tudo que parecia inatingível para ele, hoje não é mais. O sucesso alcançado por Harlow é o tema principal desta faixa. Cada um dos três versos é dedicado para falar sobre uma de suas idades, finalizando com a descrição de suas conquistas aos 24. 

A próxima canção tem um ritmo parecido com algumas faixas de Drake, além de alguns vocais muito escutados em Fair Trade. Is That Ight? também fala sobre o sucesso que o rapper vem conquistando ao longo dos anos. No entanto, um questionamento é feito: será que tem algum problema ele não querer todos esses luxos e coisas caras que as outras celebridades têm? Com simplicidade e muita gratidão é a forma como Jack Harlow quer curtir sua vida. Is That Ight? é uma das canções do álbum com o maior potencial para virar um hit. 

Gang Gang Gang aborda a questão da amizade e até onde ele está disposto a ir para defender seus amigos que já fizeram coisas ruins e problemáticas. Com um ritmo mais parado e um beat constante, Jack fala como viu amigos de infância seguirem caminhos que ele nem imaginava, inclusive o encarceramento. No final, o cantor ainda faz questão de deixar claro que, independente da amizade, as pessoas devem ser responsabilizadas pelo o que fizeram.  

‘’Responsabilizamos aqueles que amamos por moral, mas principalmente por medo. A escolha fica clara e anos de camaradagem, de repente, desaparecem. Quase como se você nunca estivesse aqui’’, afirma Harlow na quinta faixa de Jackman.

O álbum segue com Denver, uma faixa que mostra um outro lado de Jack Harlow; um lado cheio de vulnerabilidade e inseguranças presentes no cotidiano do cantor. Mesmo com o apoio da família e de seus amigos, a depressão e a ansiedade ainda são um fator constante na vida dele. A canção é sincera, honesta e crua. O vocal feminino ao fundo traz uma dramaticidade à música, casando muito bem com a letra. 

A sétima canção é No Enhancers, uma das mais curtas de todo o disco. Harlow fala sobre uma garota, dando a entender que ela não está mais em sua vida. A faixa é toda dedicada à ela, com o rapper frisando que não há necessidade de que algo seja feito para mudar sua aparência, deixando claro que gosta dela ‘’natural’’. De todas as músicas de Jackman, é a que menos se destaca.  

It Can’t Be é a próxima, dando uma alfinetada naqueles que afirmam que ele só faz  sucesso  por ser branco, uma discussão que surgiu nas redes ao longo do ano passado após o lançamento de First Class, música que estourou, principalmente, no Tiktok. A melodia da canção em si não é nada especial, é apenas mais um rap. Contudo, a liricidade da faixa é o que surpreende, com Jack botando para fora tudo que sente de forma bem audaciosa. 

‘’Deve ser a cor da minha pele, não consigo pensar em nenhum outro motivo para eu ganhar. Não consigo pensar em uma explicação, não podem ser os anos de trabalho que coloquei. Não pode ser o jeito que eu fiquei com os mesmos amigos. Não pode ser o estilo que ganhei quando entrei, não pode ser’’, desabafou o rapper em It Can’t Be. 

  Jack Harlow [Imagem: Reprodução/Jornal do Rap]

A penúltima canção é a única que ultrapassa a média de dois minutos e meio de duração presentes ao longo de Jackman. Com uma batida forte e cativante, Harlow divide a faixa Blame On Me em três pontos de vista: de seu pai, de seu irmão mais novo e de seu irmão mais velho, dedicando um verso para cada. O caçula se sentiu abandonado por Jack enquanto crescia. O eu-lírico da segunda parte é o próprio Harlow, justificando suas atitudes com o mais novo. Já o terceiro e último é escrito na perspectiva paterna, que tenta explicar o motivo de suas ações. 

O álbum se encerra com Questions. A faixa é, simplesmente, uma tradução literal de seu nome, contendo 33 perguntas feitas pelo rapper a si mesmo. O tema principal desses questionamentos gira em torno de uma autorreflexão sobre sua vida e suas conquistas, além do que o futuro lhe reserva, com um receio de não cumprir as expectativas que foram colocadas sobre ele ao longo dos últimos anos. É uma canção que faz jus à toda honestidade que foi colocada ao longo do disco, sendo uma bela maneira de finalizá-lo. 

Jackman é, sem dúvida alguma, um álbum que tem como objetivo mostrar que Jack Harlow sabe, sim, rimar. Não é super elaborado e cheio de firulas técnicas e melódicas. É simples, o que não significa que é mal feito. Muito pelo contrário, as batidas de fundo foram muito bem escolhidas pelo rapper, além do incremento de vocais em algumas canções que só enriqueceram o disco.

 É ainda mais surpreendente que ele tenha conseguido alcançar esse resultado sozinho. A participação de outros cantores não é nem um pouco necessária para incrementar a obra. Harlow deu conta do trabalho. É nítido que foi um álbum pensado para rebater o criticismo que o rapper vem enfrentando em sua carreira, é como se Jack Harlow tivesse um ponto para provar. 

Jack também acertou no tamanho de seu novo trabalho, mirando no clichê de que ‘’menos é mais’’ e, nesse caso, realmente foi. Com apenas dez faixas, o cantor conseguiu mostrar muito bem sua essência sem tornar o álbum cansativo e maçante. É algo agradável de ouvir, podendo muito bem ser concluído durante algum deslocamento. 

No entanto, o que mais surpreende em Jackman é a vulnerabilidade que o cantor se dispôs a mostrar em algumas de suas canções. Esbanjando talento na liricidade, colocando suas inseguranças para fora e deixando claro que sua vida está longe de ser perfeita; uma imagem muitas vezes perpetuada pelas celebridades. No geral, é um trabalho muito bom, feito para aqueles que realmente gostam de rap, uma decisão um tanto arriscada considerando que os últimos sucessos do cantor tinham uma pegada mais pop. Mas Jackman é um forte concorrente para ser considerado o melhor álbum feito por Harlow até agora.

De Raffa Moreira a Matuê: a ascensão do trap no Brasil

Quem acompanhou as últimas tendências da música nacional e os sucessos que ocuparam a lista de mais ouvidas das plataformas de streaming, com certeza se deparam com alguns nomes do trap, como Filipe Ret, L7nnon, Xamã, entre alguns outros. 

É fato que essa vertente do rap nacional tem ocupado cada vez mais espaço e um dos maiores exemplos disso foi no reality show mais assistido do Brasil: Big Brother Brasil. A própria final contou com um show de Xamã, dono do hit Malvadão 3, que chegou até mesmo a paradas mundiais de música.

Porém, esse fenômeno não surgiu por acaso, mas como um trabalho que se firma há anos no país. O rap, desde seu princípio, sempre foi um dos maiores objetos de identificação cultural nacional. Nomes como Racionais MC, Sabotage, Trilha Sonora do Gueto, Cacife Clandestino sempre estiveram em alta, trazendo em suas letras o que a MPB muitas vezes deixava de lado. Era um grito periférico que trazia em forma de poesia cantada aquilo que muitos não queriam ouvir, uma revolta daqueles marginalizados.

Quem é da velha guarda, muitas vezes luta contra esse ‘filho mais novo’ que está surgindo: o trap. Há quem diga que não tem a mesma força do rap de mensagem e quem compare os novos artistas com personalidades icônicas, como Mano Brown. Embora venha de uma abordagem um pouco diferente, o trap nada mais é do  que uma configuração de vários anexos do estilo.

Mesclando a letra com uma pegada mais envolvente e eletrônica, a vertente chegou ao Brasil carregado por influências internacionais. As letras  explicitam a realidade social, desigualdade, consumo de drogas, racismo, ostentação e o famoso ‘papo de vivência’. O estilo surgiu, a priori, nos Estados Unidos, na cidade de Atlanta, em meados dos anos 2000. 

O som, por sua vez, é caracterizado por um conteúdo mais agressivo do que o do rap em si. Conta com a presença de sintetizadores de som, mas com letras que também tratam de temas relacionados à política e percepções comuns do gênero. 

Trazendo ao cenário nacional, é fato que nomes como Recayd Mob e Raffa Moreira foram os estreantes ao tratar o movimento no cenário nacional. Inspirado em nomes como Travis Scott, Lil Uzi e Rae Sremmurd, o gênero começou a bombar no Brasil entre 2016 e 2019, quando alcançou um aumento de 61% no consumo das produções no Spotify. 

Guarulhos, cidade localizada próxima à capital de São Paulo, foi um dos principais centros do movimento. Lá surgiram personalidades como Raffa Moreira e Klyn, que ganharam reconhecimento após o lançamento de Fiat 1995. Em outros estados, como Espírito Santos, Bahia e Ceará também surgiram nomes que passaram a ocupar a cena, como NOX, WX, Matuê e Baco Exu do Blues, que estreou com a polêmica de Sulicídio, em 2016.

Sulícidio virou alvo de críticas ao trazer abordagens que foram interpretadas como agressivas e importunas. Na ocasião, o rapper afirmou que optou por retirar a faixa das plataformas. 

Baco Exu do Blues explica polêmica relacionada ao Sulícidio

Porém, o que fez com que o trap saísse da bolha foi o hit Brô, de Raffa. O famoso ‘Bro, faz sol’ na época em que foi lançado virou, inclusive, alvo de memes, relacionados ao excêntrico estilo do artistas e a forma da qual ele trouxe um estilo que não era popular no país, e que a princípio, causou um certo estranhamento.

Presente nas paradas de músicas atualmente com o hit Vampiro, Matuê também foi um notável pioneiro na ascensão do estilo, com as faixas Kenny G e Anos Luz. Conhecido também como Tuê, com influências americanas, principalmente com o seu álbum Máquina do Tempo, o cearense trazia sobre suas vivências, ostentação e temas sociais, além da exaltação do Nordeste, em específico, de Fortaleza, sua terra natal. Seu sucesso foi tanto que várias de suas composições alcançaram pessoas que mal estavam envolvidas com o cenário do rap. Matuê é, de fato, um fenômeno.

É impossível falar da popularização do trap e não lembrar do grupo paulista Recayd Mob, o primeiro grupo musical que fez sucesso ao produzir músicas relacionadas ao gênero. Composto por Derek, Dfideliz, Jé Santiago e Igu, a Recayd explodiu com o hit Plaqtudum, que logo na sua primeira semana de lançamento desbancou gêneros que sempre estão no topo das paradas musicais, como o sertanejo. 

A origem do grupo se deve muito a um membro específico, Derek, que aos seus 16 anos notou que um movimento novo estava surgindo na música, nos Estados Unidos, uma espécie de ‘rap que mesclava com a eletrônica’. Junto com alguns amigos, foi responsável por fundar o que se tornaria um dos maiores grupos mais populares de trap no cenário nacional. 

Dfideliz falou em entrevista ao El País que o intuito da Recayd era trazer elementos estrangeiros e do funk ao trap, como uma forma de inovação ao gênero. “O que a gente fez foi abrasileirar a parada. Levamos a linguagem do funk para o trap”, declarou o artista.

Junto aos nomes mais emblemáticos que fundaram o estilo no Brasil, os artistas foram além da música. O rap, como um todo, sempre ligou a uma vivência no geral, alcançando a moda, vivência e até mesmo o dialeto. E com o trap não foi diferente.

Um dos principais exemplos quanto a isso foi o óculos ‘do Kurt Kobain’, que era usado pelo artista nos seus primeiros clipes de música. Em suma, o trap carrega o que pode ser considerado como um lifestyle – estilo de vida – que não resume os cantores e nem os fãs, a música apenas, como acontece com o pop e outros gêneros, mas que corre para outras áreas também. 

Falando em moda, em poucas palavras é um estilo definido na estética street, urbano. É comum notar a presença de roupas de marca, que vem muito atrelado a ostentação presente nas letras, lembrando inclusive traços do funk. Nomes como Lacoste se tornaram inclusive nome de música, como no caso do artista Kyan. 

Outro item são as famosas pratas, jóias brilhantes muito citadas nos versos, novamente associada à questão da ostentação e do ‘vencer na vida’. Com o passar dos anos, mais nomes passaram a ganhar espaço na indústria e muito do destaque, além da questão musical, se associava ao estilo.

Um dos exemplos é o mineiro Sidoka. Com apenas 23 anos, é considerado um dos grandes expoentes do trap nacional, com um estilo excêntrico e próprio. Doka ganhou o prêmio MTV Millenial Awards 2021 na categoria Trap na cena e participou do documentário Música pelo Brasil: Trap.

[Imagem: Reprodução/Danilo Silva]

Foi introduzido por Djonga, um dos grandes nomes da cena nacional, que trata muito em suas composições questões relacionadas a ir ‘da lama para o luxo’. Porém, o que chama atenção para o artista é a mistura que se faz com elementos do trap, rap, funk e eletrônica. Criando assim uma vertente que tornou suas composições emblemáticas, além de letras que abordam desde suas vivências até pontos relacionados a casos amorosos, como na música Não me sinto mal mais.

O trap foi considerado pela revista VEJA como o ‘novo rock’n roll‘ dos jovens. Cada vez mais é vista a tendência do ‘filho mais novo do rap’ de alcançar trends e conquistar ainda mais o público. Nos últimos tempos, isso foi bastante visto com o hit Malvadão 3, do Xamã, que se tornou uma das principais músicas do verão do último ano após bombar no TikTok. O trap mostrou que cada vez mais está rompendo fronteiras.

No Rock in Rio, evento de música que acontecerá em setembro no Rio de Janeiro, haverá uma programação no palco sunset exclusivamente destinada ao gênero, que contará com a presença de nomes muito conhecidos, como os de L7nnon, Papatinho, que inclusive tem uma música com o jogador do Flamengo Gabigol, Matuê, Teto, entre outros.

Há um outro elemento que também liga todos esses artistas citados anteriormente: a presença do autotune. Muito utilizado lá fora por artistas renomados como Travis Scott, o efeito robótico na voz marca presença em basicamente todas as músicas produzidas. 

Toda essa popularidade tem afetado a indústria musical nacional como um elemento completo. Isso estimulou, até mesmo, o surgimento de gravadoras especializadas no mercado, como a Pinneaple Storm, que é conhecida pelas poesias acústicas, 1Kilo, Mainstreet, Papatunes, entre outras. Estas gravadoras especializadas no gênero, além de serem responsáveis por lançar grandes nomes, acumulam mais de 7 milhões de ouvintes mensais. 

[Imagem:  Divulgação/Thalita Monte Santo]

A popularidade é tão ascendente que muitos cantores estão ocupando lugares dos quais raramente o rap nacional ocupava, como as grandes mídias e televisões abertas. Na última edição do Big Brother Brasil, os participantes popularizaram alguns hits como Freio da Blazer e Gratidão, ambos do L7nnon. Além de algumas canções de Filipe Ret.

Bombou tanto ao ponto de que ambos os artistas foram convidados para cantar em uma das festas do programa mais assistido do país, em um palco onde até mesmo personalidades internacionais marcaram presença. 

A expectativa é que o trap ocupe mais ainda as paradas musicais e se firme cada vez mais  como o novo anexo de um dos gêneros mais tradicionais do Brasil: o rap.