Para quem acompanha o mundo da música no Brasil, não é novidade que o trap esteja ganhando um espaço extraordinário dentro da indústria musical. Nascido como um subgênero do rap, o trap surgiu em Atlanta, Estados Unidos, entre os anos 1990 e 2000. Sempre foi caracterizado por ser um pouco mais “agressivo” do que o rap em si, tanto na letra das músicas quanto na batida. Mesmo com algumas divergências, o trap e o rap ainda se mantêm conectados pelo conteúdo das músicas, que geralmente abordam questões raciais, desigualdade, ostentação e a vida nas periferias.
No Brasil, esse estilo começou a circular e ser aderido em 2013, mas seu consumo ficou muito intenso a partir de 2016, com grandes nomes do trap, como Raffa Moreira, Sidoka e Recayd Mob. O trap foi construído pela ótica cultural, espacial, midiática e social vinda das favelas e periferias, que, inicialmente, em São Paulo, já mostravam uma potência nessa cena. As letras são como poesia e trazem uma visão de como o intérprete vive naquele lugar descrito na canção. Sexo, racismo, desigualdade, dinheiro e as experiências de cada um são o ponto chave do trap, que ao se misturarem com o beat e auto-tune, o tornam um estilo único.
É fato que o trap já é destaque na indústria brasileira, e mesmo que seja um dos estilos mais escutados hoje, a maioria das músicas são interpretadas por homens, trazendo um debate sobre a posição feminina e a visibilidade que possuem na cena atualmente. Assim como no rap, as mulheres tiveram que enfrentar o patriarcado e as questões de gênero para alcançar um espaço digno, mas, mesmo assim, ainda não conseguiram grande reconhecimento no subgênero.
Mesmo que as trappers mantenham a ousadia do estilo que cantam, não deixam que os mesmos temas que são abordados por homens sejam o principal de suas músicas. Com mais glamour, elas inovam na abordagem de questões importantes, principalmente as de gênero, combinadas com pautas raciais e sobre vivências nas periferias. Pode se parecer muito com o que os homens cantam, mas é diferente ao passo que levam representatividade e empoderamento aos ouvintes, principalmente a outras mulheres e meninas que se identificam com as letras.
As chamadas “faixa rosa”, são as “divas da rima”, mulheres empoderadas e maduras nas questões sexual e amorosa, que alcançaram a independência, principalmente financeira, e que fazem música (rap, trap e funk) com temas que identificam em suas vidas reais. O termo “faixa rosa” é muito comum na Região Sudeste do Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, e se refere a essas mulheres que ostentam sua liberdade.
Um exemplo está presente na música Faixa Rosa, da AZZY, cantora destaque na indústria do rap, na qual deixa claro a sua independência: “Ele me chama de braba, de faixa rosa, fala que eu sou gostosa e é doido pra me pegar. Sabe que eu não dependo de ninguém, tenho meu copão também, desencosta que eu quero dançar.”
Muitas se mostraram relevantes na cena e a maioria representa autonomia a outras que pretendem entrar no ramo. Por menor que seja o número de artistas mulheres no trap, é muito importante o incentivo que as presentes e com maior visibilidade levam para as futuras trappers da geração.
Ebony
Ebony nasceu em Queimados, na Baixada Fluminense, e começou a fazer sucesso aos 18 anos, quando gravava músicas autorais direto do seu celular, por meio de aplicativos que disponibilizavam beats. Em março de 2019, lançou sua primeira música oficial, Ca$h Ca$h e depois continuou gravando hit atrás de hit. Em entrevista ao João Vitor Pena para o Medium, Ebony fala sobre como é ser considerada a primeira trapstardo Brasil: “Eu gosto de ser a primeira mulher a fazer trap no Brasil, mas isso me assusta, porquê já era pra ter mais!”.
Em Bratz, um de seus primeiros hits, ela rima sobre a posição da mulher no cenário, sobre ostentação e hype, exatamente como o trapé traduzido como uma expressão musical de sua realidade. Hoje, com mais de 253.126 ouvintes mensais no Spotify, Ebony foi a única mulher a aparecer no documentário de 2019 produzido pelo streaming, “O trap nacional mostra a que veio”. Desde então, se consolidou como uma das maiores trappersdo país e inspiração para outras mulheres na cena.
Onnika
Nascida em Diadema, São Paulo, Onnika começou a fazer sucesso com apenas 19 anos, ao lançar seu primeiro single Ayo Bih, música que é recheada de ostentação e empoderamento. Depois disso, lançou hits com grandes nomes da cena, como Bin, Tasha e Tracie, Febem, Ebony e outros. Em 2022, lançou o ep ONNiKA, onde mistura vocais bem trabalhados com grandes características do trap.
Cristal
Ganhando destaque na cena do trap nacional nos últimos anos, a artista Cristal, de Porto Alegre, é um dos nomes mais promissores da cena. Ela já se dedicava à poesia antes de entrar para o mundo da música, mas se destacou quando lançou o single Ashley Banks, em 2019, que faz referência ao seriado Um Maluco no Pedaço e quebra a lógica do racismo, o qual associa pessoas negras à pobreza e à miséria. Cristal participou da faixa Deus Dará, de Djonga, e ganhou muita notoriedade ao mostrar sua voz imponente na música.
Suas letras abordam, sobretudo, questões raciais e sociais, levando o que passou em sua vida para as letras de suas músicas. Seu último lançamento foi o álbum Quartzo. Nele, cada faixa representa um cristal e um pedaço da sua vida: “A música e a poesia são quase como livros abertos sobre a nossa vida. Sempre senti esse incômodo e, ao mesmo tempo, essa necessidade de falar. Isso está sempre me dividindo como artista e como pessoa.”
Tasha e Tracie
As irmãs Tasha e Tracie, aos 26 anos, estão despontando na indústria do trap nacional. Elas são as responsáveis por criar o Expensive Shit, nome do blog onde falam sobre a valorização da população negra nas periferias por meio da arte, moda e informação. Já eram ativistas desde cedo. Trabalharam sempre em prol das lutas raciais e periféricas e através disso, começaram uma carreira na moda, transformando peças a partir de roupas compradas em brechós e criando um estilo próprio, seguindo sua ancestralidade e gosto.
A entrada das irmãs no mundo da música começou em 2019, quando lançaram o álbum Rouff. Seguiram com o disco Diretoria, lançado em 2021, repleto de brasilidades, faz referências à escolas de samba, lifestyle e claro, empoderamento: “Enxergamos ‘Diretoria’ como um pé na porta. A gente tentou passar um recado que somos MC’s, sem essa de RAP de Mina.”, comentou Tasha ao Portal Popline.
A última parceria foi com Ludmilla, em Sou Má. A música se tornou hit em pouco tempo e já alcançou mais de 4 milhões de reproduções no Spotify. Além de fazer parte de uma nova fase da carreira de Ludmilla, que está se aventurando em novos gêneros musicais, também representa um grande símbolo de representatividade na junção de três mulheres negras que cantam sobre autoestima, independência e ostentação de suas próprias conquistas.
Ebony, Onnika, Cristal e Tasha e Tracie são apenas algumas das representantes de uma cena complexa, ampla e repleta de mulheres diferentes, com vivências e realidades distintas. Suas ações dentro do movimento devem ser enaltecidas como símbolo da representatividade e empoderamento que levam em suas rimas, e onde apresentam o resultado de uma grande luta para ganhar espaço dentro de um ambiente que sempre foi majoritariamente masculino e ainda deve ser conquistado por muitas outras “divas da rima”.